A criminalização de Junho de 2013 como um sintoma

jun2013

Por Aline Moreira Magalhães para o “Le Monde Diplomatique”

Tornou-se corrente em meios de esquerda localizar o início do bolsonarismo nas manifestações que começaram a ocorrer em junho de 2013 no Brasil. Em suma, nesse período teria se forjado o “ovo da serpente” – para usar uma expressão amplamente adotada – do poder bolsonarista e do alastramento da violência fascista no país. Esse discurso é cada vez mais intensificado conforme os eventos se desenrolam, como o impeachment de Dilma em 2016, a ascensão de Bolsonaro ao poder, o transcorrer excruciante de seu governo, e a ameaça de golpe que ora se abate sobre o governo Lula 3. Essa narrativa, mais do que tentar invisibilizar um evento histórico e sua real composição social, encobre os pressupostos centrais da atuação de um vasto e complexo campo de esquerda no Brasil. Se junho de 2013 demarcou, de fato, um antes e depois, que antes e depois seria esse? Um antes “sem bolsonarismo” e um depois “com fascismo” e tendo Bolsonaro como porta voz? É necessário ir além da conveniência e seletividade argumentativa para apontar com alguma justeza o que efetivamente ocorreu.

O que se chama de Jornadas de Junho de 2013 se trata, em verdade, de uma eclosão de um longo período de mobilizações nacionais – porém concentrados em número e intensidade no Rio de Janeiro e em São Paulo – que durou pelo menos dois anos, se arrastando de maneira mais errática até 2016.1 Mas mesmo se nos ativermos às manifestações de Junho de 2013, sua composição, que chegou a milhões de pessoas participando de atos, era heterogênea a ponto de haver conflitos entre manifestantes com posições ideológicas opostas em sua primeira semana. Como foi o caso do conflito entre os que já vestiam camisa da seleção brasileira e os que vestiam camisas vermelhas e empunhavam bandeiras de partidos da esquerda parlamentar, rasgadas em episódios que deflagraram brigas durante os atos. As manifestações já nesse junho eram majoritariamente compostas por setores populares: professores e estudantes da rede pública de ensino, trabalhadores precarizados, moradores de rua e de comunidades pobres urbanas. Provas disso não faltam a quem se disponha a procurar por imagens na internet. Em uma delas, emblemática desse Junho especificamente, é o dia 20 na Avenida Presidente Vargas, Rio de Janeiro, em que manifestantes, dentre os quais homens negros periféricos, enfrentam um caveirão2 que tentava reprimir e conter a manifestação. 

Manifestantes enfrentam o Caveirão no Rio de Janeiro, em 20 de junho de 2013. (Foto: Daniel Marenco)

Essa cena não foi isolada: enfrentamentos semelhantes e protagonizados pelo mesmo setor social ocorreram em diversos outros atos nos dois anos que se seguiram. Não tardou, assim, para o setor que vestia verde e amarelo se destacasse como divergente a essas bandeiras e táticas e passasse a convocar atos próprios. Ambos os setores, os que empunhavam bandeiras de esquerda, e os que falavam apenas em corrupção vestindo camisa da seleção, passaram a convocar atos separados, em dias e locais diferentes. Isso apenas algumas semanas depois dos meados de junho. 

No entanto, suas dimensões em termos de frequência, intensidade e quantidade de pessoas agregadas se distanciavam abissalmente. Durante dois anos de maneira quase ininterrupta, os atos da esquerda ocorriam duas vezes por semana no mínimo, agregavam de 500 a 20 mil pessoas, eram impreterivelmente reprimidos pela PM, assim como entravam em rota de colisão com ela. Nesse mesmo período, os que hoje são identificados como germe do bolsonarismo, por sua vez, realizavam atos quinzenais ou mensais e suas aglomerações variavam de 100 a 2 mil pessoas. Como ocorre até hoje, esses atos não só não eram reprimidos nem contidos como eram quase aplaudidos pelas PMs, caso pudessem fazê-lo. Tratavam-se de colegas marchando lado a lado, praticamente.

Os atos organizados e convocados pela esquerda procuravam promover pautas de esquerda: de defesa de direitos sociais básicos prescritos pela Constituição, como o acesso à mobilidade e moradia urbana, à educação e saúde de qualidades e públicas. Os atos também rechaçavam duramente a violência policial, reivindicando o fim da PM, e denunciavam o extermínio da população negra, a ponto de ter invertido a narrativa midiática: “vândalo é o Estado”. Defendia, sobretudo, a participação e consulta populares em torno de todas as pautas que afetavam diretamente a sociedade, indo contra a resolução a portas fechadas, que é o procedimento rotineiro estatal quando se trata de assuntos de grande impacto social no Brasil, como a venda de bens e serviços públicos. Por isso alguns dos atos mais duramente reprimidos ocorriam quando o objetivo era interceder uma reunião parlamentar ou votações em assembleias legislativas específicas que definiriam a vida de grande parte dos moradores e trabalhadores das cidades. Os manifestantes e as manifestações de rua adensaram e/ou impulsionaram também as próprias mobilizações de sindicatos, como dos professores, de garis, de motoristas de ônibus, metroviários, de entregadores de aplicativos. 

Em sequência e no bojo desses acontecimentos, outros se desenrolaram, mas para se ater às alternâncias de poder de Estado: Dilma foi deposta em um golpe articulado no Congresso Nacional, em grande medida porque não encaminhou as reformas de interesse do empresariado nacional conforme desenhadas naquele momento, em virtude da efervescência das ruas, e em meio à uma crise econômica3 pela qual não passou seu antecessor.  

O golpe parlamentar de 2016 abriu então caminho para ascensão de uma nova fração da burguesia ao poder no Brasil, encabeçada pela família Bolsonaro, e enraizada em alguns valores caros à formação nacional brasileira, como a aversão violenta e o desprezo a tudo ou quase tudo o que se desloca estética e existencialmente do que é irradiado pela elite nacional e seu padrão de consumo. Essa fração tem características específicas ainda a ser examinadas por estudos mais depurados, mas pode-se dizer que ela se caracteriza principalmente pela premissa de que mais pessoas querem ser ricas ou ter acesso a bens ostentados pelos ricos; que querem se igualar, ou ter chances de construir um lugar ao sol junto ao restrito círculo de milionários e bilionários do país. O pano de fundo, nem sempre explicitado claramente por um patriota do caminhão, por exemplo, é que um Estado justo deveria garantir os meios para isso, em vez de manter os mesmos privilégios de sempre – leia-se aos mesmos sobrenomes de sempre bem como à alta burocracia estatal. É caracterizada, ainda, pela oposição à prática e aos valores da burguesia brasileira mais tradicional, que mantém a concentração financeira, os privilégios materiais e simbólicos em círculos restritos, com perfil aristocrático dotado de um capital cultural forjado e/ou legitimado no conhecimento acadêmico/científico, em lugar de promover a acumulação de riqueza para mais pessoas, ou seja, ampliar um pouco o círculo e também o perfil dos ricos no país – o adjetivo “ressentidos” utilizado pela esquerda encobre com um verniz de superioridade moral uma hierarquia social real. Não à toa, foi Rio das Pedras a primeira favela encurralada pela aliança paramilitar dessa fração burguesa ascendente, materializada na formação das milícias com a influência dos novos ricos, residentes da Barra da Tijuca, vizinha a Rio das Pedras e onde muitos de seus moradores vendem sua força de trabalho. Barra da Tijuca é um conhecido bairro do Rio de Janeiro onde passaram a residir o que se chama, popularmente inclusive, de novos emergentes ricos. Mesmo bairro onde mantém residência a família Bolsonaro.

Ao manter essa promessa no horizonte, o discurso de Bolsonaro ecoa e se ancora fortemente nessa fração e na sua franja, que paira em ocupações e empregos instáveis insuficientes para sua ascensão, crédulas em seu marketing de prosperidade, bens e conforto para mais pessoas – não necessariamente muitas pessoas e certamente meticulosamente selecionadas, a depender de seus vínculos e perfis sociais.4 Por isso é muito caro a Bolsonaro retomar o discurso militar da exploração do que ele classifica como “terras vazias”, como as terras indígenas e de populações tradicionais, onde se encontram preservados recursos energéticos e minerais que, se sobre-explorados (portanto destruídos), seriam capazes de criar mais “novos ricos”. Pelo menos virtualmente a propaganda funciona. Objetivamente é claro que isso não se efetiva, basta ver, por exemplo, o grau de exploração e depauperação em que vivem migrantes que rumam para o norte do país para trabalhar em garimpos.5

O processo de racha do PSDB (via Doria, mas não somente), porta voz da elite mais aristocrática paulistana ao mesmo tempo que procura contemplar os interesses da alta burguesia nacional, e que ditava os rumos estruturais do país sem maiores crises até então, e a ascensão política de um capitão da reserva do Exército, adulador público de um torturador, foram dois movimentos articulados, que pavimentaram os caminhos para o aprofundamento da violência de teor fascista altamente deflagrada em que nos encontramos hoje. No final das contas, o partido apoiou em bloco a candidatura de Bolsonaro, mesmo dentre tergiversações e silêncios de uma prestigiada intelectualidade/elite brasileira que compõe o partido, durante o transcorrer da campanha eleitoral. Do alto de seu preconceito de classe, o setor tradicional-aristocrático do partido tomou por segura a manipulação de Bolsonaro, considerando que moldariam suas ações conforme os interesses representados pelo partido, e as adestrariam conforme, pelo menos, alguns dos seus princípios burgueses mais caros. Acreditaram, sobretudo, que ele realizaria as reformas necessárias à continuidade e aprofundamento de privilégios, como as vendas das estatais remanescentes – inclusive da própria gestão da água, as reformas da previdência, trabalhista e com o desmonte de serviços de educação e saúde estatais – sem maiores riscos de inversão do poder no país. 

Não tardou, entretanto, para que os antagonismos entre esses dois setores – um voltado aos novos ricos (a burguesia véio da Havan), e outro voltado à elite tradicional – se aprofundassem e culminassem com o apoio irrestrito do partido e determinante ao retorno de Lula à presidência, único candidato capaz de vencer a eleição em número de votos frente à extorsão, cabresto e compra de votos com dinheiro público que já se avizinhava a níveis inéditos na história do país. Enquanto isso o PSDB tentava expurgar do partido quadros e discursos bolsonaristas. Porém, depois de todo esse processo e rachas e do que foi o próprio governo Bolsonaro, o PSDB já não representa em sua totalidade a burguesia, nem a paulistana nem a nacional, hoje composta por setores mistos em termos de taxas de lucro e ideológicos, que oscilam entre a fachada democrático-burguesa e o fascismo puro e simples. 

O grosso do que se chama de Jornadas de Junho e seus desdobramentos refere-se em grande medida a manifestações com pautas que se opunham radicalmente a esses setores e seus respectivos projetos de sociedade. E foi o evento histórico que colocou uma lupa sobre todos os problemas intensificados, mas não gerados, no governo Bolsonaro, retirando os problemas estruturais da sociedade brasileira dos escombros da invisibilidade, como é o caso tanto do racismo como do atual problema militar enfrentado pelo governo Lula 3. Pode-se atribuir muitas coisas às Jornadas de Junho de 2013 e seus desdobramentos, inclusive de ser um elemento que contribuiu para a instabilidade do governo Dilma que culminou em sua deposição. Contudo, além de estar longe de ser o único e determinante – Dilma foi deposta por não cumprir a contento o aprofundamento da agenda neoliberal que estava sendo imposta pela burguesia nacional naquele momento –, as mobilizações populares em torno de pautas de esquerda fazem parte da própria história do Partido dos Trabalhadores. Então manifestações populares e trabalhistas com reivindicações claramente de esquerda não deveriam ser uma surpresa desagradável para um partido que supostamente se identifica e surgiu desde os mesmos setores e pautas. 

Mas por que é assim? Por que o esforço reiterado para criminalizar ou jogar no lixo da história qualificando como fascista um dos eventos mais centrais do Brasil contemporâneo? Aí entramos no ponto ululantemente contraditório da questão: para a esquerda brasileira, mas não apenas brasileira, o único enquadramento viável de construção de poder popular localiza-se no Estado-nação, dele emana ou viabiliza-se.6 Não é possível legitimar acontecimentos que o opõem, com o risco de ver ao mesmo tempo estratégias políticas questionadas ou diluídas. Mesmo a retórica variando conforme a situação, na prática grande parte dos partidos de esquerda no Brasil, cujas leituras de realidade e estratégias são amplamente reverberadas e endossadas em redes sociais e canais de mídia, canaliza suas atuações para as eleições da democracia burguesa, as toma como o objetivo final e mais central de um ciclo que se inicia nas formações de organizações “da base” e suas lideranças e culmina principalmente no parlamento nacional, mas também na direção de um sindicato ou de uma central sindical. Faz parte da própria constituição da esquerda no país o foco sobre o poder estatal como um bote salva-vidas que irá livrar todos do “mal maior”, seja ele qual for.7 Não é nem a questão de validar ou não o sistema representativo liberal-burguês, mas uma questão de vetor e de prioridades. Não se cogita sequer o contrário, isto é, das formações e organizações populares serem o verdadeiro e mais importante objetivo final de qualquer atuação de esquerda, já que isso poderia gerar uma transformação da moralidade burguesa, sua desfascistizacão, e poderia construir maiorias graduais capazes de pressionar (Estado, governo ou o que valha) e promover mudanças cada vez mais significativas com vistas à promoção de igualdade social. Claro que essa tendência política que gravita em torno do poder estatal sempre entra em contradição dialética com as próprias forças e movimentos populares que dão legitimidade e força a esses partidos. Entretanto, mesmo esses últimos são, por vezes, enredados na narrativa de que o mais importante é eleger “representantes” na República liberal na qual nos encontramos atados há mais de um século. Vide a catarse coletiva em que se transformou a eleição de 2022. Nesse enquadramento, construir uma sociedade mais justa passa mais por construir e formar representantes, porta-vozes, do que realizar ações concretas e de pressão que visem a construção de uma sociedade mais justa. Não nos deixemos ludibriar com relativizações sobre o que é uma resistência política eficaz: no Brasil, votações em pautas socialmente significativas só venceram e vencem no parlamento e em assembleias legislativas mediante pressão popular intensa e quantitativa, a exemplo da própria Assembleia Constituinte de 1988 – independentemente se houverem ou se fazerem maioria “representantes” da classe trabalhadora ali ou não. E toda essa sobrevalorização da capacidade representativa parlamentar é contraditória em si porque, além de já ter sido demonstrada inoperante pela própria experiência brasileira, rasga a própria tradição teórica que esses setores dizem reivindicar. 

Os resultados de quatro anos de governo Bolsonaro estão aí para quem quiser ver, mas para mencionar apenas o quadro da gestão da violência em um Estado neoliberal, que é o principal dilema nesse início de 2023: houve um avanço territorial e de intensidade do poder paramilitar miliciano, o avanço da articulação nacional das polícias militares (umbilicalmente ligadas às milícias) e da PRF, o financiamento de tentativas de golpe ou de golpes propriamente ditos, antes, durante e depois da eleição pela burguesia média e pelos desesperados que querem ser parte dela: com a diferença que agora eles têm a convicção que conseguem destituir a alta burguesia (atualmente a financeira) do poder. Como acabaram de fazer na Fiesp.

O problema Polícia Militar, e de modo mais abrangente a atual ameaça militar contra o governo eleito, vêm atualmente colados às considerações reacionárias e conservadoras sobre Junho de 2013, justamente o período em que se começou a colocar em evidência a violência policial no Brasil por meio de suas palavras de ordem e estratégias de enfrentamento contra esse tipo de autoritarismo. O irônico é que, pela primeira vez, antes e após a posse, o governo atual do PT tanto convoca as mesmas forças das ruas que culpou como responsável pela sua deposição em 2016, quanto é obrigado a cogitar levar a sério uma de suas principais reivindicações: a reformulação estrutural do lugar dos militares no país. Já aparenta estar mais do que entendido que sem ambos será muito difícil para esse governo seguir incólume, e, muito pior do que isso, evitar o retorno do bolsonarismo (ou algum congênere) ao poder em sua face ainda mais destruidora, como uma autocracia gângster baseada na violência e extorsão milicianas, e em uma exploração do trabalho de fazer revisitar as descrições de Engels sobre a Inglaterra do século XVIII.

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Uma análise e descrição dos antecedentes sociais e econômicos das Jornadas de Junho de 2013 são realizadas em: Ecos de Junho: Insurgências e crise política no Brasil (2013-2018) – Le Monde Diplomatique

2 Tanque militar preto com uma caveira desenhada em suas laterais, símbolo do Bope, utilizado para intimidar e coagir cotidianamente moradores de favela no Rio de Janeiro.

3 Por crise econômica refere-se aqui aos efeitos da crise econômica mundial nas taxas de lucro do empresariado nacional, que passam a demitir trabalhadores em massa, fechar indústrias e filiais, além do processo inflacionário que diminui o poder de compra da classe trabalhadora, aumentando consideravelmente o contingente de desempregados e depauperados.

4 O que é vendido como minimamente digno para pessoas que gostavam, até então, de se sentir “classe média alta” no Brasil é, para além do básico (moradia com localização privilegiada, educação e saúde privadas), ter uma Smart Tv com canais a cabo em cada cômodo, sustentar um carro para cada adulto na família e viajar ao exterior todo ano.

5 Esse discurso tampouco é novo: remonta a todo processo contínuo de formação histórica do Estado capitalista em todo o mundo, apregoando que existem fronteiras/terras a serem vigiadas, ocupadas e exploradas. No Brasil, o regime militar adotou esse discurso amplamente durante a implementação de projetos de desenvolvimento nacional, às expensas de diversos e amplos setores populacionais (ver Otávio Velho, 1976).

6 Reivindica-se de forma uníssona na esquerda a categoria “Estado democrático de direito”, apropriando-se, sem qualquer tipo de crítica, da tecnicidade ficcional da teoria jurídica clássica que justifica a atual democracia republicana liberal. 

7 Ver Revolução e subdesenvolvimento, 1969, de Ruy Mauro Marini.

Aline Moreira Magalhães é antropóloga e doutora em Antropologia Social pelo Museu Nacional, UFRJ.


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Este artigo foi originalmente publicado pelo jornal “Le Monde Diplomatique” [Aqui!].

A extrema-direita na América Latina é uma serva de seus senhores

Na América Latina, a extrema-direita está tentando garantir esferas de influência para os Estados Unidos. Tentativa de golpe no Brasil é um exemplo disso

bolso fascista

Bolsonaristas invadem Palácio do Planalto em Brasília no dia 8 de janeiro

Por Volker Hermsdorf para o JungeWelt

No Brasil, em 8 de janeiro, ficou novamente demonstrado que a direita latino-americana e seus partidários só respeitam os resultados das eleições se saírem vitoriosos. Outros exemplos incluem os golpes apoiados pelos EUA na Guatemala (1954), Chile (1973), Honduras (2009), Paraguai (2012), Bolívia (2019) e Peru (2022). Os recentes acontecimentos no Brasil “têm o potencial de se repetir em outros países latino-americanos que os EUA  consideram como sua esfera de influência”, alertou o diário chinês Global Times na terça-feira da semana passada sobre novas tentativas de golpe.

Enquanto as elites econômicas nacionais e os políticos conservadores de direita na América Latina estão preocupados principalmente em manter um sistema que lhes garanta poder, influência e lucros não diminuídos, para os EUA recuperar seu “quintal” é uma questão de sobrevivência para garantir sua presença global poder econômico. O fascista confesso Jair Bolsonaro, que posou em frente a uma bandeira dos Estados Unidos durante a campanha eleitoral, era o candidato preferido de Washington. O governo Biden também há muito apoia um governante no ex-presidente brasileiro, que tem laços estreitos com os responsáveis ​​pela invasão do Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021. De acordo com uma reportagem do canal de notícias americano CNBC Bolsonaro será assessorado pelo ex-estrategista-chefe da Casa Branca, Stephen Bannon. O confidente próximo de Donald Trump pôs em dúvida os resultados das eleições presidenciais dos EUA em 2020 após sua derrota eleitoral e agora segue a mesma estratégia no Brasil. Enquanto Bolsonaro declarou após os ataques a prédios do governo em Brasília que saquear instalações públicas “violava as regras para manifestações pacíficas”, Bannon comemorou os atacantes na plataforma de direita Gettr como “combatentes da liberdade brasileira”. O serviço de mensagens curtas Gettr , fundado pelo ex-porta-voz de Trump, Jason Miller, já financiou eventos do “CPAC Brasil”, desdobramento da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC) dos Estados Unidos.

O CPAC de extrema direita é um dos grupos por trás da atual agitação no Brasil, disse Zhou Zhiwei, especialista em estudos latino-americanos da Academia Chinesa de Ciências Sociais, ao Global Times. O fato é que esses “defensores da liberdade e da democracia” declararam guerra aos governos progressistas da América Latina. Em junho passado, em conferência da CPAC em Brasília, o filho de Bolsonaro, Eduardo, recebeu, entre outros, o candidato à presidência chileno de extrema direita José Antonio Kast, que perdeu para o atual titular Gabriel Boric em 2021, e o político argentino Javier Milei, que planeja uma candidatura presidencial para 2023. Então, em novembro, uma conferência da CPAC na Cidade do México colocou os participantes no clima de “combates duros”. Entre os torcedores estavam Eduardo Bolsonaro, que pediu “quebrar o monopólio da esquerda nas ruas”, e Luis Fernando Camacho, governador do departamento de Santa Cruz, que falou da Bolívia.

Com o apoio de Jair Bolsonaro e seus apoiadores, os democratas americanos também apoiaram forças promovidas por Donald Trump. No entanto, Bolsonaro, que, a pedido, havia expulsado do país cerca de 8.200 médicos cubanos e concluído sua saída da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), decepcionou ainda mais as expectativas do governo dos Estados Unidos. Os planos de as empresas americanas assumirem a petrolífera semiestatal Petrobas fracassaram e o país permaneceu como membro do grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), no qual os EUA veem uma ameaça aos seus interesses. Com os “bolsonaristas” vistos como candidatos incertos por causa das expectativas e influência frustradas de Trump, e com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda empoderado, pelo menos temporariamente, por sua recente ação de reprimir a invasão do Supremo Tribunal Federal, do Congresso e o Palácio Presidencial, Washington está suscetível de tentar fomentar conflitos internos e criar o caos no futuro, a fim de minimizar a influência do país. A política dos EUA em relação a Cuba, Venezuela e Nicarágua prova que o presidente dos EUA, Joseph Biden, e os estrategistas do Partido Democrata também estão seguindo as demandas agressivas da linha dura de ultradireita por tais objetivos. fomentar conflitos internos e criar o caos para minimizar a influência do país. A política dos EUA em relação a Cuba, Venezuela e Nicarágua prova que o presidente dos EUA, Joseph Biden, e os estrategistas do Partido Democrata também estão seguindo as demandas agressivas da linha dura de ultradireita por tais objetivos. fomentar conflitos internos e criar o caos para maximizar a influência do país. A política dos EUA em relação a Cuba, Venezuela e Nicarágua prova que o presidente dos EUA, Joseph Biden, e os estrategistas do Partido Democrata também estão seguindo as demandas agressivas da linha dura de ultradireita por tais objetivos.

Uma razão para isso é a influência cada vez menor dos EUA na transição de uma ordem mundial unipolar para multipolar. Segundo Zoltan Pozsar, analista do Credit Suisse, em 27 de dezembro, a nova ordem não será moldada pelos países industrializados do G7 ocidental, mas pelas economias emergentes dos países do BRICS. A expansão para o “BRICS plus” promovida pela China e pela Rússia tornará ainda mais difícil para a economia americana o acesso a matérias-primas na Eurásia, Oriente Médio e África. “A Ucrânia é um buraco negro e uma UE fraca, forçada por Washington a comprar gás natural liquefeito (GNL) dos EUA a preços absurdamente altos, não tem recursos essenciais para o império saquear”, destacou o jornalista brasileiro Pepe Escobar na revista online The Cradleum cenário sombrio para os EUA. O jornalista científico salvadorenho Igor Iván Villalta Sorto escreveu no portal online Resumen Latinoamericano que “se os Estados Unidos perderem seu domínio global, mas mantiverem a América Latina, ainda poderão ser muito fortes, dada a riqueza de recursos do continente”. Regimes amigáveis ​​aos EUA em países com reservas minerais particularmente grandes, como Argentina, Bolívia e Chile (lítio), Venezuela (petróleo), Peru (prata, molibdênio), Brasil (ferro, estanho) e até Cuba (cobalto) poderiam, portanto, tornar a economia uma questão de sobrevivência.


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Este escrito originalmente em alemão foi publicado pelo jornal “JungeWelt” [Aqui!].

Ações da Polícia Federal mostram que Campos dos Goytacazes se firmou como vanguarda do atraso político

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As ações da Polícia Federal realizadas pela Polícia Federal em Campos dos Goytacazes para prender ativistas de extrema-direita e documentos que os associe eventualmente aos atos de vandalismo ocorridos em Brasília no dia 8 de janeiro não devem (ou não deveriam) surpreender ninguém que acompanhe com atenção mínima a cena política municipal desde, pelo menos, 2018. É que naquela ano, formandos da Faculdade de Medicina de Campos decidiram por uma fotografia coletiva em que homenageavam o então candidato Jair Bolsonaro tratando-o como “Mito” (ver imagem abaixo), demonstrando uma curiosa opção por um político que não deveria merecer qualquer homenagem de futuros profissionais da saúde.

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Mas a aparição da extrema-direita como um ator proeminente na cena campista não ficou restrito a estudantes entusiasmados com um político do baixo clero que sempre se notabilizou por defender, entre outras coisas, um torturador contumaz como foi o Coronel Brilhante Ustra. Aos longos dos últimos quatro anos, o que se viu foi a colocação de outdoors supostamente financiados por entidades patronais que em uma hora ameaçavam quem não apoiasse os desvarios sendo cometidos por Jair Bolsonaro na condição de presidente da república, para em outra expressar apoio à  sua campanha eleitoral de reeleição (ver imagem abaixo).

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Mas a pitada final nessa proeminência da extrema-direita em Campos dos Goytacazes foi a presença constante de um grupo de apoiadores do agora ex-presidente Jair Bolsonaro na frente da entrada do quartel da 2a. Companhia de Infantaria do Exército, que fica localizado na Avenida Deputado Bartolomeu Lizandro, para expressar a agenda extremista em prol de um intervenção federal, o que na prática significaria a instalação de uma nova ditadura militar no Brasil (ver imagem abaixo).

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Provavelmente as ações da PF no dia de hoje vão servir como uma espécie de “espalha barata” em um grupo que se tornou subitamente visível, apesar de sempre ter estado presente de uma forma mais subterrânea. Entretanto, há que se lembrar que a volta a uma condição mais discreta não vai significar uma conversão ao Estado democrático de direito.  Aliás, muito pelo contrário. O mais provável é que passado o susto das prisões e apreensões, vejamos novamente a extrema-direita em manifestações que reunirão em sua maioria idosos brancos, mas que ainda deverão congregar outros desafetos da democracia para continuarem agindo, ainda que na surdina.

A minha única dúvida é se efetivamente haverá uma busca pelos financiadores destes grupos como está sendo anunciado pelo Ministro da Justiça, Flávio Dino. Se houver, as coisas deverão ficar mais interessantes, pois até as pedras que rolam no Paraíba do Sul sabem que a extrema-direita está sendo financiada por “brasileiros de bens”.

Lula e o seu Rubicão

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Por Roberto Amaral*

“Creio que este seja um momento decisivo de nossa história: a tirania foi derrotada. A alegria é imensa. Contudo, ainda resta muita coisa por fazer. Não nos enganemos acreditando que daqui em diante tudo será fácil; talvez daqui em diante tudo seja mais difícil.”

– Fidel Castro Ruz (Havana, 8 de janeiro de 1959)

Como é sabido, os últimos quatro anos da vida nacional foram pontuados por tentativas golpistas planejadas, coordenadas e operadas a partir do terceiro andar do palácio do planalto, com o ostensivo apoio da coorte de fardados e similares desafeitos às leis, aos regimentos militares e à democracia. Foram, na sequência dos  idos de 2013, do golpe de 2016 e do mandato-tampão de Temer, quatro longos anos de proselitismo e ação protofascista, consolidando o avanço da extrema-direita brasileira como movimento político-ideológico, que, pela primeira vez na república, associava à tradicional aliança do grande capital com seu braço armado (os militares) o apoio de ponderáveis  segmentos populares, persistente até aqui.

O conservadorismo larvar, de base tanto social quanto religiosa, organizado, conquistara pela primeira vez mediante eleições livres a presidência da república, e passara a valer-se da posse do governo como instrumento de um projeto inédito de extrema-direita, reacionário no discurso e na ação, que seu líder anunciou como de desconstrução nacional.

Pari passu, na tradição do fascismo, foi estimulada a ideologia da divisão interna, do conflito permanente (no qual se alimenta a extrema-direita), permeando toda a sociedade. Seu desdobramento foi a institucionalização da violência social, mediante criminosa política de armamentismo civil, consagrador do poder das milícias e do crime organizado. Hoje, o exército, que transitou da omissão para a cumplicidade, não sabe dizer quantas  e quais armas e munições estão espalhadas pelo país. Descartou-se do dever legal de seu controle.

Desde o primeiro dia de mandato, a horda eleita em 2018 deixou claro que seu projeto de poder olhava para além dos quatro anos constitucionais.

Os fatos e as evidências, contudo, não eram suficientes para vencer o bovarismo político: assustados com o que nos podia dizer a decifração da realidade, nossa elite pensante (agora com a responsabilidade de Estado) teimava em não ver a mudança de qualidade do fenômeno político. Parecia mais cômodo reduzir o processo que se consagrara em 2018 como um mero episódio eleitoral, e ver o governo que aí se instalava e que chegou até ontem como um fato que se encerrava em si. Nada obstante as advertências do processo político e as ignoradas lições da História, miramos o governo como fato parado, para não ver o fenômeno desafiador que era a organização da extrema-direita golpista, que ameaça ter vida própria, para além de seu líder e principalmente para além do processo eleitoral e  das regras da institucionalidade democrática. É  o que vemos hoje. Nem os tolos de todos os gêneros podem alegar surpresa.

As tentativas de golpe dirigidas diretamente por Bolsonaro e os fardados, como o 7 de setembro de 2021, seu 18 brumário frustrado, as reiteradas ameaças de quarteladas e a tentativa de desmoralização do processo eleitoral prepararam o terreno para a fracassada intentona do dia 08/01/2022, que começou a ser montada com a ocupação dos quartéis do exército por súcias de vândalos, cresceu com a recusa dos militares de passar a seus sucessores os comandos da defesa e das três forças, e foi para as ruas com as arruaças consentidas do dia da diplomação de Lula (12/12/2022), além da tentativa de explosão de um caminhão carregado de combustível junto à rede de eletricidade no aeroporto de Brasília, no Natal. Nada, porém, que chamasse a atenção para a ameaça crescente. Lula havia sido eleito, finalmente tomava posse, e tudo o mais se transformava em passado.

Os fatos de domingo se esvaziaram, mas a peçonha golpista não foi esmagada e pode sobreviver em outras iniciativas de terrorismo, como atentados de toda espécie e sabotagens  que não podemos prever, mas que delas os serviços de segurança e inteligência nos deveriam precatar, se não estivessem comprometidos com a resistência ao mandato do presidente Lula. De que certamente seu GSI já tem ciência.  O governo precisa  aparelhar-se politicamente e os partidos progressistas devem rever os respectivos projetos em face do desafio permanente  que é a organização popular, a partir do embate ideológico abandonado pela esquerda.

Quando os novos teóricos do poder entenderão que a sucessão em processo nada tem de familiar com a sucessão de 2003, e que o quadro militar daquele então nada guarda de compatível com a realidade de nossos dias? Jamais a república cobrou, como cobra agora, o braço forte de um presidente: o título de comandante-chefe das forças armadas deixa de ser uma de suas competências constitucionais, apenas, para elevar-se como dever cívico, uma necessidade histórica da qual não pode declinar.

As movimentações da turbamulta no último domingo, que amanhã com diversa intensidade podem repetir-se em qualquer parte do país, foram anunciadas há mais de uma semana, e desde a posse de Lula estava nas redes sociais o chamamento de caravanas para Brasília, com o manifesto propósito de provocar o caos, como sinal para a intervenção militar sonhada pelo bolsonarismo e apregoada em casernas de todos os naipes. O que pretendiam já fôra ensaiado nas arruaças de 12 de dezembro em Brasília, arruaças não apuradas, arruaceiros e financiadores não identificados  e salvos de qualquer sorte de repressão, mesmo após atentarem contra o patrimônio público e investirem contra o suntuoso complexo  da Polícia Federal.  Espera-se que a facilidade de pescar cabeças de bagre não relaxe a prisão dos  principais criminosos, os aliciadores ideológicos (o capo de todos homiziado em Miami) e os financiadores das caravanas.

Para o dia 8 eram previstos mais de 200 ônibus chegando a Brasília desde a véspera, e vindos de várias partes do país. Não vimos isso, porque pareceu mais cômodo não ver, como se a ignorância do fato o tornasse irreal. Nenhum segredo os  golpistas guardaram de suas maquinações. Mas, igualmente, nenhuma ação se viu de quem deveria defender a institucionalidade democrática que nos parecera tão festejada na liturgia cívica do primeiro de janeiro, momento de afirmação republicana que devemos  resgatar para preservar, ilustrando esperanças que precisamos manter vivas.  Os trumpistas tropicais encontraram o seu Capitólio entregue às baratas, o campo livre para depredarem os edifícios-símbolo dos poderes da república, a saber, o STF, o Congresso Nacional e o Palácio  do Planalto, onde chegaram ao terceiro andar e às portas do gabinete do presidente da república. Caminharam, livremente, de um plano a outro da esplanada dos ministérios, sem conhecer empecilhos.

Os repórteres de televisão chegaram com suas câmeras, e estiveram, para o acaso do registro histórico, presentes em todas as cenas. Mas não chegaram, senão com grande atraso e após a intervenção federal no sistema de segurança do DF, os aparatos de defesa das instituições, que lá deveriam estar numa ação preventiva, conforme rotina há muito conhecida, e familiar aos habitantes da capital. Como antes, não haviam funcionado nem os sistemas de informação federais, civis e militares (onde estava o batalhão dos Dragões da Independência, encarregado da defesa do palácio do planalto?), nem os serviços de informação do Distrito Federal, uns notoriamente incompetentes, outros notoriamente comprometidos com mais uma tentativa de golpe. Vai ficar por isso mesmo?

Desta feita, é impossível, mesmos aos néscios, desvincular o papel desempenhado pelo governador do Distrito Federal, ora afastado, como é impossível negar a presença de uma inteligência coordenadora. O ex-secretário de segurança do DF, até outro dia Ministro da Justiça, foi descansar em Orlando, na companhia de seu chefe efetivo, na expectativa, dos dois,  de verem de longe e comemorarem o incêndio de Roma.

Não há por que confiar em qualquer sorte de lealdade das corporações de inteligência e segurança das forças armadas do Estado brasileiro. Mas o novo governo se entregou de mãos e pés atados a essa ficção. A história da corporação militar a vincula ao desrespeito continuado ao poder civil, às instituições democráticas e à ordem constitucional. Mas qual papel era justo esperar dos serviços de informação da polícia federal, agora sob o comando do ministro Flávio Dino? A Polícia Rodoviária Federal não viu a movimentação atípica dos ônibus? Sinal de relaxamento político, o novo ministro da defesa nos dizia que as aglomerações na frente dos quartéis do exército (de onde saíram as bananas de dinamite e o terrorista que tentou explodir um caminhão de combustível no aeroporto de Brasília) eram atos normais da vida democrática, e chegou mesmo a dar como testemunho o fato de amigos e parentes seus, em Recife e em Brasília, integrarem esses grupelhos de apóstolos do atraso.

A literatura grafou a expressão bovarismo (derivada da personalidade desvairada de Madame Bovary, de Gustave Flaubert) para significar o desvio psicológico de pessoas que se recusam a conviver com a realidade. Tomam o sonho como real; mas se assim evitam, ainda que momentaneamente, o mal-estar representado pelo presente desagradável, não se livram  da chegada do desastre.
Sabe-se, com Marx, que a história não se repete, senão ora como tragédia, ora como farsa. Os tempos presentes ainda estão por serem definidos, pela ação dos indivíduos, e o governo do presidente Lula enfrenta seu Rubicão. É a hora de sua escolha, talvez definitiva, que há de ser, também, a hora de sua afirmação. Confio que avançará. Os fatos lhe oferecem a oportunidade de assumir o protagonismo que as circunstâncias históricas construíram, independentemente de sua vontade, mas que até gora vem sendo exercido pelo poder judiciário e por um ministro audaz.

A tessitura do processo social, contrariando os áulicos da conciliação pela conciliação,  aprofundou o conflito social posto em  números do 30 de outubro do ano passado,    mas desta vez os polos se apresentam   largamente assimétricos porque  a grande maioria da sociedade – incluindo liberais, o centro e a “direita civilizada”–, assustada, optou pela democracia e entregou a Lula o bastão de sua defesa. Cabe-lhe assumir plenamente a tarefa, como chefe de Estado e comandante supremo da forças armadas, mas principalmente como o maior líder popular do país, sem se deixar intimidar, sem se dobrar a chantagens e sem receio de rever decisões já tomadas na montagem do governo que apenas se inicia.

A sorte está lançada.
 


* Com a colaboração de Pedro Amaral.
Os textos de Roberto Amaral podem ser encontrados em www.ramaral.org

Universidades públicas como centros ideológicos da extrema-direita, mais um produto do Neoliberalismo a la Bolsonaro

bolsonarismo universidade

Mais do que atacar o ensino superior público do ponto de vista financeiro, o governo Bolsonaro buscou atacar a “ideia de universidade para todos”

As universidades públicas brasileiras são corriqueiramente apresentadas por políticos e militantes da extrema-direita como supostos ninhos ideológicos da esquerda. Como professor de uma universidade pública há exatos 25 anos, a minha experiência é que qualquer imputação de que as universidades públicas são dominadas pelo pensamento de esquerda não passa de uma cortina de fumaça, na medida em que o oposto é a condição verdadeira.

Essa tendência direitista das universidades brasileiras tem várias razões históricas, a começar pela sua formação tardia, mas principalmente pelo processo de remoção forçada de intelectuais que foi pelo regime militar de 1964, e que alcançou figuras importantes como Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro, apenas para começo de conversa.

Como alguém que estudou na UFRJ ao longo da década de 1980 me acostumei a ver figuras como o então poderoso ministro de Minas e Energia, César Cals, caminhando tranquilamente pelos corredores do Instituto de Geociências para onde se dirigia atrás de orientações. Além disso, sabíamos que muitos professores que haviam entrado na instituição ao longo da década de 1970 o tinham feito menos por seu brilhantismo intelectual, mas mais por suas ligações com o regime militar.

Mas o período mais recente da história da universidade brasileira está sendo marcado por uma aproximação explícita de parte da comunidade universitária aos ideários da extrema-direita, não sendo raros os casos de professores e servidores não docentes que apoiaram explicitamente as medidas anti-universidade adotadas pelo governo Bolsonaro. Esses segmentos são uma espécie de inimigo dentro de casa, na medida em que normalmente se colocam à margem de tarefas triviais para depois questionarem a validade de estatutos básicos que existem para impedir a perseguição ideológica e a inabilitação de pesquisas que não sejam pró-mercado.

Nas últimas eleições presidenciais ouvi vários relatos de professores e servidores que agiram de forma despudorada para impor o voto no ex-presidente Jair Bolsonaro. Não foi possível dar publicidade a isso porque os que foram alvos dessa ação não queriam ter seus nomes expostos por medo de sofrerem ainda mais repressão e atitudes de coação.

Por isso tudo, não há porque se surpreender com o surgimento de imagens e fotografias de servidores de universidades públicas participando do quebra-quebra que ocorreu no último domingo em Brasília (ver imagem abaixo). Essas mesmas figuras já estavam praticando atos semelhantes em suas instituições, ainda que de forma mais velada. Mas agora que estão tendo suas imagens e ações mostradas nas redes sociais, a pergunta que fica é sobre como serão tratados pelas direções de suas universidades. Mas dada a imposição de dezenas reitores biônicos pelo governo Bolsonaro, ao menos nas universidades federais, tenho pouca esperança de que essas pessoas sofram quaisquer punições.

universidades bolsonaristas
Mas uma coisa clara, a extrema-direita está bem plantada dentro das universidades públicas, ainda que de forma minoritária e atuando pelas beiradas, o que não quer dizer que seus membros possam ser menosprezados ou subestimados. Assim, uma das tarefas que se abrem para o próximo período é a realização de um debate claro sobre o grau de “bolsonarização” não apenas das práticas docentes, mas também da ingerência que o pensamento de extrema-direita já tem na formulação de conteúdos e na imposição de ideias anti-científicas no ensino superior brasileiro. Dentro dessa discussão, há que se cobrar que o novo governo faça uma imediata reversão de várias medidas impostas pelo governo Bolsonaro para impedir o debate crítico dentro da Educação brasileira, o que não está, de forma alguma, resumido às universidades.

Uma dica para o presidente Lula e seu ministro da Educação: acabem logo com o “Novo Ensino Médio” que é um dos exemplos mais avançados do pensamento acrítico por onde a extrema-direita pode se reproduzir, juntamente com outros projetos educacionais em curso desde o golpe parlamentar-judicial-midiático que culminou no impeachment da presidenta Dilma Rousseff, que tem por objetivo reduzir substancialmente a carga horária de disciplinas que possam contribuir para um modelo educacional crítico e emancipatório.

Associação de Docentes da Uenf lança nota sobre ataques em Brasília

nota

O Brasil viveu neste domingo (08/01) um dos episódios mais tristes e lamentáveis da sua história.

A invasão às sedes dos Três Poderes em Brasília, orquestrada por um bando de terroristas pró-Bolsonaro que não aceitam o resultado das eleições, é revoltante e merece nosso total repúdio.

Não é possível aceitar que a barbárie praticada por alguns golpistas prevaleça sobre a vontade da maioria da população, que foi democraticamente expressa nas urnas no dia 30 de novembro de 2022.

Exigimos que os criminosos sejam responsabilizados e punidos sob o rigor da lei, assim como os financiadores do golpe fracassado e as autoridades que foram coniventes com os atos antidemocráticos.

Um país melhor se faz com educação e diálogo. Nunca com armas e violência.

A população brasileira merece respeito. E a democracia sempre haverá de vencer.

ADUENF-SESDUENF
Gestão Transparência, Respeito e Luta pela Base!
Biênio 2021/2023

Anistia Internacional Brasil repudia a invasões e ataques a prédios públicos deflagrados por grupos extremistas em Brasília

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A Anistia Internacional Brasil exige investigações céleres, imparciais e efetivas que sejam conduzidas pelas instituições competentes para que os atos deste domingo, 8 de janeiro, sejam devidamente apurados. A invasão e depredação de prédios públicos, a destruição de documentos, violações da segurança e integridade física de jornalistas que acompanham os eventos e de agentes das forças de segurança que foram agredidos por extremistas devem ser investigadas. Tentativas de destruição e subtração de aparelhos e câmeras de profissionais de comunicação representam grave violação do direito à liberdade de expressão e de imprensa.  

A Anistia Internacional Brasil irá acompanhar a intervenção federal, no âmbito da segurança pública do Distrito Federal, decretada hoje pelo Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, como reação ao ocorrido. 

 É imprescindível que as autoridades garantam a desocupação completa e imediata da Praça dos Três Poderes, incluindo o Congresso Nacional, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal. A destruição de prédios públicos que representam instituições dos Três Poderes do Estado deve ser apurada pelos órgãos competentes e os responsáveis devem ser investigados, processados, julgados e sancionados, em conformidade com os parâmetros internacionais de direitos humanos. 

A obrigação do Estado Brasileiro de garantir os direitos humanos implica que as autoridades estejam preparadas para lidar com as manifestações políticas, o que implica em ações de inteligência, planejamento, precaução e monitoramento de cenários de risco e de grupos extremistas para facilitar que as reações institucionais sejam proporcionais. Os parâmetros internacionais de direitos humanos permitem a dispersão de manifestações pacíficas em casos raros, por exemplo, quando incitam discriminação, hostilidade ou violência. A invasão ocorrida hoje, dia 8 de janeiro de 2023, em Brasília, não se enquadra nos parâmetros de manifestação pacífica.  

Hoje, dia 08 de janeiro, uma multidão de ao menos 3900 manifestantes de grupos extremistas que contestam o resultado das Eleições 2022invadiu o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e a sede do Supremo Tribunal Federal em Brasília. No início do sábado, dia 07 de janeiro, havia uma preocupação quanto à chegada de mais de 100 ônibus com manifestantes em Brasília, quando o Ministro da Justiça e Segurança Pública autorizou o emprego da Força Nacional para realizar a segurança do local. O governo do Distrito Federal falhou em garantir a segurança e em tomar as medidas necessárias para coibir atos violentos e a invasão dos prédios públicos que já havia sido anunciada pelos grupos extremistas. 

A Anistia Internacional Brasil, desde o primeiro turno das eleições presidenciais, tem monitorado com preocupação a escalada de violência e ameaça ao Estado de Direito por grupos organizados, em alguns casos armados, que contestam, não apenas o resultado do pleito eleitoral, como também o funcionamento das instituições do Estado. 

É alarmante que as autoridades como a Polícia Federal, Ministério Público Federal, Ministério Público do Distrito Federal e o Governo do Distrito Federal não tenham sido capazes de identificar os mandantes e os financiadores da invasão e de impedirem que os ataques de hoje ocorressem.  

A Anistia Internacional Brasil exige que o Estado Brasileiro garanta investigação, de maneira célere, imparcial, séria e efetiva das circunstâncias que levaram à invasão e ataques ocorridos neste 8 de janeiro de 2023, em Brasília, com o fim de identificar, processar, julgar e sancionar todos os envolvidos nestes episódios, incluindo os mandantes, organizadores e financiadores e também as omissões de instituições de Estado que não agiram para evitar essas invasões acontecessem.  

Nota pública do defensor público-geral federal sobre as invasões ocorridas ao Congresso Nacional, ao Palácio do Planalto e ao STF

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A Defensoria Pública da União, por intermédio do Defensor Público-Geral Federal, no exercício das atribuições previstas no artigo 8º, II e III, da Lei Complementar n. 80/1994, tendo em vista seu papel constitucional de instituição expressão e instrumento do regime democrático, prevista no artigo 134 da Constituição Federal, vem a público repudiar as invasões ocorridas, em 08/01/2023, ao Congresso Nacional, ao Palácio do Planalto e ao Supremo Tribunal Federal, instituições que materializam a democracia brasileira, bem como informar a adoção de providências imediatas para fazer cessar os ilícitos cometidos contra a democracia, a paz e a segurança pública.

A essência da democracia é o respeito à divergência política. As liberdades de expressão e de manifestação, duramente conquistadas pelo povo brasileiro, não albergam a via da violência, tampouco tolerância ou leniência a atos antidemocráticos que pretendem atacar as instituições democráticas e a Constituição Federal.

As autoridades públicas possuem o dever de adotar todas as medidas necessárias a garantir a segurança pública para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, como determina o artigo 144 da Constituição Federal. Dessa premissa decorre a responsabilidade civil, administrativa e criminal no caso de omissões dolosas que importem no descumprimento desse dever estatal.

Fora da democracia só há o império da força e do arbítrio. Liberdades civis, políticas e direitos sociais conquistados pela luta de trabalhadores e trabalhadoras, movimentos políticos concretizados na Constituição Federal de 1988, não podem ser aviltados por atos de grupos que incitam o desrespeito à ordem jurídica, à cidadania, ao pluralismo político e às diversidades.

Mais do que nunca se torna fundamental reconhecer a legitimidade do pleito eleitoral e reforçar a defesa do regime democrático como única via possível para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, sem quaisquer formas de discriminação.

Diante disso, determinei a instauração de processo coletivo para a adoção de providências imediatas para evitar a escalada da violência e para o restabelecimento da ordem.

A Defensoria Pública da União atua e atuará para afastar, no campo dos direitos interno e internacional, qualquer ameaça de rupturas institucionais que atinjam os pressupostos e os fundamentos do Estado Democrático de Direito.

A invasão da extrema-direita em Brasília como tragédia ou farsa?

invasão brasilia

Uma famosa frase do filósofo Karl Marx me vem à mente neste momento após ver as cenas de destruição promovidas por militantes de extrema-direita em Brasília (ver vídeo abaixo). A frase em questão é aquela em que Marx diz que “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.

Ainda que aparentemente esta invasão seja uma espécie de “repeteco” da que foi promovida por militantes de extrema-direita dos EUA em janeiro de 2021 para protestar contra a derrota eleitoral de Donald Trump. As características são basicamente as mesmas, ainda que com o peculiar detalhe que nos EUA a invasão se deu em uma 4a. feira (dia normal de trabalho) e a versão brasileira está se dando em um domingo quando tudo está fechado. 

A questão aqui não é tanto a imitação canhestra, mas o que se seguirá a partir de amanhã. É que nos EUA a reação das forças políticas e policiais está sendo relativamente dura e muita gente já está indo para a cadeia. O interessante é que também no dia da invasão do Capitólio houve a mesmíssima conivência que se observou até o momento por parte das forças policiais do Distrito Federal. Entretanto, após a posse de Joe Biden e o início das apurações dos responsáveis, o caminho tomado foi de punir os responsáveis pela invasão.

O governador bolsonarista do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, já tomou a decisão de demitir o seu secretário de Segurança e ex-Ministro da Justiça do governo Bolsonaro, o também bolsonarista Anderson Torres. Essa medida é acima de tudo preventiva e com tons de auto-proteção, pois até o mais ingênuo dos brasileiros sabe que a reação política deverá ser dura, até para evitar que os militantes de extrema-direita tentem repetir os atos de hoje.

A minha dúvida neste momento é sobre qual será o destino que será dado ao ministro da Defesa José Mucio que logo após sua posse passou pano para estes que hoje invadiram e depredaram os prédios do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal e até o Palácio do Planalto. É evidente que o rumo mais inteligente seria o presidente Lula também demiti-lo ou, no mínimo, exigir que ele se retrate e condene com veemência os militantes da extrema-direita que hoje atentaram contra o patrimônio público e a democracia brasileira.

MPF solicita autos de infração à PRF e pede ações preventivas

PRDC busca evitar que novos bloqueios de rodovias federais ocorram no Estado
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O Ministério Público Federal (MPF) expediu ofício ao superintendente regional da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Alexandre Carlos de Souza e Silva, solicitando cópia dos 61 autos de infração decretados até 31 de outubro, e de futuros autos que possam vir a ser expedidos, referentes às manifestações antidemocráticas que bloquearam estradas federais no estado do Rio de Janeiro após 30 de outubro, dia do segundo turno das eleições de 2022. O ofício foi expedido com a finalidade de apurar os fatos e as circunstâncias desses atos e acompanhar as medidas adotadas pelo poder público para prevenir a reincidência dessa violação de direitos fundamentais.

O ofício foi encaminhado por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), que também pede informações sobre eventuais ações e cronograma adotados para prevenir novos bloqueios das rodovias federais pelo menos até o próximo dia 15 de novembro. Por conta da gravidade e urgência dos fatos, foi dado o prazo de 72 horas para que o superintendente regional da PRF encaminhe a resposta.

Manifestações antidemocráticas

No dia 30 de outubro, começaram a surgir pelo Brasil manifestações nas quais os protestantes alegam fraude eleitoral e pedem intervenção militar. Além das manifestações, houve bloqueio de estradas e rodovias em todo o país.

No Rio de Janeiro, o MPF atuou de forma integrada e bem-sucedida na cessação dos bloqueios. O objetivo agora é garantir uma atuação preventiva contra novos bloqueios.