Guia Amazônia Legal e o Futuro do Brasil – Um raio X dos 9 estados da região entre 2018-2022

Gui Amazonia

Por Sinal de Fumaça – Monitor Socioambiental

Às vésperas das Eleições 2022, o monitor Sinal de Fumaça lança o Guia Amazônia Legal e o Futuro do Brasil – Um raio X dos 9 estados da região entre 2018-2022, uma produção independente baseada no levantamento dos principais acontecimentos da pauta socioambiental nos quatro anos de gestão Bolsonaro em cada um dos nove estados que compõem a região. 

O material foi construído a partir de um processo de escuta ativa feito entre maio e julho de 2022 com a coleta de 19 depoimentos de pessoas atuantes nos territórios compreendidos pela publicação. Foram ouvidos comunicadores, pesquisadores, lideranças indígenas e comunitárias e ativistas. Os relatos direcionaram a pesquisa e resultaram em um material qualificado e abrangente sobre a região que ocupa quase 60% do território nacional, corroborado pelos melhores dados técnicos disponíveis. 

O Guia apresenta um panorama geral do que é a Amazônia Legal, contextualizando o leitor com informações geográficas, socioambientais e com os principais vetores de destruição florestal e violência. Traz uma curadoria de dados produzidos por institutos científicos e organizações da sociedade civil amazônida e o levantamento de casos emblemáticos, mortes violentas e indicadores da crescente ameaça sofrida pelos povos originários nessas áreas. 

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Em outra ponta, a publicação revela a movimentação do Congresso Nacional nesse cenário de disputa de terras e recursos ambientais, destacando quatro projetos de leiem tramitação nas casas federais e o comportamento dos governos estaduais e das respectivas bancadas parlamentares diante do chamado Pacote de Destruição,uma série de propostas legislativas que altera profundamente a gestão do uso de terra no país. O Guia resgata ainda linhas do tempo estaduais, com os principais acontecimentos monitorados pelo Sinal de Fumaça ao longo dos últimos quatro anos e mapeia as principais fake news e campanhas de desinformação impulsionadas em cada localidade. Por fim, destaca pontos de atenção e projetos de alto impacto para as populações e a biodiversidade de cada estado que continuarão tramitando e sendo alvo de barganhas políticas após as eleições. 

“Produzimos o Guia como mais uma ferramenta para informar a cobertura jornalística e colocar o debate público sobre a Amazônia Legal como pauta central para o país antes, durante e após as eleições de outubro”, explica Rebeca Lerer, autora e coordenadora do Sinal de Fumaça. “Priorizamos as narrativas coletadas junto a pessoas que vivem e atuam em cada estado porque sem escutá-las não enfrentaremos de fato o racismo ambiental e a crise climática — dois desafios inadiáveis para o Brasil. O Guia é nossa pequena contribuição para que as pessoas interessadas possam conhecer e compreender melhor as múltiplas ameaças e potências das diferentes partes da Amazônia”, conclui. 

O que você vai encontrar no guia:

A Amazônia e aqueles que lutam pela defesa da floresta têm sofrido sucessivos ataques, mas nunca, desde a redemocratização, de forma tão sistematicamente violenta como durante a gestão de Jair Bolsonaro. De maneira articulada, a desestruturação da governança socioambiental no país foi feita por meio de reformas infralegais, aparelhamento das instituições civis de fiscalização como a Funai e o Ibama e transferência da responsabilidade pelo controle do desmatamento às Forças Armadas via edição de seguidos decretos de Garantia de Lei e Ordem. Para distrair e encobrir a ‘boiada’, criou-se uma sofisticada cortina de fumaça patrocinada pelo próprio governo federal e por ruralistas, um tsunami de fake news para criminalizar movimentos sociais e mascarar decisões que comprometem mais de três décadas de políticas públicas de combate ao desmatamento e avanços na legislação sobre o uso da terra no país. 

Amazônia Legal: um panorama

A região amazônica brasileira é organizada em dois principais territórios geográficos: o bioma Amazônia e a Amazônia Legal, que inclui toda a área do bioma, além de parte dos biomas Cerrado e Pantanal. Fazem parte da Amazônia Legal os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do estado do Maranhão. Essa área corresponde a 58,9% do território brasileiro e quase 16% da região foi atingida pelo desmatamento até o ano de 2020. Entre 2020 e 2021, houve um aumento do desmatamento de 21,97% e, em junho de 2022, a área sofreu a maior devastação já vista nos últimos 15 anos, com uma derrubada equivalente a dois mil campos de futebol em apenas 151 dias. A Amazônia Legal apresenta ainda sérios problemas de segurança e violência nas áreas rurais com 10 das 30 cidades mais violentas do país, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). 

Desmonte ambiental

Nos últimos quatro anos, a explosão dos índices de desmatamento e as queimadas históricas, além do incentivo político à grilagem, ao garimpo e outras atividades criminosas na floresta, trouxeram consequências letais para povos indígenas, ambientalistas, ativistas e defensores da luta pela terra. Esses fatos não são casos isolados  e fazem parte de um projeto de governo. As medidas que compõem o chamadoPacote da Destruição ganharam força com Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, ambos aliados do presidente Jair Bolsonaro, na presidência da Câmara dos Deputados e do Senado, respectivamente.  

Dada a relevância política da Bancada Amazônica no legislativo federal e em seus domicílios eleitorais, o Guia lista, estado por estado, como os deputados federais e senadores eleitos para a Legislatura 2018-2022 votaram em quatro projetos-chaves do Pacote da Destruição de Bolsonaro: 

– PL 2633/2020 – Grilagem: ameaça 19,6 milhões de hectares de áreas federais.

– PL 3729/2004 – Licenciamento ambiental: obras dispensadas de licença geram insegurança jurídica e impactam comunidades que não participam do processo.

– PL 490/2007 – Demarcação de Terras Indígenas (TI): ameaça aos direitos indígenas por meio da incorporação do Marco Temporal e brecha para a exploração predatória nos territórios. 

– PL 191/2020 – Mineração em Terras Indígenas: descumpre as normas e os compromissos internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Orçamento secreto

Em 2021, foi denunciado um esquema do Poder Executivo para a aprovação de emendas parlamentares ou de relator para a distribuição de verbas públicas e apoio a projetos de interesse do governo. O valor da verba provém de um acordo sigiloso e da articulação política entre governo e Congresso e, apesar de previsto no Orçamento Geral da União, não há registro do valor exato destinado a cada emenda liberada e muitas vezes os nomes dos parlamentares que indicaram a destinação da verba também são ocultados. No ano passado, o PLN 19/2021/PLOA 2022 destinou R$ 16,2 bilhões para as emendas de relator. Sem clareza nos critérios de divisão desse dinheiro e de acordo com informações veiculadas pela imprensa, durante a gestão Bolsonaro, parlamentares da base aliada do governo na Câmara dos Deputados têm sido favorecidos. 

Vetores de desmatamento

 As principais práticas que contribuem para o desmatamento das áreas de floresta e vegetação nativa na Amazônia Legal podem ser classificadas em quatro grandes vetores: grilagem, que consiste em invasão, roubo e posse de terras públicas para o lucro com o uso ou a venda ilegal da terra — a estimativa é que hoje exista uma área de 16 milhões de hectares fruto da atividade ilegal —, extração ilegal de madeira nativa ou corte sem autorização, avanço da fronteira agropecuária e expansão da mineração e dos garimpos ilegais, com concentração de 93,7% dos garimpos do país na Amazônia Legal.  

Destaques por estado da Amazônia Legal

Acre

No cenário político, dos oito deputados federais que representam o estado, 52,3% votaram favoravelmente aos quatro projetos de lei do Pacote da Destruição analisados no Guia; 62,5% dos deputados e dois dos três senadores fazem parte da bancada ruralista no Congresso. 

Um ponto de atenção no estado é a tramitação do PL 6024/2019 de autoria da deputada federal Mara Rocha (PSDB/AC), que propõe a redução da Reserva Extrativista Chico Mendes — entregando as terras para especulação fundiária — e a extinção do Parque Nacional Serra do Divisor, transformando-o em Área de Proteção Ambiental, com regras mais flexíveis. A mudança na unidade de conservação visa permitir a construção da Estrada do Pacífico para ligar Cruzeiro do Sul (AC) a Pucallpa (Peru). O projeto da rodovia ameaça diretamente as comunidades indígenas TIs Nukini e Nawa, que vivem no entorno do Parque Nacional da Serra do Divisor. Já o povo Ashaninka e 30 comunidades que também habitam a zona de fronteira estão ameaçados pela reabertura ilegal de outra rodovia, a Estrada Nueva Italia – Puerto Breu (UC-105), no Peru. Além da crise na fronteira, desde 2018 o desmatamento no estado é ascendente. A grilagem e o desmatamento avançam na área cobiçada pelo agronegócio conhecida como Amacro, localizada entre o sul do Amazonas, o leste do Acre e o noroeste de Rondônia.

Amapá

O estado possui oito deputados federais eleitos. Nas votações que compreendem os  projetos de lei do Pacote da Destruição, 62,5% dos votos destes deputados foram favoráveis e 25% dos parlamentares estão alinhados à Bancada Ruralista. Dos três senadores, dois fazem parte dessa bancada. 

O Guia destaca como principal emergência indígena as áreas do Oiapoque e do Tumucumaque, onde há registro de contaminação dos rios e peixes por mercúrio usado no garimpo ilegal, ameaça que provoca insegurança alimentar e impactos na saúde das comunidades indígenas da região. O monitor Sinal de Fumaça elencou três acontecimentos importantes para o estado no período analisado: o assassinato do líder indígena Emyra Waiãpi por garimpeiros em julho de 2019, fato que foi questionado pelo presidente Jair Bolsonaro; o avanço de garimpeiros nas terras indígenas durante a pandemia e o apagão que afetou diretamente comunidades mais vulneráveis como as quilombolas em novembro de 2020.

Amazonas

No estado do Amazonas, o cenário político se mostrou ainda mais inclinado ao Pacote de Destruição proposto pelo governo Bolsonaro, com 83,3% dos votos dos oito deputados na Câmara favoráveis aos projetos de lei e 50% deles integrando a bancada ruralista. No Senado, os três representantes estaduais pertencem à FPA. 

O Guia aponta como uma das principais amostras do esforço federal para a passagem da boiada no estado, a obra de asfaltamento do Trecho do Meio da rodovia BR-319, qualificada pelo Ministério da Economia do governo Bolsonaro para seguir adiante, mas que enfrenta problemas no licenciamento ambiental e é contestada na justiça. A finalização da rodovia ameaça 63 terras indígenas onde vivem 18 povos, incluindo isolados. A perspectiva da pavimentação da BR-319 está ligada ao forte aumento do desmatamento e da grilagem de terras no sul do estado, que vem batendo sucessivos recordes, e ao interesse do agronegócio na região conhecida como Amacro.  

No eixo do rio Madeira, nos últimos anos também há registro de expansão do garimpo ilegal nos municípios de Borba, Nova Olinda do Norte, Novo Aripuanã e Autazes. Como emergência indígena, o Guia aponta a região da TI Vale do Javari. Os assassinatos dos aliados Bruno, Dom e Maxciel mostraram ao mundo a realidade dos 26 povos indígenas que vivem no Vale, região bastante pressionada por exploradores de recursos naturais e que têm sofrido ataques crescentes desde a eleição de Jair Bolsonaro. 

Maranhão

No cenário político, o estado do Maranhão possui 18 deputados federais e três senadores, sendo que 72,25% dos votos dos deputados maranhenses na Câmara  foram favoráveis aos PLs do Pacote da Destruição; e 50% deles integram a Bancada Ruralista. Dos senadores, dois fazem parte da bancada. 

A passagem da boiada no estado é exemplificada pela tramitação do projeto de lei complementar 246/2020, que institui o Complexo Geoeconômico e Social do Matopiba, medida que deve massificar as investidas do agronegócio contra o território. A região chamada de Matopiba, composta por partes do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, concentrou mais de 61% de todo o desmatamento no bioma Cerrado entre 2020 e 2021. No Matopiba, o Maranhão é o estado que possui a maior área desmatada (2.281 km²). 

A ampliação da base aeroespacial do Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA) é apontada pelo Guia como emergência quilombola. Em parceria com os EUA, a obra pode implicar a remoção forçada de 30 quilombos, afetando cerca de 2 mil pessoas na região. No monitoramento realizado pelo Sinal de Fumaça dos principais acontecimentos socioambientais desde a eleição de Jair Bolsonaro, destacam-se os assassinatos dos indígenas Paulino Guajajara em novembro de 2019 e de Laércio Guajajara em dezembro do mesmo ano. Relatos indicam que eles sofriam ameaças de morte de madeireiros da região. Em janeiro de 2020, Firmino Silvino Guajajara e Raimundo Bernice Guajajara, indígenas da mesma etnia de Paulino, foram mortos em um atentado a tiros no município de Jenipapo dos Vieiras (MA). 

Mato Grosso

No estado do Mato Grosso, os oito parlamentares que o representam na Câmara dos Deputados votaram favoravelmente nos projetos de lei do Pacote da Destruição em 76% das votações. Do total, 87,5% se alinharam aos interesses da Bancada Ruralista no Congresso, e dois dos três senadores da Casa fazem parte da bancada. 

O projeto de Lei 337/2022, que está em tramitação, exclui formalmente o Mato Grosso da área da Amazônia Legal. Com isso, o estado pode alterar a aplicação do Código Florestal e ampliar a área a ser desmatada “legalmente” em cada propriedade. O estado é o maior produtor e exportador de soja do país, com mais de 10 milhões de hectares de área cultivada com o grão, e dono do maior rebanho bovino da Amazônia Legal, com 32 milhões de cabeças de gado, além de ser líder nacional na produção de madeira nativa. Outro ponto de atenção é o desmatamento acumulado de 139.504 km² no estado, o equivalente a 58% do total para os biomas Cerrado e Pantanal em 2020. Os índices de desmatamento se refletem na emergência indígena. As TIs Batelão e Enawenê-Nawê aparecem na lista entre as 10 terras indígenas mais ameaçadas pelo desmatamento no país no primeiro trimestre de 2022. A TI Piripkura sofre com atrasos no processo de demarcação e avanço da grilagem e de queimadas criminosas. 

Pará

No cenário político, o estado é representado por 17 deputados federais e três senadores, sendo que 47,5% dos deputados e dois dos três senadores fazem parte da bancada ruralista. Os 17 deputados paraenses votaram a favor dos PLs do Pacote da Destruição do governo Bolsonaro, em 54% das votações na Câmara. 

O Pará é o estado mais desmatado da Amazônia Legal, líder do ranking há 16 anos. Mesmo assim, tem PIB per capita de apenas R$ 19 mil por habitante, pouco mais da metade do valor nacional (R$ 33,6 mil). O estado também acumula o status de maior produtor mineral do país, sendo responsável por mais de 94% das exportações de minérios da região, com o minério de ferro representando US$ 14,34 bilhões e o de ouro, US$ 424 milhões. 

 Sobre a passagem da boiada, o Guia destaca o projeto de decreto legislativo 508/2019 apoiado por um grande grupo de senadores, que propõe um plebiscito pela criação do estado do Tapajós, o que dividiria o Pará, seus moradores e seus recursos naturais. E ainda o Termo de Compromisso Ambiental entre a Norte Energia e o Ibama/ UHE Belo Monte, um acordo firmado entre as partes para aumentar o nível do reservatório da usina restringindo o volume de água do rio Xingu, medida que inviabilizaria a pesca de subsistência de comunidades indígenas e urbanas e ameaça também 80% das plantas e dos peixes da região.

Como pontos de atenção, a publicação elege a rodovia BR-163, palco do Dia do Fogo em 2019, e onde o desmatamento no entorno aumentou 359% em 2020. O trecho de Sinop (MT) – Miritituba (PA) foi leiloado pelo governo federal em 2021, sem uma consulta aos povos diretamente impactados pela obra, como os Kayapó e os Panará. O avanço da destruição florestal no Xingu também é considerado um ponto crítico da região. 

As emergências indígenas mais importantes estão nas comunidades dos Munduruku, onde seis entre cada dez indígenas apresentam níveis de contaminação por mercúrio acima dos limites seguros. O garimpo na região cresceu mais de 269% no território Munduruku, de acordo com um levantamento feito entre janeiro de 2019 e maio de 2021. Na terra indígena Ituna-Itatá, 84,5% do desmatamento registrado ocorreu apenas entre os anos de 2019 e 2021. A localização da terra indígena também traz preocupação, já que ela se encontra na entrada para um complexo de 24 milhões de hectares de florestas protegidas pelo Mosaico da Terra do Meio, entre o Xingu e o Tapajós. 

Aqui, o monitor socioambiental Sinal de Fumaça destaca dois eventos relevantes para o território: o ataque a tiros realizado por garimpeiros contra uma equipe do Ibama durante uma ação de fiscalização em agosto de 2019, na TI Ituna/ Itatá, e em abril de 2022, a revelação de um esquema de empresários ligados à mineração que doaram mais de R$ 400 mil para candidatos a vereanças e prefeituras da região do Tapajós, sudoeste do Pará, nas eleições de 2020. 

Rondônia

Em Rondônia, os oito parlamentares representantes do estado na Câmara foram favoráveis em 41% das votações do Pacote da Destruição, sendo metade dos deputados integrantes da Bancada Ruralista e dois dos três senadores. 

Como destaques da passagem da boiada em nível estadual, o Guia aponta a Lei Complementar de 1089/2021, aprovada em abril de 2021 pela Assembleia Legislativa, que reduz em quase 220 mil hectares a Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná e o Parque Estadual Guajará-Mirim, regularizando a grilagem e o desmatamento ilegal para a criação de gado. Também tem destaque a Lei 5299/2022, que proíbe a destruição e inutilização de máquinas, veículos e outros itens apreendidos em ações contra o garimpo e crimes ambientais no estado.

O principal ponto de atenção é o avanço da grilagem e do desmatamento, entre o sul do Amazonas, o leste do Acre e o noroeste de Rondônia, na Amacro, área cobiçada pelo agronegócio. E a emergência indígena na região é a tensão vivida pelos povos do território Uru Eu Wau Wau, que estão sob crescente pressão de madeireiros e grileiros, ameaça que se agravou após o assassinato do guardião da floresta Ari Uru Eu Wau Wau numa emboscada em 2020. 

A linha do tempo do Sinal de Fumaça ressalta dois eventos importantes no estado de Rondônia durante o período analisado. As ameaças de morte e os bloqueios de ações de agentes do ICMBio em dezembro de 2018, com relatos dos agressores e invasores de terra confiantes na atuação do governo Bolsonaro e na regularização da grilagem de terras; e o assassinato de Ilma Rodrigues dos Santos e seu marido, Edson Lima Rodrigues, membros da Liga dos Camponeses Pobres (LCP) e residentes do Acampamento Thiago dos Santos no Distrito de Abunã, em fevereiro de 2022. 

Roraima

O estado possui oito deputados na Câmara, que votaram a favor do Pacote da Destruição em 74,8% das votações sobre o tema.  

O Guia destaca como principal esforço do governo para a passagem da boiada a aprovação da Lei 1.701/2022, sob contestação na justiça. A lei proíbe os órgãos de fiscalização e a Polícia Militar de destruir bens particulares apreendidos em operações de combate ao crime ambiental. 

O governo estadual de Roraima ainda tentou emplacar, sem sucesso, a Lei Estadual 1.453/2021 sancionada pelo governador Antonio Denarium em fevereiro de 2021, que previa a retirada da ilegalidade das atividades de garimpo de todos os tipos de minério no estado. A lei foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal por seu caráter inconstitucional e potencial ameaça ao meio ambiente. 

Sobre a emergência indígena o Guia destaca a situação do território Yanomami, duramente impactado pelo garimpo ilegal, pelo desmatamento e pela destruição dos rios. A  invasão de garimpeiros no local acarretou explosão nos casos de malária e outras doenças e um recrudescimento assustador da violência contra os indígenas que habitam a TI. O aumento dos conflitos contra os Yanomami pode ser exemplificado com  alguns casos emblemáticos. Dentre eles destacam-se: o assassinato de dois jovens Yanomami na região do rio Parima, em julho de 2020; um ataque contra pessas da comunidade de Helepe que resultou em um indígena gravemente ferido e na morte de um garimpeiro em fevereiro de 2021; mais recentemente, em abril deste ano, o caso de uma menina de 12 anos estuprada até a morte, e de uma criança que foi jogada no rio durante um ataque registrado por garimpeiros contra a comunidade Aracaçá, região de Waikás. Sinais da barbárie vêm se intensificando na região com o aval do Estado.  

Tocantins

Por fim, o estado do Tocantins é representado por oito deputados federais na Câmara, com 78,5% dos votos a favor dos PLs do Pacote da Destruição. Pouco mais da metade desses parlamentares, 62,5%, faz parte da Bancada Ruralista, incluindo os três senadores.

Como destaque da passagem da boiada na região, o Guia aponta o projeto de lei complementar 246/2020, que institui o Complexo Geoeconômico e Social do Matopiba, o que deve massificar as investidas do agronegócio contra o território. Mais uma vez a região do Matopiba é citada na publicação como ponto de atenção, com o estado do Tocantins no mapa do desmatamento, um total de 1.710,55 km² de área desmatada. 

E como emergência indígena, a área da Ilha do Bananal aparece como uma das mais destruídas entre as unidades de conservação do Cerrado sujeitas a grandes queimadas em 2020. O território abriga as comunidades indígenas Utaria Wyhyna/Iròdu Iràna, Inawebohona e o Parque do Araguaia. 

Para acessar o Guia completo clique aqui.


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Este texto foi originalmente publicado pela plataforma independente “Sinal de Fumaça – Monitor Socioambiental” [Aqui!].

OAB SP manifesta preocupação com o “Pacote da Destruição”, que viola garantias e direitos humanos de povos indígenas

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A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil seção São Paulo (OAB SP) e seu Núcleo de Direitos Indígenas e Quilombolas vêm a público manifestar sua preocupação com relação ao denominado “Pacote da Destruição”, conjunto de Projetos de Lei (PLs) em votação no Congresso Nacional e que violam diretamente as garantias constitucionais e os direitos humanos dos povos indígenas do Brasil, especialmente os PLs que objetivam facilitar o acesso à mineração em suas terras tradicionais.

Sob a alegação de que as dificuldades para a importação de fertilizantes provenientes da Rússia em razão da guerra em curso na Ucrânia ensejariam a aprovação de medidas “urgentes” para a busca de maior autossuficiência na produção de fertilizantes, vêm sendo acelerados os trâmites dos projetos que reduzem a proteção às terras indígenas e que frontalmente violam os parâmetros legais internacionais e nacionais, especialmente aqueles que cuidam especificamente sobre a mineração e exploração de terras indígenas, uma vez que referidas terras tradicionais, consoante tal argumentação, conteriam o maior número de reservas de potássio e fosfato – ingredientes básicos para a produção dos fertilizantes agrários.

Assim, por determinação do presidente da Câmara dos Deputados, em 9 de março de 2022, o PL 191/2020 foi submetido à votação sem que tivesse sido apreciado e discutido em qualquer comissão técnica, menos ainda ouvidas as lideranças indígenas. O requerimento de urgência desse projeto foi aprovado por 279 votos a favor e 180 votos contrários.

Segundo estudos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Instituto Socioambiental (ISA), apenas 1,6% das jazidas de potássio e 0,4% das jazidas de fosfato se encontram em terras indígenas1. Ou seja, a grande maioria dos depósitos de potássio e fosfato se localizam fora desses territórios. Além disso, apesar de uma eventual escassez fragilizar uma parte do setor econômico brasileiro, isso não tem o condão de retirar as garantias constitucionais dos povos indígenas, como o usufruto exclusivo de suas terras tradicionalmente ocupadas competindo à União proteger e fazer respeitar todos os seus bens (artigo 231, Constituição Federal de 1988 [CF/88]).

Além disso, conforme o artigo 231, §6º, da CF/88, são nulos os atos que tenham por objeto a exploração das riquezas naturais do solo de terras indígenas, ressalvado o relevante interesse público da União, que deve ser demonstrado e segundo o que dispuser lei complementar. Ou seja, mesmo em situações excepcionais em que seria permitida a exploração minerária em terras indígenas, há um rito a ser seguido.

Outrossim, o §3º do artigo 231 da CF/88, que se busca regulamentar com o PL 191/2020, exige, ainda, que as comunidades afetadas pela lavra de riquezas minerais sejam previamente ouvidas, tal como também determinado pela Convenção n° 169 sobre os Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em seu artigo 6º, da qual o Brasil é signatário.

É válido lembrar que a eventual aprovação do referido “Pacote da Destruição” pelo Congresso Nacional – composto pelo PL 2159 (licenciamento ambiental), PL 2633 e PL 150 (grilagem), PL 490 (marco temporal), PL 191 (garimpo) e PL 6299 (pacote veneno) – poderá causar prejuízos econômicos ao Brasil, já que a maioria dos países estão cientes acerca das violações ambientais aos biomas brasileiros, bem como sobre os impactos etnocidas sobre os povos indígenas e quilombolas.

Recorde-se que o meio ambiente é bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida de todos, constituindo dever do Poder Público defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações (artigo 225, CF/88).

A OAB SP, por meio de sua Comissão de Direitos Humanos e seu Núcleo de Direitos Indígenas e Quilombolas, estará atenta ao desenrolar dos referidos PLs, atualmente em curso sob regime de urgência no Congresso Nacional, de modo a que os povos indígenas e quilombolas do Brasil não sofram ainda mais espoliações por meio da aprovação de leis que afrontem seus direitos previstos na Constituição da República de 1988.

1 Disponível em: https://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-ppds/bolsonaro-mente-sobre- potassio-em-terras-indigenas. Acesso em: 15 mar. 2022.

Comissão de Direitos Humanos da OAB SP – Núcleo de Direitos Indígenas e Quilombolas

Sobre a OAB SP

Fundada em 22 de janeiro de 1932, a OAB SP é a maior Secional do Brasil, com mais de 450 mil profissionais inscritos, quase 5 mil estagiários e 33 mil sociedades inscritas. Mantém 120 comissões atuantes, entre permanentes e especiais, que desenvolvem trabalhos de estudo e aperfeiçoamento da legislação, além de zelar pela Advocacia paulista e pelos cidadãos. São 915 postos de atendimento espalhados por todo o Estado, incluindo a Secional e as 253 Subseções, e 241 pontos de Certificação Digital. A entidade promove, com exclusividade, a representação, defesa, seleção e disciplina da Advocacia. Ao defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, os direitos humanos e a justiça social, contribui com a consolidação das instituições democráticas e da cidadania brasileira.

Desmatamento na Amazônia: Deter 2022 registra o pior fevereiro da série histórica

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Monitoramento de Queimadas na Amazônia em setembro de 2021. © Victor Moriyama / Amazônia em Chamas

Manaus, 11 de março de 2022 – Dados do sistema Deter, do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados hoje, reafirmam que o desmatamento na maior floresta tropical do planeta segue fora de controle. Entre os dias 1º e 28 de fevereiro, os alertas apontam para um total de 199 km² desmatados. Isso representa um aumento de 62% em relação ao mesmo mês de 2021. É a maior área com alertas para o mês desde 2016, quando foram iniciadas as medições do Deter-B. Os alertas de desmatamento se concentram principalmente nos estados de Mato Grosso, Pará e Amazonas.

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Área dos alertas de desmatamento do programa DETER-B do mês de fevereiro | Fonte: INPE

“Os dois primeiros meses deste ano tiveram áreas recordes da série histórica, no acumulado já são 629 km² mais do que o triplo do que foi observado no ano passado, 206 km² desmatados . Isso tudo em um período no qual o desmatamento costuma ser mais baixo por conta do período chuvoso na região. Este aumento absurdo demonstra os resultados da falta de uma política de combate ao desmatamento e dos crimes ambientais na Amazônia, impulsionados pelo atual governo. A destruição não para”, afirma o porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil, Rômulo Batista.

Publicado na última segunda-feira (7), um estudo da Universidade de Exeter revelou que a floresta amazônica está perdendo sua capacidade de manutenção, chegando em um “ponto de não retorno”. De acordo com o estudo, três quartos da floresta estão apresentando uma resiliência cada vez menor contra secas e outros eventos climáticos adversos e, portanto, estão menos capazes de se recuperar. Assim, a previsão é de que grandes áreas irão começar a se transformar em um bioma mais parecido com uma área de floresta degradada e mais seca, gerando riscos para a biodiversidade e para o clima em escala global e intensificando a ocorrência de eventos climáticos extremos. 

“Na mesma semana em que milhares de pessoas se reuniram em Brasília, no Ato pela Terra, para exigir que o governo e o Congresso parem com o Pacote da Destruição, esse estudo publicado, a aprovação de urgência do PL da mineração em terras indígenas e os recordes dos alertas de desmatamento nos levam a refletir sobre o destino da Amazônia e seus povos. Além disso, quanto mais desmatamento, maior é a contribuição do país com a emissão de gases do efeito estufa, agravando ainda mais a crise climática e acelerando os eventos extremos como as chuvas torrenciais que vimos esse ano no Brasil. Os dados de fevereiro apontam para mais um ano em que o Brasil caminha na contramão do combate à destruição ambiental e dos direitos dos povos indígenas”, complementa Batista.