Livro recém-lançado pela Stanford University Press traz capítulo sobre o Porto do Açu e os esforços feitos para transformá-lo em uma “rodovia para a China”

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Em meio a uma ano relativamente difícil, estou tendo o prazer de saber que o livro intitulado “The Tropical Silk Road: The Future of China in South America”, lançado pela Stanford University Press já está disponível para compra aos interessados.

Um dos aspectos mais centrais deste livro é que  o mesmo captura uma junção histórica de dois dos processos mais transformadores da atualidade: a esfera de influência da República Popular da China em rápida expansão no sul global e a desintegração dos biomas amazônico, cerrado e andino. A interseção desses dois processos deu outro passo em abril de 2020, quando o presidente chinês Xi Jinping lançou uma agenda de ajuda e investimento da “Nova Rota da Seda da Saúde” que se estenderia pela América do Sul, estendendo a “Iniciativa do Cinturão e da Rota” eurasiano-africana para uma série de megaprojetos de minas, portos, energia, infraestrutura e agronegócios nos trópicos latino-americanos.

A partir de trinta ensaios curtos, este  livro reúne uma impressionante variedade de colaboradores, de economistas, antropólogos e cientistas políticos a organizadores de comunidades negras, feministas e indígenas, partes interessadas chinesas, ativistas ambientais e jornalistas locais para oferecer uma análise pioneira da presença da China na América do Sul. À medida que as rachaduras no legado progressista da “Maré Rosa” e os fracassos dos populismos ecocidas de direita moldam novas economias políticas e possibilidades geopolíticas, este livro fornece um relato de base de uma ordem mundial pós-centrada nos EUA e um mapa que o acompanha do desafios para a América do Sul que destaca vozes emergentes e formas de resistência.

A minha modesta contribuição a este  livro se dá com o capítulo “Rio’s Phantom Dubai?: Porto do Açu, Chinese Investments, and the Geopolitical Specter of Brazilian Mineral Booms”.  Neste capítulo eu analiso o papel do Estado e as repercussões socioambientais da implantação e operação do Porto do Açu, empreendimento localizado no litoral norte do Rio de Janeiro. Apesar de ser uma iniciativa privada iniciada pelo ex-bilionário Eike Batista, o Porto do Açu recebeu empréstimos de bancos públicos e recursos do governo por ser um importante ponto nodal de exportação de commodities minerais, principalmente para a China. Eike Batista organizou uma delegação para estabelecer negociações com empresas chinesas para convencê-las a se instalarem no distrito industrial do porto. A crise financeira que abalou o Grupo EBX no final de 2013 levou o Porto do Açu a ser controlado pelo fundo de private equity EIG Global Partners. Desde então o foco operacional do projeto mudou substancialmente, deixando a opção preferencial na exportação de minério de ferro para óleo e gás. No entanto, mostro no capítulo que o esforço de atração de investimentos chineses continua, ainda que sem um desenlace previsível.

Os pássaros mágicos nunca avistados : O golpe mesmo é o capitalismo

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Por Luciane Soares da Silva

Já faz algum tempo que tenho me dedicado a documentários sobre diferentes tipos de golpes. Tenho focado minha atenção nestes casos desde a bolha de 2008 na quebra do Lehman Brothers. Móveis jogados em frente as casas, desespero, centenas de pessoas vivendo em carros, hipotecando o que não tinham.

Recentemente Fraude e Privilégio chamou minha atenção. O uso de uma entrada “lateral” em Harvard para filhos de milionários jogava por terra qualquer ideal de meritocracia estadunidense. Enquanto milhares buscam entrar nestas Universidades famosas, o acesso tornava-se um negócio lucrativo e com a anuência de agentes da própria instituição. Outra série interessante Dirty Money (Na rota do dinheiro sujo) trata de casos como escândalos envolvendo a Wolkswagen nos Estados Unidos até a estranha relação entre HSBC e os cartéis de Juarez e Sinaloa no México. Sem falar na figura do presidente Trump e seus “Trump Towers” espalhados pelo mundo. Em todos estes casos o nível de corrupção corporativa é organizado ao ponto de manter grupos de advogados muito bem pagos trabalhando exatamente para atuar nas brechas do sistema.

Os casos recentes do Tinder, o Fyre Festival e a morte do CEO da Quadriga CX, Gerald Cotten, o bilionário da criptomoeda, merecem especial atenção por algumas inovações. Acredito que a representação de uma geração jovem, descolada, cosmopolita e consumista gera milhões de dólares de engajamento em mídias alternativas. Assim, as modelos que usaram suas redes sociais para declarar presença no Fyre Festival foram fundamentais para que outras milhares de pessoas comprassem os ingressos e financiassem o desastre. O festival deveria ser inesquecível, em um cenário luxuoso nas Bahamas. Tudo nas mãos de um jovem branco, ambicioso, capaz de vender bem suas ideias (e quando este perfil é diferente?) Billy McFarland. Atualmente ele cumpre pena em uma penitenciária federal no estado americano de Ohio. Tudo ali era uma mentira. Não haviam as tendas luxuosas, a gastronomia vibrante nem as aventuras prometidas. Apenas caos, chuva e perda de valores de até US$ 100 mil. Para os trabalhadores da ilha onde ocorreria o festival ficaram salários não pagos.

O escândalo envolvendo Gerald é muito mais complicado. Por envolver o mundo das criptomoedas, torna-se difícil explicar todos os mecanismos que funcionam neste mercado emergente e atraente. É importante informar que o nascimento da mais conhecida entre centenas de formas de criptomoedas é o bitcoin. E além da descentralização que envolve uma moeda virtual, a capacidade de verificação no sistema blockchain serviria para evitar golpes de emissão dupla. Esta cadeia de blocos emite informações codificadas que devem a cada verificação evitar fraudes. Mas como este jovem com ar despretensioso pôde ganhar, gastar, perder e morrer tão rapidamente e de forma misteriosa? Aqui temos o mesmo perfil do empresário do Fyre Festival. Branco, de estilo cosmopolita na geração dos nerds, Gerald ganhou fama com a Quadriga quando o bitcoin ganhou espaço na mídia. Mas até onde este mercado poderia crescer e como resgatar algo cuja existência no mundo virtual, não passava pelas tediosa e tradicionais redes monetárias representadas pelos bancos? O fato é que após uma queda dos ganhos, misteriosamente Gerald morreu na Índia levando consigo as economias de milhares de investidores. Literalmente, ele levou a senha para o caixão. Muitos pedem a exumação do corpo.

Vamos combinar que poucos entendem bem dos novos jargões de economia. Dois filmes são exemplares neste tema: a Grande Aposta de Adam McKay (2016), também diretor do recente Não Olhe para cima e A lavanderia de Steven Soderbergh de 2019. O primeiro filme trata de um investidor que “aposta contra o sistema” ao entender o que seria a quebradeira estadunidense de 2008. O segundo trata do famoso caso dos Panamá Papers e de como as formas de especulação impactam drasticamente a vida de pessoas comuns. Ambos estão mirando a complexidade de siglas, termos jurídicos, garantias mentirosas e crença em ganhos exorbitantes. Ou seja, a radiografia das complexas formas de golpe do século XXI. Ambos estão berrando que o estilo de vida esbanjado pelos americanos chega a um limite no qual os perdedores perdem não apenas dinheiro. Perdem dignidade, emprego, capacidade de renda, liberdade, saúde mental, acesso à educação e nesta roleta, a vida é um ativo calculado pelas grandes corporações.

No entanto, para uma geração narcisista de jovens investidores globais, ávidos por reafirmar sua sagacidade perante um mundo integrado pela tecnologia, Cotten, Mcfarland e Simon Leviev são estrelas desta nova constelação. No caso do golpista do Tinder, mesmo após a exposição do sofrimento causado pelos casos de estelionato, ele monetiza vídeos e sua aparição em festas é artigo desejado em boates da Filadélfia, México e Alemanha. Muito bem pago, mira o mercado do entretenimento. Nada melhor do que uma indústria como Hollywood para um golpista de tão alto nível. Nenhuma moral resiste ao espetáculo. Moral é um problema para classe trabalhadora não é mesmo? Ao menos é o que aprendi lendo os alemães.

Alerto neste texto o que realmente é novo no voo destes pássaros translúcidos. Os recursos gráficos, a simulação de voz, a modelagem facial, todos estes recursos tecnológicos são amplamente utilizados em redes sociais cotidianamente. Nada mais comum que a invenção de um perfil de instagram. Neste desejo de fuga da vida ordinária, marcada pela submissão e desigualdade, uma ideia de sorte grande pode vir pelo golpe do coração ou da criptomoeda. Ou ainda pela possibilidade de que a presença de celebridades torne seu perfil mais bombado junto a sua rede de amigos. E sua capacidade reside na manipulação precisa destes novos cenários. Ambiente tecnológico, deslocamento global e estilo desapegado.

Estranhamente é nesta sociedade do espetáculo que os mais crédulos aceitam a maçã. Sequestrados pela possibilidade de reconhecimento, enriquecimento, fama ou prazer, eles oferecem o pouco que herdaram ou construíram com seu trabalho para tubarões invisibilizados pelo que o sistema jurídico pode oferecer aos milionários. Nunca irem para prisão por muito tempo. É curioso participar de um golpe entrando pela porta da frente. Temos no comando deste mercado global, jovens tolos, ambiciosos narcisistas e capazes de despertar desejo. Não mais a dureza dos Rockefeller ou as histórias fabulosas sobre a família Rothschild.

O capital no século XXI nos apresenta a figura de Eike Batista como um investidor audacioso, filantropo dos esportes e da cultura. Preocupado com meio ambiente, investidor na melhoria da segurança pública. Um homem de faro e bom senso. Bem, devemos ou não mencionar o mapa herdado de seu pai? E suas falências acumuladas? Devemos reconhecer sua grande habilidade de vender sonhos. Talvez o mais rentável ativo do capitalismo atual: sonhos. Eike, aquele que colocou uma coleira em sua mulher na Sapucaí no ano de 1998. O visionário que iria transformar São João da Barra na Veneza tropical. E pasmem, contou um uma celeridade inédita da justiça local para uma vergonhosa desapropriação envolvendo em seu benefício, até o poder público. Em 2021, o intrépido empresário do grupo X ainda anunciava seu retorno ao Porto do Açu, recebendo homenagens na Câmara de Vereadores da cidade[1]. Ele faz parte deste time global que aplica golpes a luz do dia. Com a aquiescência de muitos, para miséria de milhares. 

[1] https://www.jornalterceiravia.com.br/2021/04/20/eike-tem-novos-projetos-para-o-acu-e-sera-homenageado-pela-camara-de-sjb/


*Luciane Soares da Silva é é docente da Universidade Estadual do Norte Fluminense  (Uenf), onde atua como chefe Laboratório de Estudos sobre Sociedade Social e do Estado (Lesce), e também participa da diretoria da Associação de Docentes da Uenf (Aduenf).

Movimentação de cargas Açu x Santos: diferença de 100 para 1 mostra os limites do merchandising

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Sem necessidade de merchandising, Porto de Santos continua sendo a principal unidade portuária do Brasil

Li com alguma curiosidade uma dessas notícias/press release de um jornal local dando conta que o Porto do Açu teria movimentado em 2021 um volume total de 1,5 milhão de toneladas em seu terminal multicargas. Tal montante teria, inclusive, obrigado a que a direção do porto a rejeitar clientes, no que seria um sinal de sucesso do empreendimento.

Como passei parte da minha vida na cidade de Santos, tendo inclusive trabalhado como office boy de uma firma que me obrigava a visitar frequentemente a capitania do porto homônimo, me pus a pensar qual seria o volume que o empreendimento santista movimentou ao longo desse ano.  Ai após uma breve busca, pude verificar que no período de janeiro a novembro de 2021, o volume total movimentado no Porto de Santos foi de 134,81 milhões de toneladas.

Em outras palavras, se o número apresentado pelo jornal local em relação à movimentação total do Porto do Açu está correto, temos que o Porto de Santos movimentou quase 100 vezes mais nos primeiros 11 meses de 2021.  Se isso servir para alguma coisa é para demonstrar que após 7 anos do início das suas operações, o Porto do Açu ainda é uma unidade portuária de baixo impacto na movimentação de cargas entrando e saindo do Brasil. Desta forma, principalmente os pesquisadores que estudam os impactos do Porto do Açu sobre a economia regional deveriam estudar melhor a real dimensão do empreendimento, começando, inclusive, a compará-lo com aquelas estruturas que estão efetivamente liderando as atividades portuárias brasileiras. É que já vários artigos científicos entoando a informação de que o Porto do Açu seria uma, ou ainda a maior, unidade portuária da América Latina.

Já para os leitores deste blog que vivem sendo bombardeados por informações de baixa qualidade da mídia corporativa, o meu desejo é simples: informem-se melhor, se possível lendo também este humilde espaço de disseminação de informações.

Finalmente, chegamos ao fim de 2021 sem que haja qualquer sinalização do início do pagamento das indenizações devidas a centenas de agricultores familiares  do V Distrito de São João da Barra que tiveram suas terras expropriadas pelo governo de Sérgio Cabral para a construção de uma aparentemente natimorto distrito industrial de São João da Barra. Enquanto isso, o ex-bilionário Eike Batista acaba de ter uma dívida milionária perdoada por simplesmente porque a secretaria estadual de Fazenda perdeu o prazo de cobrança. Sobre isso a mídia corporativa local age como um sepulcro caiado.

Um infeliz aniversário: desapropriações do Açu completam 10 anos e centenas de agricultores continuam abandonados

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Poucos devem lembrar, mas um muito (in) feliz aniversário foi completado no dia 15 de dezembro de 2020, afetando as vidas de centenas de agricultores familiares que viviam e produziam nas terras tomadas pelo (des) governo de Sérgio Cabral para a implantação de um natimorto distrito industrial em São João da Barra. As terras tomadas por Sérgio Cabral e entregues ao ex-bilionário Eike Batista estão hoje sob controle da Prumo Logística Global que aufere milhões anualmente em troca do aluguéis salgados.

Fonte: Blog do professor Roberto Moraes

A persistente injustiça contra os agricultores familiares que hoje vivem em condições difíceis em áreas espalhadas pelas localidades de Água Preta, Mato Escuro e Barra do Açu é evidenciada pela completa paralisia em que se encontram centenas de processos de desapropriações firmados pela Companhia de Desenvolvimento Industrial (Codin) que reconhecidamente não possui sequer o orçamento para pagar as indenizações devidas a quem teve as terras tomadas.  A Codin só não sofre mais porque os processos estão em sua ampla maioria acumulando poeira na sede do fórum de São João da Barra.

Advogados familiarizados com o drama dos agricultores se sentem impotentes para dar o devido e necessário apoio aos que permanecem sem qualquer perspectiva de avanço no processo de pagamento das indenizações que o estado do Rio de Janeiro, na figura da Codin, deveria já ter pago, visto que uma década já transcorreu desde que o drama dos agricultores foi mostrado até pela grande mídia internacional.

O interessante é que no âmbito do governo municipal de São João da Barra permanece um silêncio sepulcral, em que pese a prefeita Carla Machado (PP) ter sido uma parceria preferencial, tanto de Sérgio Cabral quanto de Eike Batista na ágil remoção dos agricultores de terras que ocupavam há várias gerações.  Ninguém pode se esquecer da famosa cerimônia de entrega da Medalha Barão de São João da Barra por Carla Machado a Eike Batista, enquanto famílias inteiras eram tocadas para fora de suas pequenas propriedades por uma combinação de forças policiais regulares e seguranças privados do Grupo EBX.

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Cerimônia de entrega da “Medalha Barão de São João da Barra” realizada pela prefeita Carla Machado para “paparicar” o ex-bilionário Eike Batista

Por essa situação toda é que não se pode deixar de frisar que essa década foi perdida também para o município de São João da Barra que perdeu boa parte de seu celeiro agrícola para uma empreitada que não tem nenhuma cara que sairá das lâminas de Powerpoint que Eike Batista adorava projetar para políticos parceiros e investidores incautos.

Como fiz amizades com muitos agricultores que viveram a experiência de serem ejetados à força de suas terras, e lembrando que vários deles morreram sem receber as indenizações devidas, considero que é um completo ultraje o estado de profunda paralisia em que se encontra a tramitação dos processos referentes às desapropriações.  Minha expectativa é que cedo ou tarde (mais cedo do que tarde) tenhamos a devida mobilização para fazer justiça aos agricultores do V Distrito de São João da Barra.

Porto do Açu é alvo de série de reportagens na Bélgica: primeira reportagem conta o drama das desapropriações

Dois veículos da mídia belga (Apache e Médor) fizeram uma parceria para contar a história do Porto do Açu em seus mínimos detalhes. A primeira matéria da série acaba de ser publicada e começa a narrativa dos acontecimentos contando como o “sonho megalomaníaco do bilionário brasileiro condenado por suborno, Eike Batista, selou o destino de dezenas de famílias de agricultores” no V Distrito de São João da Barra.

A reportagem que abre a série aborda o rumoroso processo de desapropriação de terras que tirou o sustento de sustento de centenas de famílias de agricultores, dando detalhes minuciosos sobre os preços irrisórios oferecidos pelo governo do Rio de Janeiro, e das condições pelas quais as ações de expropriação causaram enormes dificuldades aos moradores tradicionais do V Distrito.

Agricultores, advogados e pesquisadores que vivenciaram de forma próxima a história de implantação do Porto do Açu têm espaço na primeira reportagem para oferecer dados importantes sobre o que de fato ocorreu desde quando o ex-bilionário Eike Batista iniciou suas tratativas de implantar o Porto do Açu.

O interesse da mídia belga pelo Porto do Açu se deve à parceria estabelecida com o Porto de Antuérpia que, segundo a primeira matéria da série, já teria investido mais de R$ 100 milhões no empreendimento que hoje é controlado pelo fundo de “private equity”  EIG Global Partners cuja sede é localizada na cidade de Washington, capital dos EUA. 

A segunda reportagem, que deverá ser publicada amanhã, mostrará como o Porto de Antuérpia surgiu como investidor e qual o papel das empresas de dragagem belgas e holandesas no desenvolvimento do Porto do Açu.

É interessante notar que essas reportagens deverão obrigar o Porto do Antuérpia a se explicar sobre essa parceria, pois, ao contrário do Brasil, na Europa as transgressões aos direitos coletivos são menos toleradas.

Quem desejar ler em português a primeira reportagem da série sobre o Porto do Açu, que é assinada pelos jornalistas Ike Teuling e Quentin Noirfalisse, basta clicar [Aqui!]

Eike Batista, o “Barão de São João da Barra”, pega 4 anos de prisão por manipulação do mercado financeiro

Como sempre digo a quem quer ouvir, este blog foi iniciado com a intenção primária de contar ao mundo o que estava acontecendo com os agricultores do V Distrito de São João da Barra que tiveram suas terras expropriadas pelo governo de Sérgio Cabral que as entregou para o então megarrico brasileiro, o Sr. Eike Batista. Lá se ia o ano de 2011 e o Eike Batista já havia recebido alguns anos antes a maior honraria do município, a medalha de “Barão de São João da Barra”, por causa do início da implantação do Porto do Açu.

A então e atual prefeita de São João da Barra, Carla Machado, entregando a medalha de “Barão de São João da Barra” a Eike Batista.

Aqueles eram tempos em que  o poder público municipal de São João da Barra e a mídia corporativa regional se derretiam e ofereciam salamaleques que visavam bajular Eike Batista, ainda que nas terras arenosas do V Distrito estivessem ocorrendo cenas de completa covardia e violência contra centenas de famílias de agricultores que estavam vivendo por ali por, pelo menos, 3 gerações.

Agora, 9 anos depois do início deste blog, vejo a notícia mostrando que Eike Batista acaba de assinar um acordo de delação premiada que prevê o pagamento de mais de R$ 800 milhões de multa e minguados 4 anos de prisão (sendo apenas 1 deles em regime fechado) por crimes contra o sistema financeiro que envolveram fraudes e manipulação do mercado de ações.

Nessa delação, Eike Batista supostamente entrega diretores de grandes corporações financeiras (e.g.,  JP Morgan, Goldman Sachs, BTG Pactual, ItaúBBA, Morgan Stanley e Credit Suisse) que teriam participado dos crimes por ele confessados. Mas o que me espanta mesmo é o fato de que quase 7 anos depois do desmoronamento do seu império de empresas pré-operacionais, Eike Batista ainda teve a condições de fazer um acordo que envolve o pagamento de R$ 800 milhões. Este vultoso valor indica que Eike Batista guardou dinheiro em lugares desconhecidos, e não seria de estranhar que um dia se descubra que ele ainda tem mais centenas de milhões guardados em algum paraíso fiscal.

Todas essas revelações me causam profunda indignação, na medida em que os agricultores que tiveram suas terras tomadas por Sérgio Cabral ainda aguardam o ressarcimento que o estado do Rio de Janeiro lhes deve. Muitos desses agricultores já até morreram, e o problema de cobrar o pagamento devido agora está cada vez mais complicado e, para não dizer, envolto em um amnésia proposital por parte daqueles que pavimentaram o caminho de Eike Batista em São João da Barra.

Porto do Açu: mais um ano de injustiça continuada contra os agricultores do V Distrito

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Como faço há alguns anos visitei antes do Natal duas famílias de agricultores que tiveram suas terras expropriadas pelo ex-governador e hoje hóspede do sistema prisional, Sérgio Cabral Filho, para a suposta criação de um distrito industrial (municipal) no V Distrito de São João da Barra. Fui lá entregar pequenos presentes natalinos e, mais importante, rever pessoas com quem estabeleci laços de fraternidade a partir da luta que travaram para ter um mínimo de justiça que pudesse fazer frente às graves violações de seus direitos de propriedade e de cidadãos respeitadores das leis.

Como sempre encontrei pessoas que, a despeito da injustiça e do abandono por parte do Estado, se mostraram humildes, porém, firmes em seus propósitos de obterem o que lhes foi negado até hoje. De um deles, o agricultor Walter Toledo, ganhei como retribuição um forte abraço após ele reconhecer a minha voz, pois é cego. Walter Toledo continua sendo um homem resoluto e firme, como a imensa maioria dos agricultores e agricultoras do V Distrito que tiveram suas terras tomadas para que fossem transformadas em um imenso latifúndio improdutivo cuja posse e controle está hoje nublada por incertezas e ilegalidades.

Mas essa é a gente que já fez do V Distrito um celeiro agrícola a despeito da predominância de solos majoritariamente arenosos. Esses agricultores são o maior exemplo da resistência da maioria do povo brasileiro a uma realidade social que lhes destina apenas abandono e violência para benefício de um modelo de acumulação que privilegia apenas uma fração mínima da sociedade. No caso do Porto do Açu, essa fração mínima sequer está em solo nacional, visto que o megaempreendimento iniciado pelo ex-bilionário Eike Batista está hoje sob o controle de um fundo “private equity“, o EIG Global Partners, cujos participantes dificilmente sabem em que parte do planeta fica o município de São João da Barra e os injustiçados agricultores do V Distrito.

Para que se comece a corrigir todas as injustiças cometidas contra os agricultores do V Distrito é preciso, para começo de conversa, que não se esqueça deles. A memória das injustiças cometidas é fundamental para que nunca se cesse a procura de formas concretas de reparação que essas famílias continua demandando.  Que ninguém confunda a paz aparente com resignação, pois os habitantes do V Distrito não são resignados e, pelo que vi em minha breve visita, nunca serão.

Por último, o caso das expropriações não pagas das terras do V Distrito continua sendo um dos meus objetos de pesquisa, e ao longo de 2020 espero ver outras produções serem publicadas em periódicos científicos.  Encaro essas publicações não como meros adereços para enfeitar “Currículo Lattes”, mas  uma forma de oferecer testemunho científico verificado por meus pares do que engodo que foram todas as promessas feitas de que o Porto do Açu seria uma espécie de “Eldorado sanjoanense”.  Continuar pesquisando e demonstrando a real natureza desse enclave multinacional é o mínimo que posso fazer pelas famílias que tiveram suas terras expropriadas no V Distrito.

Desapropriações no Porto do Açu: farinha pouca, meu pirão primeiro

Nova forma de cálculo obtida a partir de valores venais declarados pela Porto do Açu Operações deverá ter implicações bilionárias


Tem algum tempo que fui informado que em todos os processos de desapropriação realizadas no V Distrito para supostamente viabilizar a implantação de um Distrito Industrial de São João da Barra (DISJB), a Porto do Açu Operações S/A apresenta petição e recursos na condição de terceira interessada, trazendo contrato compromisso de compra e venda firmados com a Companhia de Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro (Codin). Em todos estes processos de desapropriação, a Porto do Açu Operações S/A estaria colocando em xeque os laudos elaborados por todos os peritos nomeados pela justiça de São João da Barra, apontando que os trabalhos periciais realizados não condizem com o valor de mercado.
Pois bem, agora está vindo à tona que a Porto do Açu, por estar firmando vários contratos de cessão e constituição de direito real de superfície para uso de firmas do setor industrial, está sendo obrigada a promover o cadastramento dos imóveis junto à Prefeitura Municipal de São João da Barra para viabilizar o registro dos referidos contratos junto ao cartório local.
Ao fazer isso, a Porto do Açu acabou tendo que apontar valores venais para cada um dos imóveis para os quais pretende estabelecer os processos de cessão com empresas eventualmente interessadas nos mesmos (ver tabela abaixo)

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Um efeito colateral destas declarações de valores foi que Porto do Açu acabou desmoralizando a estratégia de colocar em xeque os valores estimados pelos peritos judiciais que atuam na Comarca de São João da Barra. Além disso, a Porto do Açu acabou abrindo a porta para os peritos judiciais usarem os valores venais declarados no processo de estimar o valor a ser pago aos que tiveram suas terras expropriadas pelo estado do Rio de Janeiro para a implantação do DISJB.
E os efeitos disso já estão aparecendo, pois fui informado que pelo menos um perito judicial já utilizou os valores declarados pela Porto do Açu para um processo no qual uma dada propriedade tinha tido o seu valor inicialmente estimado em cerca de R$ 150.000,00. O resultado disso é que o valor ajustado para a desapropriação passou para R$ 10 milhões!
Como existem ainda centenas de processos em andamento, o custo final de todas as desapropriações juntas deverá chegar a valores estratosféricos se todos os imóveis tiverem seus valores majorados seguindo a mesma lógica.
Se isso se confirmar, uma questão certamente assombrará a Porto do Açu será a seguinte: quem vai arcar com esse custo? De cara já sabemos que dificilmente será a Codin que foi quem encabeçou as desapropriações.

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Entretanto, uma coisa é certa: os agricultores desapropriados vão ter que ser ressarcidos ou terão que receber as suas terras de volta. O que não dá é para ficarmos na situação em que para ceder as terras valem milhões para a Porto do Açu, enquanto os agricultores desapropriados continuam literalmente a ver navios.
Mas pensando bem: o que me parece mais gritante nessa história toda é que no meio de tanto sofrimento causado pelas desapropriações realizadas pelo ex-(des) governador Sérgio Cabral para apoiar seu “buddy” Eike Batista, o que parece estar valendo é a máxima do “farinha pouca, meu pirão primeiro”. E adivinha quem fica sem farinha, nem pirão? Se pensou os agricultores que tradicionalmente habitavam as terras do V Distrito, pensou certo.

Violência contra agricultores em desapropriação reforça de “acumulação por espoliação” do Porto do Açu

Ontem recebi informações desencontradas acerca de uma ação desapropriação que ocorreu na localidade de Água Preta que está localizada na retroárea do Porto do Açu, envolvendo dois agricultores (pai e filho) que teria resistido à destruição das cercas existentes em sua pequena propriedade (ver imagens abaixo).

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Essa não é a primeira (e provavelmente não será a última) que um numeroso contingente policial é utilizado para fazer valer medidas de desapropriação onde a força é utilizada para pressionar agricultores familiares que estão tendo seus meios de sobrevivência tolhidos para fazer valer os interesses corporativos da Prumo Logístico Global e do fundo de “private equity” EIG Global Partners, como antes ocorria com o Grupo EBX do ex-bilionário Eike Batista.

O vídeo abaixo que mostra momentos de tensão entre agricultores, policiais e oficiais de justiça representa bem a real situação do que têm sido essas desapropriações que até hoje não foram ressarcidas para a imensa maioria das famílias atingidas por esse processo que o geógrafo inglês David Harvey denomina de “acumulação por espoliação“.

As informações que possuo aponta que um dos agricultores envolvidos no conflito mostrado acima teria sido enviado para uma unidade de saúde após ser eletrocutado com um “taser” e sofrer um tiro de bala de borracha, além de agressões físicas.

Espero ter informações mais precisas ao longo do dia de hoje para poder esclarecer aos leitores do blog com mais detalhes mais esse episódio de violência contra os agricultores familiares do V Distrito de São João da Barra.

Carla Machado, uma prefeita de braços dados com o Porto do Açu e de costas para os agricultores do V Distrito

O site oficial da Prefeitura Municipal de São João da Barra publicou um press release dando conta da parceria firmada pela prefeitura Carla Machado (PP) com o Porto do Açu (leia-se Prumo Logística Global) no âmbito da Feira de Oportunidades que está ocorrendo no campus centro do Instituto Federal Fluminense (ver imagem abaixo).

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Ainda que essa parceria não seja recente, pois vem desde os tempos o ex-bilionário Eike Batista era merecedor até da concessão da medalha “Barão de São João da Barra“, não deixa de ser peculiar todo o empenho da prefeita Carla Machado para se colocar como uma aliada preferencial do Porto do Açu.

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Eike Batista recebendo a homenagem de Carla Machado, em 2008 Foto: Divulgação

É que sorte bem diferente vem sofrendo desde 2010 as centenas de famílias de agricultores familiares que tiveram suas terras expropriadas pelo ex (des) governador e atual hóspede de unidade prisional,  Sérgio Cabral, as quais vivem até hoje no mais completo abandono e sem receber um mísero tostão do que lhes é devido pelo estado (ver vídeo abaixo contendo o documentário “O Preço do Desenvolvimento” de Danilo Barreto).

Pelo jeito o lema de Carla Machado é “de braços com a Prumo Logística, enquanto ficamos de costas para os agricultores do V Distrito”.