STF mantém entendimento da cobertura do rol da ANS como mínima

Para o Supremo Tribunal Federal, a nova lei sobre o rol exemplificativo avançou na temática de cobertura de planos de saúde e deve ser respeitada

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Na última quarta-feira (9), o Supremo Tribunal Federal (STF) extinguiu as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) e Ações de Descumprimento de Preceito Federal (ADPFs) que tramitavam na Corte a respeito da taxatividade do rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), com maioria de votos.

As ações foram iniciadas por grupos que representam pacientes e consumidores, dentre eles, o Idec, e defendiam que a interpretação pelo rol taxativo é inconstitucional e viola o direito à saúde, também previsto na Constituição. 

A decisão, que teve 7 votos contra 4, entendeu que a discussão sobre o tema estaria superada pela lei que determina a cobertura pelos planos de saúde de tratamentos e procedimentos fora da lista da agência reguladora (Lei nº 14.454/22).

A aprovação mostra o reconhecimento do STF sobre o avanço da nova lei e que ela deve ser respeitada, em deferência ao Poder Legislativo. Segundo Marina Paullelli, advogada no programa de Saúde do Idec, a decisão também mostra que a tese da taxatividade do rol está sendo enfraquecida pelo próprio Judiciário, uma vez que houve o reconhecimento expresso de que é possível haver cobertura além do Rol. “O reconhecimento do STF sobre a cobertura mínima do rol de procedimentos da ANS é extremamente positivo e deixa evidente  o quanto o rol taxativo não é benéfico para os contratos de planos de saúde”, afirma.

O STF também avaliou outros pontos importantes, como a necessidade de as pessoas com deficiência e as diagnosticadas com doenças raras terem representatividade adequada e possibilidade de participar das discussões sobre procedimentos e tecnologias a serem incluídos no Rol.

A lei tem como pano de fundo a decisão do Superior Tribunal de Justiça, em 8 de junho, de que a lista de cobertura obrigatória das operadoras passaria a ser taxativa, ou seja, os planos de saúde poderiam negar tratamentos a pacientes. Em resposta, após forte mobilização popular e de parlamentares, foi construído pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, um grupo de trabalho para unificar as propostas de projetos de lei. O resultado desse esforço foi o PL 2033/22, aprovado em 3 de agosto.

A decisão final da Corte ainda vai ser analisada, mas o Idec avalia que apesar do STF ter respeitado a autonomia do Legislativo e da Administração Pública, a Corte poderia ter ido além na garantia da supremacia do interesse público em detrimento do privado, e com isso ter julgado o mérito da ADPF 986, como queriam os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, que votaram nesse sentido. 

“Ainda estamos em um cenário de instabilidade regulatória quanto ao tema, principalmente pela ANS ter apoiado um Rol Taxativo inexistente no mundo jurídico e reforçado falácias das operadoras quanto ao aumento do custo dos planos de saúde em razão da lei nova. Por isso estamos avaliando os próximos passos”, aponta Paullelli.

Paullelli ressalta também que as ações constitucionais não pedem o fim do Rol da ANS ou desconsideram a necessidade de a agência avaliar tecnologias, cuja atribuição está prevista na lei da ANS. O pleito dos consumidores é pelo respeito aos contratos e o acesso às indicações médicas seguras no âmbito da saúde suplementar. 

A partir dessa sinalização do STF, o Idec continuará cobrando a Agência Reguladora e as operadoras de planos de saúde pelo respeito à legislação em vigor e há 20 anos de jurisprudência favorável ao Rol exemplificativo e que garante às pessoas consumidoras o direito de acessar tratamentos fora da lista de procedimentos, zelando pela vida. 

Além destas ações, outra ADI tramita no STF, desta vez questionando a constitucionalidade da Lei 14.454/22. Proposta pela Unidas (União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde), a ação afirma que a lei do Rol geraria intensos prejuízos econômicos às empresas. “O argumento de prejuízos financeiros não tem respaldo prático, como mostram os dados da ANS sobre o setor. Considerando a decisão que prevaleceu, esperamos que o STF, no seu papel de guardião da Constituição Federal e do direito fundamental à saúde, mantenha a coerência nesses julgados e reafirme novamente o caráter do rol de referência mínima”, completa Marina Paullelli. 

Entendimento do STJ sobre rol taxativo vai aumentar judicialização e lucro dos planos

rol taxativoGrupo de mães se acorrentou em frente ao STJ, em fevereiro, para protestar contra o Rol Taxativo.Créditos: Reprodução/Twitter/@andreawerner

Em julgamento bastante aguardado, desta quarta-feira, 8, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) — que estabelece cobertura mínima dos planos de saúde — foi considerado taxativo. Isso significa que as operadoras não serão mais obrigadas a arcar com tratamentos, medicamentos ou procedimentos que não estão previstos na lista da agência. Em modulação, a segunda Seção do STJ decidiu ainda que a taxatividade poderá ser superada em algumas situações.

Para especialistas, a decisão dificultará a vida dos clientes de planos de saúde.

Washington Fonseca, especialista em Direito Médico, Mestre em Direito pela PUC/SP e sócio do Fonseca Moreti Ito Stefano Advogados, avalia que o julgamento foi “absolutamente lamentável”. Segundo ele, os clientes serão os maiores prejudicados. “Os planos de saúde foram as empresas que mais lucraram na pandemia, principalmente o ano de 2020. Agora, pelo fato de existir a pontualidade nos atendimentos, os planos vão ficar muito mais à vontade e terão a legitimidade de negar tratamentos necessários. Acredito que, com o passar do tempo, essa decisão vai mudar, mas, infelizmente, de maneira imediata, ela vai ser aplicada, aumentando a judicialização.

Nycolle Araújo Soares, advogada especialista em Direito Médico e Proteção Jurídica Aplicada a Saúde e sócia do escritório Lara Martins, também avalia que a decisão é passível de recurso e pode chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF). Mas lamenta o entendimento do STJ. “O cenário é predominantemente favorável aos convênios. Para os beneficiários, um verdadeiro retrocesso, já que os planos de saúde poderão rejeitar as coberturas dos procedimentos que não estejam elencados no rol. A decisão é passível de recurso ao STF, mas de todo modo a discussão sobre as coberturas se torna ainda mais difícil para os beneficiários de planos de saúde.”

Mérces da Silva Nunes, advogada especialista em Direito Médico, autora de obras sobre o tema e sócia do escritório Silva Nunes, define a decisão como uma “tragédia para a saúde da população brasileira”. Mas, se de um lado os brasileiros perderam, por outro os planos saíram ganhando. “Os lucros dos planos de saúde deverão aumentar vertiginosamente com a limitação das coberturas apenas aos eventos e procedimentos em saúde listados no rol da ANS”, lamenta.

Renata Abalém, advogada especialista em Direito do Consumidor e diretora jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte, explica que os casos de exceção — aqueles em que se permitirá cobertura não prevista no rol — ainda deverão ser melhor entendidos após a publicação dos votos. “Na verdade, cogitou-se uma modulação desse rol taxativo, mas nós vamos entender até onde vai essa modulação somente quando forem publicados os votos. A verdade é que as famílias poderão ter cassados os seus direitos adquiridos, muitos inclusive por meio de liminar”.

Histórico

Criado para servir como base dos serviços que devem ser prestados pelos convênios médicos, o rol da ANS está previsto da Lei 9.656/98 — considerada um avanço quando publicada, há 24 anos. O rol descreve os eventos mínimos que os planos de saúde devem cobrir na contratação de serviços por seus usuários.

Até o entendimento do STJ desta quarta-feira, inúmeras decisões mostravam a tendência da jurisprudência majoritária, que entendia que o rol de procedimentos da ANS é exemplificativo e que as operadoras devem disponibilizar o tratamento necessário para a cura ou controle das doenças. Embora houvesse uma pequena corrente na Quarta Turma do ST J, que entendia ser o rol taxativo, a maioria dos magistrados seguia o entendimento unânime da Terceira Turma do STJ, de que o Rol da ANS é exemplificativo. Esse entendimento majoritário levou, inclusive, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo — o maior do país — a editar a Súmula 102, que diz: “havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS”.

A divergência entre as turmas do STJ, no entanto, levou os magistrados a se debruçarem sobre o tema, em ação que culminou no resultado deste 8 de junho de 2022.

Saúde em jogo: 49 milhões de usuários de planos de saúde ameaçados de ter tratamentos negados por operadoras

TJ volta a discutir o rol de procedimentos de planos de saúde, a lista de atendimento obrigatório das operadoras; risco é de empresas terem o direito de negar tratamentos mais eficientes

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Em uma semana, na próxima quarta-feira (8), o Superior Tribunal de Justiça retoma, em definitivo, o julgamento que pode afetar mais de 49 milhões de usuários de planos de saúde e definir a extensão da lista de cobertura dos procedimentos e tratamentos publicada pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

O julgamento é decisivo para as pessoas que utilizam esse serviço, as quais podem ter o acesso de tratamentos e medicamentos negados pelas operadoras, tendo que arcar sozinhas com os custos.

“Trata-se de estabelecer a nova e perigosa interpretação de que o Rol de Procedimentos e Eventos da ANS é taxativo e não exemplificativo, como compreende hoje a maior parte da jurisprudência”, explica Ana Carolina Navarrete, coordenadora do Programa de Saúde do Idec. 

Desde a aprovação da Lei de Planos de Saúde, em 1998, o rol de procedimentos foi interpretado pela Justiça como exemplificativo, ou seja, a lista de procedimentos cobertos pelas operadoras é considerada referência mínima. Segundo esse entendimento, a cobertura vai além de seu conteúdo listado, incluindo, eventualmente, outros procedimentos prescritos por médicos que tenham eficácia comprovada. Em oposição, há o entendimento das empresas de que o rol seria taxativo, que delimita a lista de coberturas, não dando margem a outras interpretações.

A limitação da cobertura com o rol taxativo coloca as pessoas usuárias desse serviço em situação de extrema vulnerabilidade diante das operadoras de plano de saúde. O acesso a tratamentos e medicamentos, hoje protegidos pela Lei de Planos de Saúde e pelo Código de Defesa do Consumidor, pode ser negado, mesmo decorrente de  prescrições médicas. 

“A mudança dessa interpretação, como propõem a ANS e as operadoras, colocaria todo o sistema em uma situação de insegurança. Tratamentos diversos poderão ser negados a famílias com respaldo jurídico e o problema repercutirá também no sistema público de saúde com mais sobrecargas”, afirma Navarrete. E completa: “O rol taxativo significa um retrocesso para os direitos conquistados em 1998”. 

Justificativas controversas

O julgamento do caso no STJ teve início em setembro de 2021, mas foi interrompido no mesmo dia por um pedido de vista da ministra Nancy Andrighi. O relator da matéria, o ministro Luis Felipe Salomão, manifestou-se e, em seu voto, acolheu o argumento das operadoras de que coberturas mais amplas gerariam desequilíbrio financeiro no setor. 

Porém, nos últimos 10 anos em que vigorou o entendimento pelo rol exemplificativo, o setor cresceu como um todo. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2014 a 2018, os lucros das empresas mais que dobraram. Além disso, a saúde suplementar foi um dos poucos setores que elevou seus ganhos durante a pandemia.

“Os argumentos de equilíbrio econômico das empresas são descabidos, como mostram os números da ANS, e não sustentam o argumento de colapso econômico comumente utilizados em prejuízo da saúde dos pacientes”, diz Navarrete.

Em fevereiro de 2022, o julgamento foi retomado no STJ e a ministra Nancy Andrighi abriu divergência dos argumentos de Salomão. Andrighi sustentou que a ANS não tem a prerrogativa de limitar o alcance das coberturas, quando a própria lei que regula o setor não o faz. A ministra também defendeu que o rol exemplificativo dá proteção ao consumidor contra a exploração predatória das empresas. Além disso, ela ainda utilizou dados do Ipea e da própria ANS para contestar a afirmação de que a manutenção do atual modelo encareceria as mensalidades dos planos.

A proteção de todos os consumidores em jogo

O Idec, enquanto instituição que luta pelos direitos de consumidores e que acompanha de perto o caso há anos, considera a mudança no caráter do rol um imensurável retrocesso aos direitos conquistados há mais de 20 anos. 

Se considerado taxativo, não haverá vitórias para a população, mas prejuízos sem precedentes em benefício de interesses estritamente financeiros por parte de empresas privadas – e com amparo jurídico. 

A instituição conclama o STJ a reiterar o entendimento histórico da própria Corte e de todos os tribunais do Brasil, que são predominantemente favoráveis à interpretação do rol exemplificativo. Para o Idec, é obrigação do Poder Judiciário garantir regras justas, que protejam todos os 49 milhões de usuários de planos de saúde – sejam eles pessoas com deficiências, autistas, com transtornos ou não – diante do interesse das empresas em reduzir suas obrigações e gastos assistenciais.

Caso contrário, o cenário será irreversível e os impactos serão múltiplos. E a ANS precisará arcar com as consequências de sua perda de credibilidade perante a sociedade de protegê-la e de fiscalizar os excessos das operadoras. 

Pesquisa revela que 80,6% dos médicos sofreram pressões e interferências de planos de saúde

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Por Medscape

A maioria dos médicos e médicas brasileiros é pressionada pelas operadoras de planos de saúde e se declara descontente com essa interferência e entraves à sua autonomia profissional, com prejuízos à qualidade da medicina praticada e ao atendimento em saúde de pacientes/usuários. Pelo menos 53% já sofreram interferências ou tentativas no tratamento dos pacientes por parte das operadoras de planos de saúde. Além disso, mais de 80,6% dos entrevistados enfrentaram pressões e restrições aos seus pedidos de exames e autorizações e 51,8% dos médicos disseram que as operadoras costumam criar dificuldades à internação dos seus pacientes.

Os dados são parte de uma pesquisa conduzida pela Associação Médica Brasileira (AMB) em parceria com a Associação Paulista de Medicina (APM) que foi divulgada na quinta-feira (31). Divulgado na quinta-feira (30), o levantamento “Os médicos brasileiros e os planos de saúde” foi feito durante os dias 25 de fevereiro e 09 de março deste ano por meio da ferramenta on-line Survey Monkey e teve a participação de 3.043 médicas e médicos. A margem de erro das estatísticas comentadas a seguir foi de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

Segundo o levantamento feito pelas entidades, ao menos 88,3% dos médicos e médicas já presenciaram o abandono do tratamento ou de algum procedimento médico por causa dos reajustes no valor cobrado pelas operadoras de plano de saúde. Baixe aqui o resultado completo da pesquisa “Os médicos brasileiros e os planos de saúde”.

Para o Dr. César Eduardo Fernandes, médico e presidente da AMB, “os resultados da pesquisa mostram o desrespeito e a violação do trabalho dos médicos e o descaso com a saúde dos beneficiários de planos de saúde.” Segundo ele, a pesquisa é uma forma de alertar os atores do setor para a necessidade de discutir e encontrar alternativas para uma situação que se cronifica e se agrava.

De modo geral, os resultados do estudo indicam a grande penetração e influência das operadoras de saúde na prática dos profissionais da medicina: 70,1% dos participantes da pesquisa atendem planos de saúde, sendo que 55,3% o fazem há mais de 20 anos. Também chama a atenção que 51,7% da categoria atendem cinco ou mais planos, enquanto 21,7% atendem apenas um plano. Vale notar que 50,3% dos respondentes declararam ter mais de 30 anos de formados, enquanto 19,5% têm entre duas e três décadas de atividade profissional.

Quanto aos valores recebidos das operadoras pelos serviços prestados, apenas 1% da categoria se disse satisfeito. Outros 85,8% dos profissionais da saúde informaram que já deixaram de receber seu pagamento ou foram pagos com atraso por consultas e procedimentos devido às glosas (não recebimento dos serviços prestados por causa de “inconsistências”). 

O levantamento trouxe mais um alerta: 92,4% da categoria acham que elas não estão investindo adequadamente na prevenção das doenças. É mais um ponto delicado, uma vez que esse é um apelo central de boa parte das campanhas de marketing do segmento.

Em nota, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa os maiores planos de saúde do país, afirmou, a respeito dos dados da pesquisa da AMB/APM, que “as associadas têm como conduta cumprir rigorosamente todas as leis, normas e regulamentações que lhe são impostas pelos órgãos competentes, assim como respeitar o ato médico, as diretrizes e os procedimentos necessários para a integridade de um sistema que atende com excelência a 49 milhões de usuários.” Disse ainda que “qualquer prática indevida observada na cadeia de saúde, inclusive desvios e fraudes, deve ser tratada individualmente”.

Maioria desaprova projeto de mudanças na lei que regula os planos de saúde

A percepção dos médicos sobre as principais mudanças em tramitação na Câmara dos Deputados, em Brasília (PL propostas o Projeto de Lei 7.419/2006), que visa mudar a chamada Lei dos Planos de Saúde (a Lei 9.656/1998) é de que a propositura é ruim. Cerca de 8 a cada 10 participantes do levantamento (mais de 77,1%) criticaram várias propostas contidas no projeto.

Uma das propostas criticadas pelos médicos é a possibilidade de segmentar os planos de saúde de acordo com os tipos de procedimentos contratados e outras diferenciações. Cerca de 79,9% dos médicos acham que essa ideia trará consequências negativas para a saúde dos pacientes.

Mais de 83% dos respondentes da pesquisa realizada pelas entidades médicas se disseram contrários às alterações que têm a intenção de reduzir a lista de procedimentos de cobertura obrigatória da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ou limitar a cobertura dos planos, o que pode facilitar as negativas de procedimentos prescritos.


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Este texto foi inicialmente publicado pelo site Medscape [Aqui!].

PL dos planos de saúde acessíveis beneficia operadoras e prejudica usuários

hospitalFoto: HUSH NAIDO / UNSPLASH

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Em tramitação no Senado, o Projeto de Lei dos Planos de Saúde Acessíveis (PL n. 7.419/2006) propõe novas modalidades de planos e mudanças na regulação do setor. O projeto traz benefícios às operadoras em detrimento dos usuários e impacta negativamente também no Sistema Único de Saúde (SUS), com propostas como o aumento da coparticipação para 50% e a flexibilização dos procedimentos e eventos assegurados pelo plano, sem seguir a cobertura mínima determinada pela Agência Nacional de Saúde (ANS). Assim, o usuário arca com a falta e dificuldade de acesso a procedimentos, demanda que é absorvida pelo setor público. A análise é de pesquisadores da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD/USP), publicada na sexta (11) na “Revista de Direito Sanitário”.

Os pesquisadores examinaram documentos oficiais relativos ao projeto, considerando suas justificativas econômicas e possíveis impactos das medidas no acesso à saúde. Mesmo se não aprovado, o PL é representativo de pautas comumente defendidas como solução para problemas característicos do setor, assim como das possíveis consequências de reformas para a efetivação do direito constitucional à saúde. Tal discussão ganhou mais espaço com a queda no número de beneficiários de planos privados, que se intensificou com a crise econômica de 2016 e com a pandemia.

Considerando o caráter emblemático do projeto, o relatório teve como objetivo averiguar a suposta eficiência econômica das propostas, defendida em seu lançamento, e prever possíveis efeitos práticos no sistema de saúde brasileiro. A pesquisadora Ana Luisa Romão, autora do artigo e doutoranda em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da USP, afirma que as novas modalidades de planos podem parecer atraentes em um primeiro momento, mas servem muito mais ao interesse das operadoras de saúde do que da população. “Este setor atrai cortando custos, a partir do oferecimento de modalidades de plano de saúde mais baratas e simplificadas. Mas elas vêm com um preço, na queda de cobertura e na dificuldade de obter atendimento. É importante que a sociedade tenha ciência disso, de que algo que é teoricamente para aumentar o acesso do cidadão à saúde, na verdade, diminui”, diz.

A falta de cobertura do sistema privado também impacta o sistema público, aumentando filas e gastos: “O consumidor paga o plano e, na hora que precisa, tem uma cobertura deficitária e é obrigado a usar o serviço público. Os serviços básicos ficam no atendimento privado e os de maior complexidade, que são áreas historicamente deficitárias, são jogados para o sistema público, que também perde com esse gasto”, explica Romão.

A pesquisadora afirma que é necessário acompanhar os projetos legislativos e de mudanças na regulação do setor, avaliando as propostas para além do que é mais aparente. “Nem sempre colocar algo como acessível necessariamente trará o benefício de acessibilidade aos serviços. É uma briga que vai continuar, e a que se precisa estar atento para não se deixar levar por discursos muito fáceis, de que se é barato, é bom. Não necessariamente. Às vezes, o barato sai caro”, conclui Romão.

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Este foi publicado originalmente pela Agência Bori [Aqui!].

Pobre não poder ficar doente!

A situação da serviços públicos de saúde vão de mal a pior no Brasil faz muito tempo. Essa deterioração empurrou milhões de brasileiros na direção de planos privados que, por algum tempo, serviram como um paliativo para aquela parcela da população que podia pagar pelo atendimento privado. Eu diria que a situação agora atingiu até esse setor da população, já que muitos hospitais privados fogem dos planos como o diabo foge da cruz. Para aqueles que não podem pagar, mas são da classe média, há sempre a chance de que possa ser atendido após pagar valores exorbitantes por simples consultas médicas. Já para os pobres, não há qualquer solução, a não ser a morte.

Hoje num encontro com um vendedor de tickets para estacionamento em via pública numa cidade do interior de São Paulo informei que acabava de voltar por um périplo pelos dois únicos hospitais privados existentes (sendo que um deles está para fechar por falta de pagamentos por parte da prefeitura municipal), onde gastei três horas para ter atendimento médico básico.

Ai tive a curiosidade de perguntar sobre a forma como ele resolve seus próprios problemas de saúde, e a resposta foi curta e seca: pobre não pode ficar doente! De pronto, dei o meu retorno a ele: nem a classe média que pode pagar planos privados!

O pior é que ainda veremos brotar de volta a famigerada CPMF sob o manto do argumento de que os recursos extorquidos dos brasileiros serão investidos na saúde público. Mas de fato  o que estamos vendo pelas notícias circulando na imprensa corporativa é a disposição de aprofundar a privatização do que ainda resta de saúde pública, a começar pelos hospitais federais no estado do Rio de Janeiro. Será cômico, se não fosse trágico!