A mulher (ainda) é o negro do mundo

mulheres negras

POR LUCIANE SOARES DA SILVA*

Uma letra da década de 70, composta por John Lennon para Yoko Ono, conduz nossa reflexão neste Oito de Março. Seu conteúdo é interseccional pois aqui a poética põe em íntimo contato formas distintas de dominação. Tão contemporâneas …

Em 2022, já não bastasse a guerra e seus horrores, o medo e a barbárie na condição imposta aos refugiados, temos um novo capítulo do ódio/desprezo às mulheres. Pedirei aqui um pouco de paciência porque me proponho a conectar fatos que estão na ordem do dia. Vamos destacá-los: o deputado que foi à Ucrânia  com um verniz de ajuda humanitária, revelou ao mundo parte de um inconsciente digno do filme Saló de Pasolini[1]. Vamos acordar que não precisamos mais citá-lo, até porque ele é um genérico do Movimento Brasil Livre, cuja troca por outros, resultaria no mesmo conteúdo. Misoginia, racismo, nazismo e violência são a plataforma que elegeu boa parte destes canalhas.

Saló assombrou a Itália e o mundo desde seu lançamento. A lembrança deste filme tem sido uma constante para mim desde 2018. Personagens que se divertem com piadas simplórias, defensores da família indiciados por envolvimento em assédios e violência sexual, racismo, linchamento e defesa da tortura na Câmara de Deputados. Não seria um exagero pensar no roteiro de uma Itália fascista e sua relação com estes anos de governo Bolsonaro.

O deputado em seu “tour” fez o mesmo uso de um linguajar comum entre os políticos eleitos em 2018. Tudo remete a um ato escatológico. No qual alguém submete ou é submetido. No qual o diálogo é objeto de desconfiança. É preciso ofender, atacar, destruir física e moralmente não apenas os inimigos. Não, claro que não. É preciso incorporar todos aqueles que podem ser sequestrados ideologicamente por descuido, vaidade ou pura ingenuidade nesta nova ordem.

Em março de 2018, uma vereadora foi assassinada, a tiros, no centro da segunda maior cidade do país enquanto voltava de uma atividade política. A noite e o ano começavam com uma intervenção, apenas mais uma fracassada e custosa intervenção. A morte de Marielle Franco, após uma semana de seu discurso na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, marcaria definitivamente o presidente que tornou Carlos Brilhante Ustra, seu patrono. Não é possível que se evoque os espíritos sem que eles apareçam. Já sabemos disto em 2022.

O ódio endereçado às mulheres, a misoginia explícita nos espaços públicos, particularmente nas  Câmaras, Assembleias Legislativas e Universidades, não cessaria um dia sequer. Estamos falando dos feminicídios cotidianos, da interrupção de políticas públicas fundamentais para o combate a violência contra a mulher, do avanço desta violência sobre o corpo de mulheres indígenas.

A casa dos homens, o governo Bolsonaro, se assemelha ao filme de Pasolini em sua predileção pela covardia concretizada no ódio aos pobres. Quando o deputado se refere a situação de pobreza das ucranianas, ele o faz em comparação a riqueza de São Paulo. Este misto de alienação, demência e abuso de poder foi o motor de muitas grande parte das ações destes parlamentares. Em algumas delas, deputados eleitos no Rio de Janeiro, não demonstravam qualquer problema em exibir uma placa quebrada com o nome da vereadora Marielle como se fosse uma cabeça de alce, um prêmio de guerra.

Esta masculinidade mal posta favorece o uso de tacos para morte de africanos. Favorece o uso de armas para disparos em vizinhos. Ou ainda, homicídios contra negros em dia claro em situações inaceitáveis.

As mulheres refugiadas são os negros do mundo pela extrema vulnerabilidade a que são expostas. A condição de vendeta em que são violadas. Ou o uso de seu corpo em redes de prostituição em confins inacessíveis dos Estados Nação.

Aí reside o problema que a questão dos refugiados, e particularmente, das mulheres e crianças coloca para o projeto de modernidade. Se falamos de milhões de imigrantes, se sua vida em campos que deveriam se temporários, se torna “a vida que levam”, de que paz estamos falando? O que garantimos com tratados, missões humanitárias e discussões jurídicas? Sempre me preocupa que a relação sobre o território se reduza cada vez mais ao controle de recursos. Imagino a mão invisível e cruel de um sacerdote jogando milhões de pessoas como se fossem dados em pedaços de deserto no México. Ou como uma brincadeira engraçada em barcos de papel no Mediterrâneo. Uns afundam, outros não.

As mulheres ainda são os negros do mundo porque são “pobres” disse o deputado agora acusado também por assédio de menores em 2016 em uma escola do Paraná. Porque sua beleza é resumida a instrumento de troca, venda e violação. São os negros do mundo porque sendo vietnamitas, romenas, angolanas, ucranianas, não são assim … tão europeias. São do leste europeu. Aqui os jornalistas ficaram confusos, afinal, a população de Kiev não era “como Iraque ou Afeganistão”. E o racismo renasce enquanto potência explicativa deste biopoder em ação.

“a mulher é o negro do mundo, sim, ela é, pense a respeito, faça algo contra isso, nós fazemos ela pintar o rosto e dançar, se ela não quer ser nossa escrava, dizemos que não nos ama, se ela é sincera, dizemos que está tentando ser um homem […] fazemos ela parir e criar nossos filhos, e depois a deixamos feito uma velha e gorda mãe galinha , dizemos que ela devia estar em casa, depois reclamamos que ela é provinciana demais para ser nossa amiga […] nós a insultamos todo dia na tv, e questionamos as razões pelas quais ela não tem confiança, quando ela é jovem, matamos seu desejo de ser livre, enquanto dizemos para não ser tão esperta, e a rebaixamos por ser tão boba”.

A luta que se trava nas ruas a cada ano, após cada assassinato é a recusa total e absoluta em seguirmos sendo, como mulheres, trabalhadoras do campo e da cidade, trans, mães, cientistas, vereadoras, subjugadas e escravizadas.

[1] https://estadodaarte.estadao.com.br/salo-fascismo-pasolini-avt/

*Luciane Soares da Silva é é docente da Universidade Estadual do Norte Fluminense  (Uenf), onde atua como chefe do Laboratório de Estudos da Sociedade Civil e do Estado (Lesce), e também participa da diretoria da Associação de Docentes da Uenf (Aduenf).

Fabricante alemã da arma que matou Marielle não exportará mais para o Brasil

Em reunião de acionistas, alemã Heckler & Koch cita agitação política e violência policial como motivos para suspender vendas para o Brasil. Submetralhadora MP5 foi usada no assassinato de Marielle Franco

hkDiferentes tipos da submetralhadora MP5, arma que matou Marielle, em exposição na sede da firma na Alemanha

A fabricante alemã da arma que foi usada no assassinato da vereadora carioca Marielle Franco e de seu motorista em 2018 confirmou que não exportará mais armamento para o Brasil. A declaração foi dada durante a reunião anual de acionistas da Heckler & Koch (H&K), ocorrida na quinta-feira (27/08).

Segundo o jornal alemão taz, a Associação de Acionistas Críticos na Alemanha (Dachverband Kritische Aktionäre), que compra ações de empresas para cobrar delas respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente, questionou na reunião a Heckler & Koch sobre a venda de armas para o Brasil.

“Com as mudanças no Brasil, especialmente a agitação política de antes das eleições presidenciais e a dura ação da polícia contra a população, foi confirmada a decisão de não fornecer mais para o Brasil”, respondeu então o porta-voz da empresa.

Na reunião de acionistas em 2019, a associação já havia questionado a Heckler & Koch sobre a situação do Brasil, de acordo com o taz. Na época, a empresa admitiu que exportou centenas de armas para o país nos anos anteriores e disse que o presidente da H&K, Jens Bodo Koch, havia decidido “não fornecer mais armas ao país depois da eleição de Jair Bolsonaro”.

O jornal afirma, no entanto, que não ficou claro na época se a decisão havia sido tomada pela eleição de Bolsonaro ou se a empresa não tinha mais recebido encomendas do Brasil. Por isso, a pergunta foi novamente feita pelos acionistas neste ano, que receberam a confirmação da paralisação das exportações para o país.

Em 2018, o caso Marielle acendeu o alarme de ativistas que cobram controles mais severos para a exportação de armas pela Alemanha e o banimento de vendas para países acusados de violar direitos humanos.

Segundo apontou a Polícia Civil do Rio de Janeiro, Marielle foi atingida por disparos de uma HK MP5, uma submetralhadora de uso restrito no Brasil. Teoricamente, só deveria ser encontrada nos arsenais das polícias Militar, Civil, Federal e de alguns grupamentos das Forças Armadas. Não está claro se a arma foi desviada de um desses arsenais. Não é raro que armas da H&K sejam encontradas em poder de criminosos no Brasil.

Mesmo antes da morte de Marielle, outros episódios no Brasil já haviam chamado a atenção de ativistas na Alemanha. Em 1992, oito submetralhadoras HK foram usadas pela PM na chacina de 111 presos do Carandiru. 

Não há registros detalhados sobre as últimas vendas da H&K ao Brasil. A empresa não informa sobre seus negócios no país. Dados do Departamento Federal de Controle Econômico e de Exportações também são vagos. Anualmente, o departamento divulga informes sobre exportações de armas da Alemanha, mas se limita a apontar o número de transações e os valores envolvidos – não há identificação de fabricantes e detalhes das armas. 

Trajetória construída no pós-guerra

Na Alemanha, exportação de armas é tema controverso. A cultura pacifista interna que caracteriza o país desde a Segunda Guerra Mundial impulsiona ativistas que querem mais transparência nas transações. Ao mesmo tempo, o governo é regularmente acusado de dar tratamento especial para as fabricantes e de não agir para reforçar o controle. A Alemanha é o quinto maior exportador de armas do mundo e o setor emprega 80 mil pessoas.

A H&K, por exemplo, é maior empregadora de Oberndorf am Neckar, pequena cidade do sul do país. Fundada em 1949 por ex-engenheiros que trabalhavam para a Mauser, empresa que fabricou fuzis para o regime nazista, a H&K teve seu primeiro impulso ao vender armamento para a Bundeswehr, as Forças Armadas da Alemanha Ocidental.

Nos anos 1950, desenvolveu o fuzil de assalto HK G3, que passou a rivalizar com o soviético AK-47, ou Kalashnikov, em vendas internacionais. O G3 logo passou a ser facilmente encontrado em dezenas de conflitos no terceiro mundo durante a Guerra Fria. Entre os anos 1960 e 1980, a Alemanha Ocidental ainda autorizou a H&K a emitir licenças de fabricação do G3 para 16 países, como Irã e Paquistão, entre outros Estados que figuraram regularmente como violadores de direitos humanos.

Nos anos 1990, a H&K desenvolveu o sucessor do G3, o HK G36. Em 2008, Berlim autorizou acordo de licenciamento para instalação de uma fábrica do novo fuzil na Arábia Saudita. 

A empresa atua ainda livremente nos EUA, que consumiu 33% das suas exportações entre 2012 e 2016. Em feiras americanas, representantes da H&K apresentam produtos para compradores civis com um desembaraço que seria impensável na Alemanha, onde o controle de venda de armas para cidadãos é rígido.

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Este texto foi inicialmente publicado pela Deutsche Welle [Aqui!].

Com a morte do ex- capitão do BOPE, Adriano da Nóbrega, fecha-se um arquivo humano

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Ex-capitão do BOPE, Adriano da Nóbrega, foi homenageado com Medalha Tiradentes e tinha mãe e esposa lotadas no gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro

A mídia corporativa informa nesta manhã de domingo que foi morto na área rural do pequeno município baiano de Esplanada (cerca de 170 km ao norte de Salvador), o ex capitão do Batalhão de Operação Especiais (Bope) da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Adriano da Nóbrega. As notícias dão conta que Nóbrega teria enfrentado uma força policial composta de contingentes de pelo menos 3 estados e morrido em uma unidade hospitalar em função dos tiros que recebeu durante um tiroteio que eclodiu quando os policiais tentavam entregar um mandado de prisão.

Com a morte do ex-capitão do Bope sobre quem pesam acusações de ser um chefe de milícias e membro de um grupo de matadores de aluguel (o “Escritório do Crime”) ficaremos sem saber se ele realmente esteve envolvido na morte da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, ocorrido em 14 de março de 2018. 

Mas a morte do ex-capitão Adriano da Nóbrega faz mais do que nos deixar desprovidos de informações cruciais sobre  a morte de Marielle e Anderson. É que precisamos lembrar que Nóbrega não apenas foi homenageado com a principal honraria emitida pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), a Medalha Tiradentes, pelo hoje senador Flávio Bolsonaro, mas como teve sua mãe e esposa ocupando cargos no gabinete do então deputado estadual. Além disso, Adriano da Nóbrega era amigo de outra figura notória por causa de suas relações com a família Bolsonaro, o ex-policial e motorista Fabrício Queiróz.

Por essas questões todas é que a morte de Adriano da Nóbrega pode ser facilmente classificado como o fechamento de um arquivo humano, pois o ex-policial certamente tinha um vultoso acerca de informações de suas relações profissionais e pessoais com setores que hoje teriam muito a perder se ele resolvesse contar tudo o que sabia. Por isso, desconfio que a sensação que algumas cabeças coroadas da república estejam tendo hoje seja mais de alívio do que de tristeza. Afinal, para quem tinha relações com esse arquivo, melhor ele fechado do que aberta, não é?

Marielle e Anderson: há mesmo chance que se faça justiça aos mortos?

mari-e-andersonA vereadora Marielle Franco (PSOL/RJ) e o motorista Anderson Gomes foram barbaramente assassinados no dia 14 de março de 2018

As últimas 48 horas têm sido plenas em termos de cobertura sobre uma matéria produzida pelo jornal nacional sobre uma possível ligação entre os assassinos da vereadora Marielle Franco (PSOL/RJ) e do motorista Anderson Gomes com o agora presidente Jair Bolsonaro.

Um dos aspectos mais peculiares foi a velocidade dignidade do personagem “The Flash” com que o Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro saiu a campo para desmentir e colocar em xeque o depoimento de um porteiro do condomínio “Vivendas da Barra” que estabeleceu a ligação entre os supostos assassinos de Marielle e Anderson com a residência de Jair Bolsonaro.

Foi graças a essa celeridade inaudita que o Brasil ficou sabendo que uma das procuradoras da equipe responsável pelo caso se chama Carmen Eliza Bastos de Carvalho (ver reprodução abaixo de matéria da Agência Brasil). 

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Mas é justamente aí que a porca torceu o rabo. É que a partir da publicização dos membros da equipe do MP/RJ que acompanha o caso, vários veículos da mídia alternativa puderam detectar que a procuradora Carmen Eliza Bastos de Carvalho não apenas fez campanha para o então deputado federal Jair Bolsonaro, como também foi homenageada com a maior comenda do estado do Rio de Janeiro, a Medalha Tiradentes, por iniciativa do deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL) que se tornou conhecido durante a campanha de 2018 por ter quebrado a placa que homenageava Marielle Franco (ver imagem abaixo).

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O que me parece curioso é que as imagens acima estão disponíveis na página que a procuradora Carmen Eliza Bastos de Carvalho, o que torna impossível que seus superiores hierárquicos (pelo menos os imediatos) não tivessem conhecimento de suas preferências partidárias quando a indicaram para um caso que é marcado por um evidente elemento ideológico dada o perfil pessoal e a natureza da ação política de Marielle Franco.

Agora, diante das revelações que se tornaram públicas, vamos como se comporta o MP/RJ. É que a manutenção da procuradora Carmen Eliza Bastos de Carvalho no caso tenderá a gerar suspeições profundas de conflito de interesses por parte dela.

E a questão que não quer ficar calada: há nesse contexto todo alguma chance real de que seja feita justiça para Marielle e Anderson?

O assassinato de Marielle e Anderson: Rede Globo expõe as ligações perigosas de Jair Bolsonaro

bolso queirozO presidente Jair Bolsonaro com o ex-PM Élcio Queiróz, um dos principais acusados pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes

A estas alturas do campeonato ninguém deveria mais se surpreender com o que se pode chamar de “ligações perigosas” que cercam o presidente Jair Bolsonaro e seus filhos com o mundo das milícias no Rio de Janeiro. É que as fartas ligações dentro de gabinetes e até mesmo dentro do condomínio onde o presidente mora na Barra da Tijuca são mais do que conhecidas.

O que há de diferente agora é a ação da família Marinho para escancarar estas evidentes ligações com o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes por figuras que estavam, ou ainda estão, próximas do presidente Jair Bolsonaro e seus filhos. E isto tudo usando o principal instrumento da Rede Globo, i.e., o Jornal Nacional, para explicitar questões que permaneciam um tanto submersas em uma investigação que parecia destinada ao esquecimento (ver vídeo abaixo).

Em se tratando das Organizações Globo sempre há que se perguntar sobre o motivo da veiculação desta ou daquela matéria, pois a família Marinha não é de bater prego sem estopa. Entretanto, a ação de jogar na cara da população brasileira a possível ligação de Jair Bolsonaro e seus filhos com o assassinato de Marielle e Anderson é um movimento robusto. Tanto isto é verdade que desde a Arábia Saudita, e em plena madrugada de lá, Jair Bolsonaro já ofereceu o que pode ser considerado um ensaio de resposta (ainda que em tom relativamente desgovernado) à matéria do Jornal Nacional.

O que parece evidente é que o mandato do presidente Jair Bolsonaro acaba de ser colocado na linha de fogo como nunca antes ao longo deste ano. Se ele insistir em uma linha de resposta como a mostrada acima, o grande risco é que ele seja abandonado até pelos setores que o sustentam em nome de evidentes ganhos que estão auferindo com as políticas de desmanche do Estado brasileiro. 

E a razões para um eventual abandono de Jair Bolsonaro em meio ao deserto das potenciais revelações que ainda estão por vir são eminentemente de ordem econômica. É que nenhuma empresa multinacional vai querer vir para o Brasil em meio a um ambiente em que o presidente da república esteja lutando pela sua sobrevivência por causa do tipo de ligação (perigosa) que a Rede Globo decidiu explicitar na noite de ontem.

Suspeito que as próximas semanas serão preenchidas com mais adrenalina, pois a peça que foi veiculada ontem parece mais uma espécie de “preparo” para revelações ainda mais cabeludas acerca das responsáveis pelo assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. De quebra, ainda há a fratura exposta que atende pelo nome de Fabrício Queiróz que parece um potencial candidato a delator. Talvez por isso o presidente Jair Bolsonaro se mostrou particularmente agitado com a possível prisão de um dos seus filhos.

Como se vê, o Brasil não é mesmo um país para principiantes.  Por isso mesmo, por mais tarimbados que alguém seja, sempre há por aqui amplo espaço para surpresas e enredos rocambolescos. 

No dia do aniversário das mortes, fica a pergunta: que mandou matar Marielle Franco e Anderson Gomes?

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Hoje se completa  o primeiro ano desde os assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes sem que se tenha mandado matá-los. E essa questão é mais importante do que identificar aqueles que puxaram o gatilho ou deram cobertura para quem o fez, supostamente um sargento reformado da Polícia Militar do Rio de Janeiro.

O paiol de 117 fuzis de guerra encontrado no apartamento de um amigo do suposto assassino derruba qualquer hipótese de que os assassinatos tenham sido por mero motivo ideológico, ainda que ideologia sempre exista.

A verdade é que no Rio de Janeiro está instalado um processo de apropriação privada de regiões inteiras por bandas criminosas que, por algum motivo, se conectaram aos que queriam eliminar fisicamente Marielle Franco e Anderson Gomes.

Por isso, chegar aos mandantes é um passo fundamental para o início de uma retomada dos espaços públicos e do direito de ir e vir por imensas parcelas da população que hoje vivem constrangidas nesses elementos fundamentais de suas existências.

Por isso tudo é que demandar a apuração completa dessas mortes pode se mostrar um elemento fundamental na possibilidade de convivência democrática e justiça social no Rio de Janeiro.

 

Coincidências que ligam Bolsonaro aos suspeitos do crime de Marielle agitam internet

Ronnie Lessa, acusado dos disparos, mora no mesmo condomínio do presidente da República. E uma filha sua terá namorado Carlos Bolsonaro. O suspeito de guiar a viatura de onde saíram os tiros foi fotografado abraçado ao chefe de estado.

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© REUTERS/Adriano Machado

Por João Almeida Moreira para o Diário de Notícias

No Brasil, o dia começou com uma imagem na televisão bem conhecida dos espetadores brasileiros: a fachada do condomínio onde mora Jair Bolsonaro, o Vivendas da Barra, que, durante o período de transição entre o governo anterior e o atual, esteve diariamente no ar por servir de quartel-general ao presidente eleito e ao seu círculo íntimo. Só que, desta vez ,não era o chefe de estado o motivo para as equipas de reportagem estarem ali, na Barra da Tijuca, zona sul do Rio de Janeiro, e sim Ronnie Lessa, o suspeito de disparar 13 vezes contra o carro onde seguiam Marielle Franco, o motorista Anderson Gomes, ambos mortos no atentado, e a assessora Fernanda Chaves, que sobreviveu.

Apesar da vizinhança, a investigação da polícia federal não faz qualquer tipo de conexão entre Bolsonaro e o atentado de 14 de março do ano passado – isso foi dito e sublinhado ao longo do dia pelo delegado Giniton Lages, que se ocupa do caso. No entanto, o próprio Lages, ao responder a uma pergunta de repórteres na conferência de imprensa após a detenção, admitiu que era verdadeira a informação de que um dos filhos de Bolsonaro – ao que tudo indica Carlos, o segundo mais velho, e também residente no Vivendas da Barra – havia namorado uma filha de Lessa. “Mas isso para nós não importou na motivação delitiva, isso vai ser enfrentado num momento oportuno, não é importante no momento”, disse Giniton, afastando o assunto dos holofotes.

Entretanto, já circulava na rede social Twitter uma foto de Bolsonaro abraçado ao outro suspeito, Élcio Queiroz, publicada no perfil de Facebook deste. Élcio é acusado pela polícia de estar a guiar o carro que encostou no de Marielle e de onde foram efetuados os disparos. A fotografia, tendo em conta a data da publicação no Facebook, é de 4 de Outubro, ou seja, três dias antes da primeira volta da eleição presidencial e sete meses após o crime. Na sua página, entretanto apagada, Élcio mostrava-se em sintonia com as ideias do candidato que haveria de vencer as eleições.

Em dezembro, a polícia havia atribuído responsabilidade no atentado à milícia “Escritório do Crime”, cujo líder é Adriano Nóbrega. Familiares de Nóbrega, entretanto, trabalharam no gabinete de Flávio Bolsonaro, o mais velho dos filhos do presidente.

No Twitter o assunto mais comentado do dia foi a hashtag Quem Mandou Matar Marielle. E não muito longe estava O Assassino Mora ao Lado, numa provocação a Bolsonaro.

E se na imprensa, especialistas em segurança enfatizaram o facto de Ronnie, um ex-polícia, morar num condomínio de classe alta – “muito estranho, dado o rendimento deles”, disse o especialista da TV Globo em segurança Fernando Veloso – o candidato presidencial derrotado Fernando Haddad, do PT, aproveitou o tema para provocar Bolsonaro nas redes. “As pessoas perguntam-se como um ex-polícia pode morar num condomínio de luxo no Rio de Janeiro. Eu ainda me pergunto como um ex-deputado pode morar nesse mesmo condomínio”.

O presidente da República desdramatizou, entretanto, a fotografia com Élcio, quando confrontado com o assunto, mas não chegou a comentar o tema do namoro nem o da vizinhança: “Tenho milhares de fotos com polícias, quero é que se descubra quem mandou executá-la e quem me mandou matar a mim também”, acrescentou, referindo-se ao ataque à facada que sofreu em Juiz de Fora, durante a campanha eleitoral. O autor, Adélio Bispo, segundo a polícia, agiu sozinho e foi considerado doente mental após testes psiquiátricos. Mas apoiantes do presidente da República ainda querem saber quem pagou os seus advogados.

Em São Paulo


Este artigo foi originalmente publicado pelo jornal Diário de Notícias, publicado em Lisboa, [Aqui!]

Caso Marielle Franco e Anderson Gomes: depois de encontrar quem matou, falta identificar quem mandou

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Marielle Franco e Anderson Gomes foram assassinados no dia 14 de março de 2018. Quase um ano depois foram presos os assassinos, faltando agora identificar os mandantes.

Ronnie Lessa, apontado como autor dos disparos contra Marielle, e Élcio Queiroz, suspeito de dirigir o carro — Foto: Reprodução/TV Globo

Ronnie Lessa, apontado como autor dos disparos contra Marielle, e Élcio Queiroz, suspeito de dirigir o carro — Foto: Reprodução/TV Globo

A mídia corporativa está divulgando com compreensível alarde a prisão de dois ex policiais militares do Rio de Janeiro (um reformado e outro que efetivamente saiu da corporação) por serem os supostos assassinos da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes.

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Como já bem alertou o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL) a prisão dos supostos assassinados de Marielle e Anderson ainda deixa sem resposta a identidade dos que ordenaram os assassinatos.

É que no Brasil até se chega aos matadores, mas é muito raro identificar  os mandantes e, menos ainda, vê-los atrás das grades.

Mas é inconteste que as prisões de hoje são um avanço após quase um ano de ausência de respostas sobre, pelo menos, quem tinha puxado o gatilho. Agora que essa parte está aparentemente superada, vamos ver se serão identificados os mandantes.

As razões para continuar são muitas, a começar pela necessidade de se fazer justiça para Marielle Franco e Anderson Gomes, mas não somente por isso.  É que o assassinato encomendado de uma liderança política torna a elucidadação deste caso essencial para que o Brasil não caia de vez na vala comum da impunidade. A verdade é que o alvo final da eliminação de Marielle Franco era o direito de cada brasileiro demandar um estado que não sirva aos mais ricos.

E fica a pergunta: a mando de quem agiram os ex-policiais?

Estréia de Bolsonaro em Davos foi ofuscada pelo crescente escândalo em torno do filho

Flávio Bolsonaro nega que jornal brasileiro afirma ter empregado uma vez a mãe e a esposa de um suposto líder do esquadrão da morte

Jair Bolsonaro diz que vai “abrir” a economia do Brasil em discurso pró-negócios em Davos – vídeo

Por Tom Phillips, correspondente para a América Latina do “The Guardian”

O presidente de extrema-direita do Brasil, Jair Bolsonaro, usou sua estréia internacional para soar a sentença de morte para a esquerda “bolivariana” da América do Sul e proclamar uma nova era conservadora de governança limpa e piedade na região.

Mas sua aparição concisa no Fórum Econômico Mundial na terça-feira foi ofuscada por um escândalo de bola de neve envolvendo um de seus filhos, o recém-eleito senador Flávio Bolsonaro.

Enquanto o presidente – que chegou ao poder prometendo libertar o Brasil da corrupção e da criminalidade – se preparou para subir ao palco em Davos, relatórios em um dos principais jornais brasileiros ligaram seu filho a membros de um grupo de extermínio do Rio de Janeiro chamado Escritório do Crime.

O jornal O Globo afirmou que durante o período de Flávio Bolsonaro como legislador do Rio, ele empregou a mãe e a esposa do suposto líder da gangue, um ex-agente Batalhão de Operações Especiais (BOPE) da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Adriano Magalhães da Nóbrega.

Nóbrega, que supostamente está fugindo após a polícia atacar seu grupo com uma operação apelidada de Os Intocáveis“, é acusado de ser um membro sênior do que O Globo chamou de “a mais letal e secreta falange de pistoleiros” do Rio de Janeiro.

A polícia e os promotores  suspeitam que membros do Escritório do Crime estão por trás do assassinato ainda sem solução da vereadora Marielle Franco, da cidade do Rio de Janeiro, no ano passado.

O Globo também afirmou que a suposta esposa e mãe do gângster haviam sido recomendadas a Flávio Bolsonaro por Fabrício Queiroz, um amigo de longa data do presidente brasileiro que foi fotografado socializando com Jair Bolsonaro em uma foto onde os dois homens aparecem sem camisas.

Marcelo Freixo, legislador de esquerda e amigo de Marielle Franco, estava entre os que exigiam respostas nesta terça-feira. “A família Bolsonaro deve as explicações à sociedade”, ele twittou.

Flávio Bolsonaro rejeitou o relatório – que segue um punhado de outras alegações prejudiciais sobre suas transações financeiras – e afirmou que ele era a “vítima de uma campanha de difamação” destinada a ferir seu pai. “Aqueles que cometeram erros devem ser responsabilizados por seus atos”, disse ele em um comunicado.

Celso Rocha de Barros, colunista político do jornal Folha de São Paulo, disse: “A família Bolsonaro deve estar em pânico”.

“É difícil medir as repercussões que isso pode ter … É uma bomba – uma bomba nuclear”, acrescentou Barros.

O crescente escândalo abalou as promessas de Jair Bolsonaro em Davos de encabeçar uma cruzada contra a corrupção e o crime organizado.

Durante um breve discurso de seis minutos na cúpula anual, Bolsonaro disse esperar que o mundo veja seu “novo” Brasil mais limpo com novos olhos depois de um escândalo maciço de corrupção que devastou a elite política do país.

“Assumi o Brasil em meio a uma profunda crise ética, moral e econômica. Estamos comprometidos em mudar nossa história… Queremos governar pelo exemplo ”, declarou Bolsonaro.

O nacionalista de extrema-direita lançou-se como porta-bandeiras da nova vanguarda conservadora da América Latina. “Não queremos uma América bolivariana”, disse ele, em referência ao falecido presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que esperava unir o continente com uma aliança de líderes progressistas.

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Um dos principais jornais do Brasil ligou Flávio Bolsonaro a membros de um grupo de extermínio do Rio de Janeiro chamado Escritório do Crime. Foto: Sergio Moraes / Reuters

Bolsonaro disse ainda que os líderes de direita, como o argentino Mauricio Macri e o chileno Sebastián Piñera, estavam determinados que “a esquerda não prevalecerá nesta região”.

O presidente brasileiro também se pintou como um estadista global em busca de “um mundo de paz, liberdade e democracia”. “Com o slogan: ‘Deus acima de tudo’, acredito que nossas relações [com o mundo] trarão progresso interminável para todos”, declarou Bolsonaro.

Observadores políticos e membros da audiência não se impressionaram com a aparição de Bolsonaro no cenário mundial.

“Ele me assusta … o Brasil é um país grande e merece alguém melhor”, disse o economista Robert Shiller, ganhador do Nobel, ao jornal Valor Econômico.

Outro membro da audiência supostamente reclamou: “[Um] desastre. Eu queria gostar dele, mas ele não disse nada. Por que ele veio?

Bolsonaro pressiona líder venezuelano com promessa de “restabelecer a democracia”

De Barros chamou o discurso curto de Bolsonaro de um “fiasco” genérico que provavelmente havia sido cortado por causa do escândalo que se desenrolava em casa.

Falando na véspera do discurso de Davos de Bolsonaro, José Roberto de Toledo, um jornalista político da revista Piauí, disse que sua popularidade interna permaneceu alta.

“A confiança do consumidor é a maior em anos… o dinheiro vem do exterior. O dólar caiu. O mercado de ações está quebrando recordes … Ninguém pode suportar mais cinco anos de crise. Todo mundo quer apertar o botão de reiniciar.

Mas ele especulou que Bolsonaro pagaria um preço político pelo crescente cheiro de corrupção em torno de seu filho. “Flávio colocou uma espada [de Dâmocles] sobre a cabeça de seu pai que será usada para chantageá-lo, no congresso, nos tribunais, nas redes sociais e na imprensa. Será um peso que ele sempre terá que carregar – e a probabilidade é que esse peso cresça com o tempo ”.


Este artigo foi publicado originalmente em inglês pelo “The Guardian” [Aqui!]

O dia em que 45 virou 6: uma síntese do tamanho do buraco onde o Brasil se meteu

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O presidente Jair Bolsonaro discursa no Fórum Econômico Mundial de Davos. Discurso que deveria durar 45 minutos, durou apenas 6.
Nas primeiras três semanas do governo Bolsonaro ficamos sendo brindados com a informação de que o novo presidente brasileiro iria discursar por 45 minutos no Fórum Econômico de Davos para apresentar ao mundo a sua visão de futuro do Brasil.
Acabo de saber que os 45 minutos viraram 6, o que num jogo de futebol significaria dizer que em vez de se jogar todo o tempo regulamentar, o juiz fosse obrigado a parar a partida quando os times ainda estavam se estudando. Em outras palavras, o que era para ser o ponta inicial para os investidores internacionais, acabou sendo uma espécie de “micro discurso” de generalidades superficiais.
Mas o que esperar deste governo senão pitadas intermináveis de situações bizarras que vão rapidamente tornando este governo uma aposta para lá de arriscada por parte das elites brasileiras? O problema é que a maior parte da elite brasileira nem vive no Brasil, preferindo ir ao país apenas para recolher as fortunas acumuladas na especulação financeira. Vão e voltam do Brasil em seus jatinhos privados, e a maioria dos brasileiros que se dane.
Por outro lado, é compreensível que Jair Bolsonaro estivesse nervoso em Davos. É que ali se joga um jogo para o qual ele nunca realmente se preparou. Não falo nem da incapacidade de se comunicar em língua inglesa, pois o ex-presidente Lula também não falava a língua de Shakespeare e sempre sai bem. A ponto de termos aquela cena durante um encontro do G-20 em que Barack Obama e Lula trocaram amabilidades com a conjunta de um intérprete (ver vídeo abaixo). Mas Lula é Lula, e Bolsonaro e Bolsonaro.

Para complicar ainda mais a situação do governo Bolsonaro, hoje tivemos a prisão de membros de uma milícia que estariam implicados na morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. A ligação com o governo Bolsonaro veio a público fato que dois dos milicianos arrolados no caso foram alvo de homenagens por Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Se isso não fosse ruim o suficiente, a mãe de um deles foi assessora de Flávio Bolsonaro no mesmo gabinete em que ele hospedeu Fabrício Queiróz.
Em suma, como eu já havia dito aqui, este governo que ainda não chegou ao fim do seu primeiro mês está dando todos sinais de esclerose precoce. O problema é o que vem pela frente se o paciente não sobreviver por muito tempo.