Mito desfeito! Pesquisa indica que não há dose segura de agrotóxico

Trabalho do Instituto Butantã aponta riscos em dez dos principais pesticidas usados no País

Roberta Jansen, O Estado de S.Paulo

RIO – Uma análise de dez agrotóxicos de largo uso no País revela que os pesticidas são extremamente tóxicos ao meio ambiente e à vida em qualquer concentração – mesmo quando utilizados em dosagens equivalentes a até um trigésimo do recomendado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Encomendado pelo Ministério da Saúde e realizado pelo Instituto Butantã, o estudo comprova que não existe dose mínima totalmente não letal para os defensivos usados na agricultura brasileira.

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A metodologia é considerada de referência mundial; de acordo com Mônica, os produtos, ‘se não matam, causam anomalias’ Foto: JF DIORIO/ESTADÃO

“Não existem quantidades seguras”, diz a imunologista Mônica Lopes-Ferreira, diretora do Laboratório Especial de Toxinologia Aplicada, responsável pela pesquisa. “Se (os agrotóxicos) não matam, causam anomalias. Nenhum peixe testado se manteve saudável.” A pesquisa foi originalmente encomendada pelo Ministério da Saúde à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Em gesto considerado corriqueiro entre institutos de pesquisa, a Fiocruz pediu ao Instituto Butantã que realizasse o estudo, uma vez que tinha mais expertise nesse tipo de trabalho.

No Butantã fica a Plataforma Zebrafish – que usa a metodologia considerada de referência mundial para testar toxinas presentes na água, com os peixes-zebra (Danio rerio). Eles são 70% similares geneticamente aos seres humanos, têm um ciclo de vida curto (fácil de acompanhar todos os estágios) e são transparentes (é possível ver o que acontece em todo o organismo do animal em tempo real). O laboratório pertence ao Centro de Toxinas, Resposta-Imune e Sinalização Celular (CeTICS), apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

De acordo com o pedido do Ministério da Saúde, os cientistas testaram a toxicidade de dez pesticidas largamente utilizados no País. São eles: abamectina, acefato, alfacipermetrina, bendiocarb, carbofurano, diazinon, etofenprox, glifosato, malathion e piripoxifem. As substâncias são genéricas, usadas em diversas formulações comerciais.

Os pesquisadores testaram diferentes concentrações dos pesticidas, desde as doses mínimas indicadas até concentrações equivalentes a 1/30 dessas dosagens. As concentrações dos pesticidas foram diluídas na água de aquários contendo ovas fertilizadas de peixes-zebra. Em seguida, em intervalos de 24, 48, 72 e 96 horas, os embriões foram analisados no microscópio para avaliar se a exposição havia causado deformidades e também se tinha inviabilizado o desenvolvimento.

Testes

Cada substância, em cada uma das dosagens determinadas, foi testada em três aquários diferentes, cada um com 20 embriões – uma forma de triplicar resultados, garantindo acurácia. “Acompanhamos o desenvolvimento dos embriões, verificando se apresentavam alterações morfológicas, se estavam desenvolvendo a coluna vertebral, os olhos, a boca, se o coração continuava batendo”, explicou. “E, após o nascimento, também o nado dos peixinhos.”

Três dos dez pesticidas analisados (glifosato, melathion e piriproxifem) causaram a morte de todos os embriões de peixes em apenas 24 horas de exposição, independentemente da concentração do produto utilizada. Esse espectro foi da dosagem mínima indicada, 0,66mg/ml, até 0,022mg/ml, que teoricamente deveria ter se mostrado inofensiva.

O glifosato é, de longe, o defensivo mais usado na agricultura brasileira: representa um terço dos produtos utilizados.

Também é considerado muito perigoso. A substância é relacionada, em outros estudos, à mortandade de abelhas em todo o mundo. É apontada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como potencialmente cancerígena para mamíferos e seres humanos. O uso do glifosato é proibido na Áustria e será banido na França até 2022.

Os outros sete pesticidas analisados (abamectina, acefato, alfacipermetrina, bendiocarb, carbofurano, diazinon, etofenprox) causaram mortes de peixes em maior ou menor porcentagem, em todas as concentrações testadas. E mesmo entre os que sobreviveram “muitos apresentavam padrão de nado alterado que decorre da malformação das nadadeiras ou que podem sinalizar problemas neuromotores decorrentes da exposição ao veneno”.

Indícios

Os resultados obtidos nos peixes, segundo os cientistas, são um forte indício da toxicidade dos produtos ao meio ambiente. Eles também apontam que pode haver danos aos seres humanos. “Nunca poderemos dizer que será igual (ao que foi observado nos peixes)”, afirmou a pesquisadora. “Mas, como geneticamente somos 70% iguais a esses animais, é muito alta a probabilidade de que a exposição aos agrotóxicos nos cause problemas.”

De qualquer forma, sustenta a pesquisadora, o estudo é um importante alerta. “Essas substâncias podem causar sérios problemas aos trabalhadores que as manipulam e ao ecossistema como um todo”, disse. “Conforme o agrotóxico é borrifado nas verduras e nas frutas, ele cai no solo, na água, contamina todos os animais que estão ali e também o homem que se alimenta desses animais e desses vegetais. É uma cadeia.”

Responsável pelo Atlas Geografia dos Agrotóxicos no Brasil, Larissa Mies Bombardi, do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), concorda com a colega. Para ela, os peixes funcionam como sentinelas, apontando um problema maior. “É o mesmo caso das abelhas, dos polinizadores”, afirmou. “Os sentinelas revelam que algo maior está acontecendo, algo que vai além daquela espécie.”

Pesquisador de Saúde Pública da Fiocruz, Luis Claudio Meirelles ocupou, por mais de uma década, a gerência geral de toxicologia da Anvisa. Segundo ele, a situação atual do País no que afirma respeito ao uso dos defensivos agrícolas é preocupante. “Somos campeões no uso de agrotóxicos no mundo e dispomos de uma estrutura de controle e vigilância muito aquém dos volumes utilizados e dos impactos provocados”, afirma.

“Além disso, os investimentos em pesquisa são muito baixos e, nos últimos tempos, tivemos uma liberação absurda de produtos, além de uma nova normatização para classificação e rotulagem de agrotóxicos. Socialmente, o País está perdendo. Estamos no caminho contrário do resto do mundo”, diz Meirelles.

3 perguntas para Leonardo Fernandes Fraceto, professor da Unesp de Sorocaba

1. O que aconteceria se o uso dessas dez substâncias testadas pelo Instituto Butantã fosse proibido? 

Não é possível banir esses dez produtos. A minha visão é que não há como produzir alimentos para suprir o que o mundo precisa sem usar moléculas e formas de controle de pragas. A questão é a toxicidade relacionada à concentração usada e o tempo de exposição.

2. A concentração e o tempo de exposição não são levados em conta?

Teoricamente, se as indicações de uso forem seguidas, não deveria haver problemas. Mas a questão é que está trazendo problemas. Temos resíduos, contaminação da água, uso maior do que o devido, enfim…

3. E qual seria a solução?

Acho que o grande erro da agricultura hoje é querer solução única, uma bala de prata. Não vejo como resolver esse problema com uma única solução. Tem de haver uma combinação de estratégias. Porque existem muitas estratégias: controle biológico de pragas, moléculas sintéticas, pesticidas de origem natural, óleos essenciais, formas de manejo de culturas, formas de monitoramento de plantações para checar os níveis de infestação. É preciso fazer associações, ter opções mais inteligentes do que pulverizar uma única substância em concentrações maiores que as recomendadas. Ou vamos continuar a ter problemas. 

Ministério e Anvisa afirmam não ter visto dados

O Ministério da Saúde confirmou que “encomendou a pesquisa à Fiocruz no fim de 2017”, mas destacou que não recebeu o estudo. “No que cabe ao tema dos agrotóxicos, o levantamento teve início em 2019 e, por isso, a pasta ainda não tem como compartilhar nem comentar os resultados.”

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que também não recebeu a pesquisa e, por isso, não seria possível “avaliar suas conclusões ou o peso das evidências”.

A agência esclareceu, no entanto, que acompanha todos os dados novos sobre produtos agrotóxicos e as novas evidências científicas são avaliadas. “Os produtos agrotóxicos são submetidos a um processo de reavaliação que consiste na revisão dos parâmetros de segurança à luz de novos dados e conhecimentos”, informou.

O órgão federal lembrou que esse procedimento é necessário porque, diferentemente do que acontece com outros produtos, o registro dos defensivos agrícolas não tem tempo de validade. A Anvisa informou ainda que, dos dez produtos citados, o carbofurano foi reavaliado em 2017 e está proibido. Disse ainda que o glifosato está em processo de reavaliação.

Para lembrar

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou este ano 290 agrotóxicos. Pelo ritmo das liberações, a tendência é de que seja batido o recorde de 2018, quando o governo de Michel Temer autorizou a comercialização de 450 substâncias. A maioria não é propriamente de novos produtos, mas sim de novas formulações para substâncias anteriormente liberadas, diz a Anvisa.

Embora aprovadas pelas regras brasileiras e consideradas seguras quando manuseadas corretamente e nas doses indicadas, muitas são proibidas nos EUA e na Europa. Mês passado, a Anvisa também fez reclassificação e mudou a rotulagem. Segundo a agência, essa decisão visa a seguir um padrão internacional. Porém, como alertaram cientistas, a nova classificação reduz significativamente o número de defensivos categorizados como “extremamente tóxicos”.

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Este artigo foi publicado originalmente pelo jornal “Estadão” [Aqui!].

Plano Real: o mito da estabilidade e do crescimento

Por Nildo Ouriques

A vida sustentada pelo antigo mito da estabilidade em que se apoiaram os governos tucanos já não é mais possível e, de certa forma, tampouco o governo petista pode manter o controle da situação apenas com o “princípio de transformação da matéria mítica”, o crescimento.

 O Plano Real é o maior pacto de classe conquistado pela burguesia brasileira após abril de 1985. Fernando Henrique Cardoso lançou mão da antropologia estrutural de Lévi-Strauss para justificar sua adoção poucos dias antes de sua eleição para a Presidência da República ao assinalar o caráter simbólico, de extração mítica, da estabilização monetária. “A minha experiência de campanha é a seguinte: tudo aqui é simbólico. Você necessita criar um mito. E tem que contar a mesma história repetindo quem é bom e quem é mau. Tem que ter dois ‘Y’ e vai mudando na estrutura do mito, como Lévi-Strauss. É binário: o bem e o mal. Tem que contar durante toda a campanha de várias maneiras, o mesmo mito. Em nosso caso é a moeda. O que é o mal? A inflação. O que é o bem? A estabilização. Foi o que fizemos. A cada momento eu ataco outra vez o mito principal. Mito no sentido antropológico. Você tem que chegar à estrutura mais elementar e insistir nela. A cada três ou quatro programas eu volto ao assunto. O real é bom, a inflação é má. Quem está com a inflação são os maus, quem está com o real são os bons. Foi apenas isso.” (Veja, 27 set. 1994)

Enfim, o mito da moeda forte deu a eleição a FHC. No entanto, ainda que exale certa elegância, a lição estava incompleta. A antropologia estrutural de Lévi-Strauss, o antropólogo francês, revela a estrutura binária do mito, mas indica também, em outro texto, a importância da “morte dos mitos”, algo útil para analisar a situação atual quando observamos sinais de exaustão social com a estabilidade monetária.

No contexto brasileiro, quando as dificuldades do Plano Real se revelaram no segundo mandato de FHC e amplos setores sociais começaram a exigir o crescimento econômico, ocorreu o “princípio de transformação da matéria mítica”, ou seja, do mito da estabilidade nasceu o mito do crescimento econômico. Na primeira fase – os dois mandatos de FHC –, a função do mito garantiu a necessidade burguesa da estabilidade monetária. O ativismo sindical da época inflacionária não somente desacreditava o mercado, como indicou o comportado Keynes, mas, sobretudo, permitia que a luta dos trabalhadores para recuperar o poder de compra corroído pela inflação alta impulsionasse níveis de consciência crítica maior no sindicalismo brasileiro. No período presidencial de Lula, quando a estabilidade já era “pão comido” e as novas gerações já não se iludiam com o fantasma da volta da inflação – na realidade, estavam muito mais interessadas na luta contra os baixos salários –, surgiu no final do primeiro mandato (2003-2006) o mito do crescimento, ou seja, o princípio da transformação da matéria mítica que consta na antropologia estrutural do professor francês que se fez intelectual na colonização da USP.

Não há, portanto, oposição entre a fase neoliberal do Plano Real(governo FHC) e a emergência da fase desenvolvimentista (governos Lula e Dilma). Há, antes de tudo, necessária continuidadeentre os dois governos, ainda que a fabricação da opinião pública insista na oposição partidáriaentre petistas e tucanos, como se, de fato, ambos não compartilhassem a mesma razão economia-política. Na prática, tem razão Gilberto Vasconcellos ao afirmar a existência do “petucanismo”, essa perversa forma de dominação burguesa que perpetua odesenvolvimento do subdesenvolvimentono país, limitando o destino da nação à condição de um anão no jogo de poder mundial, da mesma forma que realiza uma inédita digestão moral da pobreza conveniente para as classes dominantes e, de quebra, exibe a impotência da burguesia industrial comandada por São Paulo.

Não há que se iludir sobre o fundamental, pois tanto a fase da estabilidade econômica quanto o posterior “crescimento” outro destino não possuem senão a manutenção do país na condição de um gigante com pés de barro. Ambas as fases – a estabilidade e o crescimento – têm um custo demasiadamente elevado e comprometem não somente o futuro das próximas gerações, mas impedem, de maneira radical, a construção de um projeto nacional. Não deixa de ser expressão desse pacto de classe a quase coincidência entre os economistas de todos os candidatos com possibilidades eleitorais nas eleições que se aproximam. As divergências entre eles estão reduzidas quase que exclusivamente a uma “crise gerencial”, como se estivéssemos limitados a uma crise de competência na gestão da mesma política.

Nesse contexto, não haverá jamais – ao contrário da ideologia que rola entre os economistas como se fosse conhecimento científico – a possibilidade de uma combinação ótima entre as metas de inflação de um lado e a taxa de juros e de câmbio de outro, condição necessária para abrir a senda do crescimento. Há grave regressão intelectual na ciência econômica, pois os economistas se especializaram em explicar como o mundo deveria ser, e não as razões pelas quais ele é como é. Em consequência, atuam como ideólogos e destinam seu tempo e “teorias” ao ocultamento sistemático da realidade. Assim, ignoram as razões que levaram as distintas frações do capital ao desprezo das condições favoráveis existentes entre 2004 e 2008 para inaugurar a desejada fase de crescimento sustentado. Afinal, por que as travas do crescimento não foram removidas se as condições internas e externas eram então favoráveis?

Ao contrário do perigoso consenso estabelecido entre os economistas, opino que o megaendividamento estatal, a superexploração da força de trabalho e a severa regressão industrial são obstáculos insuperáveis para uma nova fase de expansão produtiva.

O Plano Real, o pacto de classe que paralisa o Brasil, sustenta-se sobre três pilares. O primeiro deles – tanto na fase da estabilização (FHC) quanto na do suposto crescimento (Lula/Dilma) – é o gigantismo do endividamento estatal (interno e externo). Em junho de 1994, a dívida interna não superava R$ 64 bilhões e FHC concluiu seu segundo governo com R$ 700 bilhões. Lula não ficou atrás: após oito anos, a dívida interna alcançou R$ 1,5 trilhão e Dilma tampouco vacilou em superar os R$ 3 trilhões. Na mesma direção, o endividamento privado externo voltou a crescer e contribui de maneira direta para manter o automatismo da dívida segundo o qual quanto mais o país “paga”, mais a dívida cresce!

A consequência necessária dessa opção é que em nenhum ano o Estado brasileiro destinou menos de 44% do orçamento para o pagamento dos juros e dividendos da dívida. O superendividamento estatal trouxe duas consequências nefastas: por um lado, inibiu severamente a taxa de investimento estatal, variável indispensável para impulsionar o investimento privado que a política desenvolvimentista requer e, por outro, naturalizou o princípio neoliberal de austeridade fiscal, permitindo somente em termos marginais programas sociais consistentes e a melhoria da infraestrutura que os neoliberais exigem. É fácil observar a incapacidade do Estado brasileiro – prisioneiro do automatismo da dívida – e a impotência dos governantes diante do quadro. Quando explodiram as jornadas de junho, as propostas para melhoria do transporte público exigidas por milhões de pessoas não foram mais do que cosméticas, como podemos agora comprovar. Os empresários reclamam da elevada carga tributária como se esta não fosse, de fato, um princípio do endividamento estatal programado em junho de 1994, quando o Banco Central elevou a taxa de juros aos incríveis 49,9%. Em oposição, eles preferem afirmar que a dívida é resultado de um Estado ineficiente e perdulário, “tese” sem qualquer sustento.

O segundo pilar do Plano Real é a superexploração dos trabalhadores, agora devidamente ocultada pela ideologia da emergência da “nova classe média” e as “teorias” do “precariado”, entre outras. A Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República divulgou há poucas semanas a metodologia que terminou por criar uma poderosa classe média em nosso país. Agora, a classe média altaestá definida pela rendapercapitaentre R$ 741 e R$ 1.019! Não é um luxo?

Antes da novidade, o quadro já era gravíssimo, pois no Brasil pelo menos 76% da população economicamente ativa recebe até três salários mínimos. A economia política inglesa ensina desde os tempos de Adam Smith (1776) a importância do salário mínimo necessário– aqui no Brasil calculado pelo Dieese –, que alcançou em junho o valor de R$ 2.979,25, razão pela qual mais de 80% da PEA não atinge sequer as condições mínimas de reprodução da força de trabalho. Contudo, não estamos de mãos abanando. No lugar da antiga lição da economia política inglesa, o governo – e a oposição tucana também! – lançou mão da caridade cristã na forma de política social. A política social criada no governo FHC e turbinada por Lula mais tarde destina migalhas da riqueza social aos pobres e simula a impressão de que os governos petistas são mais sensíveis do que os tucanos. Ninguém ignora o desprezo aos pobres e a violência contra os sindicatos durante o governo de FHC, mas não se pode tampouco desprezar o fato de que a riqueza pública cresceu de maneira expressiva na última década, razão pela qual as migalhas foram um pouco maiores nos governos petistas. No limite, a política social serve na prática de ideologia para a solução da “questão social” no estreito marco de um país dependente, onde, supostamente, já não seria mais um “caso de política” (Washington Luís) e poderia – na versão oficial – ser resolvida sem tocar na propriedade privada e/ou no poder político. Sem dúvida, o melhor dos mundos possíveis para a classe dominante! À classe média – e seus porta-vozes na TV que execram a política social petista e denunciam seu suposto caráter “populista” – fica garantida a paz social, pois os pobres já não são detentores de uma razão iracunda indispensável para a sobrevivência política e social e combustível necessário para o protesto social, mas se limitam à simulação de uma “cidadania” – necessariamente passageira e limitada – do consumo, sem custo maior para o Estado. Eis a razão pela qual, para dar apenas um exemplo, o principal programa do governo – o Minha Casa, Minha Vida – é tão modesto, incapaz de enfrentar ou sequer diminuir o déficit habitacional de 13 milhões que o país acumula.

Por isso, ao contrário do que diz a propaganda petista, os tucanos jamais revogarão os programas sociais dos últimos governos porque aqueles são parte de uma estratégia de dominação que interessa a ambos. Nenhum candidato da oposição eliminará os programas sociais e tampouco há sinais de que estamos diante da emergência de uma direita fascista capaz de atacar os pobres.

O terceiro pilar do Plano Real é o reforço do país numa posição adversa na divisão internacional do trabalho, ou seja, como mero exportador de produtos agrícolas e minerais. Esse processo aparece sob a forma de uma denúncia genérica contra a “desindustrialização”, cuja solução poderia ser – como indicam os tucanos – a redução ainda mais radical dos custos industriais via abertura industrial mais profunda destinada a importar peças, máquinas e equipamentos de países como a China. O governo descarta o nacionalismo econômico (política industrial) na pretensão de que com renúncia fiscal destinada a manter o consumo de geladeiras ou carros fosse possível constituir um projeto nacional e manter o pacto entre o capital transnacional e as frações perdedoras do agonizante capital nacional.

Contudo, contraditoriamente, há vida na agonia. A taxa de câmbio que denunciam sobrevalorizada é a mesma que permite aos industriais lucros extraordinários e, obviamente, dólar abundante e barato para importação de máquinas e equipamentos que aumentam a produtividade do trabalho e condenam o processo de industrialização que simulam defender. Os comerciantes não ficam atrás e se lançam no Sudeste Asiático na compra de todo tipo de mercadorias com as quais inundam o mercado interno, “segurando” a pressão inflacionária e aprofundando a desnacionalização.

A experiência histórica demonstra que não pode existir mercado interno forte sem nacionalismo econômico. Ademais, a manutenção da superexploração da força de trabalho e a acelerada desnacionalização da produção de máquinas e equipamentos fecham o cerco contra as ilusões desenvolvimentistas segundo a qual o mercado interno seria capaz de sustentar a expansão de taxas de crescimento superiores às modestíssimas exibidas no governo da presidente Dilma. O fim da reforma agrária em nome da expansão da fronteira agrícola destinada à produção para exportação elimina qualquer esperança num projeto nacional de desenvolvimento. Contudo, é indispensável para manter o pacto entre latifundiários e transnacionais, além de contemplar capitais industriais e comerciais nacionais.

Os sinais de esgotamento do pacto chamado Plano Real são claros. O crescimento não chegou, causando inocultável constrangimento aos desenvolvimentistas; além disso, mesmo a modestíssima pressão inflacionária permite aos neoliberais o clima necessário para retomar a iniciativa política exigindo mais “reformas” na direção de eliminar direitos sociais considerados excessivos num país dependente e a afirmação da velha ortodoxia neoliberal. No limite, todos os candidatos à sucessão presidencial tramam em silêncio um novo ajuste que será considerado tão inevitável quanto necessário para o futuro da nação após as eleições. As greves voltaram nos últimos dois anos e o humor dos trabalhadores com a promessa de estabilidade e/ou crescimento não é o mesmo de outros tempos. A vida sustentada pelo antigo mito da estabilidade em que se apoiaram os governos tucanos já não é mais possível e, de certa forma, tampouco o governo petista pode manter o controle da situação apenas com o “princípio de transformação da matéria mítica”, o crescimento. No mundo em crise, não pode haver dúvida a respeito: somente quando os trabalhadores superarem a condição cativa em que ainda se encontram poderão inaugurar um novo tempo em que construirão seu futuro com a energia criadora de suas próprias mãos, governados exclusivamente pela consciência crítica de seus próprios interesses.

Fonte: Diplomatique

Nildo Ouriques – Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais e membro do Instituto de Estudos Latino-americanos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Dissertação de mestrado derruba mito do uso seguro de agrotóxicos

Entre os aspectos levantados em dissertação de mestrado, estão o descarte inadequado e a aquisição do veneno sem qualquer instrução

Por Any Cometti
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A Campanha Contra os Agrotóxicos divulgou uma pesquisa que comprova a inviabilidade do uso seguro de agrotóxicos. A dissertação de mestrado do pesquisador Pedro Henrique de Abreu conclui claramente que “[não existe] viabilidade de cumprimento das inúmeras e complexas medidas de “uso seguro” de agrotóxicos no contexto socioeconômico destes trabalhadores rurais”. O trabalho foi aprovado no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

A pesquisa foi feita no município de Lavras (MG), onde foram visitadas 81 unidades de produção familiar em 19 comunidades. O pesquisador tentou verificar a viabilidade do cumprimento dos manuais de segurança da indústria química e do Estado na agricultura familiar. Durante a pesquisa, foi possível constatar que a aquisição dos agrotóxicos é feita sem perícia técnica e a receita é fornecida por funcionários das lojas, sem que os agricultores recebam instruções na hora da compra. Além disso, o transporte dos produtos tóxicos é feito nos veículos convencionais, que não atendem aos requerimentos de segurança. Os agricultores também não recebem os documentos de segurança necessários para a operação.

Essas constatações derrubam o mito de que existe um possível uso seguro de agrotóxicos. O pesquisador constatou ainda que o armazenamento dos produtos nas propriedades rurais é inadequado e que o tamanho das terras impede que seja respeitada a distância segura entre o local das aplicações e as casas e fontes de água. A lavagem dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI), usados na aplicação dos agrotóxicos, também é inadequada, sendo comparada a uma atividade doméstica comum e realizada sem que qualquer cuidado.

Diversas pesquisas anteriores já alertaram para o perigo do contato e do uso de agrotóxicos, tanto para aqueles que o manuseiam quanto para os que o consomem o alimento contaminado. Em fevereiro deste ano, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição referência em pesquisas no setor da saúde no Brasil, publicou uma carta aberta à sociedade brasileira em que considera inaceitáveis as recentes modificações na legislação que regula o uso de agrotóxicos no País. No documento, a Fiocruz reitera o perigo ao qual estão expostos trabalhadores e moradores de áreas rurais; trabalhadores das campanhas de saúde pública e de empresas de desinsetização; e populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas, extremamente vulneráveis à ação dos grandes latifundiários. Os riscos, perigos e danos provocados à saúde pelas exposições agudas e crônicas dessas populações aos agrotóxicos são incontestáveis, segundo a instituição, com base na literatura científica internacional.

Um dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) apontou que dos 50 produtos mais utilizados nas lavouras brasileiras, 22 são proibidos na União Europeia, o que faz com que o país seja o maior consumidor de agrotóxicos já banidos em outros locais do mundo, de acordo com a entidade. Estudos publicados por pesquisadores do País comprovam que a exposição prolongada aos agrotóxicos causa ataques ao sistema nervoso, ao sistema imunológico, má formações, atinge a fertilidade, e possui efeitos cancerígenos.

De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão responsável por liberar tais produtos no país, o mercado brasileiro de agrotóxicos cresceu 190% nos últimos 10 anos, um ritmo muito mais acentuado do que o do mercado mundial, que foi de 93% no mesmo período. Desde 2008, o Brasil é campeão global no uso de agrotóxicos e atualmente concentra cerca de 20% do uso mundial. O Espírito Santo, que já foi campeão brasileiro, é o terceiro da federação que mais faz uso de agrotóxicos.

FONTE: http://carollinasalle.jusbrasil.com.br/noticias/146505923/dissertacao-de-mestrado-derruba-mito-do-uso-seguro-de-agrotoxicos

 

Porto do Açu: o mito do desenvolvimento encontra a realidade no locação de carros

 

Um dos principais sustentáculos da miragem chamada “Porto do Açu” é de que o mesmo seria uma ferramenta de desenvolvimento regional. Com base nesse argumento, falacioso eu acrescento, tudo de ruim que tem acompanhado a implantação do empreendimento acaba sendo justificado e, pior, naturalizado. Mas a realidade, essa destruidora de mitos, sempre nos traz pequenas evidências que nos permitem dar um passo atrás e ver o que é real e o que é propaganda.

Assim é que tendo locado recentemente um veículo numa das principais empresas que operam na cidade de Campos dos Goytacazes, me pus a um daqueles pequenos fragmentos de conversa que ocorrem no momento de retirada e entrega. Pois bem, ao indagar o nível de aluguéis havia aumentado por causa da suposta volta da normalidade no Porto do Açu, a pessoa que me atendia respondeu que o empreendimento não afeta em nada o que ocorre na cidade dado que todos os carros alugados pelas empresas ali operando ocorrem, no caso desta locadora em particular, na cidade de São Paulo.

Curioso eu perguntei o porquê disso, no que me foi respondido que apenas estabelecidas no município Campos dos Goytacazes podem alugar carros na agência local.  E como a maioria das empresas operando no Porto do Açu não estão aqui estabelecidas, as locações acabam sendo feitas em São Paulo. De onde se depreende que essas empresas estão situadas na capital paulista que dista algo em torno 700 km do Porto do Açu.

Assim, pelo menos no quesito das grandes locações de automóveis, o Porto do Açu é ótimo para o recolhimento de impostos em São Paulo e inócuo na região Norte Fluminense que, em contrapartida, fica com os efeitos das mazelas sociais e ambientais que estão sendo causadas pelo empreendimento.  E a isso dão nome de desenvolvimento?