Emergência climática continua no Brasil: Acre é a bola da vez, mas não esta sozinho

acre chuvas

Com 32 mil afetados por chuvas, Acre entra em situação de emergência

Depois das cenas devastadoras que foram produzidas por chuvas intensas no litoral norte do Rio de Janeiro, agora a destruição climática está se abatendo sobre o estado do Acre, incluindo a capital do estado, Rio Branco.  Aliás, chuvas intensas também estão causando estragos de grande monta em outras partes da região Norte, incluindo o Amazonas. Segundo o que me informou o professor Irving Foster Brown, que atua na Universidade Federal do Acre, as inundações que estão causando caos neste momento se devem a uma confluência de chuvas intensas que ocorreram em Rio Branco (em torno de 180 mm em 48 horas) e das precipitações igualmente intensas que ocorreram nas cabeceiras do Rio Acre.

acre

A ocorrência de chuvas intensas e transbordamento de rios é uma marca do novo estado climático que é agravado no caso da Amazônia pelo intenso processo de desmatamento e degradação que está ocorrendo na Amazônia. O estado do Acre, por exemplo, que já foi um símbolo da resistência em defesa das florestas, agora se transformou em um dos polos mais dinâmicos dentro do chamado Arco de Desmatamento.

Por detrás desse processo de intensa remoção das florestas está, obivamente, o avanço das monoculturas de exportação, principalmente a soja e a cana-de-açúcar que, por sua vez, empurram as pastagens cada vez mais para regiões anteriormente intocadas da bacia Amazônica.

Essa conexão entre perda de florestas e mudanças climáticas que causam devastação em cidades que são marcadas pela profunda desigualdade social é conhecida, mas os promotores desse modelo continuam levando suas ações como se ela não existisse. Por isso mesmo, tivemos nesses primeiros meses de 2023 a continuidade das altas taxas de desmatamento na maioria dos biomas brasileiras, especialmente na Amazônia.

Como o último relatório do IPCC aponta que a janela de tempo para se impedir uma grande catástrofe climática está se encurtando cada vez mais, a manutenção desse quadro de ignorância proposital sobre a necessidade de deter a perda de florestas em prol de termos um mínimo de chances de que ela seja impedida, eu diria que não me sinto otimista neste momento. 

Aliás, o meu pessimismo aumenta ainda mais quando vejo as concessões sendo feitas pelo governo Lula para o latifúndio agro-exportador e para as empresas de petróleo que representam parte significativa das emissões de gases estufa. A verdade é que a ministra Marina Silva, com todas as suas qualidades e defeitos, está sendo deixada a ver navios em um contexto em que isso beira o suicídio climático. 

A quem e a quais a propósitos realmente serve a “pacificação” na Câmara de Vereadores de Campos?

pacificação

A “paz” entre Wladimir Garotinho e Rodrigo Bacellar interessa a quem e a quais propósitos?

Estive ontem em um programa da Rádio Aurora e entre várias das minhas perguntas que me foram feitas uma se referia ao chamado “processo de pacificação” que ocorreu no interior da Câmara de Vereadores de Campos dos Goytacazes. A questão que me foi apresentada foi mais no sentido do “será que vai durar?”, mas me ocorreu fazer outra questão que agora compartilho com os leitores do “Blog do Pedlowski”.

A questão que coloquei de volta é a seguinte: a quem e a quê realmente serve esta pacificação? Me ocorreu dizer que a relação entre o executivo e o legislativo não tem que ser “pacífica”, mas sim marcada por um papel destinado ao legislativo para que o mesmo coloque em xeque as ações do executivo, independente de quem é o prefeito de plantão.

Se levarmos em conta que as disputas que ocorreram recentemente para dentro e para fora da Câmara de Vereadores tinham mais a ver com enfrentamentos das duas dinastias que hoje controlam a política municipal (os Garotinho e os Bacellar), a coisa que salta aos olhos é sobre qual tipo de acordo esta pacificação está assentada. É que, convenhamos, para pessoas que até pouco se digladiavam usando termos e adjetivos pouquíssimos elogiosos, há que haver uma explicação para que a pomba da paz esteja voando sobre nós neste momento.

Por outro lado, a recente aprovação das contas da prefeita Rosinha Garotinho relativas ao longínquo ano de 2016 foi apresentada pela mídia local como um exemplo de que a pacificação está funcionando. Mas e quanto aquilo que impediu a aprovação das contas de Rosinha Garotinho nada foi dito.  Pode ser que as contas estavam certas desde sempre e que não eram aprovadas porque a família Garotinho não tinha o controle da Câmara de Vereadores. Mas se isso não fosse o caso, o que significa então essa aprovação?

Como morador deste ilustre município desde 1998, vejo que determinados serviços públicos não melhoram, apesar da fartura atual de recursos. Temos ainda os graves problemas que ocorrem na relação com as concessionárias de água e esgotos e de eletricidade. Além disso, vê-se a continuidade de uma situação crítica nas unidades municipais de ensino, com a precariedade das instalações de muitas escolas onde até as portas faltam nas salas de aula. Por último, a condição dos serviços públicos de transporte continuam sendo deploráveis.

Pois bem, se tudo está pacífico na relação entre executivo e legislativo, quem vai agir para que todas essas questões sejam resolvidas em favor da população que depende de serviços públicos com um mínimo de qualidade? Pelo jeito nos resta pedir uma intervenção a São Salvador ou a Santo Amaro.

Desmatamento no Matopiba põe em risco o abastecimento de água de mais de 300 cidades

Estudos estimam que vazão dos rios no Cerrado deve cair 34% até 2050 por causa da perda da vegetação nativa

cerrado desmatado

Por Giovana Girardi para a Agência Pública

Na região por onde o agronegócio mais avança no Cerrado, o chamado Matopiba (polígono entre as fronteiras dos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), pelo menos 373 municípios correm risco de desabastecimento e de perda da qualidade de água se os níveis atuais de desmatamento se mantiverem nos próximos anos.  

É o que sugere uma análise lançada nesta quarta-feira, 22, Dia Mundial da Água, por pesquisadores do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e do MapBiomas a partir de dados dos níveis de desmatamento observados pelo sistema SAD Cerrado no ano passado.

O levantamento, compartilhado com exclusividade com a Agência Pública, mostra a perda de vegetação pelo ângulo das bacias hidrográficas da região. O trabalho mostra em quais houve mais desmatamento e indica o que isso pode representar em termos de abastecimento tanto para uso humano, quanto para o agropecuário e também para a geração de energia.


Estudos estimam que vazão dos rios no Cerrado deve cair 34% até 2050 por causa do desmatamento. José Cícero/Agência Pública

De acordo com o SAD Cerrado, em 2022, 74,5% de todo o desmatamento no bioma ocorreu nas bacias dos rios Tocantins (210.804 hectares), São Francisco (116.367 ha), Parnaíba (105.419 ha), Itapecuru (88.049 ha) e Araguaia (78.368 ha). Nessas bacias estão 373 municípios, mas os impactos, estimam os pesquisadores, podem ir além. 

Os rios São Francisco e Parnaíba são fundamentais para o abastecimento de todo o Nordeste. Tocantins e Araguaia compõem também a bacia amazônica. São fontes de água para populações urbanas, rurais e também para o agronegócio.

Essas cinco bacias hidrográficas apontadas na análise — que foram as mais desmatadas do bioma no ano passado —, são também as que ainda mantêm os maiores remanescentes de vegetação nativa e estão na fronteira da expansão do agronegócio. 


Expansão do agronegócio na região coloca 373 municípios em risco de perda da qualidade da água. Acervo IPAM

“A gente quis identificar quais são as bacias que estão sendo mais afetadas atualmente no Cerrado. E é justamente nelas onde ainda estão os maiores remanescentes da vegetação. Outras regiões do bioma já foram muito mais desmatadas. Isso serve como um alerta. Ainda temos a oportunidade de manter a água no local se esse processo de desmatamento parar”, afirma Julia Shimbo, pesquisadora no Ipam e coordenadora científica do MapBiomas.

Já é bem entendido pela ciência o papel de caixa d’água que o Cerrado exerce no Brasil. É no bioma onde estão as nascentes de alguns dos principais rios do país e diversos estudos vêm mostrando que são as árvores do Cerrado que garantem o abastecimento dessas bacias. 

Com raízes maiores que as copas, e muito profundas, as árvores do bioma fazem com que o solo fique mais poroso, o que facilita uma maior penetração da água das chuvas, como uma espécie de esponja. E é essa água que fica armazenada no solo que depois volta para os rios nos períodos de seca, garantindo a vazão mesmo quando não há chuva.

Quase metade da vegetação original do bioma, porém, já desapareceu nas últimas décadas, e os impactos do desmatamento nesse ciclo hidrológico já estão ocorrendo e vêm sendo medidos por diversas pesquisas. 

Um trabalho liderado por pesquisadores da UnB (Universidade de Brasília), em colaboração com Ipam, UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Universidade Federal Rural da Amazônia e o Woodwell Climate Research Center, publicado em setembro do ano passado na revista Global Change Biology, calculou que a conversão da vegetação nativa em áreas de pastagens e agricultura já tornou o clima em todo o Cerrado quase 1°C mais quente e 10% mais seco.



Quase metade da vegetação original do bioma já desapareceu nas últimas décadas. José Cícero/Agência Pública

Um outro estudo, publicado no fim de fevereiro no periódico Sustainability, analisou o comportamento de 81 bacias hidrográficas no Cerrado, entre 1985 e 2022, e concluiu que 88% delas já apresentaram diminuição da vazão em decorrência, principalmente, da mudança do uso do solo. Ou seja, desmatamento da cobertura nativa e substituição por práticas agropecuárias.

O trabalho, liderado pelo cientista florestal doutor Yuri Salmona, diretor executivo do Instituto Cerrados, com apoio do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), buscou identificar o tamanho da contribuição tanto da perda de vegetação quanto das mudanças climáticas na redução da água e concluiu que há uma combinação de fatores perigosa.

Pelos cálculos do grupo, composto também por pesquisadores da Universidade Estadual de Michigan (EUA), da UnB, da UFSCar, da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro e da Agência Nacional de Águas (ANA), as mudanças climáticas respondem por cerca de 44% da redução da vazão e as mudanças do uso do solo, por 56%. Mas um retroalimenta o outro.

Por um lado, sem a presença de árvores, o solo profundo não consegue armazenar água. “Com o desmatamento, a presença de grandes plantações de soja, por exemplo, a água da chuva vai correr mais superficialmente para os rios, não penetra no solo. Pode ter aumento de vazão nos períodos chuvosos, causando enchentes, alagamentos”, afirma Salmona. 

Por outro lado, lembra o pesquisador, a agricultura é a maior consumidora de água do país, de acordo com dados da ANA, sobretudo com irrigação. E é no Cerrado onde estão 80% dos pivôs de irrigação do país.

“Aí junta com o fator climático, que está mexendo com a quantidade de chuva. Está chovendo em períodos menores de tempo. O que era pra cair em seis meses, está caindo em três. Isso causa um efeito tipo de funil, um gargalo. O papel de esponja do solo, que já está prejudicado por causa do desmatamento, não consegue absorver tanta água que cai de uma vez. Ela escoa superficialmente, não ficando disponível para quando a reserva no solo profundo é mais necessária. É uma somatória de efeitos que vão aumentar a vulnerabilidade no período de seca”, ressalta Salmona.

O trabalho também avaliou o impacto que essa combinação de fatores pode ter nas vazões no médio prazo. A partir de modelagem matemática, os autores projetaram que até 2050 a redução no fluxo dos rios deve chegar a 34%, na comparação com os valores observados em 1985. “Isso causará severa descontinuidade de fluxo em muitos rios e afetará fortemente a agricultura, a produção de energia elétrica, a biodiversidade e o abastecimento de água, especialmente durante as estações secas naquela região”, escreve o grupo.

Salmona também chama atenção para o impacto no Matopiba. “É uma das áreas mais críticas, principalmente no oeste da Bahia, em municípios como São Desidério, Formosa do Rio Preto, Correntina e Barreiras. Lá os rios estão impactados pelo desmatamento e pela irrigação”, diz. Há também uma série de conflitos por terra e por água com comunidades tradicionais.

“O pessoal do agronegócio tende a ver a expansão da fronteira agrícola por aquela região como um modelo a ser replicado, mas isso não pode. Tem de ser revisto de modo a conter a sobreexploração de água. Ou a tendência é que os conflitos se agravem.”

Um outro dado divulgado em fevereiro reforça esse conflito pelo uso de água. Levantamento feito pela plataforma MapBiomas, que analisa por imagens de satélite as mudanças na cobertura do solo no país, desde 1985, observou uma espécie de “transferência” da água. 

Reservatórios criados para a geração de energia no Cerrado apresentaram no ano passado a maior superfície de água dos últimos 10 anos: 16,2% acima da média histórica. Já dentro de áreas protegidas, a cobertura de água diminuiu em 66% das regiões hidrográficas do bioma. De acordo com o mapeamento do projeto MapBiomas Água, 7 das 10 regiões mais afetadas estão na bacia dos rios Tocantins-Araguaia.


compass black

Este texto foi originalmente publicado pela Agência Pública [Aqui!].

Mudança climática mata “15 vezes mais” os mais vulneráveis

clima-vulnerabilidad-996x567

Os países mais pobres e vulneráveis, como o Haiti nesta foto, são os mais afetados pelo aquecimento global. Crédito da imagem: Jethro J. Sérémé/Comitê Internacional da Cruz Vermelha , sob licença Creative Commons (CC BY-NC-ND 2.0)

É o relatório mais abrangente publicado até hoje sobre os impactos do aquecimento global em nosso planeta.

“Muestra que los impactos climáticos están socavando nuestros medios de subsistencia, están dañando la economía mundial y amenazan nuestro sistema de soporte vital: la propia naturaleza”, declaró el presidente del IPCC, Hoesung Lee durante la conferencia de prensa de presentación en Suiza (20 de março).

“O risco de perda da biodiversidade nos sistemas naturais e humanos pode variar, dependendo do aumento da temperatura, passando despercebido ou, ao contrário, afetando até 40% das espécies, principalmente na América Central e no Caribe”.

Matilde Rusticucci, Pesquisadora Sênior do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas, Argentina

O Relatório revela que como consequência das alterações climáticas já se verificam secas mais frequentes e intensas, ameaças aalimentos e água, doenças e perda de vidas , com pandemias e conflitos que dificultam a sua gestão.

Quase metade da população mundial vive em regiões vulneráveis ​​às mudanças climáticas, de acordo com o resumo de 36 páginas para formuladores de políticas. Ele lembra que as mortes por enchentes, secas e temporais aumentaram 15 vezes nessas regiões na última década.

Mas, assim como cada aumento no aquecimento causa uma rápida escalada de perigos, Lee também observou que “várias opções viáveis ​​e eficazes já estão disponíveis” para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e se adaptar às mudanças climáticas. “A questão é se podemos implementá-los de forma rápida e eficaz”, enfatizou.

Acelerar a Agenda

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, propôs acelerar a agenda “em direção a um Pacto de Solidariedade Climática em que grandes emissores reduzam ainda mais suas emissões e apoiem as economias emergentes a fazerem o mesmo”.

“O limite de 1,5 graus é alcançável”, declarou ele na coletiva de imprensa. Ele acrescentou: “Mas será necessário um salto quântico na ação climática”.

Para manter o aquecimento global em 1,5 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais, o relatório diz que são necessários cortes profundos, rápidos e sustentados nas emissões de gases de efeito estufa em todos os setores, deixando claro que o ritmo e a escala das taxas de câmbio atuais não são suficientes.

O objetivo é reduzir as emissões quase pela metade até 2030 se o aquecimento for limitado a 1,5 grau, conforme recomendado pelo IPCC.

“Os governos não têm desculpas para ignorar o forte alerta para esta década crítica”, disse Harjeet Singh, chefe de estratégia de política global da Climate Action Network International , uma rede de mais de 1.900 organizações da sociedade civil em mais de 130 países.

“Eles devem agir rapidamente para rejeitar os combustíveis fósseis e impedir qualquer expansão de petróleo, gás e carvão”, acrescentou.

No entanto, o anúncio ocorre apenas sete dias depois que os Estados Unidos aprovaram a perfuração no campo de petróleo Willow Project , no norte do Alasca, apelidado de “bomba de carbono” por ativistas que dizem que vai bombear o equivalente ao CO2 emitido por 66 usinas de carvão.

Singh acrescentou que o relatório – que inclui contribuições de mais de 700 cientistas de todo o mundo – não é sem soluções ou esperança, mas o aumento do financiamento seria crucial .

“Os governos devem redobrar seus esforços para proteger as comunidades dos efeitos climáticos cada vez mais adversos e irreversíveis, como o aumento do nível do mar e o derretimento das geleiras , que representam uma ameaça existencial para muitas comunidades”, afirmou.

“As pessoas vão passar fome”

Aditi Mukherji, um dos 93 autores do relatório, disse que a ênfase na implementação de soluções diferencia este documento dos anteriores.

“Embora a mudança climática tenha reduzido a segurança alimentar, o AR6 mostra que existem várias opções de adaptação que podem ser eficazes na redução de seus efeitos, como o uso de culturas mais resistentes ao clima, melhor gerenciamento e armazenamento de água”, apontou.

Mukherji apontou que os pequenos agricultores são os mais afetados pelas mudanças climáticas, mas recebem menos de dois por cento do financiamento climático.

“Se não aumentarmos o financiamento climático para os sistemas alimentares, mais pessoas passarão fome”, alertou.

Chamada de atenção

O embaixador de Samoa na ONU, Fatumanava-o-Upolu III Pa’olelei Luteru, presidente da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS), disse que as conclusões devem ser um alerta para a comunidade internacional.

Ele afirmou que os ilhéus do Pacífico e do Caribe estão sendo deslocados de suas casas enquanto a indústria de combustíveis fósseis colhe bilhões de dólares em lucros.

Matilde Rusticucci, pesquisadora principal do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (CONICET), da Argentina, destaca que o relatório mostra quais serão os impactos na região conforme a temperatura média global aumente um grau e meio ou dois graus .

“Por exemplo, o risco de perda de biodiversidade em sistemas naturais e humanos pode variar, dependendo do aumento da temperatura, passando despercebido ou, pelo contrário, afetando até 40% das espécies, principalmente na América Central e no Caribe”, ele explica.

Outro impacto muito significativo que Rusticucci destaca no relatório é o impacto na saúde humana . “Dependendo da região, com um aumento de 2°C, a população estará em risco devido ao aumento da temperatura e umidade, entre 100 e 300 dias por ano. É assim que a diminuição do rendimento do milho , ou a diminuição da pesca, será mais afetada, principalmente na zona do Caribe, América Central e costa norte da América do Sul, quando a temperatura ultrapassar os dois graus”, destaca O especialista.

Este artigo foi produzido pela  SciDev.Net Global Edition, com reportagens adicionais da América Latina e Caribe .


compass black

Este texto escrito originalmente em Espanhol foi publicado pela SciDev [Aqui!]

No “Dia Mundial da Água” a Águas do Paraíba vai ao TJ para derrubar liminar e aumentar em 11,98% as suas tarifas

torneira sem

No dia 06 de março publiquei neste blog uma nota com título de “Premonição hídrica: o que é salgado ainda mais salgado ficaráonde eu anunciava que a concessionária de águas e esgotos “Águas do Paraíba” iria recorrer no Rio de Janeiro para obter o que está sendo negado pelo prefeito Wladimir Garotinho e pela justiça campista, qual seja, um reajuste de 11,98% nas já salgadas tarifas impostas aos seus consumidores cativos na cidade de Campos dos Goytacazes.

Eis que hoje no “Dia Mundial da Água”, a “Águas do Paraiba” deu entrada no Tribunal de Justiça no Rio de Janeiro de um pedido para obter lá o que está sendo negado aqui (ver imagem abaixo).

wp-1679528113119

A curiosidade é que segundo o jornalista Ralfe Reis apontou em seu blog, em seu recurso ao TJ, a Águas do Paraíba pediu para que o mesmo desembargador que concedeu o reajuste que foi conseguido em 2022 e que continuam castigando os campistas mensalmente.  Assim, diria eu, é mole!

Ai é que fico pensando se dessa vez o prefeito Wladimir Garotinho vai agir efetivamente para impedir mais este reajuste absurdo ou vai, como fez em 2022, ficar fazendo cara de paisagem, enquanto a maioria pobre da população sofre com contas altíssimas que não garantem que os serviços prestados pela concessionária alcancem aquilo que se espera: qualidade e universalidade.

Brasil aprova cultivo, importação e venda de trigo transgênico

Depois da Argentina, o Brasil é o segundo país do mundo a permitir o cultivo do trigo HB4. MP do PT: “Agora os venenos de campo estão a entrar diretamente no pão”

trigo ogm

Por Ulrike Bickel para o Amerika 21

Brasília. A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) no Brasil também aprovou o cultivo e a venda de trigo HB4 geneticamente modificado (GM). O pedido foi apresentado pela empresa brasileira Tropical Melhoramento e Genética em colaboração com a empresa argentina Bioceres, que desenvolveu o trigo transgênico.

A aprovação pela CTNBio segue a da importação e uso de farinha de trigo transgênica em novembro de 2021. Esta decisão já foi fortemente criticada por organizações de consumidores e partes do sector do trigo.

Depois da Argentina, o Brasil é o segundo país do mundo onde o cultivo do trigo HB4 também foi aprovado. De acordo com a Bioceres, ambos os países respondem por 90% da área de cultivo de trigo na América do Sul. Eles estão entre os maiores países exportadores agrícolas do mundo.

Segundo a Bioceres, a decisão não só abre o mercado brasileiro para essa tecnologia transgênica, mas também abre caminho para a comercialização na Argentina. De acordo com a empresa, o trigo transgênico permite que os sistemas agrícolas se adaptem a um clima mais extremo, proporcionando um aumento de rendimento de mais de 40% em ambientes com estresse hídrico severo. O trigo HB4 já foi aprovado como alimento e ração nos EUA, Colômbia, Nova Zelândia, Austrália, África do Sul e Nigéria e como alimento para animais na Indonésia.

Os proponentes elogiaram a aprovação da safra HB4 como um “estímulo importante para as culturas”, já que os temores sobre o suprimento global de alimentos e a seca regional aumentaram a atratividade das culturas geneticamente modificadas. Isso reflete uma mudança de atitudes à medida que as mudanças climáticas e a guerra na Ucrânia aumentam as preocupações sobre uma crise alimentar global. A Associação da Indústria do Trigo (Abitrigo) declarou agora que apoia desenvolvimentos inovadores que beneficiem a saúde e a segurança alimentar da população.

Por outro lado, Nilto Tatto, deputado do Partido dos Trabalhadores (PT) no parlamento, criticou que agora os venenos do campo entram diretamente no pão. Cientistas e movimentos da sociedade civil consideraram um “verdadeiro crime” que o Brasil fosse o único país do mundo além da Argentina a permitir o cultivo dessa variedade de trigo.

O trigo HB4 é anunciado como resistente à seca e tem um gene de resistência ao herbicida glufosinato de amônio, que é quinze vezes mais tóxico que o glifosato, que provavelmente é cancerígeno, de acordo com a autoridade sanitária argentina Senasa. Cientistas já haviam criticado por ocasião da aprovação do trigo transgênico 2022 na Argentina que a exposição ao glufosinato de amônio em fetos leva à redução da atividade motora, o que em experimentos com mamíferos causou uma deterioração da memória e do comportamento análogo ao autismo. A pesquisa também mostrou que o herbicida alterou a qualidade e a composição genética dos espermatozoides de mamíferos. É importante lembrar que este agrotóxico está proibido na União Europeia.

No ano passado, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) publicou a segunda edição do estudo “Há veneno nessa embalagem“, que mostrou que alimentos de origem animal (laticínios e carnes) também contêm resíduos de agrotóxicos. A primeira edição de 2021 analisou bebidas, biscoitos, pão e lanches e descobriu que quase 60% dos produtos continham resíduos de pesticidas. De acordo com Tatto, isso significa que mais da metade dos produtos feitos com farinha transgênica certamente contêm resíduos do veneno perigoso.

Para piorar a situação, segundo o parlamentar, segundo pesquisa da Agência Pública e da Repórter Brasil, pelo menos 439 pessoas morreram por intoxicação por agrotóxicos e mais de 14 mil intoxicações por agrotóxicos durante o reinado do presidente Jair Bolsonaro, entre 2019 e 2022. Um estudo da professora Larissa Bombardi (USP) indica que, para cada caso relatado de intoxicação por agrotóxicos,  pelo menos 50 casos não notificados.

De acordo com Tatto, a aprovação do HB4 só leva a um novo aumento no envenenamento por agrotóxicos no Brasil.


compass black

Este escrito originalmente em alemão foi publicado pelo Amerika21 [Aqui!].

Desmatamento do Cerrado no Matopiba coloca em risco oferta de água

Cinco bacias hidrográficas na região concentram 74,5% do desmatamento no bioma; sem vegetação nativa, perdem capacidade de absorção e distribuição. Tocantins e São Francisco estão entre as mais comprometidas, mostra SAD Cerrado

unnamedPesquisadores alertam para conexão entre desmatamento do bioma e segurança hídrica no Dia Mundial da Água (Foto: Acervo IPAM)

O desmatamento do Cerrado no Matopiba pode reduzir o abastecimento e a qualidade da água em ao menos 373 municípios, se seguir o ritmo atual. Esses municípios estão dentro da área das bacias hidrográficas mais desmatadas do bioma em 2022, na região da fronteira agrícola. Segundo o SAD Cerrado, 74,5% de todo o desmatamento do Cerrado ano passado ocorreu nas bacias dos rios Tocantins (210.804 hectares), São Francisco (116.367 ha), Parnaíba (105.419 ha), Itapecuru (88.049 ha) e Araguaia (78.368 ha).

A análise de pesquisadores expõe, neste Dia Mundial da Água (22), a relação entre desmatamento e segurança hídrica no bioma considerado berço das águas do Brasil. O SAD Cerrado (Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado) é desenvolvido pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) em parceria com o MapBiomas e com o LAPIG (Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento) da UFG (Universidade Federal de Goiás).

Com a perda de vegetação nativa, fica comprometida a capacidade natural de absorção e distribuição da água, que chega a “viajar” centenas de quilômetros antes de ser aproveitada para uso humano, seja em consumo próprio, afazeres domésticos, geração de energia, produção industrial ou irrigação, por exemplo. O SAD Cerrado indica que os municípios que mais desmataram dentro da área das bacias foram Balsas (MA), São Desidério (BA), Correntina (BA), Carolina (MA) e Formosa do Rio Preto (BA).

“Garantir a proteção dos remanescentes de vegetação nativa do Cerrado e, ao mesmo tempo, recuperar áreas próximas a nascentes, rios e bacias, é essencial para a manutenção dos recursos hídricos que temos hoje e para o equilíbrio climático. São diversos e complexos os efeitos que a diminuição na oferta de água teria nos municípios, mas uma coisa é certa: se o desmatamento continuar na velocidade e na extensão em que está, a disponibilidade hídrica será cada vez menor”, explica Fernanda Ribeiro, pesquisadora no IPAM responsável pelo SAD Cerrado.

O Cerrado tem 24 bacias hidrográficas, com nascentes de 8 das 12 principais regiões hidrográficas do país. As cinco bacias mais desmatadas em 2022 são também as que têm os maiores contínuos de vegetação nativa.

Segundo o SAD Cerrado, foram 815.532 hectares desmatados no bioma ano passado. Maranhão teve a maior derrubada no período e Balsas (MA) foi o município que mais desmatou: subiu quase 60% em relação a 2021. Já em 2023, Bahia, Goiás e Minas Gerais tiveram recorde, com altas de 227%, 82,5% e 69%, respectivamente.

Além do desmatamento, monoculturas e atividades agrícolas que não levam em conta o equilíbrio com a sociobiodiversidade acabam causando outros prejuízos para a segurança hídrica, não só de quem vive na cidade, mas de povos, comunidades tradicionais e agricultores familiares no campo, com a seca e o envenenamento de rios. A transformação de áreas de vegetação nativa para pastagem e agricultura já tornou o clima no Cerrado quase 1°C mais quente e 10% mais seco. Nos locais desmatados, a temperatura média anual pode subir até 3,5°C com queda de 44% na evapotranspiração, processo que contribui para a umidade do ar.

“O Cerrado está ficando cada vez mais quente e seco, com menos água disponível. Este cenário acende o alerta para que tipo de planeta queremos habitar no futuro. É como destacou o relatório-síntese do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, das Nações Unidas], precisamos lidar com a emergência do clima tendo como prioridades a justiça climática e a equidade para o bem-estar humano e da biodiversidade”, conclui Julia Shimbo, pesquisadora no IPAM e coordenadora científica do MapBiomas.

Uenf: o nome é Aula Magna, mas pode chamar de púlpito eleitoral

43007

Em muitas instituições de ensino superior é costume realizar um evento conhecido como “Aula Magna” no início de cada semestre letivo. Nesse evento, uma pessoa de destaque, de preferência para além dos muros da instituição, é convidada para discorrer sobre um tema acadêmico ou não a partir de uma visão mais ampla e ancorada em amplo reconhecimento acadêmico da pessoa que profere a Aula Magna. A “Aula Magna” é assim uma oportunidade para que uma dada comunidade universitária receba ares diferentes daquilo que está normalmente acostumada a receber. para dar início aos trabalhos letivos.

Curiosamente. em 2023, a reitoria da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) decidiu colocar um dos seus membros, no caso a vice-reitora Rosana Rodrigues, para proferir a “Aula Magna”. Um primeiro fato a se reconhecer é que com isso, a atual reitoria apenas reforça o tom paroquial que caracteriza a gestão do professor Raúl Ernesto Palacio que tem se notabilizado por não conseguir atrair para a Uenf o mesmo tipo de presença de grandes líderes de pesquisa e de lideranças de agências de fomento que marcou a vida interna da instituição por boa parte de sua jovem existência.

wp-1679480334880

Mas paroquializar a “Aula Magna” é o menor dos problemas da atual administração.  É que assumidamente a vice-reitora da Uenf é a candidata da atual administração para continuar a “visão” (paroquializada, friso eu)  que marca a gestão da Uenf desde a posse do ex-reitor e hoje chefe de gabinete, Luís Passoni. Com isso, temos a transformação de um espaço acadêmico (o da Aula Magna) em um púlpito político.

O problema é que se a Uenf fosse um reinado ou uma ditadura autocrática, a passagem do bastão de mandatário para mandatário dispensaria algumas formalidades, como a realização de uma eleição. Como a Uenf é uma universidade pública, existe o requisito de que sejam realizadas eleições a cada quatro anos para que a comunidade universitária uenfiana possa decidir livremente quem será o próximo reitor.  Assim, ao utilizar a Aula Magna para claramente incensar uma candidata, o que a reitoria da Uenf está fazendo é dificultar enormemente os trabalhos da Comissão Eleitoral que irá trabalhar para que o pleito que ocorrerá no segundo semestre seja efetivamente democrático e que possa transcorrer sem mais interferências de quem hoje controla a máquina administrativa da instituição criada por Darcy Ribeiro.

Se me perguntassem sobre qual pode ser o efeito eleitoral dessa apropriação da Aula Magna para fins eleitorais, eu diria que pode ser um tremendo tiro no pé. É que já há muita gente que nota com alguma contrariedade alguns passos peculiares (na falta de melhor definição) adotados pela reitoria da Uenf nos últimos anos, sendo o imbróglio embaraçoso envolvendo a reforma do Solar do Colégio (que é o prédio que abriga o Arquivo Público Municipal) apenas o mais notório.

Por outro lado, aos eventuais candidatos de oposição à atual reitoria deveria ficar óbvio que não se poderá assistir passivamente a este tipo de episódio, sob o risco de que a participação nas eleições seja apenas uma chancela da transformação da “prefeiturização” das práticas políticas dentro da Uenf.  E como vivemos em uma região marcada por seguidos escândalos envolvendo o uso da máquina pública em benefício de determinados candidatos, a primeira coisa a se fazer é impedir que isso aconteça. É que as consequências para a Uenf seria o aprofundamento do isolamento acadêmico e político que a instituição já vive. Pior ainda é que a “Universidade do Terceiro Milênio” de Darcy Ribeiro seria mortalmente ferida, comprometendo profundamente a sua habilidade de transformar a realidade social em que está imersa.

E, finalmente, não posso deixar de mencionar que esse ato da reitoria da Uenf, me faz uma estrofe da canção ” O tempo não para” de Cazuza, aquela que diz “Eu vejo o futuro repetir o passado. Eu vejo um museu de grandes novidades. Mas o tempo não para
Não para, não para”.   Pessoalmente desejo que o tempo não pare para a Uenf…..

O Brasil transformado em lixeira química para garantir o lucro dos vendedores de agrotóxicos e dos mercadores de commodities agrícolas

comida agrotóxicos

A professora aposentada da Universidade Federal de Santa Catarina, Sonia Corina Hess, acaba de divulgar a lista completa de ingredientes ativos de agrotóxicos sem registro ou com uso proibido na União Europeia (UE) e com uso autorizado no Brasil em 20 de março de 2023.

Segundo o que mostra o levantamento feito pela Professora Hess, com exceção de 130 agrotóxicos de base biológica que  são feromônios sintéticos (36 ingredientes ativos), cairomônios (3), raticidas e rodenticidas (6) e produtos biológicos e produtos naturais (85), do total de 494 listados nas monografias autorizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), restam 364 agrotóxicos químicos. Destes 364, 191 (52,5%)  não tem registro ou tiveram seu uso banido na Unido Europeia.

Além disso, dos 191 agrotóxicos banidos pelo órgão regulador da União Europeia,   173 (90,6%) estão em uso no Brasil desde pelo menos o ano de 2003. Em outras palavras, são moléculas velhas.  Em 2020 foram comercializadas no Brasil, pelo menos, 243.531,28 toneladas desses agrotóxicos banidos na UE.

Em 2021, foram vendidas 289.857,41 toneladas, enquanto que os cancerígenos e desreguladores endócrinos acefato, atrazina, clorotalonil, clorpirifós, diurom, imidacloprido e mancozebe foram os mais vendidos em 2020 e 2021.

A verdade é que para garantir os lucros fabulosos das fabricantes de agrotóxicos e do latifúndio agro-exportador brasileiro, o Estado brasileiro está permitindo o contato direto e indireto com substâncias altamente perigosas e com potencial para causar enfermidades terríveis em seres humanos, e causar um processo de contaminação de ampla duração nos ecossistemas naturais brasileiros.

Quem desejar ter acesso aos dados completos compilados pela professora Hess, basta clicar [Aqui!].

Além das florestas: traders enfrentam riscos regulatórios da UE sobre a expansão da soja no Brasil

Os traders de soja estão mais expostos à conversão dos habitats do cerrado e dos pampas do que à conversão das florestas. Conforme a União Europeia (UE) considera incluir outros ecossistemas em sua nova legislação de devida diligência, a análise da Trase revela quais comerciantes enfrentam os maiores riscos regulatórios

defo trase

Por Mark Titley e Tiago Reis para a Trase

Com o futuro regulamento da UE sobre produtos livres de desmatamento , os comerciantes de commodities em breve terão que provar que produtos como soja e óleo de palma destinados ao mercado da UE não estão vinculados à conversão das florestas. No futuro, isso poderá ser ampliado para incluir outros ecossistemas.

Isso teria grandes implicações para os comerciantes de soja que compram do Brasil: apenas 17% da recente expansão da soja nos habitats naturais aconteceu nas florestas. Os comerciantes muito provavelmente estavam comprando soja que invadiu o cerrado e os pampas biodiversos do Brasil.

Na primeira revisão do regulamento, prevista para acontecer até setembro de 2024, a UE irá considerar a inclusão de “outras terras arborizadas”, o que iria aumentar a cobertura do cerrado de 26% para 82% . Um ano depois, em setembro de 2025, será considerada a inclusão dos pampas e pântanos.

A nova análise da Trase revela como essa ampliação do escopo não afetaria todos os comerciantes da mesma forma, pois os padrões de compra diferenciados desses comerciantes no Brasil os expõem a diferentes tipos de conversão (ver a figura).

Brazil soy traders deforestation exposure

A inclusão de outras terras arborizadas teria implicações particularmente grandes para empresas como a Bunge, que veria a porção da sua exposição ao desmatamento e conversão coberta pela regulamentação triplicada, de 6.920 hectares (ha) para 24.600 ha, e a Cargill, cuja área de exposição coberta pela regulamentação seria cinco vezes maior, de 4.420 (ha) para 21.000 (ha). Ambas as empresas são grandes exportadoras de soja para a UE e estão mais expostas ao desmatamento e conversão devido a este comércio com o bloco.

Outras empresas com exposição menor à conversão de outras terras arborizadas ainda veriam mudanças dramáticas, como o aumento de dez vezes da CHS, de 732 ha para 7.360 ha. Enquanto isso, a Orlam, que tem seu fornecimento no estado do Rio Grande do Sul, seria particularmente afetada se os pampas fossem incluídos, onde fica 91% da sua exposição ao desmatamento e conversão.

Uma oportunidade para a UE reduzir seus impactos sobre a natureza

Seria uma grande vitória para a biodiversidade se a ampliação do escopo do regulamento da UE levasse a uma redução na expansão da soja nos ecossistemas que não são de floresta no Brasil. O cerrado é o lar de mais de 11.000 espécies de plantas, muitas das quais não são encontradas em nenhum outro lugar, e fornece habitats importantes para os animais, incluindo o tamanduá-bandeira, o tatuaçu e a onça. A necessidade de proteger os pampas dos altíssimos níveis da recente expansão da soja permanece bastante negligenciada, apesar de este ser um ecossistema frágil que está entre as pradarias mais ricas em espécies do planeta.

A experiência anterior da Moratória da Soja da Amazônia – um acordo com cerca dos 20 maiores comerciantes de soja para parar de comprar soja de terra que foi desmatada após julho de 2008 – mostra como o esforço conjunto dos comerciantes, combinado com governança forte e monitoramento do desmatamento, levou a uma redução drástica do desmatamento direto por soja na Amazônia brasileira. No entanto, devido a esta política estar restrita à Amazônia, argumentou-se que cerca da metade do desmatamento evitado foi transferido para outras regiões , tais como o Cerrado.

Estender o regulamento da UE para cobrir outros ecossistemas é essencial para ajudar a evitar que efeitos semelhantes de “vazamento” se repitam. No entanto, é vital que a UE aplique um prazo comum (um tempo a partir do qual a produção seja considerada vinculada ao desmatamento ou conversão) para todos os tipos de conversão, para evitar incentivar uma rápida expansão em outros ecossistemas vulneráveis enquanto a possível inclusão desses ecossistemas é revisada.

Uma chance para os vendedores gerirem o risco de conformidade

Para os comerciantes, aumentar o escopo do regulamento da UE significa que eles provavelmente enfrentariam maior escrutínio sobre uma porção muito maior da sua produção e teriam que fornecer informações no nível das explorações agrícolas sobre sua compra em regiões de maior risco.

Os comerciantes são bem orientados a garantir que sua produção não esteja vinculada à conversão de nenhum ecossistema nativo, principalmente porque muitos desses comerciantes já têm compromissos de desmatamento zero que incluem esses ecossistemas. Apesar de isso parecer complexo, os dados da Trase mostram que a exposição desses comerciantes ao desmatamento e conversão da terra está altamente concentrada em poucos lugares, destacando as regiões prioritárias para engajar os produtores e revelando onde eles podem querer melhorar a rastreabilidade de sua cadeia de suprimento.

Além disso, os comerciantes devem se comprometer a não expandir a infraestrutura de processamento de soja em áreas fronteiriças de desmatamento e conversão. Em vez disso, eles devem focar a expansão de infraestrutura em regiões com grandes áreas de pastagens degradadas e subutilizadas, que totalizaram mais de 33 milhões de hectares em 2021 . Isso seria um sinal para os produtores e motivaria a expansão da soja sem promover mais conversão, ajudando a abrir o caminho para os comerciantes cumprirem o regulamento progressivo do lado da demanda e seus próprios compromissos de desmatamento zero e ajudando a proteger a biodiversidade globalmente importante do Brasil.


color compass

Este texto foi originalmente publicado pela Trase [Aqui!].