Disputas por terras públicas, corrupção e violência; O mundo de olho na Stora Enso

Por Redação Futucando Notícias
O que antes eram suposições foi mostrado com extrema realidade e caiu como uma bomba na Finlândia e na Suécia, onde um documentário produzido pela TV Yle mostra destruições de alimentos e histórias reais de centenas de famílias expulsas de terras públicas que são utilizadas pela multinacional Veracel para plantar eucaliptos. Há graves denúncias de corrupção, suspeitas de fraudes em documentos e de deslocamento de propriedades unificadas indevidamente. O documentário em vídeo pode ser assistido clicando aqui.
Leia atentamente a matéria abaixo, de autoria da Jornalista Finladesa Jessica Stolzmann com todas as traduções do que é mostrado no vídeo que já foi exibido na Finlândia e na Suécia.
“Pequenos agricultores no Brasil estão lutando contra a Stora Enso”
Leia abaixo matéria traduzida:
“Os guardas vieram com machados e ameaçaram nos matar se não desistíssemos”
A Stora Enso está envolvida em disputas de terras com uso de violência no estado da Bahia no Brasil. A empresa Veracel, que é parcialmente pertencente a Stora Enso, é acusada de corrupção e violência contra pequenos agricultores e sem terra. A batalha pelo chão é dura e feia.
É bom que você venha, diz Antonio Ferreira quando nos encontra na estreita estrada de areia no sul da Bahia.
– A mídia brasileira não quer falar conosco. Ou eles trabalham para a empresa ou não se importam conosco, brasileiros comuns.
Segundo Antônio Ferreira, é sabido que a Veracel, metade pertencente à Stora Enso. A Veracel possui grandes áreas de terra aqui na cidade.
Possuir ou não possuir? Fica a dúvida. O problema é que, em muitos casos, parece pouco claro o que a Veracel realmente detém e como a empresa adquiriu as terras.

Ao longo das estradas no sul da Bahia há muitos acampamentos em muitos lugares com brasileiros sem terra. Foto: Jessica Stolzmann / Yle
A pequena localidade onde nos encontramos é chamada de Santa Cruz Cabrália. Há uma grande disputa de terras e está próxima da cidade de Eunápolis, no sul da Bahia.
Ao longo da estrada, uma longa fila de barracos se inclina. Neles vivem 60 (sessenta) famílias que se sustentam no cultivo de feijão e mandioca nos campos ao redor. A mandioca é a cultura mais importante da região. Os tubérculos são moídos em farinha usada em todo o cozimento.
Os acampados sofrem para conseguir comida na mesa. O que pode sobrar, eles vendem no mercado local.
Entramos em um dos barracos. Copos e panelas são arrumados ao longo da parede. Não há água corrente aqui e a eletricidade vai e vem.
Arroz e feijão são cozidos em fogo aberto em uma cozinha ao ar livre.
Essas famílias tiveram que construir suas casas várias vezes depois de terem sido destruídas. Foto: Jessica Stolzmann / Yle
– Temos direito a esta terra, mas a empresa Veracel vem aqui e destrói tudo o que temos, diz Antonio Ferreira. Esta é uma terra do estado, a Veracel não é proprietária.
Ferreira refere-se à constituição brasileira sob a qual os sem-terra têm o direito de tomar posse de terras devolutas do Estado, se mostrarem que podem usá-lo efetivamente para cultivo e sustento.
Antonio Ferreira e os outros do acampamento lutam contra a Veracel há anos. Eles se organizaram. Na bandeira, bem no meio, está o nome de sua luta, URC (União da Resistência Camponesa, em sueco sobre “A União para a Resistência do Camponês”)
Mais recentemente, a Veracel e a polícia chegaram aqui há algumas semanas, diz Ferreira e mostra um vídeo que ele filmou com seu celular.
Eles deveriam ter tido uma ordem oficial de despejo para poder nos tirar, mas não o fizeram ”, explica Ferreira.
– A empresa diz que eles são os que decidem aqui, que nenhum papel da justiça é necessário.
Eles tinham machados e primeiro cortaram as casas de nossos amigos. Então eles vieram até nós. Contou Maria da Silva.
Maria da Silva com os netos. Foto: Jessica Stolzmann / Yle
Uma das acampadas, Maria da Silva, fala sobre o ocorrido há alguns anos atrás quando os seguranças da Veracel vieram e destruíram todos os barracos.
– Eles chegaram aqui tarde da noite com lanternas apagadas quando estávamos dormindo. Eles tinham machados e primeiro cortaram as casas de nossos amigos. Então eles vieram até nós, mas eu estava acordada. Eu gritei para eles que há pessoas aqui, mas eles continuaram. Nós temos medo deles.
Quando Maria da Silva ouve que devemos conhecer o Presidente da Veracel, ela quer mandar uma pergunta..
A floresta onde os pássaros não cantam
O Presidente da Veracel, Andreas Birmoser, nos recebe em uma cabana, um pouco fora de Eunápolis, a maior cidade do sul da Bahia.
Um condicionador de ar esfria a cabana. Lá fora, é quarenta graus à sombra.
– Temos problemas com algumas organizações sem terra, mas nunca usamos violência contra elas. Nossos guardas são treinados para respeitar os direitos humanos, diz Birmoser e acrescenta que os aldeões que enviaram as perguntas ocupam ilegalmente as terras da empresa.
O boato de que os jornalistas finlandeses estão na Bahia se espalhou. Na mesma época em que nos encontramos com o presidente da Veracel, recebemos uma mensagem. Um homem que diz que trabalha para a Veracel como segurança, quer nos conhecer porque tem algo a dizer. Nos encontraremos alguns dias depois.
Há muitos casos legais contra a Veracel no momento.– Markus Kröger, pesquisador HU
A Veracel é parcialmente detida pela gigante finlandesa de papel sueca Stora Enso e metade pela brasileira Suzano.
O maior proprietário individual da Stora Enso é o estado finlandês, via Solidium, FPA e Ilmarinen.
A empresa produz 1,1 milhão de toneladas de celulose branqueada anualmente. Metade vai para a Stora Enso, que envia a celulose para a Finlândia e a Ásia. Haverá, entre outras coisas, papel de arte, embalagens de cosméticos e copos de macarrão, ou seja, produtos que o crescente mercado asiático não pode obter o suficiente.
No sul da Bahia, a Veracel possui mais de 200.000 hectares de terra. O eucalipto é cultivado em metade da área.
O clima da Bahia é excelente. Tudo é na medida certa, tem sol, calor e chuvas.
Os eucaliptos podem ser colhidos depois de seis anos, enquanto na Finlândia levaria de 60 (sessenta) a 70 (setenta anos) para que uma árvore crescesse até o tamanho real aqui do Brasil.
Markus Mannström, que é membro da equipe administrativa da Stora Enso e do conselho da Veracel, costuma visitar a Bahia. Foto: Taisto Lapila / Yle
– Temos bases jurídicas e legais completas para operar em nossas terras. Nós adquirimos a maior parte da terra junto com nossos parceiros no final dos anos 90 e início dos anos 2000. Nós temos papel em todos os lugares.
Mannström está ciente de que há alguma insatisfação entre os moradores. Essa foi a razão pela qual a Veracel foi a favor de um diálogo mais ativo com alguns dos movimentos sem terra há sete anos.
Alguns pequenos agricultores assinaram acordos com a Veracel
A Veracel firmou um acordo com dez movimentos representando os sem-terras e afirma ter vendido ou doado 20.000 hectares de terras a eles nos últimos anos.
“Não é por não sermos proprietários de nossas terras que agora começamos a dispor delas”, diz o presidente da Veracel, Birmoser. Queríamos encontrar uma situação sustentável para essas famílias.
Para mostrar que a empresa carrega sua responsabilidade social, a Veracel nos leva em um tour. Encontramos famílias que antes não tinham terras, mas que agora assinaram um contrato com a Veracel. Uma das aldeias tem uma farinheira para moer a sua mandioca.
– No passado, eu achava que a Veracel era um monstro, mas eles fizeram muito por nós, diz Raquel Figuiredo, apontando para uma alta produção de eucalipto que a Veracel doou.
Em outra aldeia onde vivem os índios pataxós foi dada uma escola e um poço.

Ubiratan Silva mostra bem o poço que recebeu da Veracel. O poço tornou a vida cotidiana mais fácil para os aldeões dos aldeões. Foto: Jessica Stolzmann / Yle
Ubiratan Silva é o chamado chefe ou cacique da aldeia indígena. Ele se senta olhando para um programa de comida na TV quando a gente visita. Ele está satisfeito que sua aldeia tenha entrado em acordo com a Veracel.
Eles esperaram pela primeira vez por alguns anos pelos eucaliptos que a Veracel tinha plantado para poder colher depois que eles se mudaram.
“Eu sei que todos os índios pataxós não quiseram cooperar com a Veracel e isso levou à fragmentação entre nós”, diz Ubiratan Silva.
A terra é vendida e comprada, mas quem realmente é dono?
Lú Souza, porta-voz do movimento sem-terra Associação 2 de Julho, tomou a decisão mais difícil de sua vida no outono passado.

Lú Souza afirma ter certeza de que a Veracel não possui a terra que comprou da empresa. Foto: Jessica Stolzmann / Yle
A Associação 2 de Julho recebeu uma oferta da Veracel para comprar as terras. Lú Souza e as 126 famílias do acampamento querem paz há muito tempo. Finalmente, eles aceitaram a compra sob pressão.
Agora eles começaram a se arrepender. As famílias estão cada vez mais preocupadas porque entendem que nunca obterão documentos de propriedades das suas terras preciosas.
Eles suspeitam que a Veracel não possuía realmente a terra que foi vendida para eles
– Somos muitos aqui que têm certeza de que essa terra é do estado e, portanto, não queríamos realmente entrar em acordos com a Veracel, diz Lú Souza, presidente do 2 de Julho.
Os acampados decidiram, no entanto, assinar o acordo por medo de novas destruições e eles dizem que a Veracel demoliu seus barracos por sete vezes e que não aguentariam construir tudo de novo.
O acordo com o qual os acampados relutantemente concordaram também não estava isento de condições. Entre outras coisas, o acampamento deve desistir de todas as ações na justiça por indenizações contra a Veracel e permitir que a empresa plante em partes das suas terras
Se uma família não pagar a prestação, a Veracel teria o direito de cancelar o contrato, explica Lú.
Os agricultores pagarão cerca de 2 milhões de euros pela terra e mais de 100.000 euros por ano durante 17 anos. Isso significa cerca de 800 euros por ano para cada família.
– Como conseguiremos o dinheiro? Aqui estão famílias que nem sequer almoçam todos os dias. Falta comida.
Na Stora Enso, Markus Mannström está bem familiarizado com os acordos. Ele diz que os acampados conseguiram a terra por valores bem abaixo do preço de mercado.
“Isso foi baseado no voluntariado, não havia ninguém que os obrigasse a participar”, diz ele.
A Veracel não poderia ter vendido a terra se não tivesse documentos que possuía, acrescenta Mannström.
Eles pisaram em fazendas e disseram que matam os habitantes se não desaparecerem– Markus Kröger, pesquisador HU
Em uma sala de trabalho na Universidade de Helsinque, a poucos passos da sede da Stora Enso, vemos evidências do oposto do que diz a Stora Enso.
Markus Kröger, que pesquisa o registro de terras por autoridades brasileiras no sul da Bahia, recolhe uma pilha de documentos oficiais.
Entre os documentos, ele encontra um que dá a Lú Souza razão em seus argumentos. Pelo menos partes da terra onde o acampamento 2 de Julho está localizado pertencem ao estado e não à Veracel.
– Estes são registros oficiais e documentos dos arquivos da promotoria de justiça, explica Kröger.
Segundo Kröger, há evidências de que empresa que antecedeu a Veracel nos anos 80 e 90 grilou e roubou terras com violência.
– Eles pisaram em fazendas e disseram que matariam os habitantes se não desaparecerem de lá. Há muitas histórias, documentos e testemunhos que aconteceu assim.
O pesquisador Markus Kröger passou longos períodos na Bahia quando pesquisou as disputas de mercado lá. Imagem: Yle
Segundo Kröger, pode-se encontrar declarações de Delegacias de terras, policiais do estado desde o início da década de 1980, onde foram feitos relatos que dizem que grandes áreas foram tomadas ilegalmente, após o que os documentos foram forjados.
Guarda de segurança anônima afirma que a Veracel corrompe a polícia
Os anúncios da Veracel são ouvidos no rádio do carro quando cruzamos e cruzamos o sul da Bahia. A Veracel promove seu papel ativo na sociedade e propagam que eles trabalham pelo meio ambiente.
Poucas veículos de mídia, sites, jornais, rádios e TVs relatam os conflitos e as acusações contra a Veracel. De acordo com um jornalista com quem estamos conversando, é porque a Veracel tem contratos de publicidade com a mídia e através de pagamentos pontuais, os silencia para que falem so o que interessa para a imagem da empresa Veracel.
No rádio do carro, uma voz aguda diz que a Veracel reflorestou a floresta tropical, em uma superfície correspondente a 96 campos de futebol, em suas terras.
A empresa não faz mais que sua obrigação e com isso é forçada a cumprir com a lei. Todos os proprietários de terras são obrigados a manter florestas como reserva legal em algumas de suas terras.

Muitos dos camponeses sem terra e pequenos dizem que a Veracel tem grande poder econômico e político na região. Foto: Jessica Stolzmann / Yle
Eles agem com métodos da máfia. Eles sabem que nossa empresa de segurança tem guardas que não hesitam em recorrer à violência contra pais de família e pessoas simples.– Guarda de segurança em denúncia anônima
Durante nosso último dia na Bahia, encontramos o segurança que nos contatou. Tem sido difícil encontrar um tempo que se adapte porque ele trabalha à noite e dorme durante o dia.
Ele está nervoso e com medo de ser reconhecido. Ele não quer que ninguém o veja falar com a imprensa estrangeira.
Ele diz que trabalha para a empresa de segurança Visel, que é subcontratada da Veracel.
Quando perguntamos por que ele entrou em contato com a gente, ele diz estar cansado do jogo sujo que a Veracel faz e é culpada.
Concordamos em não divulgar sua identidade. O assunto é grave e ele assume grandes riscos.
– Na Veracel, todo mundo deve saber o que está acontecendo, do presidente a gerência para baixo. Eles agem com métodos puros da máfia. Eles sabem que nossa empresa de segurança tem guardas que não hesitam em recorrer à violência. É uma pena agredirem os sem terras.
O homem também alega que um funcionário da Veracel de nome Leones, através de documentos (dinheiro) teria pago a polícia para lidar com o trabalho sujo da empresa sem ordens judiciais.
A complicada cadeia de transações financeiras entre empresas, autoridades, órgãos do governo e funcionários individuais que ele delata segue um padrão que é bem conhecido no Brasil, onde a corrupção é generalizada.
Markus Mannström rejeita as alegações. Tanto a Veracel quanto a Stora Enso são totalmente contra todas as formas de corrupção.
“Se subornos forem descobertos em nossos negócios, nós imediatamente interviremos e as pessoas que trabalham com essas ferramentas não devem mais trabalhar conosco”, diz Mannström.

Os aldeões de Santa Cruz de Cabrália se reuniram para limpar os grãos juntos. Foto: Jessica Stolzmann / Yle
De volta à beira da estrada em Antonio Ferreira, os aldeões se reuniram. Eles espalharam o feijão em um pano grande e se sentaram ao redor com tigelas em seus braços, onde coletam os grãos limpos.
A renda que recebem pelas colheitas vai para todo o acampamento.
Antonio Ferreira não desistirá. Ele não quer se render a Veracel. Ele acha que um dia será assentado na terra que não é da Veracel e sim do estado.
Então, de acordo com a constituição brasileira, ele tem o direito de cultivar a terra para conseguir comida para o dia a dia. A lei foi escrita para que os sem-terra não fossem obrigados a viver de apoio social, mas teriam a oportunidade de se sustentar plantando e colhendo.
É exatamente o que o Antônio Ferreira quer. Apoio para a sustentabilidade.
– Eu tenho um pedido para vocês, finlandeses. Entendemos que se a Finlândia precisa sobreviver do Brasil, nós também precisamos sobreviver.
Matéria publicada no site: https://svenska.yle.fi
Por Jornalista Internacional: Jessica Stolzmann / Yle
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Esta reportagem foi inicialmente publicada em português pelo portal de notícias Futucando Notícias [Aqui!]