Na Espanha, prefeitos de extrema-esquerda tomam posse cortando próprios salários

Por  Luisa Belchior, correspondente da RFI em Madri.
A nova prefeita de Madri, Manuela Carmena.

A nova prefeita de Madri, Manuela Carmena.Reuters

Uma nova era política tem início nesta segunda-feira (15) na Espanha. É o primeiro dia de trabalho para prefeitos de 8.122 municípios do país. Eles tomaram posse no fim de semana após as eleições regionais do mês passado, marcadas pelo êxito de novos partidos e o fracasso dos tradicionais. Oito das 10 maiores cidades serão agora governadas pela esquerda radical ou por plataformas cidadãs, com promessas como eletricidade grátis, redistribuir a riqueza e frear os programas de austeridade.

Em Madri há uma mudança radical sobretudo porque o Partido Popular, a sigla conservadora do primeiro-ministro Mariano Rajoy, deixa o governo após 24 anos à frente da capital. Quem entra é Manuela Carmena, uma juíza aposentada de 71 anos com uma longa luta contra despejos de pessoas que não conseguem pagar hipotecas. Carmena já anunciou que vai garantir moradia às famílias despejadas pelos bancos que provem não ter renda. Também dará refeições grátis a todas as crianças de 0 a 13 anos de baixa renda.

Na estrutura do governo, vai cortar pela metade o seu próprio salário, que passará de € 94 mil para € 45 mil euros anuais, e o de secretários e altos cargos. Líder de uma plataforma cidadã ligada ao Podemos, a ex-juíza também prometeu dialogar com todos os partidos e não só com os de extrema-esquerda.

Em Barcelona quem assume é a ativista política Ada Colau, de 41 anos. Ela é líder de um movimento que impediu centenas de execuções de ordens de despejo na cidade, chegando a ser presa por isso. Colau apresentou no fim de semana um plano de choque para reduzir a desigualdade social na capital catalã.

Usará € 25 milhões para garantir renda mínima de € 600 a todas as famílias. Também vai reduzir seu salário para € 2.200. Ela também declarou guerra ao turismo de massas da cidade e promete frear a construção de novos hotéis.

Em Valência, a terceira maior cidade espanhola, a mudança foi drástica. O Podemos, partido de extrema-esquerda que surgiu há pouco mais de um ano e já é o favorito nas eleições gerais, conquistou a prefeitura e, com isso, tira do posto a prefeita do PP que governou sozinha e em maioria absoluta por 24 anos. O novo prefeito declarou guerra às grandes construções a mega empreendimentos, que viraram a marca da cidade.

Temor no meio empresarial

Também se destaca a nova prefeitura de Cádiz, no extremo sul da Espanha. A cidade, também em mãos do PP por duas décadas, passa agora o comando a um professor de geografia de 39 anos, um dos mais jovens prefeitos, também do Podemos. Ele garantiu dar luz e água grátis a todas as casas de Cádiz e manterá o seu salário de professor, de € 1.800.

Há um temor grande do mercado e do setor financeiro e empresarial, principalmente em Barcelona e Valência. Em Madri, o fato de Manuela Carmena já ter ocupado por décadas um cargo público, de juíza, transmitiu certa confiança e segurança a esses setores. Mas empresários e investidores já estão em pé de guerra com a prefeita de Barcelona, Ada Colau, e em Valência temem que os investimentos se estanquem.

Vale destacar também a crise que esse novo tabuleiro político provocou nos dois principais partidos, o PP e PSOE. No caso dos socialistas, a crise é menor, já que, além de prefeituras próprias, eles garantiram o governo a partir de pactos com as siglas de extrema-esquerda e plataformas cidadãs. Já na sigla de Mariano Rajoy, o problema é maior. O partido, que tinha maioria absoluta em parlamentos de 38 municípios, só conseguiu segurar duas cidades com o governo dessa maneira. Em todos os outros que venceu, teve que fazer pactos para poder governar.

FONTE: http://www.portugues.rfi.fr/europa/20150615-na-espanha-prefeitos-de-extrema-esquerda-tomam-posse-cortando-proprios-salarios

David Harvey: “O Syriza e o Podemos abriram um espaço político”

Para o geógrafo, os partidos tradicionais tornaram-se incapazes de enfrentar o capitalismo reconfigurado. Mas grupos como o Syriza e o Podemos multiplicam o alcance das “políticas do quotidiano” praticadas pela juventude anti-sistema. Myke Watson entrevista David Harvey, para a Verso Books .

Conhecido pela abordagem não convencional que introduziu no debate sobre o Direito à Cidade e pela sua leitura heterodoxa da obra de Karl Marx, o geógrafo David Havey parece cada vez mais disposto a participar do esforço pela renovação do pensamento e lutas anticapitalistas. A partir de 2011, já examinara atentamente movimentos como a Primavera Árabe, os Indignados e o Occupy. Agora, aos 79 anos, segue com atenção formações políticas que, embora tendo o marxismo como fonte (não única…) de inspiração, diferem em muito dos partidos tradicionais de esquerda — nos programas, práticas e métodos de organização. Volta os olhos, em especial, para o Syriza grego e Podemos espanhol.

Na entrevista a seguir, Harvey fala brevemente — porém de forma incisiva — sobre estes novos movimentos-partidos. Vale a pena reter três pontos suscitados pelo geógrafo: a) Segundo ele, o cenário das lutas políticas e culturais é menos sombrio do que vezes parece. A esquerda histórica perdeu a capacidade de dialogar com os novos movimentos. No entanto, eles multiplicam-se, ao reunir um número crescente de pessoas que, no meio de um mundo desumanizado, “procuram uma forma de existência não-alienada e esperam trazer de volta algum sentido à própria vida”; b) Syriza e Podemos não se definem como anticapitalistas, mas isso é o que menos importa. Eles dão sentido e força à revolta de quem se sente desamparado pela redução dos direitos sociais. Ao fazê-lo desafiam o principal projeto do sistema: uma nova ronda de reconcentração de riquezas, expressa nas políticas de “austeridade” ou “ajuste fiscal”; c) Talvez o calcanhar-de-aquiles das políticas hoje hegemónicas esteja na Europa. Ao empurrarem a Grécia para fora do euro, a oligarquia financeira pode produzir uma tempestade de consequências imprevisíveis. Segue a entrevista (A.M.).

No seu último livro, afirma que Marx optou pelo humanismo revolucionário em vez do dogmatismo teleológico. Onde seria possível encontrar um espaço para a concretização deste humanismo revolucionário?

Isto não é uma coisa que precisamos de inventar – existem muitas pessoas por aí fora em conflito com o mundo em que vivem, que procuram uma forma de existência não-alienada e esperam trazer de volta algum sentido à própria vida. Penso que o problema está na incapacidade da esquerda histórica em saber lidar com este movimento, que pode realmente modificar o mundo. No momento, os movimentos religiosos (como o evangélico) têm-se apropriado desta procura por sentido, o que pode implicar, politicamente, na transformação destes movimentos em algo totalmente diferente. Penso, por exemplo, no ódio contra a corrupção, no fascismo em ascensão na Europa e no radicalismo do Tea Party norte-americano.

O livro encerra com uma discussão sobre as três contradições perigosas (crescimento ilimitado, a questão ambiental e alienação total) e diversos caminhos de mudança. Isto seria um tipo de programa ou a revolta precisa basear-se numa espécie de coligação fluida de diferentes formas de insatisfação?

A convergência entre diversas formas de oposição sempre terá importância fundamental, conforme vimos em Istambul, com o parque Gezi, e no Brasil. O ativismo político é de importância fundamental e, novamente, creio que o problema esteja na incapacidade da esquerda em canalizá-lo. Há diversas razões para isto, mas penso que o motivo principal seja o fracasso da esquerda em abandonar a sua ênfase tradicional na produção em favor de uma política da vida quotidiana. A meu ver, a política do quotidiano é o ponto crítico a partir do qual podem desenvolver-se as energias revolucionárias, e onde já ocorrem atividades orientadas para a definição de uma vida não-alienada. Tais atividades estão antes relacionadas ao espaço de vida do que ao espaço de trabalho. Syriza e Podemos oferecem-nos um primeiro vislumbre deste projeto político – não são revolucionários puros, mas despertaram grande interesse.

O Syriza tem desempenhado um papel trágico, no sentido clássico do termo. Está efetivamente a salvar o euro (que tem sido instrumento de violência de classe) também para defender a ideia de Europa, uma das bandeiras da esquerda nas últimas décadas. Considera que o partido encontrará espaço político ou acabará por fracassar?

Neste caso, afirmar o que seria um sucesso ou fracasso não é fácil. Em muitos aspectos, o Syriza irá fracassar a curto prazo. Mas acredito que a longo prazo terá alcançado uma vitória por ter suscitado questões que não poderiam ter sido ignoradas. No momento, a dúvida gira em torno da democracia e o seu significado, quando você tem Angela Merkel a governar de modo autocrático, a decidir a vida de todos os europeus. Chegará o momento em que a opinião pública irá clamar pela queda dos governos autocráticos. Em último caso, se Merkel e os líderes europeus não mudarem as suas posições e forçarem a Grécia a sair da Europa (como provavelmente farão), as consequências serão bem mais sérias do que hoje se imagina. Políticos normalmente cometem graves erros de julgamento, e eu considero este um desses casos.

No livro prevê um novo ciclo de revoltas. Porém, uma avaliação dos últimos anos terá que reconhecer que a Primavera Árabe foi um desastre e que o Occupy não foi capaz de se transformar numa força política eficaz. Considera que a resposta está num partido como o Podemos, que tem sido capaz de dar expressão política aos protestos de 2011 na Espanha?

O Syriza e o Podemos abriram um espaço político, pois algo novo está a acontecer. E o que seria isto? Não sou capaz de responder. Logicamente aqueles que pertencem à esquerda anticapitalista irão acusá-los de “reformistas”. O que até pode ser verdade, mas também foram as primeiras forças a promover determinadas políticas, e uma vez iniciado este novo caminho, surgirão novas possibilidades. Romper de uma vez por todas com o mantra da “austeridade” e esmagar o poder da troika [FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia, que impõem as políticas económicas nos países europeus em crise] abriria, acredito, um espaço para novas perspectivas, que poderiam ser desenvolvidas adiante. Na atual situação, penso que estes modelos de partidos que vemos surgir na Europa, que começam a definir alternativas de esquerdas atualmente em falta, são as melhores opções. Provavelmente serão populistas – com todos os limites e perigos que o populismo implica –, mas como eu disse, trata-se de um movimento: ele abre espaços, e o modo como utilizamos estes espaços depende da nossa capacidade de perguntar, “Ok, agora chegamos até aqui, o que devemos fazer agora?”.

Você acredita que o neoliberalismo foi apenas um momento de mudança que será superado pela reorganização do capital pós-crise? Ou acha que ele será reforçado com novo vigor?

Eu diria que o neoliberalismo nunca esteve tão forte quanto agora: o que é a “austeridade” efetivamente, senão a transferência de recursos das classes baixas e médias para as classes altas? Se olharmos as informações sobre quem beneficiou com as intervenções estatais desde a crise de 2008, veremos que foi o 1% da população, ou melhor, o 0,1%. É lógico que a resposta para isto depende de como se define o neoliberalismo, e minha definição (um projeto da classe capitalista) talvez seja algo distinta da de outros estudiosos.

Quais foram as novas “regras do jogo” instauradas no sistema capitalista após 1970?

Por exemplo, no caso de um conflito entre bem-estar coletivo e resgate dos bancos, salva-se os bancos. Em 2008, estas regras foram aplicadas de um modo bastante claro: salvaram os bancos. Porém, poderíamos facilmente ter resolvido os problemas daqueles que foram despejados, atendendo a necessidade da população por habitação, e só então ter dado atenção à crise financeira. A mesma coisa ocorreu com a Grécia, a quem foi emprestado um bocado de dinheiro que foi direto para os bancos franceses e alemães.

Por que, então, foi preciso que os gregos atuassem como intermediários na transferência entre os governos e bancos?

A estrutura em funcionamento permite que a Alemanha não tenha que salvar diretamente os bancos alemães, ou a França os bancos franceses: sem a Grécia no meio, teria ficado óbvio o que estavam a fazer. Ao passo que, daquele outro modo, o fato de terem despejado todo este montante de dinheiro faz parecer que a Grécia foi tratada com generosidade, quando na verdade estes fundos foram diretamente para os bancos.

Você mencionou o 1%. Como marxista, considera este dado apenas um slogan eficiente, vê nele algum valor analítico ou acha que só ajuda a desviar a atenção do conceito da luta de classes?

Se aceitamos o materialismo histórico-geográfico, temos que reconhecer que as contradições evoluem constantemente, e o mesmo deve acontecer com as nossas categorias. Ao referir-se ao “1%”, portanto, o Occupy foi bem sucedido ao introduzir este conceito no debate público. É evidente que a riqueza deste 1% aumentou de forma maciça, como mostram Piketty e todos os dados. Por outras palavras, falar sobre o 1% é reconhecer que criamos uma oligarquia global, que não coincide com a classe capitalista, mas que está no centro dela. É como uma palavra-chave que serve para descrever o que a oligarquia global está a fazer, dizer e pensar.

Tradução de Evelyn Petersen.

FONTE: http://www.esquerda.net/artigo/david-harvey-o-syriza-e-o-podemos-abriram-um-espaco-politico/37172

Depois do Syriza na Grécia, Podemos abala estruturas de poder na Espanha

podemos

Enquanto no Brasil vivemos um período de supremacia parlamentar da direita e de manifestações neofascistas pelas principais capitais, a Espanha viveu ontem um dia de terremoto político. O Podemos, um dos partidos nascidos após as massivas manifestações anti-austeridade de 2011.  Os primeiros resultados apontam que o Podemos venceu as eleições para Barcelona e ainda poderá assumir o governo de Madrid em aliança com o PSOE. Essa situação de mudança poderá ter ainda reflexo em Portugal, pois também ali há um processo de reorganização semelhante das forças de esquerda.

Para mim, a principal lição que está sendo dada pelo Syriza e pelo Podemos é que não é necessário amainar discursos para ganhar eleições para se chegar ao poder. O fundamental é ter um programa político que ultrapasse a sustentação do sistema de poder capitalista, e que hoje implica na aplicação de agendas de austeridade e retirada de direitos dos trabalhadores. 

Mas o essencial que essa vitória do Podemos aponta é que não é necessário cair na armadilha de que é preciso votar no mal menor, o que no Brasil é hoje representado pelo PT. Na verdade, a maior preocupação dos trabalhadores e da juventude é ter partidos políticos que reflitam suas necessidades reais de justiça social e democracia. 

Abaixo um vídeo com um dos líderes do Podemos, o professor universitário Pablo Iglesias, em um comício de preparação para as eleições municipais, o qual foi feito em janeiro de 2015. As palavras de Iglesias agora soam como proféticas.

Rodrigo Vianna: Syriza e Podemos avançam na Europa, e Dilma se rende com Levy

Syriza-e-Podemos

Alexis Tsipras (Grécia) e Pablo Iglecias (Espanha) vão ceder às levyandades do mercado?

“A Grécia vai deixar a austeridade da catástrofe e do medo”, garantiu Alexis Tsipras no seu discurso. “Os que foram derrotados foram a elite e os oligarcas. Vamos ter de volta a nossa dignidade, a nossa soberania.”

Por Rodrigo Vianna, no Escrevinhador

A vitória do partido de esquerda Syriza, na Grécia, é uma resposta da Democracia contra o chamado “Mercado” – que tenta sequestrar a vontade popular impondo um programa liberal “inevitável” (como se homens e mulheres não pudessem escolher o seu caminho).

O Syriza ganhou as eleições na Grécia, com maioria no Parlamento e provavelmente sem necessidade de acordos ou alianças. A vitória veio depois de 6 anos de crise social catastrófica. E vejam que curiosa a forma como a imprensa brasileira trata o assunto:“Esquerda radical vence na Grécia“, diz o UOL/Folha; “Esquerda radical chega ao poder na Grécia e preocupa Europa”, diz o Estadão.

Desde 2008, os governos gregos seguiram à risca o programa neoliberal do FMI e da União Européia – sob supervisão da Alemanha. Resultado: cortes, desemprego, recessão.

A economia grega encolheu 25% em 6 anos. Um de cada quatro trabalhadores perdeu o emprego. Houve um desmonte do Estado, uma submissão completa ao chamado “Mercado”. Mas a imprensa brasileira jamais chamou os governos gregos anteriores, que adotaram esse programa suicida, de “direita radical”, ou de “ultraliberais radicais”.

Pouco importa, a essa altura. A tentativa agora será emparedar o Syriza, gerando tensões, obrigando a nova liderança grega a “jogar o jogo” de Merkel.

O problema para a direita liberal européia é que há outro jogo em andamento. Na Espanha, o “Podemos” (que “O Globo” também chama de “esquerda radical”) é favorito para vencer a eleição deste ano. Com um programa de aprofundamento da Democracia.

O líder do “Podemos” espanhol, Pablo Iglesias, fez aliás um comentário cáustico sobre a vitória do Syriza na Grécia:  “Os gregos não terão mais à frente do governo um delegado a serviço de Angela Merkel”.

O Syriza e o Podemos não são “radicais”. Esse adjetivo é uma forma de jogá-los numa espécie de gueto ideológico. Radical era a Thatcher  que esculhambou o Estado inglês. Radical é o Samaras (primeiro-ministro grego, ultraliberal, que fez o serviço sujo para o FMI e a Merkel).

Radical, talvez, fosse o Lênin. Ah, se algo parecido com Lênin existisse na Grécia, o Samaras estaria a caminho do fuzilamento. Mas não é assim. O Syriza joga na Democracia. É uma chance de resgatar a Democracia da mão dos fundamentalistas liberais.

O curioso é que a Europa – ou parte dela ao menos – ameaça virar à esquerda no exato momento em que o Brasil faz um estranho giro à direita. Joaquim Levy foi à Europa para participar do convescote liberal em Davos (Suiça). Parece que o Brasil volta aos tempos de FHC, quando ministros bem comportados se exibiam como fiéis cumpridores da fórmula liberal. Patético.

Durante 6 anos, enquanto a Europa se afundava em desemprego e recessão, o Brasil (sob o comando de Guido Mantega na Fazenda) resistia, e adotava uma fórmula oposta à sugerida pelos neoliberais.

Grécia, Espanha, Portugal e Itália seguiram à risca a formulinha liberal. Naufragaram, deixaram a Alemanha mais forte, e agora buscam saídas.

Mas o jogo é confuso. Na França, a crise ameaça levar o país para a direita fascista. Le Pen (a filha) com sua Frente Nacional (extrema-direita) pode ganhar o poder, depois da traição programática do PS (Partido Socialista) francês. Não será uma saída pela esquerda. Mas Le Pen significará também o fracasso da Europa liberal.

Nessa hora dramática, e depois de ter resistido bravamente, o Brasil inicia um ajuste liberal – com a marca da traição programática que deixou o PS francês em frangalhos.

O que o Syriza tentará fazer a dura penas na Grécia (mas com maioria parlamentar e mobilização nas ruas) é o que o PT já conseguiu fazer nos últimos anos: programas sociais, redução da desigualdade, defesa do Estado e da soberania nacional.

Tudo isso corre risco aqui no Brasil. A direita pode implodir, por dentro, o que se conseguiu construir nos últimos 10 ou 12 anos.

As ações de Levy e a omissão de Dilma (que sumiu e não fala com sua base social) mostram que o quadro pode se agravar.

Se Dilma não corrigir o rumo, o Brasil irá para a recessão. Com a direita babando pelo impeachment e os movimentos sociais nas ruas, estará aberta a disputa: mais adiante, teremos uma saída a la Syriza? Ou no estilo Le Pen?

Hoje, o jogo está indefinido.

O Brasil tem um mercado interno poderoso e um arremedo de Estado social criado nos anos Lula. Tem bancos públicos e uma classe trabalhadora razoavelmente organizada. Tem um partido de esquerda (?) ainda com alguma força, como o PT.

Deveria usar esse patrimônio para impedir que a crise se aprofunde.

A Esquerda pode costurar um programa que signifique defender os avanços dos anos Lula, radicalizando a Democracia, defendendo o papel do Estado e rejeitando o programa dos Armínios e Levys.

O PT e Lula ainda podem ajudar a costurar esse novo pacto. Mas se não agirem rápido, correm o risco de virar um PASOK (o velho partido de centro-esquerda grego, que teve menos de 5% dos votos) ou um PS francês – que jogou a história no lixo e abriu caminho para a extrema-direita fascista.

FONTE: http://www.viomundo.com.br/politica/rodrigo-vianna-syriza-e-podemos-avancam-na-europa-e-dilma-se-rende-com-levy.html

Enquanto Dilma abraça austeridade e torpedeia direitos, gregos elegem partido antiausteridade

Syriza party supporters

Esse início de 2015 está sendo para lá de interessantes contrastes. Aqui no Brasil, tendo vencido com um discurso antiausteridade, Dilma Rousseff emplacou Joaquim Levy, um “Davos Boy”, no Ministério de Fazenda, e desandou a enfiar a tesoura em parcos direitos acumulados pela classe trabalhadora. Enquanto isso, o povo grego que conviveu nos últimos anos com medidas extremas de austeridade imposta pela troika (FMI, Banco Central Europeu e União Européia) e que jogaram a Grécia num precipício social e econômico sem precedentes.

Os votos ainda estão sendo contados, mas já se sabe que o partido Syriza vai assumir o poder na Grécia (Aqui!), o que deverá obrigar uma mudança de posição por parte da União Européia e do Fundo Monetário Internacional no tratamento da impagável dívida grega, a qual se suspeita já foi paga várias vezes.

De quebra, há a possibilidade de um resultado semelhante na Espanha, onde o Podemos está posicionado para produzir um resultado semelhante ao que o Syriza produziu hoje na Grécia.

E como essa rejeição dos programas de austeridade também está crescendo em outros países da Europa, é provável que ainda tenhamos outros desdobramentos em outras partes da União Européia.

Se isso realmente acontecer, quero ver como é que o neopetismo vai explicar aos trabalhadores brasileiros todas suas políticas de austeridade e cortes de direitos. No mínimo, vai ser complicado. A ver!

Syriza e Podemos: mostra que ainda espaço para utopia no “realpolitik”

Tem algum tempo que cansei de ouvir as lamúrias pragmáticas e anti-utópicas que são disseminadas pelos militantes e simpatizantes do PT (ou neoPT como alguns gostam), É que se prestarmos um pouco de atenção nas lamúrias que são jogadas para explicar a guinada à direita do partido, o que veremos é a defesa dos limites de uma política real que deixaria Harry Fukuyama (aquele que previu o fim da história após o desmantelamento do Muro de Berlim) feliz demais. É que, por detrás as lamúrias pragmáticas, o que se tem é a decretação cínica do  fim das utopias e das possibilidades de algo mais do que gerir bem o Estado burguês no horizonte dos partidos que se proclamam de esquerda.

Como estava dentro do PT quando o Muro de Berlim virou poeira, lembro bem desse chorôrô. É que mal tinham acabado de voltar de um curso de formação política na Alemanha Oriental, Lula e Zé Dirceu tiveram que se defrontar com o fim do falso socialismo, e a abertura de chances reais de ser rediscutida a construção de uma nova sociedade. Ali enquanto os trotskistas como eu viam a abertura de uma chance real de construção do socialismo, os pais do neopetismo viram uma derrota histórica e desmoralizante.

De lá para cá, o que se viu foi a contínua concessão aos ditames do mercado por um lado e, de outro, a completa adesão aos piores elementos da política burguesa e nas suas formas mais abjetas dentro da forma atrasada de desenvolvimento do Estado burguês no Brasil. 

E em função disso, é que temos todo tipo de ataque aos que ousam dizer que o realismo do PT não serve ao interesse dos trabalhadores, camponeses e à juventude do Brasil.  Qualquer sinal de crítica é logo tachado de ultra-esquerdismo e por ai vai.

Agora, me parece que o PT está para se defrontar um novo Muro de Berlim, só que agora saído das eleições gerais na Espanha e na Grécia. É que nesses países devem emergir vitoriosos partidos políticos que lembram muito o PT no seu nascedouro, e com muitas das mesmas contradições que o partido então tinha. E o mais interessante é que o Syriza na Grécia e o Podemos na Espanha resultam de um cansaço extremo com a mesma lógica de “realpolitik” abraçada por forças tradicionais da esquerda espanhola e grega, e que foi a mesma à qual o PT abraçou no Brasil.

Alguns dos “teóricos” neopetistas vão querer dizer que Espanha e Grécia não possuem a mesma importância geopolítica do Brasil, e outros trololós, o que condena Syriza e Podemos à inexpressividade. Tudo besteira, já que posicionados na periferia imediata dos mercados centrais, Espanha e Grécia poderão causar sérios abalos na ordem geopolítica comandada pela aliança EUA-Alemanha, e que hoje mantem a Europa numa condição de quase Estado de sítio. 

O fato é que se as pesquisas eleitorais que hoje dão vitórias para Syriza e Podemos se confirmarem, e esses partidos não abandonarem suas bandeiras políticas como fez o PT, o que deveremos ter é um abalo sistêmico no sistema político europeu e, por extensão, mundial.

Dai será só esperar as explicações estapafúrdias que os neopetistas irão tentar dar. A ver!

Financial Times: a extrema-esquerda está certa

Como nos anos 1930, algum tipo de ruptura é inevitável e se não for para a esquerda, pode ser na direção do fascismo ou do fundamentalismo

por Antonio Luiz M. C. Costa
AFP PHOTO/BEN STANSALL
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Loja da Starbucks pichada após manifestação de estudantes em Londres no último dia 19 de novembro

Quando um editor e colunista de primeira linha de um jornal financeiro mundialmente respeitado escreve dá razão à extrema-esquerda, é hora de parar, ler e pensar. Referimo-nos a Wolfgang Münchau, editor associado do Financial Times, no qual mantém uma coluna semanal sobre a economia europeia. O título desta, na edição do domingo, 23 de novembro foi: “a esquerda radical está certa sobre a dívida europeia”.

Refere-se, em especial, ao partido espanhol Podemos, ao grego Syriza e ao alemão Die Linke (“A Esquerda”), as duas primeiras formações novas criadas a partir de núcleos de origem no trotskismo e no movimento “antiglobalização” e o terceiro um descendente direto do Partido Comunista da antiga Alemanha Oriental. E explica: o consenso internacional dos analistas econômicos, não necessariamente de esquerda, é que a Zona do Euro precisa de reestruturação da dívida e investimentos no setor público, mas partidos como esses são os únicos nos quais se pode votar para defender esse programa. Social-democratas e socialistas, uma vez no governo, aceitaram a agenda conservadora de Angela Merkel em todos os seus pontos essenciais.

A coluna analisa com mais detalhe o Podemos, o mais jovem desses partidos e “o que chega mais perto de oferecer um enfoque consistente para uma política econômica pós-crise”. O programa exposto pelo economista Nacho Álvarez, um dos membros da cúpula do partido, baseia-se em renegociação das taxas de juros, períodos de graça, reescalonamento e anulação parcial da dívida, à maneira de alguns países sul-americanos. Ao contrário do “Movimento 5 Estrelas italiano”, cujo objetivo declarado é tirar o país do euro, o Podemos “não é a favor de sair do euro, nem de fazer mais sacrifícios por ele”.

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Encontro do Podemos, partido político recém-criado na Espanha, realizado em Madri no último dia 15 de novembro

Para Münchau, é uma posição equilibrada, por mais que se queira tachá-la de bolivariana. “A tragédia da Zona do Euro é o senso de resignação com que os partidos do centro-esquerda e centro-direita estão deixando a Europa deslizar para o equivalente econômico de um inverno nuclear. É uma tragédia particular que partidos da ultra-esquerda sejam os únicos a apoiar políticas sensatas como a reestruturação da dívida”.

No atual estado de coisas, o absurdo está em pensar que a dívida é sustentável e o problema se resolverá por si só, como se fosse possível ignorar que o continente caminha para uma longa estagnação que, mais cedo ou mais tarde, tornará impossível cumprir esses compromissos financeiros e pode levar à desintegração política e econômica.

A começar dos anos 1980, se não desde o maio de 1968, tornou-se uma obsessão por parte dos agentes do poder financeiro e político não permitir que movimentos políticos e sociais proponham alternativas reais sem serem ridicularizados. Qualquer tentativa de mudar o mundo deve ser percebida como fantasia ociosa. TINA, “There is no alternative”, era o lema favorito de Margaret Thatcher e desde então o consenso dominante da mídia e da política não fazem mais do que repeti-lo em diferentes formulações.

Acontece que o rumo ao qual conduz o pensamento único no qual se embutiu a ideia de que os interesses do sistema financeiro são supremos e sagrados começa a se tornar visivelmente inviável. É evidentemente insustentável a longo prazo por razões ecológicas, mas antes disso cai na pura impossibilidade de contábil e política de pagar as dívidas públicas e privadas e poupar as instituições financeiras das consequências de seus próprios erros, enquanto se mantém uma grande parte da população desempregada e ameaçada de perder suas moradias e os serviços sociais dos quais depende para sobreviver com dignidade. Como nos anos 1930, algum tipo de ruptura é inevitável e se não for para a esquerda, pode ser na direção do fascismo ou do fundamentalismo.

FONTE: http://www.cartacapital.com.br/internacional/financial-times-a-extrema-esquerda-esta-certa-2993.html?utm_content=buffer8bf9f&utm_medium=social&utm_source=twitter.com&utm_campaign=buffer

Chomsky, Galeano e Žižek associam-se ao manifesto “Apoio Internacional ao Podemos”  

Noam Chomsky, Eduardo Galeano, Naomi Klein, Antonio Negri e Slavoj Žižek figuram entre os 36 intelectuais que subscrevem o manifesto “Apoio Internacional ao Podemos”. Os subscritores do documento frisam que “ante a paisagem desoladora que as políticas de austeridade desenharam para o sul da Europa, é acalentador que surjam novas alternativas dispostas a batalhar pela democracia, direitos sociais e soberania popular”.

No manifesto “Apoio Internacional ao Podemos”, datado de 12 de junho, os 36 intelectuais celebram “a irrupção em Espanha da iniciativa política ‘Podemos’, que obteve em escassos meses de existência um impressionante apoio popular ao conseguir 8% dos votos, convertendo-se na terceira força política em 23 das 40 cidades principais do país”.

“Ante a paisagem desoladora que as políticas de austeridade desenharam para o sul da Europa, é acalentador que surjam novas alternativas dispostas a batalhar pela democracia, direitos sociais e soberania popular”, avançam, sublinhando que “estas alternativas tentam, ao mesmo tempo, fazer política de uma forma nova, para além da chantagem que condena estes países a dependerem das políticas ditadas pelas elites políticas e financeiras da União Europeia”.

O Podemos “soube recolher a herança do ciclo de mobilizações populares” que, desde 2011, surgiu para “reivindicar uma democracia realmente digna desse nome”.

Segundo os subscritores do documento, o Podemos “soube recolher a herança do ciclo de mobilizações populares” que, desde 2011, surgiu para “reivindicar uma democracia realmente digna desse nome”. “Fê-lo ao fomentar a participação política da cidadania através de umas eleições primárias abertas e a redação de um programa colaborativo, graças à constituição de círculos de apoio e assembleias populares e, por outro lado, fá-lo renunciando financiar-se mediante empréstimos bancários, publicando no site (podemos.info) a sua contabilidade completa, e adotando um compromisso firme com a revogabilidade dos cargos e a limitação de mandatos, privilégios e salários”, referem.

No manifesto é também enfatizado que “o programa político de Podemos, elaborado de maneira participativa por milhares de cidadãos, foi capaz de materializar o anseio compartilhado por milhões de pessoas de todo mundo num projeto político concreto: uma rutura com a lógica neoliberal do austericídio e a ditadura da dívida; uma partilha equitativa do trabalho e da riqueza; uma democratização de todas as instâncias da vida pública; a defesa dos direitos sociais e os serviços públicos, e o fim da corrupção e da impunidade com as quais o sonho europeu de igualdade, liberdade e fraternidade degenerou no pesadelo de uma sociedade injusta, desigual, oligárquica e cínica”.

Perante o avanço da xenofobia e do fascismo, os intelectuais esperam que “a esperança que germinou com o Podemos se estenda a todos os países.

Perante o avanço da xenofobia e do fascismo, os intelectuais esperam que “a esperança que germinou com o Podemos se estenda a todos os países: a resistência de um povo que se nega a aceitar a sua submissão passiva e reclama para si esse poder que, em essência, é somente seu: a democracia, a capacidade de decidir tudo sobre o que é de todos”.

O documento é subscrito por Gilbert Achcar; Jorge Alemán; Cinzia Arruzza; Étienne Balibar; Brenna Bhandar; Paula Biglieri; Bruno Bosteels; Wendy Brown; Hisham Bustani; Judith Butler; Fathi Chamkhi; Noam Chomsky; Giuseppe Cocco; Mike Davis; Erri De Luca; Pierre Dardot; Costas Douzinas; Eduardo Galeano; Michael Hardt; Srećko Horvat; Robert Hullot-Kentor; Sadri Khiari; Naomi Klein; Christian Laval; Chantal Mouffe; Aristeidis Mpaltas; Yasser Munif; Antonio Negri; Simon Pinet; Jacques Rancière; Leticia Sabsay; Mixalis Spourdalakis; Nicos Theotocas; Alberto Toscano; Raul Zelik; Slavoj Žižek.

FONTE: http://www.esquerda.net/artigo/chomsky-galeano-e-zizek-associam-se-ao-manifesto-apoio-internacional-ao-podemos/33071

Um professor protagoniza a surpresa eleitoral na Espanha

Pablo Iglesias aplicou seus estudos de comunicação à ação política

LUIS GÓMEZ 

O professor universitário Pablo Iglesias. / SAMUEL SÁNCHEZ

Poderia ser dito que Pablo Iglesias Turrión (35 anos) é de esquerda antes mesmo de nascer se você escutar a sua mãe María Luisa: “Meu filho foi criado da melhor maneira possível de frente à sua classe, seu povo, sua gente e sua pátria”. Dito isto, a conjunção de nome e sobrenome também não é casual: chama-se Pablo Iglesias, em homenagem ao fundador do socialismo espanhol. “Exatamente”, diz María Luisa, “como se alguém se chamasse Manuel e levasse o sobrenome Rodríguez, simplesmente por uma homenagem ao revolucionário chileno da letra de Mercedes Sosa”. E, se ainda restar alguma dúvida, María Luisa é capaz de destrinchar a árvore genealógica familiar “onde há lutadores em pró da classe operária desde o século XIX”, e menciona deputados, condenados a morte por ideias políticas, juízes e militares republicanos. Nesse ambiente de alta voltagem política nasceu, cresceu e foi criado Pablo.

“E além disso, em Vallecas” (um bairro proletário de Madri), sentencia sua mãe, advogada trabalhista.

Seu currículo desenha uma biografia clara em uma só direção, para a esquerda: filho único, bom estudante, iniciou a militância aos 14 anos na Juventude Comunista, que depois compartilhou com seus estudos universitários em Ciências Políticas, onde obteve licenciaturas e doutorados com um trajeto pela Itália, Suíça, México e Estados Unidos que o levou a participar de movimentos antiglobalização e de resistência civil. Uma versão reduzida de sua tese de doutorado se intitula Desobedientes, ele estuda o fenômeno zapatista, escreve sobre cinema e política, participa e funda associações como a Juventude sem Futuro, Promotora do Pensamento Crítico, Asociação contra o poder… Com esses antecedentes e essa trajetória (sua parceira é uma deputada da IU  – Esquerda Unida –  na assembleia de Madri), Pablo Iglesias poderia ter sido um teórico da esquerda, um professor de barba e traje de veludo cotelê, destinado a se mover em círculos acadêmicos. Definitivamente um homem afastado da rua.

No entanto, terminou por ser um especialista em comunicação política, um personagem midiático e, desde o domingo, um político com sucesso (1.240.000 votos e cinco deputados em um partido de quatro meses de idade). Sem ser um homem de simpatia arrojada, conseguiu se ligar a um público numeroso. Mas quem pensar que Iglesias é um produto convencional da televisão, pode estar equivocado.

Porque a sua relação com a TV não é um fato casual. É intencionado e estratégico. “Trabalhamos para experimentar na comunicação política a partir do principal espaço de socialização política que é a televisão”, explica. “Tudo o que aprendia na La Tuerka (programa que ele apresenta em um canal espanhol) aplicamos na televisão”. La Tuerka é um programa de televisão, assim como o Fort Apache, programas que Pablo Iglesias e seus colaboradores (professores e alunos de Política na Universidade Complutense) divulgam pela internet ou de canais de TDT como o Canal K e o Canal 33. Nesses espaços de audiências aparentemente marginais, Iglesias se formou como apresentador, como entrevistador e como homem da televisão. Um homem que denuncia, é verdade, mas treinado para falar cara a cara com a audiência. E com uma mensagem sem fissuras. Seu salto para a televisão generalista foi um sucesso desde o princípio: podia se envolver, podia debater, funcionava diante à câmera, podia se meter em programas de ideologia oposta, mas jamais perdia a compostura: um homem de ideias radicais com luvas de seda.

A televisão e as redes sociais fizeram o resto, deu rosto e olhos a uma voz da esquerda, a um homem tranquilo com uma mensagem dura, dirigido aos deserdados, às vítimas da crise econômica e às classes médias que têm empobrecido. Iglesias se expressa sem rodeios, chama de casta os políticos dos grandes partidos, denomina de “regime do 78” a transição, lembra aos avós que defenderam a República há 80 anos e critica aos “milionários com pulseiras com cores da bandeira da Espanha” (usadas pelos conservadores). E quando fala para a sua militância na rua, pede um aplauso para os membros das forças de segurança “que estão desejando receber a ordem de algemar um banqueiro corrupto”. Em seus comícios entoa o “Não passarão” e velhas canções da guerra civil. Há um aroma de esquerda profunda, de comunismo renascido, de velhas proclamações e punhos levantados. Mas Iglesias não levanta o punho, Iglesias aplaude seu público.

As acusações de supostos financiamentos procedentes da Venezuela e Irã não estragam o ápice de sua campanha. Iglesias não se esconde delas: ameaça com discórdia sem se exaltar. Mão de ferro, luva de seda.

FONTE: http://brasil.elpais.com/brasil/2014/05/26/internacional/1401137845_746793.html