Primeiro Manaus, agora todo o Brasil: por trás do aumento maciço de pessoas mortas e infectadas por corona no Brasil estão provavelmente outras variantes do Sars-CoV-2
Um coveiro cava sepulturas para vítimas de COVID-19 em Manaus.
Por Alexander Busch, em Salvador, para o Neue Zürcher Zeitung
Primeiro, foi a metrópole amazônica de Manaus que registrou um aumento maciço de pessoas infectadas e mortas em janeiro. Exatamente como há um ano. Mas agora todo o Brasil se tornou uma área de desastre da COVID-19. Com mais de 12 milhões de infectados, o Brasil é o país com o maior número de portadores de COVID-19 no mundo, depois dos EUA. Com 354 infectados por milhão de habitantes, menos pessoas estão infectadas atualmente no Brasil do que na Itália. Mas o sistema de saúde do país amazônico está chegando ao limite. As unidades de terapia intensiva estão sobrecarregadas em quase todo o Brasil. Mais de 3.200 pessoas morrem atualmente de Covid-19 todos os dias. A estimativa do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Estado do Rio de Janeiro, não pode ser descartada entre 4 mil e 5 mil mortes por dia.
“A capacidade de mutação e a velocidade do coronavírus são extremamente altas”, disse em entrevista Marilda Mendonça Siqueira, chefe do laboratório de vírus respiratórios e sarampo da Fiocruz. Em uma sociedade como a brasileira, que desenvolveu poucos anticorpos fora dos hot spots como Manaus e quase não é vacinada, o vírus se espalha mais rápido e inevitavelmente desenvolve novas mutações. “Isso significa que o clima no Brasil para o desenvolvimento de novas variantes do Sars CoV-2 continua favorável”, diz ela.
Novas variantes com defesa imunológica mais fraca?
A nova variante Sars-CoV-2 chamada P.1, que só foi descoberta em novembro, agora dominaria em muitos estados brasileiros. Mas também uma nova variante P.2 agora pode ser comprovada com cada vez mais frequência. Uma nova variante foi descoberta na semana passada, até agora denominada provisoriamente de N9 no instituto. É uma mutação da mutação E484K, que também ocorre na variante do vírus britânico (B.1.1.7) e no P.1, que foi descoberto pela primeira vez em Manaus. Esta mutação E484K provavelmente enfraquece o sistema imunológico humano porque torna os anticorpos menos responsivos.
Técnico de laboratório se prepara para fabricar a vacina AstraZeneca no Brasil. Wagner Meier / Getty
O instituto de pesquisas com sede no Rio tem grande reputação internacional e uma longa tradição no combate a vírus e no desenvolvimento de vacinas nos trópicos: foi fundado em 1900 para combater a epidemia de peste. Em sua história, o instituto desenvolveu vacinas próprias contra febre amarela e varíola. A Fiocruz agora também está produzindo uma vacina para brasileiros em colaboração com a Oxford /AstraZeneca. Junto com o Instituto Butantan de São Paulo, que também produz suas próprias vacinas em conjunto com a chinesa Sinopharm, o Brasil é um dos pouco menos de uma dezena de países do mundo que podem produzir eles próprios vacinas contra o coronavírus.
O Brasil já podia vacinar muito mais há muito tempo. Mas no ano passado o presidente Jair Bolsonaro boicotou tanto a compra de soros quanto as ofertas de empresas farmacêuticas internacionais para trabalhar com os dois laboratórios. Só depois que o número de casos explodiu novamente é que o governo Bolsonaro cedeu no final de janeiro e não mais obstruiu ativamente a produção de vacinas no Brasil.
O farmacologista e bioquímico Siqueira hesita em explicar o aumento explosivo do número de infecções no Brasil com as novas mutações. “Ainda não temos séries de números homogêneas e confiáveis para que possamos estabelecer uma relação causal entre P.1 ou P.2 e o curso da infecção.”
Um grupo de pesquisa brasileiro-britânico (Cadde) afirmou recentemente que o P.1 de Manaus é transmitido mais facilmente por um fator de 1,4 a 2,2 do que as variantes convencionais do vírus. Por isso, apesar da suspeita de imunidade de rebanho ali, após o alto número de infecções há um ano, houve novamente um aumento maciço de infecções em Manaus. De acordo com um estudo de anticorpos, dois terços das pessoas na metrópole isolada de Manaus foram infectadas em abril e maio do ano passado e, portanto, devem estar imunes.
Siqueira, por outro lado, explica o alto número de infecções e mortes em Manaus dizendo que o governo cortou as capacidades adicionais de tratamento e análise lá em um estágio inicial. Além disso, grande parte da população negligenciou quase completamente o distanciamento social mêses atrás. Essa combinação é fatídica e se aplica a todo o Brasil.
Apesar da pandemia, as pessoas estão se divertindo na praia do Rio de Janeiro. Pilar Olivares / Reuters
Siqueira também não quer confirmar a suposição de que as novas variantes do vírus estão infectando mais jovens. É difícil comparar a primeira fase da infecção com a atual: “Há um ano tivemos um bloqueio extremamente difícil por mais de três meses”, explica Siqueira. Agora as pessoas voltariam a viajar, as escolas estavam parcialmente abertas. “Aqui no Rio de Janeiro os bares ficam lotados até as seis da tarde.” Portanto, todas as informações sobre maiores taxas de infecção e transferibilidade com imunidade anterior são bastante especulativas, diz Siqueira. “As condições são completamente diferentes hoje.” Mesmo que se possa presumir uma taxa de infecção mais alta, isso é difícil de provar. “Simplesmente não temos uma série homogênea e confiável de números sobre o curso das várias mutações do vírus.”
Na verdade, comparativamente poucas amostras de pessoas infectadas são sequenciadas no Brasil. Isso deixa uma imagem incompleta de quantas novas variantes do vírus estão se espalhando. As amostras foram enviadas para sequenciamento em apenas 0,03% dos casos da COVID-19, de acordo com a Gisaid, uma plataforma com dados sobre genomas de coronavírus. Em outros países, como o Reino Unido, essa taxa chega a 5%. A variante P.1 circulando na Amazônia também foi detectada pela primeira vez no Japão.
No entanto, Siqueira rejeita as críticas à insuficiência de pesquisas no Brasil – mesmo que ela mesma aponte para a falta de séries de dados. No Brasil, por exemplo, a variante do vírus P.2 foi descoberta pela primeira vez e agora o N9. Além disso, poucos países são tão transparentes em suas pesquisas quanto o Instituto Fiocruz estadual, que atualiza constantemente seus dados e os torna públicos.
Vacina chinesa eficaz contra o vírus de Manaus
Por exemplo, a Fiocruz publicou dados de pesquisa no site no final da semana passada indicando que a vacina AstraZeneca/Oxford protege contra a variante brasileira P.1 do novo coronavírus, semelhante à cepa britânica (B.1.1.7). Em outro estudo, a Fiocruz já havia verificado que a vacina Coronavac da China, amplamente utilizada no Brasil, é eficaz contra a variante P.1.
A eficácia das vacinas para as variantes brasileiras também dá esperança: embora o presidente Jair Bolsonaro tenha negado a pandemia como uma “gripe inofensiva” por meses e boicotado o trabalho das autoridades de saúde, o Brasil agora foi capaz de aumentar as vacinações com uma rapidez surpreendente. As campanhas de vacinação só começaram em meados de janeiro. Apesar disso, já foram distribuídas cerca de 16 milhões de doses de vacinas. Isso corresponde a cerca de 7% da população adulta. Siqueira destaca que as vacinações que já foram concluídas para os brasileiros mais velhos (acima de 70 anos) podem ter levado a um aumento comparativamente maior nos infectados mais jovens.
Este artigo foi escrito originalmente em alemão e publicado pelo Neue Zürcher Zeitung [Aqui!].