Hegemonia chinesa chega na produção científica e evidencia corrosão da hegemonia dos EUA e o aumento do atraso do Brasil

china eua produçãoChina superou pela primeira vez os EUA na publicação de artigos científicos

Graças ao jornal “Folha de São Paulo”, temos agora mais uma prova de que a hegemonia chinesa se consolida cada vez mais em plano global. É que a partir de um levantamento feito sobre a publicação de artigos científicos, a matéria mostra que a China ficou em primeiro lugar, deixando os EUA em segundo. Além disso, a matéria mostrou que a liderança chinesa se dá a partir de publicações nas áreas de de biologia molecular e a farmacologia, principalmente com pesquisas relacionadas diretamente à COVID-19.  Além disso, a China também está em primeiro lugar em assuntos como astronomia, agricultura, ciências da computação e engenharias.  Essa situação representa um verdadeiro rearranjo na “tectónica de placas” que controlam a dinâmica da ciência mundial.

Segundo os jornalistas Sabine Righetti e Estêvão Gamboa, os dados obtidos da  Plataforma Scimago incluem métricas de mais 20.000 periódicos científicos listados pela base Scopus, sendo artigos do tipo “revisados por pares”, o que reforça a noção de que estes artigos todos não refletem apenas uma dominância quantitativa, mas também qualitativa.

Como alguém que acompanha o debate em torno da dualidade “quantidade versus qualidade”, acrescento ainda que o governo chinês vem adotando medidas para conter a publicação de artigos de baixa qualidade científica e até mesmo o envolvimento de seus pesquisadores com revistas “predatórias”. Em função disso,  o governo chinês vem adotando uma série de sanções contra pesquisadores pegos adotando práticas impróprias, a quais incluem proibições temporárias de solicitação de financiamento ou perda de bolsas e promoções – seguem uma política introduzida em setembro do ano passado com o objetivo de eliminar as fábricas de artigos científicos e lidar com outras condutas impróprias. 

O Brasil no caminho inverso ao da China

Um caminho oposto está sendo adotado no Brasil onde não apenas temos os piores níveis de financiamento em ciência e tecnologia em mais de uma década, mas também a ação livre, leve e solta de revistas predatórias que ajudam um número indeterminado de pesquisadores a terem vantagens indevidas na obtenção de recursos estatais para o custeio de suas pesquisas.

O resultado da adoção desse caminho inverso ao chinês é que estamos perdendo tração na produção científica, seja em termos de quantidade, mas principalmente de qualidade. O resultado dessa perda de tração não deverá se dar no plano imediato, mas principalmente em médio e longo prazo, causando danos consideráveis à capacidade do Brasil de estabelecer novos padrões de competição nas próximas etapas da produção capitalista, as quais vão depender justamente da capacidade de investir e produzir ciência em áreas de ponta, tal qual os chineses estão fazendo neste momento.

O domínio chinês veio para ficar?

Uma pergunta que sempre pode aparecer é se esse sucesso chinês é do tipo “gigante de pés de barro”. A minha impressão é que não, pois o nível de investimento que está em curso dentro de um planejamento de fortalecimento em linha da ciência chinesa é uma garantia de que mesmo removido o peso das publicações de baixa qualidade, a China vai continuar se consolidando como principal potência científica do planeta.

Como ciência será a principal commodity das próximas décadas, a grande possibilidade é que a migração do centro da ciência mundial dos EUA para a China não apenas vá se manter, mas também irá se aprofundar, causando profundos impactos no desenho econômico da economia mundial. 

Já para o Brasil, mantidas a atual situação criada pelo chamado “teto de gastos”, o que nos espera é um aprofundamento do processo de dependência tecnológica e, consequentemente, de atraso em relação às potências científicas globais. Por isso, na campanha presidencial de 2022, a comunidade científica brasileira terá que se organizar para oferecer um conjunto de propostas que nos permitam superar a atual dinâmica que mistura pobreza de financiamento com ação livre de pesquisadores que abraçaram as revistas predatórias para inflar seus números.