Blog entrevista advogada e pós-graduanda da Uenf que organizou café da manhã para usuários do Restaurante Popular após o seu fechamento pela Prefeitura de Campos dos Goytacazes

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Uma das medidas que considero mais controversa  e injusta foi o fechamento do Restaurante Popular Romilton Bárbara no dia 9 de Junho (Aqui!). De forma bem antenada com a realidade da ação via redes sociais, esse fechamento foi parcialmente minimizado quando um grupo de amigos que inclui a advogada e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Estadual do Norte Fluminense (uenf), Maria Goretti Nagime, se organizou para oferecer um pequeno café da manhã para os ex-usuários do restaurante fechado pela Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes.

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Maria Goretti Nagime, advogada e pós-graduanda em Sociologia Política da Uenf, durante o horário de distribuição do café da manhã aos ex-usuários do restaurante popular que foi fechada pela Prefeitura de Campos dos Goytacazes em 09/06/2017

Interessante notar que essa ação foi criticada como sendo um estratagema para prejudicar o prefeito Rafael Diniz, inclusive por órgãos da mídia corporativa local.

Como não vi mais informações na mídia sobre a ação de solidariedade iniciada por Maria Goretti e seus amigos, entrei em contato com ela para saber mais sobre a iniciativa, suas finalidades e, principalmente, se o lanche continua a ser servido como ocorreu nos primeiros dias após o fechamento do restaurante popular.

Abaixo seguem as respostas que Maria Goretti ofereceu a um conjunto de questões que enviei via e-mail.  As respostas trazem uma série de reflexões importantes sobre o que ocorre quando o Estado, seja em qual nível de governo esteja, opta por cortar o financiamento de programas sociais para os mais pobres e, principalmente, o que pode ser feito para mitigar os prejuízos que este tipo de opção de recorte neoliberal causa sobre os mais pobres. Mas a entrevista também traz boas notícias, incluindo a que nos informa que o lanche continua sendo servido dentro do melhor espírito de solidariedade que deveria reger as nossas relações sociais cotidianas e, lamentavelmente, continua sendo uma exceção.

Por que vocês decidiram iniciar o oferecimento de café da manhã aos usuários do restaurante popular após a interrupção dos serviços pela Prefeitura de Campos dos Goytacazes?

MARIA GORETTI: Sempre que eu saía do Fórum da Justiça do Trabalho, passava pela fila do restaurante popular. Era muito nítido que o restaurante atendia a pessoas muito simples, incluindo os moradores de rua. O perfil das pessoas que enfrentavam a fila não é o perfil de pessoa que tem R$ 10,00 para comprar um lanche; da pessoa que se dá ao “luxo” de ir a uma lanchonete e escolher o que prefere comer.  São pessoas que almoçavam com R$ 3,00: R$ 1,00 para ir de ônibus ao restaurante, R$ 1,00 para almoçar e R$ 1,00 para voltar para casa.

Quando esse perfil de pessoa com dinheiro contado se deparasse com o portão fechado, teria então dois reais, um para a volta e mais um, que não daria nem para um Guaravita. Voltaria pra casa com fome ou viraria um pedinte. As duas situações são degradantes. Por isso pensei em atenuar um pouco a situação de quem fosse pego de surpresa com o fechamento do restaurante na segunda-feira: iríamos distribuir sanduíche, café e leite. Seria, portanto, somente nesse dia.

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Chamei pra participar 3 amigos que reclamaram do fechamento no Facebook. Fizemos uma vaquinha pra comprar os itens pra 150 pães e 10 litros de café com leite. Colocamos um cartaz dizendo “grátis, sanduíche, leite, café”. Não queríamos uma mensagem política, queríamos só diminuir o problema da fome deles naquele dia.

Percebi de fato que era um ato político quando os jornais da cidade – que não falam de problemas da atual gestão – começaram a procurar defeitos naquele ato simples de dar sanduíche, sem sequer cartaz com fala política. Um ato feito por vaquinha dando comida a sem teto. Esses jornais sempre criminalizaram projetos sociais e pessoas que implementavam os projetos sociais, como o Bolsa Família. Mas afirmavam que falavam mal porque os projetos continham erros de gestão e etc. Mas por que procurar defeitos em 4 amigos fazendo vaquinha pra dar sanduíche a sem teto?

Achei um fato curioso e guardei as reportagens e publicações de políticos da prefeitura que afirmaram que não deveríamos ter feito isso. Pretendo pesquisar no doutorado os projetos sociais de combate à fome que deram certo no mundo e o porquê da marginalização desses projetos sociais.

Tenho desconfiado que projetos de combate à fome geram a ira de classes que obtém vantagens através de exploração da miséria humana. Se todos forem tratados como humanos e tiverem alimentação e moradia, só aceitarão trabalhos que não vão ferir a dignidade humana. Já um cidadão desesperado, com medo de morrer de fome, aceitará trabalhar um dia inteiro no sol por um prato de comida. Desconfio, portanto, que dar um prato de comida ofenda aos exploradores porque dificulta a exploração.

Faríamos a entrega dos sanduíches só na segunda-feira do fechamento, pra amenizar a surpresa ruim de quem contava com isso. Mas uma vendedora do comércio que trabalha em frente ao restaurante popular nos enviou uma foto do dia seguinte, a terça feira. Os moradores de rua estavam no mesmo horário em fila esperando a gente. Ficamos muito incomodados com isso e começamos tentando fazer todos os dias.

Em uma semana tive muitos prazos e pedi pra meu marido tentar cuidar disso sozinho. Foi a primeira semana em que conseguiram fazer em todos os dias da semana.  Ele organizou muito bem os voluntários e doações.  E esta é a quarta semana em que estamos conseguindo fazer todos os dias, graças à Deus.

Em média, quantas pessoas participam da distribuição dos alimentos servidos?

MARIA GORETTI: Geralmente 4 pessoas, mas já conseguimos fazer a distribuição com apenas 3 pessoas.

O que vem sendo servido aos ex-usuários do restaurante popular neste café da manhã?

MARIA GORETTI: Todo dia doamos 300 pães com manteiga e mortadela e 17 litros de café com leite. No primeiro dia chegamos a levar café separado. Senti-me muito boba. Lá eu descobri que ninguém queria o café puro. Os moradores de rua sempre fazem opção pelo que alimenta mais. Isso acontece por dois motivos que agora me parecem muito claros: porque já chegam lá com fome e porque não sabem quando comerão de novo.  

Quantas pessoas estão sendo atendidas no momento e qual é o perfil social delas?

MARIA GORETTI: Damos 300 sanduíches todos os dias, mas sabemos que muitos entram na fila de novo pra repetir. Acredito que atendemos de 170 a 230 pessoas. 70% são de fato moradores de rua, pessoas que vivem em situação sub-humana.  Por outro lado, acredito que os demais 30% sejam pessoas que passam por aperto, mas tem acesso a outras refeições garantidas por dia.

Repito, uma pessoa que tem oportunidade sempre irá preferir escolher um salgado em uma lanchonete. Não enfrentará uma fila no sol ou confiará em um sanduíche dado de graça por um desconhecido.  

Há alguns dias choveu durante a distribuição. Como estou grávida, uma colega moradora de rua me colocou junto dela embaixo de seu guarda-chuva. Parei pra observar a fila na chuva. Você sabe que o morador de rua pra se secar no frio é complicadíssimo. Estava frio, chovendo e ninguém saiu da fila. Vi as pessoas com chinelo de dedo, o pé dentro da lama, com a água da chuva correndo, e eles não saíam da fila. E eles estavam esperando nosso modesto lanche. Foi o dia que mais me marcou.  

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De que forma vocês estão garantindo os recursos necessários para realizar o oferecimento deste café da manhã?

MARIA GORETTI: Eu compro os itens da semana no supermercado e mostro a nota fiscal pras pessoas. Quando alguém pode “cobrir um item” (dizer, por exemplo, que vai pagar o leite da semana ou a mortadela, ou o pão) eu pego o dinheiro da pessoa, circulo o item doado na notinha e escrevo o nome da pessoa que doou. O custo geral é de mais ou menos R$ 600,00 por semana.

Quais são as principais dificuldades que vocês estão encontrando para continuar prestando esta ação social?

MARIA GORETTI: É grande a adesão para doações dos itens e para montar os sanduíches lá em casa toda noite, mas é difícil encontrar pessoas que possam sair do trabalho no meio da manhã para fazer a distribuição aos sem-teto. Por isso peço pra quem tiver um grupo de 4 pessoas e puder ficar responsável de forma fixa por algum dia da semana, eu agradeceria muito.

Claro que quem puder doar os itens ou ficar responsável pela montagem seria muito bem vindo também. Mas o problema urgente tem sido a disponibilidade em horário comercial pra entrega das doações. Quem puder ajudar de alguma forma, entre em contato pelo telefone 22 997374134

Apesar do alto valor social desta iniciativa, já li críticas ao que vocês estão fazendo. O que você teria a responder a quem tem criticado esta iniciativa?

MARIA GORETTI: Diria que quem não tem consciência social, por favor, não atrapalhe quem tem.

Há algo mais que você gostaria de falar e que eu não perguntei?

MARIA GORETTI: Queria pedir à Prefeitura de Campos dos Goytacazes para que, se tiver planos de cumprir o que prometeu na campanha (prometeu não acabar com os programas sociais que estavam em curso), por favor, dê uma data para a reabertura do restaurante. Isso nos ajudaria muito a organizar as doações e os voluntários até essa data. Temos pessoas conscientes dentro da prefeitura e tenho certeza que essas pessoas estão tentando reaver os programas sociais para honrar os votos que receberam, para não manchar sua biografia e principalmente porque tem vocação pró-social mesmo.

Quero agradecer de coração a todos que doaram e doam os itens. Saibam que sem vocês não somos absolutamente nada.

Agradeço a todo o grupo que viabiliza a ação. À Jubiraca, que acorda 6 da manhã pra fazer os 17 litros de café com leite na segunda, terça e quarta, à minha sogra que faz isso na quinta e sexta.  À Carolina, Laís e Stefany, que são as mais atuantes na montagem dos pães. À Amélia , Andressa e Vanessa, que  entregam com a gente. À Grazi, que lutou bravamente até o dia do parto do filho!  À Luid, uma das pessoas mais especiais que já conheci, que sempre dá um jeito de ir lá ajudar a distribuir. Ao Campista Polêmico (Douglas), que foi a primeira pessoa que chamei pra participar, que nunca teve medo de divulgar nossa ação na página consagrada dele e já foi lá entregar os alimentos com a gente. À você, professor, que sempre tive admiração e está nos ajudando a divulgar agora. E ao meu marido Pedro, que me ajuda nesse projeto e em todos em que me meto. A justificativa dele é idêntica à minha: “preciso fazer essas coisas pra justificar minha existência”. 

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