Brigadas comunitárias: uma solução eficaz contra o fogo no Brasil 

Projetos em parceria com o WWF-Brasil treinaram mais de 450 voluntários, formando 30 grupos de combate no Pantanal, 30 na Amazônia e 10 no Cerrado

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Por Maíra Teixeira, do WWF-Brasil

“Tem muita gente tentando invadir nossas terras. Derrubam árvores, tocam fogo, depois querem fazer garimpo. Por isso, todos aqui têm de aprender a combater queimadas”, alerta Boroap Uru-Eu-Wau-Wau, integrante da brigada comunitária da Terra Indígena (TI) Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia. Boroap, que tem 32 anos e é mãe de dois filhos, participou pela primeira vez de uma formação de brigadistas em 2019, ao lado do marido, Ari Uru-Eu-Wau-Wau, assassinado meses depois. Mas, apesar da ausência dele, não pensou em desistir da luta pelo seu território. “Voltar sozinha para o segundo curso foi difícil. Mas eu continuo porque é uma forma de proteger a nossa terra, os nossos parentes”, explica.

O segundo treinamento a que Boroap se refere contou com a participação de 14 indígenas e foi realizado em setembro deste ano na TI Uru-Eu-Wau-Wau, fruto de uma parceria entre o WWF-Brasil, a Associação Etnoambiental Kanindé e o centro especializado PrevFogo, do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). A formação de brigadistas voluntários, estratégia importantíssima contra queimadas no Brasil, tem sido fomentada pelo núcleo de respostas emergenciais do WWF-Brasil há três anos, desde que o número de incêndios explodiu na Amazônia.

Em um país continental como o Brasil, há muitas localidades remotas e de difícil acesso, onde não há sequer unidades de bombeiros. Para chegar a determinados pontos da TI Uru-Eu-Wau-Wau, que é a maior do Estado de Rondônia, abrange 13 municípios e abriga cerca de 300 indígenas de diferentes povos, é necessário percorrer horas de estrada ou rio. É arriscado, portanto, depender da ajuda externa para debelar o fogo rapidamente. Tanto que, entre 2019 e 2021, o aumento da área queimada dentro da TI foi de 165%, de 75 para 199 hectares, de acordo com dados do projeto MapBiomas. E, no mesmo período, a perda de superfície de água foi de 1.275 hectares no território.

Mais de 450 brigadistas formados

Nesse trabalho que o WWF-Brasil vem realizando desde 2019, com parceiros locais, bombeiros e PrevFogo, já foram capacitadas mais de 450 pessoas distribuídas em 30 brigadas no Pantanal, 30 na Amazônia e 10 no Cerrado. A organização também doou cerca de 10 mil peças de combate ao fogo, como lança-jatos, sopradores e abafadores, e equipamentos de proteção individual (EPIs), como capacetes, balaclavas e botas.

Durante uma dessas formações, também em setembro deste ano, a realidade se impôs e indígenas Paiter Suruí foram obrigados a antecipar a parte prática para combater uma queimada. “Nós nos organizamos em cinco minutos para começar a controlar o fogo”, conta o biólogo Israel Corrêa do Vale Junior, que trabalha com gestão de áreas protegidas pela Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé. “Apesar de terem tido apenas uma manhã de teoria, todas as pessoas seguiram as instruções e controlaram o fogo. No dia seguinte, fomos conferir juntos o rastro que havia ficado e o que tinha sido feito. Esses detalhes são importantes para entender a prática brigadista”. Treze indígenas participaram do curso.

A TI Sete de Setembro, onde vivem cerca de 1.200 Paiter Suruí, tem 427 mil hectares e está localizada entre os Estados de Mato Grosso e Rondônia. “Eles estão muito à nossa frente como sociedade. Fazem formação de monitores de biodiversidade, têm certificação de café, castanha. Além disso, têm uma ferramenta de plano de gestão territorial com prazos de execução de 3 a 5 anos para olhar para os próximos 50 anos. Mas, infelizmente, ainda enfrentam os desafios de lutar contra madeireiros e garimpeiros”, destaca Vale. De acordo com o MapBiomas, 20,3 hectares da TI pegaram fogo em 2021, número 35,3% maior do que em 2019. Já a perda de superfície de água no território foi de 598 hectares no período.

A estratégia do WWF-Brasil, de investir na capacitação de indígenas, ribeirinhos, agricultores familiares e moradores de regiões onde há Unidades de Conservação (UCs), é evitar que pequenos focos de fogo se transformem em grandes incêndios. “Com o apoio dessas comunidades, é possível dar respostas mais rápidas e eficientes. As brigadas também vão às escolas e promovem atividades de educação ambiental”, salienta Osvaldo Barassi Gajardo, especialista em conservação do WWF-Brasil.

“Essas brigadas têm salvado muitas áreas, fauna, flora e pessoas por todo o Brasil. Elas também são importantes para quem vive da floresta porque fazem parte de uma estratégia que protege tanto o modo de vida de povos indígenas e comunidades tradicionais quanto os territórios de onde tiram seu sustento”, acrescenta Gajardo. “Parcerias com organizações locais, como a Kanindé, em Rondônia, e a Ecoa, em Mato Grosso do Sul, são essenciais para nós e funcionam como porta de entrada para as comunidades. O planejamento é feito em conjunto, pois as demandas vêm de quem está nos territórios, e o PrevFogo participa conduzindo os treinamentos.”

Uma força silenciosa e nacional

Os dados relacionados ao fogo são alarmantes no Brasil. O número de focos de queimadas entre 2019 e 2022, considerando o intervalo de 1º de janeiro a 30 de novembro de cada ano, foi de 371 mil na Amazônia, 241 mil no Cerrado e 41 mil no Pantanal, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Um aumento de, respectivamente, 8%, 3,3% e 152% na comparação com o mesmo período dos quatro anos anteriores (2015-2018).

“A demanda de criar, treinar e manter brigadas voluntárias nos locais onde não havia estrutura era urgente. Foi preciso colocar os próprios moradores para combater o fogo”, lembra Márcio Ferreira Yule, coordenador do PrevFogo em Mato Grosso do Sul. Ele ressalta que os últimos quatro anos foram de muita apreensão e perdas em todo o território nacional, mas a rearticulação da estratégia de treinamento de brigadas comunitárias, bastante exitosa no começo da década passada, se mostrou acertada.

Para estruturar as brigadas comunitárias, o PrevFogo conta com o auxílio de parceiros, como o WWF-Brasil, para doação de equipamentos e recursos para logística, e também com voluntários que doam seu tempo e esforço para atuarem como brigadistas. Na capacitação das brigadas no Pantanal, Cerrado e Amazônia, o WWF-Brasil contou com o financiamento da União Europeia. O Consulado da Alemanha em São Paulo, a Unilever e os escritórios do WWF do Reino Unido e Alemanha também doaram recursos para as brigadas.

“Os treinamentos nos territórios são de suma importância, considerando que em algumas localidades fora da área de atuação do PrevFogo e distantes de equipes de Corpo de Bombeiros, o primeiro combate poderá ser realizado por essas brigadas. Elas possibilitam a rápida extinção do fogo e diminuem os danos decorrentes dele”, frisa Paula Mochel, analista ambiental e coordenadora da Divisão de Prevenção do PrevFogo/Ibama.

Como são os cursos

Os treinamentos, em geral, começam com aulas teóricas e evoluem até chegar à fase prática, na qual os participantes aprendem algumas técnicas de combate às chamas, como a construir aceiros: estreitas faixas de terra batida abertas no entorno de propriedades, plantações ou matas que impedem a propagação de incêndios, pois interrompem o contato do fogo com a vegetação próxima.

Paula explica ainda que as brigadas comunitárias atuam também em ações de prevenção e conscientização das comunidades quanto ao uso racional do fogo nas roças, alertando para os perigos e prejuízos decorrentes dos incêndios florestais. “Nesse tipo de combate, elas devem atuar, preferencialmente, no reconhecimento da área e no primeiro ataque ao incêndio. Quanto mais cedo começar o combate ao fogo, maior a probabilidade de extinção das chamas sem a necessidade do uso de recursos adicionais”, conclui.

Após séculos de manejo bem sucedido, regime de fogo no Xingu está mudando

Apesar de não terem mudado suas técnicas de controle de incêndio, indígenas têm sofrido com os efeitos das mudanças climáticas em suas terras

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A primeira terra indígena demarcada no Brasil, o Território Indígena do Xingu (TIX), tem sido citada por estudos há décadas como uma barreira bem-sucedida contra o desmatamento, degradação florestal e incêndios que assolam outras partes da Amazônia. Um estudo recente, produzido pelo Dr. Paulo Brando, pesquisador do IPAM e professor do Departamento de Ciência do Sistema Terrestre da Universidade da Califórnia Irvine, nos EUA; Dr. Divino Silvério, professor da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA); e a Dra. Marcia Macedo, diretora do programa Woodwell Water, mostra que os regimes de fogo estão mudando na região do Xingu, levando a mais perda de florestas e degradação.

O documento mostra que cerca de 7% do TIX foi degradado pela seca e pelo fogo. A degradação faz parte de um ciclo vicioso em que as florestas danificadas se tornam mais secas e mais suscetíveis a queimadas em futuros incêndios.

“Lembro quando comecei meu doutorado, um trabalho de 2006 mostrava que as terras indígenas eram corta-fogos extremamente eficazes — o Xingu simplesmente nunca viu fogo. A mudança climática mudou completamente essa história”, afirma Márcia Macedo.

Compreendendo a mudança no regime de fogo

As comunidades indígenas do TIX têm administrado a floresta tropical há séculos com ciclos de corte e queima bem adaptados que criam espaço para a agricultura e promovem o crescimento de espécies naturais usadas na construção, medicina e culinária. Esses ciclos podem durar de três a quatro décadas antes que uma área seja queimada novamente. Tradicionalmente, as queimadas eram bem controladas e as florestas tropicais ao redor das áreas queimadas eram saudáveis ​​o suficiente para evitar que as chamas escapassem.

Mas nas últimas duas décadas, segundo o estudo, os incêndios têm escapado com mais frequência dentro da reserva e a probabilidade de que a floresta seja perdida está aumentando, principalmente em florestas sazonalmente inundadas. As práticas de manejo indígenas não mudaram significativamente, explica o artigo, então por que o aumento da prevalência de incêndios e degradação?

“Cerca de 16% do TIX queimou pelo menos uma vez entre 1984 e 2017. A combinação de fogo e seca foi a principal causadora disso, especialmente nas áreas alagadas mais sensíveis. Os povos indígenas seguem usando suas técnicas tradicionais, mas agora fatores externos estão colocando em risco o equilíbrio socioambiental do Xingu”, explica Paulo Brando.

As mudanças climáticas estão secando as florestas, tornando-as mais suscetíveis a queimadas que escapam das práticas de manejo. Outro fator que impulsiona a degradação no território é o crescimento populacional. As comunidades indígenas estão se tornando menos nômades e as populações das aldeias estão aumentando, aumentando a área de floresta usada para subsistência. A degradação foi maior nas áreas próximas às aldeias.

“A forma como os indígenas lidam com o fogo permaneceu a mesma, mas agora temos um clima diferente. Os povos indígenas estão nessas regiões há muitas décadas ou séculos. E todo esse tempo eles utilizaram técnicas de manejo de fogo para produzir alimentos que geralmente não terminam nesses grandes incêndios florestais”, destaca o Dr. Divino Silvério.

O que isso significa para o manejo de fogo dos povos indígena?

A mudança climática forçará as comunidades indígenas que vivem na reserva a adaptar as práticas tradicionais para que possam proteger a floresta contra incêndios mais frequentes e intensos — apesar dessas comunidades não contribuírem para as emissões globais.

Tentativas anteriores de gerenciar os crescentes incêndios por meio de queimadas prescritas entraram em conflito com as necessidades dos moradores do TIX. Queimar em outra época do ano não cultiva a mesma espécie e por isso os moradores temiam que isso prejudicasse o crescimento de plantas usadas na medicina.

Por isso, o Silvério está trabalhando com os moradores do Xingu para entender como integrar as mudanças nas práticas de manejo do fogo com as estratégias tradicionais de uma forma que atenda às necessidades da comunidade. Um exemplo, disse ele, poderia ser a mudança do material primário de construção de gramíneas (que crescem após o fogo) para palmeiras.

“Os indígenas provavelmente precisarão aprender a viver nessa nova realidade, um ambiente com mais seca e mais incêndios. Estamos tentando trabalhar de forma participativa para construir soluções com eles”, explicou.

Articulação Agro é Fogo realiza Audiência Pública para denunciar a devastação dos incêndios no Cerrado, Amazônia e Pantanal

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Lutar pelo futuro passa por barrar o avanço dos incêndios e toda a devastação do agronegócio que atinge, principalmente, os povos e comunidades tradicionais. Essa pauta será debatida durante a Audiência Pública da Articulação Agro é Fogo e da Comissão Externa de Queimadas em Biomas Brasileiros, coordenado pela Deputada Professora Rosa Neide, na Câmara dos deputados, no próximo dia 19 de maio às 14h (horário de Brasília). O momento será no formato híbrido, presencialmente no Anexo II — Plenário 7 da Câmara dos deputados, pelo zoom e com transmissão ao vivo pelo Youtube da TV Câmara. 

Em favor da manutenção da sociobiodiversidade da Amazônia, Cerrado e Pantanal, será apresentado, junto a representantes das comunidades, a nota técnica, elaborada em parceria com o Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA), pautado nos casos apresentados no Dossiê Agro é Fogo

Já temos a presença confirmada de Claudia Sala de Pinho, da Rede de comunidades tradicionais Pantaneiras (MS); Leonida Aires, Liderança da Comunidade Barra de São Lourenço (MS); Davi Krahô, Liderança Indígena do povo Krahô (TO); Leandro dos Santos, Liderança da comunidade quilombola Cocalinho (MA); Isolete Wichinieski, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Eliane Martins, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). 

O fogo continua 

Estamos chegando na estiagem com grande quantidade de focos de incêndios e isso requer atenção do poder público. Conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), até a metade de maio deste ano mais de 4 mil focos de incêndios foram contabilizados só no Cerrado, isso significa 20% a mais do que o mesmo período ano passado; Na Amazônia, já a são mais de 3.500 focos e no Pantanal os focos já são maiores do que toda a quantidade do ano passado.

O Dossiê Agro é Fogo, que se encaminha para sua terceira fase, afirma que os problemas e descontrole de incêndios no campo são orquestrados para o avanço do agronegócio. O documento reúne discussões e relatos de conflitos que denunciam um processo sistemático de avanço do agronegócio e suas interfaces, por incêndios, intimidação, destruição de propriedades, bens ou recursos dos modos de sobrevivência e de produção das comunidades, permeando a grilagem, garimpo, agrotóxicos e desmatamento.

Além disso, entre outras graves consequências desse processo de devastação, que impacta tanto o campo quanto a cidade, também é fruto dessa violência o aumento da fome, da insegurança alimentar, frente às commodities de monocultura que cresceram nos últimos dois anos de pandemia, como bem expõe o artigo do pesquisador Sílvio Isoppo Porto e da pesquisadora Diana Aguiar.

Por outro lado, o Dossiê Agro é Fogo ressalta os anúncios dos povos e comunidades tradicionais que, apesar de tudo, resistem para permanecer, com vida digna, em seus territórios. Nesse sentido, brigadas indígenas junto a Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) são uma das formas de organização coletiva para combate e, principalmente, realizar a prevenção do fogo.

Com a sabedoria ancestral a respeito do fogo, as brigadas funcionam promovendo a educação ambiental, treinamento e conscientização para a comunidade em situações de incêndios. Importante ressaltar que são brigadas formadas também por mulheres indígenas que, aliadas ao treinamento da PrevFogo, “acalmam” o fogo e evitam o avanço da morte sobre suas comunidades.

De acordo com investigação realizada pelo Ministério Público Federal (MPF) e publicação do El País, incêndios e desmatamento na Amazônia podem ser estratégia para negócios milionários. Uma área de mil hectares incendiada vale um milhão de reais no mercado ilegal. A devastação de 2019, no chamado Dia do Fogo, na Amazônia e no Pantanal, está calculada em vinte milhões de reais que, pelo que apontam os indícios, tem a participação de grupos criminosos.

Além disso, conforme matéria do Repórter Brasil, um dos locais mais atingidos no Dia do Fogo, foi o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Terra Nossa onde, devido a invasão de fazendeiros e inoperância do Estado, atualmente são áreas repletas de monocultura. Tal cultivo contraria a finalidade da terra destinada à reforma agrária e que ainda está em processo de regulamentação pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Um ano depois do evento, apenas 5% dos responsáveis pelo ocorrido foram punidos, segundo levantamento do Greenpeace Brasil.

Guardar a sociobiodiversidade é manter as comunidades em seus territórios 

“Tem muita gente aqui com problema respiratório, teve gente que desmaiou, eu mesma estou com problema, até hoje tenho uma coceira no corpo, outras pessoas também têm, não sei o que pode ser. E já a gente tem que fazer exames pra saber e teve gente que ficou ruim, várias pessoas desmaiaram devido à fumaça, à cinza”, relata Leonida Aires, da Comunidade Pantaneira Barra de São Lourenço. 

Um dos casos a ser apresentado na Audiência Pública será o da Comunidade Pantaneira Barra de São Lourenço, que sofreu e sofre as consequências intensas dos incêndios do agronegócio. O caso foi relatado no DOSSIÊ AGRO É FOGO por Claudia Sala de Pinho, coordenadora regional da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras. 

Os incêndios florestais no Pantanal brasileiro já vinham fazendo estragos em anos anteriores a 2020 e suas cicatrizes não cessaram depois desse ano trágico. A comunidade, que perdeu uma criança durante tais acontecimentos, ainda reúne forças para sobreviver ao desmatamento, aos agrotóxicos, à falta de qualidade da água, a falta de saúde física e mental, e até de direito à terra, pois é um território em processo de demarcação para ser reconhecido como Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS). 

Segundo levantamento, os conflitos por terra envolvendo o fogo (2021) concentram 47% nas áreas do Cerrado e suas transições, na Amazônia contabilizam 25% e no Pantanal 6% do total. Somado a isso, no ano de 2021, foram 37 mil famílias afetadas pelo uso do fogo como arma nos conflitos no campo. Além disso, os incêndios destroem não só o componente material, mas, principalmente, afeta o sagrado e os saberes dos povos, isso se mostra em relação às casas de reza, violência que já envolveu quase 6 mil famílias no Brasil. 

Dados da Agro é Fogo e CEDOC-CPT, reafirmam a relação dos incêndios quando o assunto são os conflitos por terra. É possível perceber que as regiões que sofrem com desmatamento, grilagem e o sistema agro-minerador são as mesmas atingidas, de alguma forma, pelo fogo criminoso, que ameaça a sociobiodiversidade, a vida, e avança violentamente devastando por onde passa. 

Ouça o alerta que vem dos povos!

Serviço

Dia 19 de maio

Horário: 14h (horário de Brasília)

Local: Anexo II — Plenário 7 — Câmara dos deputados

Youtube: TV Câmara

Entrar na reunião Zoom 

O Departamento de Comissões está convidando você para uma reunião Zoom agendada.

ID da reunião: 878 7004 0824

Senha de acesso: 907272

Fogo já impactou 90% das espécies de animais e plantas da Amazônia

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Em quase duas décadas, 90% das espécies de animais e plantas da Amazônia já foram impactadas por incêndios. É o que mostra estudo publicado na revista “Nature” na quarta (1/09) de pesquisadores da Universidade do Arizona, com participação de pesquisadores brasileiros da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), com apoio do Instituto Serrapilheira.

O estudo buscou identificar quanto da distribuição das espécies da Amazônia brasileira foi atingida pelos incêndios florestais entre os anos de 2001 e 2019.  Por meio de imagens de satélites, os pesquisadores mapearam o fogo e sobrepuseram essas imagens com mapas que mostram as áreas de ocorrência de 11.514 espécies de plantas e 3.079 espécies de animais, a fim de quantificar a extensão da área impactada para cada espécie. Para algumas espécies, mais de 60% da área original sofreu impacto dos incêndios nesse período de quase 20 anos.

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Visão geral da riqueza de espécies de plantas e vertebrados e impactadas pelo fogo floresta na Bacia Amazônica.a, b, Mapa de riqueza de planta (a) e vertebrado (b) espécies na Bacia Amazônica. c, área queimada MODIS (reamostrada para 10 km) mostra floresta impactada pelo fogo, com preto representando áreas não florestais mascaradas fora deste estudo. Barra de escala, 500 km. d – f, exemplos de três espécies, Allantoma kuhlmannii (d) (status IUCN: criticamente em perigo), Opisthocomus hoazin (hoatzin) (e) (status IUCN: menos preocupação) e Ateles marginatus (macaco-aranha de bochechas brancas) (f) (status da IUCN: em perigo), que são estimado em 36,7–37,7%, 1,8–2,6% e 4,1–5,9% de sua área amazônica extensão da floresta impactada, respectivamente. Créditos da fotografia: d, adaptado de The New York Botanical Garden Herbarium sob uma licença CC BY 4.0 (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/); e, Mathias M. Pires; f, adaptado de Rich Hoyer sob uma licença CC BY 2.0 (https: // creativecommons. org / licenças / por / 2.0 /).

Nas análises, Mathias Pires, pesquisador da Unicamp e um dos autores, identificou a ocorrência do fogo em áreas bem mais centrais da Amazônia nos últimos anos e não só naquelas que estão nos limites do bioma, que são áreas mais propensas a incêndios devido ao clima mais seco. No primeiro caso, as queimadas são causadas pela ação humana para transformar a floresta em pasto para gado.

Além de causar a morte de animais, o fogo também transforma o habitat das espécies, comenta Pires. “As plantas amazônicas não têm adaptações ao fogo como as plantas do Cerrado, por exemplo, e geralmente morrem após a passagem do fogo, transformando a floresta fechada em ambientes abertos”. O pesquisador afirma que as mudanças climáticas tornarão essa região mais seca, favorecendo ainda mais o aparecimento de incêndios.

Os ciclos do fogo na Amazônia

O estudo identificou, também, três grandes ciclos de incêndio na Amazônia, que se relacionam com os momentos políticos do país: até 2008, os incêndios eram mais frequentes e impactavam uma área bem maior; já entre 2009 e 2018, com as políticas de controle de desmatamento, mesmo com o tempo seco, conseguiu-se evitar os incêndios. Em 2019 houve um impacto do fogo maior do que esperado, o que coincide com o relaxamento de aplicação dessas políticas pelo governo.

“Nosso estudo destaca uma conexão muito estreita entre a política brasileira, o desmatamento e as queimadas na Amazônia”, comenta o pesquisador da UFMG Danilo Neves, co-autor da pesquisa. Para reverter essa situação, seria preciso investir na fiscalização e monitoramento das queimadas na região. “Caso contrário, mais espécies serão impactadas e ecossistemas inteiros entrarão em colapso”, alerta.

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Este material foi originalmente publicado pela Agência Bori [Aqui!].

Nova série do MapBiomas revela que quase 20% do território brasileiro pegou fogo ao menos uma vez entre 1985 e 2020

Iniciativa pioneira de mapeamento histórico das cicatrizes do fogo no Brasil gera o mais abrangente banco de dados sobre áreas queimadas e incêndios florestais do País, com dados inéditos – e preocupantes
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Incêndio queima cerca de mil hectares no Parque Nacional de Chapada dos Guimarães | Mato Grosso
Uma casa que pega fogo todos os anos: esse é o retrato do Brasil obtido pelo MapBiomas após analisar imagens de satélite entre 1985 e 2020 para entender o impacto do fogo sobre o território nacional. Na média, em cada um desses 36 anos, o Brasil queimou uma área maior que a Inglaterra: foram 150.957 km² por ano, ou 1,8% do país. O acumulado do período chega a praticamente um quinto do território nacional: 1.672.142 km², ou 19,6% do Brasil.

“Analisar as cicatrizes do fogo ao longo do tempo permite entender as mudanças no regime de fogo e seu avanço sobre o território brasileiro”, destaca Ane Alencar, Coordenadora do MapBiomas Fogo.

Quase dois terços (65%) do fogo ocorreram em áreas de vegetação nativa, sendo que os biomas Cerrado e Amazônia concentram 85% de toda a área queimada pelo menos uma vez no país. No caso do Cerrado, a área queimada por ano desde 1985 equivale a 45 vezes a área do município de São Paulo.

“Um dado preocupante é que cerca de 61% das áreas afetadas pelo fogo entre 1985 e 2020 foram queimadas duas vezes ou mais, ou seja, não estamos falando de eventos isolados. No caso da Amazônia, 69% do bioma queimou mais de uma vez no período, sendo que 48% queimou mais de três vezes”, ressalta.

Os estados com maior ocorrência de fogo foram Mato Grosso, Pará e Tocantins. Formações savânicas foram o tipo de vegetação nativa com mais ocorrência de fogo; pastagens foram o tipo de uso antrópico com mais ocorrência de fogo.

Embora os grandes picos de área queimada no Brasil tenham ocorrido principalmente em anos impactados por eventos de seca extrema (1987, 1988, 1993, 1998, 1999, 2007, 2010, 2017), altas taxas de desmatamento principalmente na Amazônia e antes de 2005 e depois de 2019 tiveram um grande impacto no aumento da área queimada nesses períodos. A estação seca, entre julho e outubro, concentra 83% da ocorrência de queimadas e incêndios florestais.

A análise por bioma mostra que o Pantanal é o que mais queimou nos últimos 36 anos: 57% de seu território foi queimado pelo menos uma vez no período, ou 86.403 km². Ele é seguido pelo Cerrado (733.851 km², 36%) e pela Amazônia (690.028 km², 16,4%). “O caso da Amazônia é preocupante. Os dados do MapBiomas Fogo revelam que as florestas do bioma têm queimado em grandes proporções e alta frequência, o que não é esperado em um bioma que não é naturalmente adaptado ao fogo”, explica Ane Alencar.

Na média anual, o bioma Cerrado assume a liderança, com 67.833 km²/ano – mais que a Amazônia, cuja média ficou em 64.955 km²/ano. ” O Cerrado é um bioma com vegetação o nativa onde o fogo faz parte de sua ecologia”, explica Vera Arruda, da equipe do MapBiomas Fogo responsável pelo mapeamento do Cerrado. “Entretanto a extensão e frequência da área queimada no bioma nas últimas quase quatro décadas revela que algo está errado com o regime de fogo no bioma”, ressalta.

No bioma Pantanal é possível identificar os anos de 1999 e 2020 com os recordes de áreas queimadas. Foram anos secos e de grande acúmulo de biomassa. “O Pantanal tem uma vegetação adaptada ao fogo, mas em regime de frequência muito grande, ele torna-se prejudicial à biodiversidade de flora e fauna. O combate ao fogo no Pantanal é especialmente desafiador, portanto, ações de manejo integrado e preventivo do fogo, devem ser discutidas para proteção do bioma”, explica Eduardo Rosa, do MapBiomas.

No caso da Mata Atlântica, os meses de agosto, setembro e outubro constituem o período em que mais ocorrem queimadas, sendo que mais de 80% das queimadas ocorreram em áreas agropecuárias ou campestres, “É possível observar uma queda após 2004, quando começam a entrar em vigor leis para regulamentar a queimada em lavouras”, explica Marcos Rosa, Coordenador da equipe do MapBiomas Fogo responsável pelo mapeamento da Mata Atlântica.

Para chegar a esses números, inéditos, a equipe do MapBiomas processou mais de 150 mil imagens geradas pelos satélites Landsat 5, 7 e 8 de 1985 a 2020. Com a ajuda de inteligência artificial, foi analisada a área queimada em cada pixel de 30 m X 30 m dos mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados do território brasileiro ao longo dos 36 anos entre 1985 e 2020, em todos os tipos de uso e cobertura da terra. Ao todo, foram 108 terabytes de imagens processadas, revelando áreas, anos e meses de maior e menor incidência do fogo. O método também permite identificar a área queimada em cada mês em todo o período, bem como o tipo de uso e cobertura do solo que queimou.

Os dados de áreas queimadas e incêndios florestais estão disponibilizados em mapas e estatísticas anual, mensal e acumulada em para qualquer período entre 1985 e 2020 na plataforma https://mapbiomas.org/, aberta a todos. Ela também inclui dados de frequência de fogo, indicando as áreas mais afetadas nos últimos 36 anos. A resolução é de 30 m, com indicação do tipo de cobertura e uso do solo que queimou, permitindo recortes territoriais e fundiários por bioma, estado, município, bacia hidrográfica, unidade de conservação, terra indígena, assentamentos e áreas com CAR.

Sobre MapBiomas: iniciativa multi-institucional, que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia, focada em monitorar as transformações na cobertura e no uso da terra no Brasil. Esta plataforma é hoje a mais completa, atualizada e detalhada base de dados espaciais de uso da terra em um país disponível no mundo. Todos os dados, mapas, método e códigos do MapBiomas são disponibilizados de forma pública e gratuita no site da iniciativa: mapbiomas.org

É Fogo – Dados e perspectivas para a cobertura das queimadas no Brasil

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Greenpeace e LASA (Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da UFRJ) abrem inscrições para o webinar de preparação para cobertura da temporada de fogo na Amazônia

A temporada de seca no Brasil traz com ela o aumento das queimadas, a maioria delas criminosas, e uma série de impactos ambientais, sociais e econômicos que afetam não só as pessoas e o país, mas o mundo.

Mas qual a diferença entre os incêndios na Califórnia, no Cerrado ou na Amazônia? Tudo é culpa das mudanças climáticas? Como é feito o monitoramento do fogo e como interpretar os dados das imagens de satélite? Para os jornalistas, como lidar com a guerra de narrativas e a desinformação promovida até mesmo pelo poder público?

Estas são algumas perguntas que iremos responder no webinar “É Fogo – Dados e perspectivas para a cobertura das queimadas no Brasil”, realizado pelo Greenpeace em parceria com o LASA – Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da UFRJ, nos dias 28 e 29 de julho, das 9h às 12h30.

As inscrições são gratuitas, inscreva-se AQUI e participe!

Estudo do Insper constata relação entre discurso na internet e ‘dia do fogo’ na Amazônia

Aumento da procura por termos precedeu série de incêndios em agosto de 2019

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Por Insper – Assessoria de imprensa 

A drástica elevação de queimadas na Amazônia Legal, em agosto de 2019, foi precedida por um aumento de buscas na internet por termos relacionados a ataques do presidente do Brasil a nações estrangeiras que financiam a proteção da floresta tropical brasileira.

Em torno do episódio que ficou conhecido como “dia do fogo”, em 11 de agosto de 2019, na Amazônia brasileira, o pesquisador Marco Antonio Leonel Caetano indagou se a celeuma despertada por Jair Bolsonaro ao criticar Alemanha e Noruega, doadoras do Fundo Amazônia de proteção à floresta, pode ter servido de incentivo a ações incendiárias naquele período.

Variações súbitas no interesse de internautas por certos assuntos, detectadas por ferramentas como o Google Trends , têm sido exploradas na investigação acadêmica para projetar acontecimentos e comportamentos em saúde , eleições e nos mercados financeiro , de trabalho e consumidor , entre outros.

Para tanto, o professor do Insper avaliou como evoluíram as buscas no Google pelos termos “Alemanha”, “Noruega” e “fogo + Amazônia”, de um lado, e os alertas diários de novos focos de incêndio na região informados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) naquele período, do outro.

Sua pesquisa incluiu registros do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Os do primeiro mostravam a ocorrência de chuvas em Altamira e Belém, no Pará, Manaus e Lábrea, no Amazonas, e Rio Branco, no Acre, todas cidades que fazem parte da região conhecida como Amazônia Legal. Já os do segundo se referiam ao orçamento do órgão e à fiscalização e punição relacionadas a incêndios ilegais.

Ao todo, os pontos de dados analisados e processados somaram mais de 3 milhões.

A fim de amortecer o peso de sazonalidades, como fenômenos climáticos, nos incêndios florestais e focalizar os ciclos da política, foram utilizadas a mediana -valor que divide as observações em duas metades iguais- e as volatilidades com o desvio padrão, que cria bandas de confianças de previsão ao longo dos anos, do quadriênio encerrado no ano de interesse, além de leituras auxiliares que permitem enxergar a dispersão dos dados.

Por esse método, o estudo constatou uma tendência de queda nos incêndios florestais na Amazônia Legal de 2010 até 2013, seguida, a partir de 2015, de um movimento de alta. Considerados apenas os meses de agosto, a mediana de queimadas no quadriênio 2016-2019 superou em 87% o que foi registrado no período 2012-2015.

O argumento da gestão Bolsonaro de que um período excepcional de seca teria contribuído para o surto de queimadas do segundo semestre de 2019 não se comprovou no estudo de Caetano. Por meio da análise de variância (Anova), técnica estatística que permite concluir se três ou mais grupos de observações diferem significativamente entre si, o pesquisador não detectou contraste entre os níveis pluviométricos do Inmet de julho e agosto ao longo dos anos de 2017, 2018 e 2019.

Outra técnica estatística, a correlação cruzada, foi empregada na pesquisa para testar a força e a dilação temporal entre as buscas na internet pelos termos de interesse e a eclosão de focos de queimada na Amazônia Legal.

Para a expressão “Alemanha”, a análise constatou correlação de 55,7% com defasagem temporal de sete dias -resultados acima de 50% indicam uma forte tendência de ligação entre os acontecimentos observados. A curva de queimadas acompanhou mais intensamente a de buscas com uma semana de atraso.

O resultado é compatível com a diferença de dias entre os ataques de Bolsonaro à Alemanha e à sua chanceler, Angela Merkel, concentrados de 2 a 9 de agosto, e o “dia do fogo” (11) -explosão de queimadas supostamente conduzidas por apoiadores do presidente brasileiro como demonstração de força. A alta de incêndios na Amazônia Legal entre os dias 4 e 11 de agosto foi de 73%.

Verificou-se correlação maior, de 72,87%, nas buscas por “Alemanha” e “Altamira+fogo+BR163”. O interesse relacionado à cidade paraense ganhou força em 3 de agosto de 2019, embora a localidade ainda não estivesse em destaque na imprensa em razão das queimadas. A procura voltaria a se intensificar nos dias 9 e 10. Apenas no dia 11 a região acumularia seu maior número de focos de incêndio.

Segundo Caetano, os dados indicam, com 95% de confiança, que a troca de palavras sobre a Alemanha e o Brasil incentivou os episódios que culminariam no “dia do fogo”.

O desaparelhamento da fiscalização na Amazônia sai reforçado do estudo como hipótese para explicar a elevação das queimadas ilegais nos últimos anos. Enquanto os focos de incêndio na região crescem desde 2015, as autuações por queimadas ilegais feitas pelo Ibama, a autoridade ambiental federal, marcham na contramão.

Sobre o Insper

O Insper é uma instituição independente e sem fins lucrativos, que busca ser referência em educação e geração de conhecimento por meio do ensino de excelência e pesquisas nas áreas de Administração, Economia, Direito, Engenharia, Políticas Públicas e Comunicação. No portfólio, cursos para várias etapas de uma trajetória profissional: graduação (Administração, Economia e Engenharias), pós-graduação lato e stricto sensu (Certificates, MBAs, programas da área de Direito, Mestrados Profissionais e Doutorado) e Educação Executiva (programas de curta e média duração, e customizados de acordo com as necessidades das empresas). No âmbito da produção de conhecimento, o Insper atua por meio de cátedras e centros de pesquisa que reúnem pesquisadores em estudos e projetos dirigidos a políticas públicas, agronegócio, educação, inovação, finanças e gestão. Tem as certificações de qualidade da Association to Advance Collegiate Schools of Business (AACSB), Association of MBAs (AMBA) e Associação Nacional de MBA (Anamba).

Estudo mostra que a degradação florestal supera o desmatamento na Amazônia brasileira

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  • As taxas de desmatamento na Amazônia brasileira diminuíram e permaneceram abaixo de seu pico de 2003, apesar dos aumentos recentes. No entanto, esse declínio foi compensado por uma tendência de aumento da degradação florestal, de acordo com uma análise de 23 anos de dados de satélite. Em 2014, a taxa de degradação ultrapassou o desmatamento, impulsionada pelo aumento da extração de madeira e queimadas no sub-bosque.
  • Durante o período de estudo de 1992-2014, 337.427 quilômetros quadrados sofreram perda de vegetação, em comparação com 308.311 quilômetros quadrados completamente desmatados, uma descoberta que tem sérias implicações para as emissões globais de gases de efeito estufa e perda de biodiversidade.
  • A degradação florestal tem sido associada a surtos de doenças infecciosas como resultado do aumento do contato entre humanos e vida selvagem deslocada. A degradação também pode facilitar o surgimento de novas doenças e alguns especialistas alertam que a Amazônia pode ser a fonte da próxima pandemia.
  • Essas descobertas podem ter implicações importantes para os compromissos nacionais brasileiros com o Acordo do Clima de Paris, bem como acordos e iniciativas internacionais como as Metas de Biodiversidade de Aichi e REDD +, que dependem do monitoramento da degradação florestal.

deltaEstudo recente analisou mais de 1.200 imagens de satélite para mapear a degradação florestal em toda a Amazônia brasileira. Imagem da europeanspaceagency em Visualhunt / CC BY-SA.

Por Claire Asher para Mongabay

A área total da floresta amazônica brasileira que foi degradada – por corte seletivo, queima de sub-bosque, bordas de floresta e fragmentação – é maior do que a área total desmatada, de acordo com um estudo recente publicado na revista Science .

Durante o período de estudo de 1992-2014, 337.427 quilômetros quadrados (130.000 milhas quadradas) sofreram uma perda de vegetação, em comparação com 308.311 quilômetros quadrados (119.000 milhas quadradas) que foram completamente desmatados para madeira ou pastagens, uma descoberta que tem sérias implicações para o efeito estufa global emissões de gases e perda de biodiversidade.

Eraldo Matricardi da Universidade de Brasília e David Skole da Michigan State University lideraram uma equipe internacional de pesquisadores na análise de 23 anos de dados de satélite cobrindo toda a Amazônia brasileira para mapear áreas de desmatamento e degradação. Eles analisaram os espectros de luz em cada pixel de 1.200 imagens do satélite Landsat, cada uma representando 30 metros (98 pés) quadrados de floresta, para determinar a proporção de vegetação verde e, portanto, a extensão da degradação.

“A luz refletida em qualquer pixel é a combinação de luz do solo nu, vegetação fotossintética e vegetação não fotossintética [como] os caules e galhos das árvores”, explicou Skole. Estimar a fração de vegetação verde em cada pixel permitiu à equipe visualizar a degradação florestal em grande escala. A equipe mapeou a degradação causada como uma consequência direta do desmatamento (como efeitos de borda e fragmentação), bem como degradação florestal indireta (como corte seletivo e queimadas no sub-bosque) e conversão completa da terra para madeira, pastagens, terras agrícolas ou outras atividades humanas.

Os pesquisadores usaram imagens de satélite para mapear áreas de floresta intacta, terras desmatadas e florestas degradadas em toda a Amazônia brasileira. Imagem de Jay Samek.

A análise confirmou que as taxas de desmatamento diminuíram de um pico de 29.000 km2 (11.000 milhas quadradas) por ano em 2003 para 6.000 km2 (2.300 milhas quadradas) por ano até 2014.

No entanto, esse declínio do desmatamento foi compensado por uma tendência de aumento da degradação florestal e, em 2014, a taxa de degradação ultrapassou o desmatamento – em grande parte impulsionada por um aumento na extração de madeira e queimadas no sub-bosque. Durante o período de estudo de 23 anos, por exemplo, a taxa anual de corte seletivo aumentou 270%.

Cerca de 40% da degradação florestal foi causada pela extração intensiva de madeira e queimadas no sub-bosque, enquanto 60% resultou de efeitos de borda e fragmentação florestal. No entanto, o crescimento das bordas e fragmentos diminuiu ao longo do tempo com a diminuição das taxas de desmatamento e conforme bolsões isolados de desmatamento se fundiram, reduzindo o tamanho das margens da floresta e engolindo fragmentos de floresta.

A degradação da floresta por incêndios e extração seletiva foi persistente na paisagem por longos períodos de tempo, ao invés de ser substituída por outras formas de degradação ou desmatamento completo. “A área afetada pela degradação é de 10% da área total da Amazônia e, ao contrário do senso comum, uma parte considerável dessa degradação não levou ao desmatamento total”, disse Marcos Pedlowski, da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro em Brasil, coautor do estudo.

Os dados também revelaram uma grande mudança geográfica na perturbação florestal – a extração seletiva está se movendo para o oeste, longe do “arco do desmatamento” histórico nos estados do Pará, Mato Grosso e Rondônia no leste da Amazônia. Esta mudança parece não ser “afetada por políticas, regulamentos ou mitigação e, portanto, é provável que apenas aumente em importância”, disse Skole.

Ao analisar as propriedades espectrais de cada imagem de satélite, a equipe conseguiu calcular a porcentagem de vegetação verde em cada pixel, revelando uma degradação florestal que geralmente é extremamente difícil de detectar. Imagem de Jay Samek.

Peça faltando no quebra-cabeça

Acordos e iniciativas internacionais contam não apenas com o monitoramento do desmatamento, mas também da degradação florestal. Portanto, os resultados do novo estudo podem ter grande significado para as Metas de Biodiversidade de Aichi da Convenção sobre Diversidade Biológica, para o programa de compensação de carbono da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD +) e para o Desafio de Bonn da IUCN.

“Simplesmente de um ponto de vista de monitoramento, relatório e verificação, os requisitos e compromissos de relatórios brasileiros … com relação a REDD + significariam que eles teriam que começar a levar em consideração a degradação”, disse Skole.

As descobertas também podem ter implicações importantes para a contagem das emissões globais de gases de efeito estufa e os compromissos nacionais do Brasil com o Acordo do Clima de Paris. “As florestas da Amazônia brasileira armazenam aproximadamente 25% do carbono contido acima do solo em todas as florestas tropicais do mundo, tornando seu papel no ciclo global do carbono e na regulação do clima inquestionavelmente significativo”, disse Wayne Walker, Diretor do Programa de Carbono da Woodwell Climate Research Center (anteriormente Woods Hole Research Center em Maine, EUA), que não estava envolvido no estudo.

“Esses resultados, que são amplamente consistentes com nossas próprias descobertas, fornecem mais uma confirmação de que o foco histórico no Brasil no monitoramento do desmatamento resultou em uma subestimação significativa das emissões de carbono florestal”, acrescentou Walker. Ele acredita que “proteger as florestas intactas da degradação e, ao mesmo tempo, estimular a recuperação das florestas degradadas deve ser um componente fundamental de qualquer estratégia nacional abrangente de mitigação do clima”.

Pedlowski alerta que “a situação atual provavelmente é pior do que mostramos em nosso trabalho [que só analisou a degradação florestal até 2014], principalmente pelo maior número de incêndios ocorridos em 2019 e 2020, e como mostramos o fogo é um fator significativo de degradação florestal. ”

A extração seletiva, que remove árvores específicas para obtenção de madeira sem derrubar toda a floresta, é uma forma de degradação florestal detectada. Imagem de David Skole.
Os incêndios no sub-bosque são uma forma de degradação florestal indireta, que tende a ocorrer independentemente do desmatamento. Esses incêndios podem ser provocados acidentalmente ou por queimadas rotineiras de pastagens, embora também possam ser causados ​​por grilagem de terras. Os incêndios florestais no Brasil têm aumentado em frequência e severidade nos últimos anos, associados a condições mais quentes e secas devido às mudanças climáticas. Imagem de David Skole.

Empurrando a Amazônia para mais perto de seu ponto de inflexão

A degradação da floresta, além de ser um fator-chave nas emissões de carbono, também foi associada a mudanças na ciclagem de água e nutrientes que, segundo especialistas, podem levar a Amazônia a um ponto de inflexão ecológica de floresta tropical a savana degradada .

Somando a degradação florestal mapeada neste estudo à equação, “o limite para o chamado ponto de inflexão está muito mais próximo do que a comunidade científica estimou até agora”, disse Pedlowski. “Se quisermos evitar [o ponto de inflexão], controlar a degradação florestal será tão importante quanto controlar o desmatamento.”

A degradação florestal também tem sido associada a surtos mais frequentes de doenças infecciosas , resultantes do aumento do contato entre humanos e vida selvagem deslocada. Por exemplo, um estudo do ano passado descobriu que um aumento de 10% no desmatamento na Amazônia brasileira estava relacionado a um aumento de 3,3%nos casos de malária . “Todo mundo sabe há muito tempo a influência da degradação e fragmentação florestal em coisas como a malária”, disse Skole.

Além disso, o aumento do contato entre humanos e animais selvagens pode levar ao surgimento de novas doenças infecciosas, levando alguns especialistas a alertar que a Amazônia pode ser a fonte da próxima pandemia global .

Um dossel de floresta fechada no Brasil antes da extração seletiva (imagem superior) e após a extração seletiva (imagem inferior). Imagem de Eraldo Matricardi.

Destruição negligenciada

Apesar dos impactos generalizados e potencialmente terríveis sobre o clima, a biodiversidade e a saúde pública, a degradação das florestas amazônicas tem sido historicamente negligenciada por políticos, ativistas e até cientistas, em parte porque é muito mais difícil de detectar do que o desmatamento em massa. “A degradação florestal é particularmente difícil de estimar e não se pode gerenciar o que não se pode medir”, disse Walker.

“Por muito tempo até mesmo a comunidade científica não estava realmente olhando para a degradação com força suficiente do ponto de vista quantitativo do monitoramento”, concordou Skole. A nova análise fornece uma linha de base para o monitoramento de longo prazo da degradação florestal que pode informar a política nacional brasileira e permitir o rastreamento do progresso em direção às metas internacionais de clima e biodiversidade.

No entanto, Pedlowski adverte que a atual abordagem de “mãos livres” do governo brasileiro sob o presidente Jair Bolsonaro transformou a Amazônia em um “oeste selvagem”, o que pode levar a um desmatamento e degradação muito mais severos.

Para evitar esse potencial desastre ecológico, “o primeiro passo é restabelecer as ferramentas de comando e controle que foram desmanteladas pelo governo Bolsonaro, e impedir o enfraquecimento de órgãos importantes como o IBAMA [órgão de proteção ambiental do Brasil], o ICMBio [seu administrador de parques nacionais] e o INPE [instituição para assuntos indígenas] ”, disse Pedlowski.

As agências ambientais brasileiras estão sujeitas a desinvestimentos e desregulamentação sob a direção de ex-oficiais da polícia militar recém-instalados, trazidos pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e outros. “Sem essas agências funcionando corretamente … não há como conter o avanço do desmatamento e da degradação da Amazônia brasileira”, acrescentou.

Pedlowski diz que conservar a Amazônia exigirá uma mudança na mentalidade do Brasil, longe da visão de que proteger e restaurar florestas é um entrave ao progresso econômico, quando na verdade o oposto é verdadeiro. “Quando queimamos um único metro de floresta amazônica, desperdiçamos uma quantidade incrível de riquezas”, alertou.

Citação:

Matricardi, EAT, Skole, DL, Costa, OB, Pedlowski, MA, Samek, JH, & Miguel, EP (2020). A degradação florestal de longo prazo supera o desmatamento na Amazônia brasileira . Science ,  369 (6509), 1378-1382.

Imagem do banner : Florestas desmatadas por exploração madeireira são claramente visíveis em imagens de satélite, mas a perda de vegetação nas bordas da floresta e abaixo do dossel pode se estender por centenas de metros, ou até mais longe, na floresta circundante. Imagem de  quapan  em  Visual Hunt  /  CC BY.

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Este artigo foi inicialmente escrito em inglês e publicado pela Mongabay [Aqui!].

Descaso no Pantanal e Amazônia ameaça negócios do Brasil enquanto Governo se isenta de responsabilidade

Carta assinada por oito países alerta para dificuldade crescente em manter negócios com o país e empresas de agronegócios se unem a ONGs para cobrar ações contra desmatamento amazônico

onça águaUma onça ferida nos incêndios do Pantanal repousa na beira de um riacho no Parque Nacional Encontro das Águas, no Mato Grosso, que já teve mais de 60% de sua área destruída pelo fogo.MAURO PIMENTEL / AFP

Por Afonso Benites para o El País

Enquanto o Pantanal queima e a Amazônia registra índices de degradação cada vez maiores, o Brasil sofre a ameaça de ficar para escanteio na economia. Além dos alertas já emitidos por fundos de investimentos e bancos brasileiros e da ameaça de que o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul não se conclua, nesta terça (15) o vice-presidente Hamilton Mourão recebeu uma carta assinada pelos embaixadores de oito países europeus – Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Holanda, Noruega, Dinamarca e Bélgica. O recado da carta é claro: enquanto a questão do desmatamento e da preservação são foco dos governo e das empresas do continente, o “Brasil está tornando cada vez mais difícil para empresas e investidores atender a seus critérios ambientais, sociais e de governança”.

A pressão internacional se soma a uma inédita reação de mais de 200 organizações, entre ONGs, empresas de agronegócio e do setor financeiro, que enviaram um recado ao Governo nesta terça cobrando medidas para reduzir o desmatamento na Amazônia. “Não somente pelo avanço das perdas socioambientais envolvidas, mas também pela ameaça que a destruição florestal na região impõe às questões econômicas nacionais. Há uma clara e crescente preocupação de diversos setores da sociedade nacional e internacional com o avanço do desmatamento”, diz o texto, assinado pela chamada Coalizão Brasil Clima, Bosques e Agricultura. O grupo colocou lado a lado ONGs como a WWF, as indústrias JBS, Marfrig, além de Basf e Bayer. Entre as propostas do grupo, estão mais transparência nas ações e fiscalização nas florestas.

A pressão, porém, não tem mudado a resposta do Governo Bolsonaro apesar de fatos concretos mostrarem que a gestão está aquém da necessidade. “O comportamento que vemos na crise ambiental é um espelho da postura do governo na pandemia de COVID-19. Ele nega que seja um problema grande, nega a gravidade e alimenta a narrativa por meio de falas que não têm nenhuma substância científica”, diz Rômulo Batista, um dos porta-vozes do Greenpeace.

O vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), responsável pelo Conselho da Amazônia, descarta que o Governo esteja errando, e fala em “seletividade na divulgação dos dados” no que diz respeito ao desmatamento. “Quando o dado é negativo o cara vai lá e divulga. Quando é positivo, não divulga, entendeu?”, acusou o vice em declaração à imprensa na tarde do dia 15. Indagado sobre quem seria essa pessoa, Mourão respondeu: “Não sei, não sou diretor do INPE”. O que o vice-presidente não diz é que os dados são públicos. Basta acessar o site do INPE para saber quase em tempo real quantos focos de calor ocorreram em cada bioma.

Mourão defende que uma das saídas para combater os incêndios é manter os militares em operação constante na floresta até 2022 e decretar uma moratória do fogo, que está em vigor desde julho, uma estratégia que já foi questionada no Supremo Tribunal Federal pelo Partido Verde.

Brigadista em Porto Jofre, no Pantanal mato-grosssense, em 14 de setembro.Brigadista em Porto Jofre, no Pantanal mato-grosssense, em 14 de setembro.MAURO PIMENTEL / AFP

O vice-presidente e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, entraram em uma campanha para desacreditar os discursos de ambientalistas e seus apoiadores. Usando trechos de um vídeo do Greenpeace sem autorização, o vice-presidente diz no Twitter: “De que lado você está? De quem preserva de verdade ou de quem manipula seus sentimentos? O Brasil é o país que mais preserva suas florestas nativas no mundo. Essa é a verdade. Nós cuidamos”. O vídeo foi uma resposta a outra postagem da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. Na peça, a organização diz que a “Amazônia é o coração do Brasil. Quem coloca fogo nela é inimigo do país”. Ainda pede que em defesa da Amazônia, o presidente brasileiro deveria deixar de ser financiado.

“Discutimos hoje temas que não deveríamos estar discutindo, que já tinham sido superados. Temos de provar que o fogo existe, que os dados são fatos, e não ideologia. Temos de lutar contra lendas de que o fogo é para subsistência e de que ele foi criminoso, não provocado por um raio”, diz a diretora-adjunta do ICV, Alice Thuault.

A realidade se impõe

Enquanto o governo briga com os fatos, a realidade segue se impondo no Pantanal. A Polícia Federal deflagrou no início desta semana a Operação Matáá, que cumpriu dez mandados de busca e apreensão Mato Grosso do Sul. De acordo com a instituição, investigações apontam que o fogo na região foi provocado deliberadamente para transformar a mata nativa em pastagem para o gado. Além disso, no período atual de seca na região ― que só se encerra em novembro ―, raramente caem raios na pastagem. Por isso, há a clara sinalização de que os incêndios foram causados por interferência humana.

A impunidade aliada à política de Bolsonaro de reduzir o número de infrações são outros fatores que interferem no aumento do fogo. Mesmo com o recorde de queimadas, neste ano houve uma queda de 48% nas infrações aplicadas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul, os dois estados pantaneiros. Dados publicados pela BBC, e confirmados pelo EL PAÍS, mostram que de janeiro a 14 de setembro o Ibama aplicou 223 infrações nos dois Estados neste ano, contra 425 no mesmo período de 2019.

Ao analisar imagens de satélites do INPE e da NASA, o ICV também constatou que até agosto apenas nove pontos eram os responsáveis por 67% dos focos de incêndio em todo o Pantanal mato-grossense. Em cinco deles, é possível apontar que a propriedade onde iniciou o fogo era privada e estava registrada no cadastro ambiental rural (CAR). Ou seja, pode-se saber quem deveria estar preservando essa área e, como não o fez, poderia ser responsabilizado criminalmente. Outros três pontos eram de áreas não cadastradas. E um, em uma terra indígena. “As multas estaduais pagas no Mato Grosso é de mais ou menos 2% da quantidade de multas aplicadas. O ciclo da responsabilização não fecha. É uma impunidade que garante a continuidade dos incêndios ano após ano”, diz Thuault, do ICV.

Devastação

Em 33 dias, os incêndios no Pantanal praticamente dizimaram o Parque Estadual Encontro das Águas, na divisa entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Imagens de satélite analisadas por técnicos da ONG Instituto Centro de Vida (ICV) mostram que, no dia 9 de agosto, alguns focos de incêndio provinham apenas da parte norte do parque, conhecido ponto de ecoturismo da região. Em 13 de setembro, no entanto, o fogo já vinha de todos os lados, atingindo 85% dos seus 108.000 hectares (veja vídeo abaixo).

As chamas se tornaram rotina diante de uma clara falta de planejamento dos órgãos ambientais, principalmente da esfera federal. A avaliação foi feita ao EL PAÍS por representantes de quatro organizações da sociedade civil que atuam principalmente na área ambiental: ICV, Greenpeace, WWF e Observatório do Clima. Desde o início do ano já se sabia que a região enfrentaria a sua maior seca em quase cinco décadas, que um dos principais rios da região, o Paraguai, teriam seu fluxo diminuído consideravelmente e que a falta de atuação no principal bioma vizinho, o cerrado, teria impacto direto no Pantanal.

Ainda assim, o governo demorou quase três meses para mobilizar os brigadistas e reduziu o orçamento para o combate ao incêndio em até 48%. “Essa situação no Pantanal está se repetindo. Também tivemos uma grande catástrofe. 2019 queimou mais que nos últimos dez anos. Já era um indicativo de que era necessário planejar. Mas nada foi feito”, disse Cássio Bernardino, analista em Conservação do WWF-Brasil.

Análise da ONG Instituto Centro de Vida com base em imagens de satélite apontam que até o dia 13 de setembro de 2020, mais de 92.000 hectares haviam sido atingidos pelo fogo no Parque Estadual Encontro das Águas. Isso representa 85% da área total do parque, que tem 108 mil hectares.ICV

Até o último dia 15, o Pantanal já tinha registrado 15.453 focos de calor, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). É o maior índice da série histórica, iniciada em 1998. Mais de 15% de todo o território pantaneiro foi destruído. Na Amazônia, os números também não são nada animadores. No mesmo período, o bioma amazônico superou o total de focos registrados em todo mês de setembro de 2019. Já foram registrados 20.486 focos de incêndio, um crescimento de 86% em relação ao mesmo período do ano passado.

Queda de recursos

Uma das críticas feitas à gestão Salles- Mourão-Bolsonaro é quanto a redução dos recursos de prevenção e de fiscalização ambiental. Os dois principais órgãos federais que atuam nesta área são o Ibama e o ICMBIO. Entre 2019 e 2020, a rubrica controle de fiscalização ambiental do Ibama perdeu quase 35% de seu orçamento (caiu de 102,8 milhões de reais anuais para 66,2 milhões de reais). Já a de prevenção e controle de incêndios florestais teve queda de 16% no mesmo período, caindo de 45,9 milhões de reais anuais para 38,6 milhões. No ICMBIO, a queda proporcional foi maior. A área de fiscalização ambiental e prevenção e combate a incêndios florestais perdeu 48,6% de seu orçamento. Eram 37,1 milhões de reais em 2019. Agora, são 19 milhões de reais.

No início de 2019, a mando do presidente Bolsonaro, o ministro Salles desconstituiu o conselho do Fundo Amazônia, que geria recursos internacionais usados na área ambiental de todo país. Seus principais doadores são os governos da Noruega e da Alemanha. Hoje, há 1,5 bilhão de reais congelados em uma conta que não podem ser usados por ninguém porque não há quem administre esses recursos. “Enquanto nos deparamos com cortes no orçamento, temos dinheiro internacional parado que poderia estar sendo usado na prevenção e no combate aos incêndios”, destaca a especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, Suely Araújo.

A resposta do Governo é investir na militarização do combate aos incêndios. A operação Verde Brasil 2, comandada por Mourão, é a principal delas. Por mês ela custa cerca de 60 milhões de reais e mobiliza cerca de 4.000 militares. “Com dois meses desta operação pagamos os salários de mil fiscais do Ibama por um ano”, diz Araújo. Para ela, o problema não é, necessariamente, a falta de recursos, mas a ausência de vontade política para aplicá-los.

Nesta semana, os Governos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul decretaram estado de calamidade e situação de emergência, respectivamente. Por meio desses decretos, é possível facilitar a burocracia para o uso de recursos no combate ao fogo. Para as próxima semanas, contudo, ainda nos depararemos com as chocantes imagens de animais mortos carbonizados.

jacaré mortoUm jacaré morto por causa de incêndio próximo à rodovia Transpantaneira.MAURO PIMENTEL / AFP

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Esta reportagem foi inicialmente publicada pelo jornal El País [Aqui!].

A Amazônia degradada já é maior que a desmatada


A área de selva alterada por extração de madeira ou fogo superou a desmatada nas últimas décadas

fogo amazoniaDepois de degradadas, as porções remanescentes de floresta ficam ainda mais expostas a incêndios, como o ocorrido próximo a Novo Progresso, no Pará, em agosto passado.ANDRE PENNER / AP

Por Miguel Ángel Criado para o El País

Há florestas que deixam de sê-lo mesmo sem desaparecer. É o que adverte um grupo de cientistas sobre o estado da região amazônica. Seu amplo desmatamento é bem conhecido, mas igualmente dramática (e mais complexa de medir) é a degradação do que resta. Com dados de mais de duas décadas, os pesquisadores comprovaram que a porção de floresta empobrecida já é maior que a desaparecida.

Com base em dados de satélite reunidos desde 1992, o grupo de pesquisadores mediu o impacto humano sobre a Amazônia. O mais fácil é calcular quanto da vegetação desapareceu para que suas terras fossem destinadas a outra coisa, em sua maioria a pastagem. Segundo o estudo publicado na revista Science, entre 1992 e 2014 desapareceram 308.311 km². A curva do desmatamento foi ascendente ano após ano, até atingir o pico em 2003, quando foram perdidos 29.000 km² ―uma superfície quase equivalente à da Catalunha ou a 75% do Estado do Rio de Janeiro. Seja pela pressão internacional ou pela ação política interna, o ritmo diminuiu até o patamar dos 6.000 km² perdidos anualmente desde 2014.

Mais difícil de calcular ―e de medir as consequências― é a degradação da floresta remanescente. Entre uma vegetação intocada e outra que deu lugar a pastagens, há um amplo leque de paisagens florestais mais ou menos empobrecidos. A degradação pode assumir distintas formas: uma menor densidade de árvores, uma perda de continuidade entre florestas cada vez menores e mais isoladas ou a queima de sub-bosque, entre outras. Uma série de algoritmos considerou as variações de refletância da luz de cada paisagem para determinar o grau de alteração.

“Uma floresta degradada é aquela que foi alterada de forma significativa ou que sofreu o impacto das atividades humanas. Continua contando com um dossel arbóreo, mas com biomassa reduzida”, explica David Skole, pesquisador do Observatório Global de Serviços ao Ecossistema da Universidade Estatal de Michigan (EUA) e coautor do estudo. “Um bom exemplo de degradação florestal é quando a floresta é submetida ao desmatamento seletivo, cortando-se algumas árvores e deixando-se outras.” Nas zonas desmatadas, a degradação se concentra nos limites entre a floresta e a terra nua. “Essas árvores que sobrevivem nas bordas dos terrenos desmatados são afetadas por mudanças no microclima. E há provas de que, no longo prazo, sofrem um colapso em sua biomassa. É o que chamamos de efeito-limite”.

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Os autores do estudo estimam que a porção da floresta amazônica degradada já superou os 337.000 km². Ou seja, a superfície empobrecida excede a afetada pelo desmatamento. E se este provoca o desaparecimento da floresta e de todas as funções associadas, o empobrecimento também tem suas consequências: liberação de gases do efeito estufa, alteração do equilíbrio da água e dos nutrientes, queda da biodiversidade e surgimento de doenças infecciosas.

São quatro os agentes degradantes principais: corte mais ou menos seletivo, incêndios, efeito-limite ou fragmentação e isolamento de porções de floresta. Até 2003, auge do desmatamento, estes dois últimos agentes foram os protagonistas. Desde então, porém, o desmatamento e o fogo têm sido mais importantes.

“Nos anos anteriores, o desmatamento e a degradação geralmente ocorriam no mesmo espaço”, afirma Skole. Como se fosse uma condição prévia ou um estado precedente, “o que levou muitos a verem a degradação como um atalho para o desmatamento, não uma interferência diferente a ser considerada, medida e gerenciada. Demonstramos que agora existe degradação, sobretudo por corte ilegal, que é uma perturbação espacialmente diferente”. De fato, mais da metade das áreas degradadas pelas derrubadas, por exemplo, mantiveram-se nesse estado praticamente durante as duas décadas englobadas pelo estudo.

Raúl Sánchez, pesquisador florestal da Universidade Pablo de Olavide (Espanha), diz que “até agora colocávamos no mesmo saco o desmatamento e a degradação, e este trabalho mostra que não é assim.” O que ele não esperava eram as dimensões do problema ―mesmo com o patamar de 2014. “Este ano, o fator principal tem sido o incêndio de baixa intensidade, primeiro passo para a degradação”, afirma.

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Este artigo foi inicialmente publicado pelo jornal El País [Aqui!].