Sensor de papel detecta agrotóxico em alimentos de modo rápido e barato

maça agroDispositivo criado na USP se assemelha a um medidor de glicose usado por diabéticos; ao entrar em contato com a superfície de frutas e legumes, ele identifica e mensura a quantidade do fungicida carbendazim – amplamente empregado no Brasil, apesar de proibido (foto: acervo dos pesquisadores)

Por Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveram um sensor eletroquímico de papel kraft capaz de detectar em tempo real a presença de pesticida em frutas e verduras. Ao entrar em contato com maçãs ou repolhos, por exemplo, o sensor, ligado a um dispositivo eletrônico, identifica a presença e mensura a quantidade do fungicida carbendazim – amplamente utilizado no Brasil, apesar de proibido.

O trabalho, apoiado pela FAPESP por meio de três projetos (18/22214-619/13514-9 e 22/03758-0), envolveu grupos dos institutos de Física (IFSC-USP) e de Química (IQSC-USP) do campus de São Carlos. Os resultados foram divulgados na revista Food Chemistry.

“Para verificar a presença de pesticidas em alimentos por meio de abordagens convencionais é preciso triturar uma amostra, submetê-la a processos químicos demorados para só então detectar a substância. Os sensores vestíveis, como o que desenvolvemos para o monitoramento contínuo da concentração de pesticidas na agricultura e na indústria de alimentos, eliminam a necessidade desses procedimentos complexos. Fica muito mais fácil, barato, além de ser muito mais confiável para um supermercado, restaurante ou importador fazer a verificação”, afirma Osvaldo Novais de Oliveira Junior, professor do IFSC-USP.

O novo dispositivo tem grande sensibilidade e se assemelha aos medidores de glicose [glicosímetro] utilizados por diabéticos. Para medir a quantidade de agrotóxico em alimentos, o sensor eletroquímico capta a presença do fungicida e o resultado pode ser acessado, em questão de minutos, por meio de um aplicativo de celular.

“Nos testes que realizamos, o dispositivo teve sensibilidade semelhante à do método convencional. Tudo de uma forma mais rápida e barata”, conta José Luiz Bott Neto, pós-doutorando e autor correspondente do artigo que descreve o desenvolvimento da ferramenta.

Como funciona

Como explica Bott Neto, o dispositivo é basicamente um substrato de papel modificado com tinta de carbono e submetido a um tratamento eletroquímico em meio ácido para a ativação de grupos carboxílicos – o que permite fazer a detecção.

“Utilizamos o mesmo sistema empregado na serigrafia [estamparia de roupas] para fazer a transferência da tinta condutora de carbono para a tira de papel kraft, criando assim um dispositivo baseado em eletroquímica. O dispositivo é confeccionado com três eletrodos de carbono e mergulhado em uma solução ácida para a ativação dos grupos carboxílicos. Em outras palavras, átomos de oxigênio são adicionados na estrutura do eletrodo de carbono. Ao entrar em contato com uma amostra contaminada com carbendazim, o sensor induz uma reação de oxidação eletroquímica que permite a detecção do fungicida. Assim, a quantidade de carbendazim é medida via corrente elétrica”, explica Bott Neto à Agência FAPESP.

Para desenvolver o dispositivo, os pesquisadores avaliaram a estabilidade e o impacto da estrutura do papel na construção dos sensores. “Além do desenvolvimento do dispositivo, o trabalho teve uma parte voltada para entender a questão das propriedades do papel na fabricação do dispositivo”, conta o pós-doutorando Thiago Serafim Martins.

Melhor opção

Os pesquisadores analisaram dois tipos de papel: o kraft e o pergaminho. Ambos se mostraram estáveis o suficiente para a construção dos sensores. Porém, segundo Martins, a natureza porosa do papel kraft conferiu maior sensibilidade ao sensor e aos grupos carboxílicos formados durante a ativação eletroquímica.

Ele explica que a fabricação dos eletrodos em papel abre a possibilidade para diversas aplicações. “Existem eletrodos comerciais feitos com plástico ou cerâmica. No nosso trabalho, conseguimos desenvolver sensores eletroquímicos com papel, um material muito mais maleável, o que amplia o seu uso em vários campos, não apenas na agricultura ou no setor alimentício, mas em outras áreas como a da saúde, por exemplo”, diz.

O artigo Optimized paper-based electrochemical sensors treated in acidic media to detect carbendazim on the skin of apple and cabbage pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0308814623000456?via%3Dihub.


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Este texto foi originalmente publicado pela Agência FAPESP [Aqui!].

Coletivo “Cientistas Engajados” envia carta a João Dória cobrando mudanças no PL 529

cientistas engajados

O Coletivo “Cientistas Engajados” enviou ontem uma correspondência assinada por 510 pesquisadores  ao governador de São Paulo, João Paulo Dória (PSDB), mostrando os problemas que serão causados pelo Projeto de Lei 529 (PL 529), que contém um conjunto de providências relacionadas à gestão pública do Estado que são consideradas como potenciais causadoras de mais problemas do que soluções.

O documento aponta que, especialmente no que diz respeito à infraestrutura de Assistência Social e de Ciência e Tecnologia, o PL 529 ao retirar das universidades estaduais paulistas (USP, UNESP e Unicamp) e da FAPESP recursos que servem para
garantir a estabilidade do financiamento à pesquisa,  ataca não apenas a autonomia financeira mas, também a capacidade do Estado de reagir à crise sanitária e econômica.

Em sua correspondência, os “Cientistas Engajados” apontam ainda que serão necessários investimentos ainda maiores no próximo período, pois não será possível contar com o governo federal que neste de profunda necessidade do conhecimento científico é presidido por um indivíduo que rejeita a ciência e os cientistas.

Quem desejar ler a íntegra do documento enviado a João Paulo Dória pelos “Cientistas Engajados”, basta clicar [Aqui!]

Para assinar esta carta preencha o formulário: https://forms.gle/v2XjDYvriPcrGbGCA

Siga os Cientistas Engajados nas redes sociais:  Facebook: @CientistasE Twitter: @CientisasE Instagram: @cientistasengajados

 

Medicamento anticoagulante reduz em 70% a infecção de células pelo novo coronavírus

Fapesp: Remédio anticoagulante reduz em 70% a infecção de células ...

Por Elton Alisson | Agência FAPESP

Estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e colaboradores europeus revela um possível novo mecanismo de ação do fármaco heparina no tratamento da COVID-19. Além de combater distúrbios de coagulação que podem afetar vasos do pulmão e prejudicar a oxigenação, o medicamento parece também ser capaz de dificultar a entrada do novo coronavírus (SARS-CoV-2) nas células.

Em testes de laboratório, feitos em linhagem celular proveniente do rim do macaco-verde africano (Cercopithecus aethiops), a heparina reduziu em 70% a invasão das células pelo novo coronavírus. Os resultados do estudo, apoiado pela FAPESP no âmbito de um projeto selecionado na chamada FAPESP “Suplementos de rápida implementação contra a COVID-19”, foram descritos em artigo publicado na plataforma bioRxiv, ainda em versão pré-print (sem revisão por pares). A pesquisa contou com a participação de cientistas da Inglaterra e da Itália.

“Existiam indícios de que a heparina, que é um fármaco que desempenha várias funções farmacológicas, também tinha capacidade de prevenir infecções virais, incluindo por coronavírus, mas as evidências não eram muito robustas. Conseguimos comprovar essa propriedade do medicamento em ensaios in vitro”, diz à Agência FAPESP Helena Bonciani Nader, professora da Unifesp e coordenadora do projeto do lado brasileiro.

heparina

O grupo de Nader estuda há mais de 40 anos os glicosaminoglicanos – classe de carboidratos complexos à qual a heparina pertence – e desenvolveu as primeiras heparinas de baixo peso molecular, usadas clinicamente como agentes anticoagulantes e antitrombóticos, inclusive em pacientes com COVID-19.

Uma das descobertas feitas pelo grupo ao longo deste período foi que a heparina é um medicamento multialvo, pois além do seu efeito na prevenção da coagulação do sangue pode se ligar a diversas proteínas. Entre elas, fatores de crescimento e citocinas que se ligam a receptores específicos na superfície de células-alvo.

Nos últimos anos, estudos feitos por outros grupos sugeriram que as proteínas de superfície de outros coronavírus até então relatados poderiam se ligar a um glicosaminoglicano das células de mamíferos, chamado heparam sulfato, para infectá-las.

Com o surgimento do SARS-CoV-2, os pesquisadores da Unifesp, em colaboração com os colegas ingleses e italianos, tiveram a ideia de avaliar se a proteína de superfície do novo coronavírus responsável pela infecção das células – chamada proteína spike – se liga à heparina, uma vez que a molécula do fármaco tem estrutura muito semelhante à do heparam sulfato.

Os experimentos confirmaram a hipótese. Por meio de técnicas de ressonância plasmônica de superfície e de espectroscopia de dicroísmo circular, observou-se que a heparina, ao se ligar às proteínas spike do SARS-CoV-2, causa nessas moléculas uma alteração conformacional. Dessa forma, avaria a “fechadura” para entrada do vírus nas células.

“Se não entrar na célula, o vírus não consegue se multiplicar e não tem sucesso na infecção”, explica Nader.

Melhor forma estrutural

Os pesquisadores também avaliaram quais formas estruturais da heparina apresentam melhor interação e são capazes de mudar a conformação das proteínas spike do novo coronavírus, com base em uma biblioteca de derivados e em diferentes fragmentos da molécula, definidos por tamanho.

“Os resultados das análises indicaram que a heparina que apresenta a melhor interação e atividade de alteração conformacional da proteína spike do SARS-CoV-2 é com oito polissacarídeos, ou seja, um octossacarídeo”, afirma Nader.

Os pesquisadores estão fazendo, agora, mudanças estruturais em heparinas para identificar uma molécula que apresente o mesmo efeito de ligação e mudança conformacional da proteína spike do novo coronavírus, mas que cause menos sangramento – um potencial efeito colateral do fármaco.

Além disso, também estão testando outros compostos chamados de heparinas miméticas – que mimetizam a ação da heparina.

“A ideia é chegar a uma molécula com melhor efeito antiviral”, afirma Nader, que também integra o Conselho Superior da FAPESP.

Segundo a pesquisadora, os estudos em andamento serão feitos com tecnologias de biologia estrutural que envolvem técnicas de ressonância nuclear magnética, de cinética de interação rápida por stop-flow, microscopia confocal e citometria de fluxo, entre outras, empregando diferentes modelos celulares.

O artigo Heparin inhibitis cellular invasion by SARS-CoV-2: structural dependence of the interaction of the surface protein (spike) S1 receptor binding domain with heparin (DOI: 10.1101/2020.04.28.066761), de Courtney J. Mycroft-West, Dunhao Su, Isabel Pagani, Timothy R. Rudd, Stefano Elli, Scott E. Guimond, Gavin Miller, Maria C. Z. Meneghetti, Helena B. Nader, Yong Li, Quentin M. Nunes, Patricia Procter, Nicasio Mancini, Massimo Clementi, Nicholas R. Forsyth, Jeremy E. Turnbull, Marco Guerrini, David G. Fernig, Elisa Vicenzi, Edwin A. Yates, Marcelo A. Lima e Mark A. Skidmore, pode ser lido no bioRxiv em https://www.biorxiv.org/content/10.1101/2020.04.28.066761v1.full.

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Este artigo foi inicialmente publicado pela Agência Fapesp [Aqui! ].

Especialistas propõem novos critérios para avaliar revistas científicas

impact factor

Em comentário publicado na revista Nature, pesquisadores apontam a necessidade de se repensar o fator de impacto como critério predominante na avaliação de periódicos

Elton Alisson | Agência FAPESP – A necessidade de repensar o fator de impacto como critério predominante na avaliação de publicações científicas foi tema de um comentário publicado na revista Nature, no dia 28 de maio, por especialistas de diversas áreas.
Os autores e cossignatários do texto – entre eles Renato Hyuda Luna Pedrosa, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do Programa de Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação da FAPESP – ressaltaram a importância de buscar um conjunto de métricas mais amplo e transparente para avaliação dos periódicos científicos.

“Essa avaliação é resultado de um encontro realizado na Universidade de Leiden, na Holanda, em 2017. No evento, especialistas internacionais em bibliometria, editores de revistas científicas e representantes de agências de fomento à pesquisa discutiram a necessidade de construir novos critérios de avaliação de publicações científicas”, disse Pedrosa à Agência FAPESP.

Na opinião dos pesquisadores, o fator de impacto – concebido na década de 1970 como um método para avaliar a importância dos periódicos em suas respectivas áreas – passou a ser usado para fins diferentes do propósito original.

O indicador, que reflete a média de citações de artigos científicos publicados em um determinado periódico, tem sido usado, em diversos países, como critério para concessão de financiamento a projetos de pesquisa ou de avaliação de programas de pós-graduação.

“A finalidade original do fator de impacto, que era de apoiar a avaliação de periódicos e os pesquisadores na escolha de revistas para publicarem seus trabalhos, foi distorcida”, disse Pedrosa.

“O indicador passou a ser usado para tomada de decisão e isso começou a causar efeitos, como manipulações para inflar o índice de revistas científicas por meio de autocitação ou de citação cruzada [uma ação coordenada entre dois periódicos, pela qual um cita os artigos do outro]”, disse.

A fim de coibir essas práticas, os autores sugerem a criação de novos indicadores que possam contemplar as novas funções dos periódicos científicos, assim como as tradicionais.

Entre as funções praticamente inalteradas desde que as revistas científicas surgiram, há mais de 350 anos, estão as de permitir a garantia da autoria dos trabalhos, a revisão por pares, a curadoria das pesquisas, a disseminação dos resultados e o registro permanente dos dados.

O fator de impacto, assim como a maioria dos indicadores de uso comum, baseados em citações, captura apenas aspectos limitados dessas funções dos periódicos científicos. A criação de novos indicadores é particularmente importante, uma vez que as revistas científicas estão evoluindo rapidamente e se tornando plataformas para divulgar dados, métodos e objetos digitais, apontaram os pesquisadores.

“O surgimento de plataformas de publicação de artigos científicos do tipo open source [acesso aberto], por exemplo, tem representado um grande desafio para o método tradicional de trabalho das revistas científicas”, afirmou Pedrosa.

“Algumas das funções tradicionais dos periódicos científicos, como o arquivamento dos dados, ficam um pouco perdidas nesses novos sistemas de publicação científica. Por isso, também serão necessários novos indicadores para assegurar a qualidade desses sistemas”, avaliou.

Critérios claros

Como ressaltaram os autores do texto, simplesmente aumentar a quantidade de indicadores para avaliar as publicações científicas não equivale a melhorar a avaliação. Por isso, é preciso garantir que as novas métricas sejam construídas e usadas de forma responsável e que atendam a um conjunto de critérios claros. Entre esses critérios estão os de serem válidos – refletindo o conceito medido –, compreensíveis, transparentes, justos, adaptativos e reprodutíveis.

Outra sugestão feita por eles é a criação de um órgão, composto por representantes de todo o sistema de publicação científica, com foco em indicadores de avaliação de periódicos científicos.

O órgão poderia propor novos indicadores para abordar as diversas funções das revistas científicas, fazer recomendações de seu uso responsável e desenvolver novos padrões. Dessa forma, poderia ajudar a proteger contra “revistas predatórias” – publicações de baixa qualidade criadas para fins essencialmente financeiros – e dar orientações sobre publicações de acesso aberto e compartilhamento de dados, por exemplo.

“A ideia é que esse trabalho de discussão de novos indicadores de avaliação de periódicos científicos continue nos próximos anos para que se avance na construção de métricas novas e melhoradas”, disse Pedrosa.

O artigo Rethinking impact factors: find new ways to judge a journal (DOI: 10.1038/d41586-019-01643-3), de Paul Wouters, Cassidy R. Sugimoto, Vincent Larivière, Marie E. McVeigh, Bernd Pulverer, Sarah de Rijcke e Ludo Waltman, pode ser lido na revista Nature em www.nature.com/articles/d41586-019-01643-3.

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Este artigo foi inicialmente publicado pela Revista da FAPESP [Aqui!].

Melhoria na distribuição da renda pode ter provocado reação conservadora

Resultado de imagem para trajetorias da desigualdade no Brasil

Por José Tadeu Arantes  |  Agência FAPESP 

O tema das desigualdades no Brasil, investigado por estudo de grande fôlego, realizado por 23 pesquisadores de diversas áreas das ciências sociais, resultou no livro Trajetórias das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos 50 anos. Fechando o foco sobre o tema, a coordenadora do estudo destaca que há duas versões sobre tal processo.

“A primeira argumenta que, durante o período democrático, a desigualdade no Brasil permaneceu constante, com os mais ricos se apropriando de um quarto da riqueza nacional. Essa versão é verdadeira e os trabalhos que a sustentam são muito convincentes”, disse Marta Arretche, professora titular do Departamento de Ciência Política da USP, à Agência FAPESP.

“A outra versão diz que, durante o período democrático, a desigualdade no Brasil caiu muito, e caiu ainda mais rapidamente do que em outros países que lograram ser igualitários na mesma época. Essa versão também é verdadeira”, disse a também coordenadora do Centro de Estudos da Metrópole, um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP.

O assunto foi abordado por Arretche em uma das palestras mais concorridas na Escola São Paulo de Ciência Avançada em Ciências Sociais, com o tema “Democracia e desigualdades: teoria e achados empíricos do projeto Trajetórias das Desigualdades”.

“Por estranho que possa parecer, as duas versões são verdadeiras porque tratam de questões diferentes. A primeira trata da concentração da riqueza no topo da pirâmide, do quanto o 1% mais rico se apropria do total da riqueza nacional. A segunda trata dos outros 99%. E o que aconteceu nesse grande contingente de 99% foi um razoável grau de inclusão. No período democrático, de 1984 até 2015, os mais pobres tiveram ganhos relativos maiores do que os mais ricos. Houve inclusão no acesso ao sistema público de saúde e ao sistema público de educação; o salário mínimo real aumentou consideravelmente. Esse foi um atributo da democracia brasileira”, disse Arretche.

A pesquisadora lembra que os maiores avanços em termos de inclusão social ocorreram durante os governos de esquerda, “mas também ocorreram sob os outros governos, porque, no período de transição para a democracia, havia um entendimento bastante compartilhado de que a democracia não ia sobreviver no Brasil se não fosse reduzida a pobreza e a desigualdade. E foram criadas políticas para isso. Mais recentemente, há evidências de que esse consenso já não existe. A sociedade brasileira está muito dividida com relação à inclusão. Para além dos conflitos entre pobres e ricos, há também um conflito entre os muitos pobres e os menos pobres. Porque os ganhos dos primeiros podem representar custos para os segundos”.

Arretche exemplificou sua afirmação citando a aprovação, em 2013, da Proposta de Emenda à Constituição 478, que estendeu aos empregados domésticos os direitos trabalhistas usufruídos pelos demais trabalhadores urbanos e rurais. Essa extensão de direitos, que beneficiou os muito pobres, teria impactado fortemente o orçamento dos menos pobres que dependiam dos serviços dos primeiros.

“Este é, provavelmente, um conflito típico de sociedades muito desiguais que começam a mudar – sociedades nas quais os cidadãos não podem contar com serviços públicos. Uma das bases da estabilidade no Brasil era o fato de os menos pobres se assegurarem um relativo bem-estar pagando salários muito baixos para os mais pobres. À medida que o salário desses trabalhadores menos qualificados começou a crescer, por força da lei, os integrantes dos estratos intermediários se sentiram prejudicados. Esta perversidade, característica de sociedades muito desiguais, é um grande desafio para a democracia”, disse.

A diretora do CEM ponderou que a resistência às mudanças por parte desses setores situados no meio da curva da distribuição de renda poderia estar associada a esse tipo de conflito.

“O salário mínimo aumentou significativamente no período considerado. E isso não teve impacto apenas sobre o orçamento fiscal ou sobre o orçamento das grandes empresas, mas também sobre o orçamento das pequenas empresas e sobre o orçamento das famílias – enfim, daqueles que compram os serviços dos trabalhadores que recebem o mínimo. Os dados mostram que 25% dos eleitores brasileiros têm sua renda diretamente indexada ao salário mínimo”, disse.

“Isso tende a provocar uma grande divisão no próprio interior das famílias. Pois se, por um lado, o aumento do salário mínimo pode representar um ganho de renda para alguns membros, ele também pode representar um aumento de custos para outros. Muito provavelmente este é um dos fatores na base do que tem sido caracterizada como uma reação conservadora. Trata-se do efeito típico de uma sociedade altamente desigual que começa a se tornar menos desigual pela via da proteção dos piores situados”, disse Arretche.

A principal base de dados utilizada no livro Trajetórias das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos 50 anos foi o Censo de 2010, o mais recente realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas, na palestra, Arretche atualizou os dados até 2015. Sua análise não contempla as mudanças ocorridas após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. 

FONTE: http://agencia.fapesp.br/melhoria_na_distribuicao_da_renda_pode_ter_provocado_reacao_conservadora/27565/

Ciência sob ataque no Brasil da pós-verdade de Temer e Kassab

FRENTE / PREFEITOS

Dois elementos sobre profundo ataque no mundo da “pós verdade” são a ciência e a Natureza. Essa condição é peculiar de um tipo de resposta que as grandes corporações e seus vassalos dentro de governos nacionais vêm tratando um novo ciclo de crise profunda no sistema capitalista. Não é que não existam outros elementos de regressão, mas me parece haver um ódio especial contra a ciência.

E evidências de que o ódio vem sendo transformado em política de (des) governo aparecem em vários planos. Um exemplo disso é a verdadeira tunga que foi promovida nos orçamentos das fundações estaduais de amparo à pesquisa pelo Brasil afora, incluindo a joia da coroa que é Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). No caso específico da Fapesp, o jornalista Maurício Tuffani mostra hoje no seu “Direto da Ciência” que o corte orçamentário promovido pela Assembleia Legislativa de São Paulo e aplicada sem cerimônia alguma por Geraldo Alckmin foi totalmente inconstitucional (Aqui!).  E, pior, totalmente improducente, já que ataque diretamente a capacidade de produção científica do estado de São Paulo, jogando assim contra os interesses públicos e privados.

Mas São Paulo ainda está razoavelmente bem servido em termos de financiamento, já que outros estados igualmente importantes como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul praticamente seus investimentos em desenvolvimento científico e tecnológico, sob a desculpa rala de que atravessam graves crises financeiras. Entretanto, nesses estados ainda há dinheiro de sobra para entregar às corporações privadas sob a forma de isenções fiscais.

Entretanto, eu diria que o corte orçamentário é apenas a faceta de algo mais complexo que é a tentativa de desqualificar a importância da ciência no processo de desenvolvimento nacional. Daí é que não são raras as manifestações de que se gasta e vê pouco retorno em ciência no Brasil, quando, na verdade, já vivíamos um período de seca orçamentária mesmo antes do golpe light que levou Michel Temer à condição de presidente “de facto“.  Um exemplo maior desta desqualificação foi a dissolução do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e sua substituição pelo esdrúxulo Ministério da Ciência Tecnologia Inovação e Comunicações (MCTIC) que foi colocado sob o comando de Gilberto Kassab, o que já diz muito sobre o lugar que a ciência tem nas prioridades de Michel Temer.

Apenas para comparar a situação incoerente em que a ciência brasileira está sendo colocado, repito o exemplo já dado anteriormente neste blog sobre o forte investimento que está sendo realizado pela China no seu Ministério da Ciência que recebeu um acréscimo orçamentário notável como forma de incentivar a produção científica voltada para, entre outras coisas, o desenvolvimento de tecnologias de ponta  (Aqui!).  Enquanto isso no Brasil, estamos sob o risco de ver extintos grupos de pesquisa e até de universidades muito bem ranqueadas em nível internacional, como são os casos da Uenf e da Uerj que estão sendo literalmente destroçadas pelas mãos do (des) governador Luiz Fernando Pezão e do seu inepto (des) secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação, Gustavo Tutuca.

O incrível é que este ataque à nossa capacidade  de ampliar o desenvolvimento científico nacional está apenas agora sendo objeto de algum tipo de resposta mais organizada por parte das principais sociedades científicas. E apesar deste atraso é fundamental que se saia da defensiva e se organize uma política de defesa da ciência nacional. Afinal, não há futuro algum para um país que se contente em ser exportador de commodities agrícolas e minerais ou, como a China já decidiu que não será, um mero exportador de manufaturas.

E para mim, a coisa é muito simples: ou defendemos a ciência nacional ou seremos eternamente um país atolado no atraso e na desigualdade abissal entre ricos e pobres.

Extinção do MCTI e sucateamento das FAPs colocam em risco o sistema nacional de ciência e tecnologia

Uma das principais características de um país que procura alcançar novos níveis de desenvolvimento é o investimento sustentado em ciência e tecnologia.  A China, por exemplo, optou por um aumento consistente no orçamento do seu ministério de Ciências para o próximo quinquênio como uma forma de responder à crise econômica que está se abatendo sobre a economia mundial  (Aqui!).

No caso do Brasil, o que estamos assistindo é um processo totalmente oposto ao caminho adotado pela China. O fato é que estamos presenciando um ataque duro e direto às estruturas que foram desenvolvidas nos planos federal e estadual para providenciar recursos e estabelecer políticas voltadas para orientar o desenvolvimento científico e tecnológico. O principal exemplo disso foi a extinção do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) como um dos primeiros atos do governo “de facto” de Michel Temer. 

Há que se ressaltar que a desvalorização estratégica do sistema nacional de ciência não parou na extinção do MCTI. O fato é que os principais órgãos responsáveis pelo desenvolvimento científico brasileiro foram virtualmente colocados no limbo no novo ministério comandado por Gilberto Kassab. E não se fala apenas dos brutais cortes anunciados nos orçamentos do CNPq, da CAPES, e da FINEP . A questão da desvalorização está no tratamento de órgãos de segunda ou terceira categoria que os novos chefetes do tal Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Aliás, a única coisa notável que brotou do MCTIC até agora foi a tentativa de dar um presente bilionário para as empresas de telecomunicação e que só não se concretizou ainda porque a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Carmen Lúcia, resolveu pedir informações sobre mais essa bandalheira com o dinheiro público (Aqui!).

Agora, se a coisa está ruim no plano federal, a situação não é nada melhor na maioria dos estados. As chamadas “fundações de amparo à pesquisa” que são as responsáveis no plano estadual por apoiar o desenvolvimento científico e tecnológico, se encontram em sua maioria em situação falimentar. Basta ver os casos de estados como o Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Maranhão onde a falta de recursos impede qualquer suporte real num momento de encurtamento do aporte de verbas federais. Já no caso do Rio Grande do Sul, apesar de ter escapado da extinção que atingiu outras nove fundações, a  Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) deverá ser mantida na mesma situação de penúria que outras FAPs estão enfrentando.

A única exceção a este processo de sucateamento das FAPs ainda é a Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo (Fapesp) que possui verbas próprias e um patrimônio invejável. Com isso, a Fapesp deverá continuar sendo capaz de financiar ações estratégicas como os do Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), o que deverá contribuir para a criação de uma espécie de colonialismo científico interno  com as universidades e institutos de pesquisa paulistas se tornando os únicos com nível de interagir com grandes centros científicos mundiais.

A repercussão desse processo de degradação dos órgãos federais e das FAPS foge a um análise de curto prazo. A verdade é que esta estratégia de fragilização do nossos sistema nacional de ciência e tecnologia terá implicações graves para o desenvolvimento econômico brasileiro. E como os chineses já explicaram ao anunciar  a sua transição de um modelo econômico baseado na exportação de manufaturas para outro baseado na venda de alta tecnologia, os países que ficarem para trás na corrida tecnológica certamente  enfrentaram desafios sociais e ambientais duríssimos no futuro.

O problema é que no Brasil estamos enfrentando uma verdadeira onda de ódio ao conhecimento científico, e que está sendo comandada pelos setores que dependem de algo ainda pior e mais atrasado do que a exportação de manufaturados, e que estão fortemente associados ao interesses das grandes mineradoras e o latifúndio agroexportador.  Para esses setores, o conhecimento científico é um entrave para suas aspirações de recolonização total do Brasil.

E será contra este tipo de interesse anti científico que teremos nos debater em 2017 para impedir a completa destruição do nosso sistema nacional de ciência e tecnologia. Simples assim!