Agrotóxicos: um “Atlas” global expõe o desastre sobre solos, água, ar e seres humanos

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Um Atlas mundial, publicado no dia 16 de maio, traz uma série de dados sobre esses produtos tóxicos. As mulheres são as vítimas insuspeitas do uso de agrotóxicos em todo o mundo.

A reportagem é de Marie Astier, publicada por Reporterre 

Eles estão por toda parte e são invisíveis: na água, no ar e nos solos. Os efeitos nocivos dos agrotóxicos nos organismos vivos e na nossa saúde são conhecidos, mas o Atlas des Pesticides (Atlas dos Agrotóxicos), divulgado na terça-feira, 16 de maio na França, consegue nos surpreender. Publicado pela fundação alemã Heinrich Böll e pela La Fabrique Écologique, em colaboração com o coletivo de ONGs ambientais Nourrir e a associação Générations Futures, reúne em textos e gráficos uma série de dados sobre os agrotóxicos em nível mundial. É baseado em numerosos estudos científicos. Versões em inglês, alemão e italiano já foram lançadas em outras partes da Europa.

O documento é oportuno para identificar o fenômeno, enquanto um novo estudo acaba de lembrar que os agrotóxicos são os principais responsáveis pelo declínio das aves.

Reporterre mergulhou neste Atlas e destacou cinco fatos.

1 — O consumo mundial de agrotóxicos aumentou 80% desde 1990

A União Europeia gostaria de reduzir o consumo de agrotóxicos pela metade até 2030. Na França, o plano Écophyto tinha o mesmo objetivo. Mas tanto na França como na União Europeia, o consumo está estagnado em vez de cair. Em outras partes do mundo, alguns continentes concentram o aumento do consumo. Na América Latina, o consumo de agrotóxicos mais que dobrou (+119%) entre 1999 e 2020. No mesmo período, a África aumentou seu consumo em 67%.

A França permanece acima da média europeia em termos de uso de agrotóxicos. Atlas des Pesticides

A União Europeia afirma proibir os  agrotóxicos mais perigosos. No entanto, não impede de continuar a fabricá-los em seu solo e exportá-los. O Reino Unido, a Alemanha e a Itália são os três maiores exportadores desses agrotóxicos proibidos na Europa por serem muito perigosos. Eles são vendidos principalmente no Brasil, Ucrânia e África do Sul. Enquanto 195 agrotóxicos considerados “extremamente perigosos” pela ONG Pesticide Action Network são proibidos na União Europeia, apenas 20 são proibidos no Mali, 19 na Nigéria, 18 na Argentina. “É indigno”, sublinha Géraud Guibert, presidente da La Fabrique Écologique.

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2 – Quatro empresas controlam 70% do mercado global de agrotóxicos

A indústria de agrotóxicos está concentrada nas mãos de um punhado de empresas. Syngenta GroupBayerCorteva e BASF controlavam 70% do mercado global de agrotóxicos em 2018 (em comparação com 29% 25 anos antes). As mesmas detêm 57% do mercado de sementes.

O mercado de agrotóxicos cresce 4% ao ano desde 2015 e pode chegar a 130,7 bilhões de dólares (120 bilhões de euros) em 2023. Mas “a lucratividade do setor de agrotóxicos atualmente seria impossível sem o apoio público e a carga coletiva de impactos negativos”, estima o Atlas. Avalia que na França, em 2017, os lucros da indústria de agrotóxicos atingiram os 200 milhões de euros, mas que as despesas que geraram (despoluição das águas, tratamento das doenças que provocam, etc.) custaram 372 milhões de euros. Ou seja, praticamente o dobro.

3 – 80% dos solos europeus contaminados

“Na Europa, as análises mostraram que de 317 solos agrícolas testados, mais de 80% continham resíduos de agrotóxicos”, lembra o Atlas dos Agrotóxicos. O solo está contaminado e a água também. Também na União Europeia, “segundo um estudo da Agência Europeia do Ambiente (EEA), até um terço das estações europeias de monitoramento das águas superficiais apresentaram níveis de agrotóxicos superiores aos limiares nacionais entre 2013 e 2019”, acrescenta o Atlas. No ar, agrotóxicos foram encontrados a mais de 1.000 quilômetros de onde foram aplicados.

Os pesticidas estão em todas as partes. Atlas des Pesticides

4 – As mulheres são mais expostas aos perigos dos agrotóxicos

As mulheres, menos alfabetizadas no mundo, portanto menos capazes de ler rótulos e instruções de aplicação, são mais vulneráveis aos agrotóxicos, destaca o Atlas. Ele dá dois exemplos. No Nepal, 53% dos agricultores leem e entendem os rótulos, em comparação com 25% das agricultoras. Em Gana, 65% dos agricultores conhecem os  agrotóxicos proibidos, em comparação com 5% das agricultoras.

Ao nível da saúde, “o seu corpo é constituído por tecidos mais sensíveis aos hormônios” e, portanto, aos pesticidas desreguladores endócrinos. No entanto, as mulheres são parte da solução. “Nas zonas rurais dos países do Sul, (…) elas assumiram a luta contra os agrotóxicos”, indica o Atlas.

5 – Mudar o sistema agrícola seria mais barato

Conhecemos a solução para acabar com os agrotóxicos, mesmo que não seja simples. “É todo o sistema agrícola e alimentar que precisa ser mudado”, explica Mathilde Boitias, diretora da La Fabrique Écologique e coordenadora do Atlas. A agricultura orgânica é a única que garante a não utilização de agrotóxicos sintéticos. A União Europeia gostaria de triplicar o número de fazendas orgânicas até 2030. Isso custaria “1,85 bilhão de euros por ano, menos do que os custos sociais ligados aos pesticidas”, sublinha o Atlas.

A França é o país da União Europeia com maior área de plantação de orgânicos, à frente da Espanha e da Itália. 20% dos vinhedos, que consomem muitos agrotóxicos, são orgânicos. Mas se quisermos encorajar esta dinâmica “devemos colocar os meios”, insiste Géraud Guibert.

Na Europa, as populações de pássaros e borboletas, por exemplo, diminuíram mais de 30% desde 1990. Atlas des Pesticides

As últimas decisões do governo francês questionam sua capacidade de apoiar essa aspiração da sociedade de abandonar os agrotóxicos. A ajuda destinada pelo governo à agricultura orgânica em crise é insuficiente dependendo do setor. E o sucesso do orgânico provocou uma reação dos defensores da agroindústria. Um projeto de lei debatido no Senado no dia 16 de maio quer, em particular, colocar nas mãos do ministro da Agricultura uma série de poderes sobre a autorização ou retirada de agrotóxicos (atualmente sob a responsabilidade da ANSES, a Segurança Nacional da Saúde). “Seria um retrocesso terrível”, adverte Nadine Lauvergeat, delegada geral da organização Générations Futures.


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A versão em português deste texto foi inicialmente publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos [Aqui!].

Atlas dos Agrotóxicos 2022 mostra a pegada mundial de um negócio tóxico

Cada vez mais agrotóxicos estão sendo pulverizados em campos em todo o mundo, com consequências devastadoras para os seres humanos e a natureza. A pressão por uma mudança na agricultura está crescendo

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“Produzimos nosso atlas para chamar a atenção para o grande problema dos agrotóxicos. O problema está em toda parte quando se trata de agricultura, saúde, perda de espécies e poluição da água. É uma questão transversal de primeira ordem”, diz engenheira Susan Haffmans, da Pesticide Action Network, que desempenhou um papel de liderança na elaboração do “Atlas dos Agrotóxicos 2022“.  O Atlas foi apresentado em Berlim, juntamente com a Fundação Heinrich Böll, que é próxima do partido dos Verdes, da Aliança Alemã para o Ambiente e a Conservação da Natureza e o jornal mensal internacional “LE MONDE diplomatique. 

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Em 50 páginas, os especialistas descrevem o negócio multimilionário dos agrotóxicos, suas consequências e repercussões. “O atlas fornece dados e informações e se concentra em áreas específicas. Quais são essas substâncias? Onde estão os problemas? Que efeito os  agrotóxicos estão tendo sobre os pequenos agricultores do Sul global? Como as pessoas estão em perigo em diferentes partes do mundo? “Encontramos pesticidas em todos os lugares, mesmo que não vivamos perto do campo”, diz Haffmans.

Os agricultores são frequentemente envenenados

De acordo com um estudo científico recente publicado na revista Public Health, 385 milhões de pessoas na agricultura adoecem a cada ano por intoxicação aguda por agrotóxicos. Após o envenenamento, os trabalhadores agrícolas e os agricultores sentem-se fracos, têm dores de cabeça, vómitos, diarreia, erupções cutâneas, distúrbios do sistema nervoso ou desmaiam. Em casos graves, o coração, os pulmões ou os rins falham. Todos os anos, cerca de 11.000 pessoas relacionadas à agricultura morrem por envenenamento agudo por agrotóxicos, sendo que suicídios por uso de venenos agrícolas não foram contados no estudo.

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Trabalhadores agrícolas e pequenos agricultores no Sul global são especialmente afetados pelo envenenamento por agrotóxicos. Segundo o relatório, na Ásia existem cerca de 256 milhões de casos de intoxicação aguda por agrotóxicos, na África 116 milhões e na América Latina cerca de 12,3 milhões. Na Europa, um número significativamente menor de pessoas sofre de intoxicação aguda por  agrotóxicosna agricultura (1,6 milhão na Europa Ocidental e Meridional).

“Vemos que 44% das mulheres trabalhadoras e agricultoras em todo o mundo sofrem pelo menos uma intoxicação por ano. E em alguns países é muito mais. Em Burkina Faso, por exemplo, 83% das trabalhadoras agrícolas contraem pelo menos uma doença por causa dos agrotóxicos”, diz Haffmans. “E esses são apenas os envenenamentos agudos. A extensão desses envenenamentos agudos também é uma indicação de exposição crônica de longo prazo, que por sua vez está associada a doenças crônicas completamente diferentes”.

Segundo o relatório, existem várias razões para o número significativamente maior de envenenamentos nos países do sul: por um lado, muitos agrotóxicos altamente perigosos são pulverizados lá, e este estãoi muitas vezes também proibidos na Europa.

Além disso, muitos pequenos agricultores não usam roupas de proteção e não são informados sobre os perigos. “Em alguns casos, os fornecedores simplesmente colocam  agrotóxicos em pequenos sacos plásticos ou garrafas, sem rótulos, sem instruções de segurança sobre seu uso e sem avisos.

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Por exemplo, de acordo com uma pesquisa com pequenos agricultores em Gana, menos de 30% usam luvas, óculos e proteção nasal ao manusear agrotóxicos. E de acordo com outra pesquisa na Etiópia, apenas 7% dos agricultores estão cientes do aviso para lavar as mãos após o uso de agrotóxicos.

Lucros são mais importantes que proteção à saúde

A venda de agrotóxicos é lucrativa. Os quatro maiores produtores de agrotóxicos são Syngenta (Suíça/China), Bayer e BASF (Alemanha) e a Corteva (EUA). Segundo o relatório “Atlas”, em 2020 estas empresas atingiram um volume de negócios conjunto de 31 bilhões de euros. Nos últimos anos, as vendas globais de agrotóxicos cresceram em média 4% ao ano.

Como regra geral, porém, as empresas não pagam nada por danos à saúde e ao meio ambiente, ou apenas se houver decisões judiciais correspondentes, como nos EUA. Lá, pessoas que pulverizaram o agrotóxico Roundup contendo glifosato ficaram gravemente doentes e 125.000 deles processaram a Bayer. O grupo já pagou alguns dos reclamantes e a Bayer reservou cerca de 10 bilhões de euros no balanço para pagar danos.

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Iniciativas para a mudança agrícola

“Temos que sair desse sistema agrícola baseado em agrotóxicos químicos”, diz Haffmans. Somente com uma mudança na agricultura a saúde e o meio ambiente poderão ser protegidos de forma sustentável.

Os 30 autores do “Atlas dos Agrotóxicos 2022” usam artigos e gráficos para mostrar as conexões e como os formuladores de políticas podem agir. “Nas últimas duas décadas, o Sri Lanka salvou comprovadamente quase 10.000 vidas ao banir agrotóxicos perigosos. Há também exemplos da Índia. Algumas regiões já cultivam completamente ou em grande parte sem agrotóxicos. Isso, por sua vez, incentiva outras regiões a seguirem o exemplo”, acrescentou. diz Haffmans.

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Este texto foi publicado pela Deutsche Welle [Aqui!].