
Em ver de morteiros para se comemorar gols, tiros de bombas de gás lacrimogêneo, de pimenta e de efeito moral. Para conter cerca de 600 manifestantes que pretendiam protestar contra Copa, no Maracanã, cerca de dois mil policiais militares de várias unidades fizeram hoje à tarde um cerco inédito à Praça Saens Pena, no coração da Tijuca, tradicional bairro de classe média na Zona Norte do Rio. Houve dois presos — André Constantini, do movimento Favela não se Cala e outro manifestante conhecido como Renato da Uerj. Houve também feridos por estilhaços de bombas de gás de pimenta.
Foi implantado pela PM uma espécie de estado de sítio na Praça Saens Pena, com barreiras em pelo menos sete pontos (um deles na foto, na Rua Pinto de Figueiredo) ao redor da praça, onde há uma grande estação do metrô, que ficou pelo menos duas horas fechada. Ninguém entrava nem saía do perímetro de segurança imposto pela PM. Fosse ou não morador. Estivesse ou não a trabalho. Luiz Rodolfo Viveiros de Castro, assessor da Comissão de Direitos Humanos da OAB, disse que a entidade estuda a possibilidade de entrar na Justiça contra o comando da PM, pela suspensão do direitor de ir e vir.
— Na ditadura isso aconteceu em estádios de futebol. Agora a PM transformou a Praça Saens Pena numa imensa cadeia, de onde ninguém pôde sair. Isso é cárcere privado em espaço público — disse Luiz Rodolfo.
O repórter que vos escreve só conseguiu sair da praça volta das 17h, após tentar passagem por quatro barreiras. Só num ponto, o repórter foi liberado, assim como alguns moradores, pela major Fabiana, uma das chefes da operação. O comandante das tropas foi o coronel Henrique, do 5º BPM (Praça da Harmonia), que se uniu ao 6º BPM (Tijuca). Participaram do cerco também policiais do Batalhão de Choque, do Bope, do Regimento de Cavalaria da PM, do Grupo Especial Tático em Motopatrulhamento (GETEM). Além de cavalos, os PMs contavam com armas não-letais, como lançadores de bombas de gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral e spray de pimenta. Esse equipamento foi usado várias vezes para dispersar grupos de manifestantes que debochavam dos policiais.

O primeiro confronto teve início por volta das 15h, quando os manifestantes tentaram furar um bloqueio na Rua das Flores, que sai na Praça Saens Pena. Nesse momento, os policiais partiram enfurecidos para cima dos manifestantes. Um deles foi pego e espancado por um grupo de PMs. Outros ficaram feridos por estilhaços de bombas de gás de pimenta. O primeiro tiro de bomba de gás foi dado às 15h. Houve correria. Em seguida, houve uma sequência de mais quatro disparos. Imediatamente a Rua Conde de Bonfim — interditada num trecho de 800 metros — foi tomada pela fumaça do gás. Os olhos ardiam. Socorristas voluntários, dos manifestantes, orientavam a não se esfregar os olhos. Os mais preparados levavam solução de leite de magnésia com água.
— Nunca vi uma coisa dessas. Estou aqui isolado na praça e minha mulher está me esperando do outro lado. Eu a trouxe do interior do Ceará. Ela nunca imaginou estar numa confusão dessas aqui no Rio — contou Luciano Teixeira, chefe de cozinha.
Organizada pela Frente Independente Popular (FIP), que reúne os principais grupos de esquerda, e pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas, a manifestação começou com uma marcha da Praça Afonso Pena até a Saens Pena, no início da tarde. Os manifestantes então se concentraram ali com faixas e cartazes, e palavras de ordem contra a Copa e a Fifa. Um dos cartazes dizia “Fora Pezão; vá com Paes, Dilma vez”. Os militantes de várias organizações de esquerda e de pelo menos dois partidos (PSol e PSTU) tomaram a praça que principalmente, aos domingos, é um recanto da terceira idade. Desde cedo, havia policiais distribuídos estrategicamente ao redor da Praça Saens Pena, prevendo a tática de cercar o local e impedir que a manifestação partisse para o Maracanã, onde era realizada a final Alemanha x Argentina.

Quando um grupo decidiu marchar pela Rua Conde de Bonfim, os PMs começaram a tentar fazer bloqueios já no início, sem êxito. A marcha prosseguiu até as proximidades da Rua Pinto de Figueiredo, onde havia duas barreiras de PMs, uma delas formada pela cavalaria. Em frente ao Tijuca Tênis Clube foi formado um paredão por policiais militares munidos de cassetetes. Alguns, os oficiais superiores, estavam armados de pistola. Policiais da Força Nacional também portavam armas pesadas.
Após mais escaramuças, a situação se tranquilizou por volta das 17h. Os manifestantes voltaram ao Centro da Praça, gritando palavras de ordem contra a Copa e contra a polícia. O cerco pela PM na Praça já estava montado e ninguém conseguia entrar ou sair.
‘
A diretora do Grupo Tortura Nunca Mais, Joana D’Arc Ferraz, contou que foi impedida até mesmo de sair do prédio onde mora, na praça. “A Saens Pena hoje viveu seu dia de ditadura”, comentou Luiz Rodolfo Viveiros de Castro, ex-preso político do regime militar.

Um manifestante, com cabelo punk, é detido pela PM
FONTE: http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/posts/2014/07/13/estado-de-sitio-na-praca-saens-pena-542528.asp