Estando fora do Brasil por força de um período sabático na Universidade de Lisboa, tenho ficado particularmente pouco impressionado com as múltiplas análises dos índices alcançados pelo deputado federal Jair Bolsonaro nas pesquisas eleitorais. Particularmente de setores do que eu chamo de esquerda institucional vejo pessoas razoavelmente sérias que estão à beira de um ataque de nervos não apenas com a força eleitoral de Bolsonaro, mas com a virulência demonstrada por seus apoiadores.
Ora, eu realmente não sei qual é a grande surpresa com esse fenômeno que mistura ojeriza à qualquer sinalização de equidade social com a disposição objetiva de resolver as coisas no Brasil na base da porrada, especialmente se quem estiver no lado que for apanhar for pobre e negro.
É que sabidamente existe um setor significativo da sociedade brasileira que instrumentaliza outros segmentos para que suas inúmeras regalias e vantagens não cheguem nem próximas de serem tocadas por políticas públicas que sirvam para aliviar a abjeta desigualdade social que existe no Brasil.
E mais, me impressiona o fato de que ninguém lembra que nas eleições de 2014, a vitória de Dilma Rousseff se deu na base de fórceps, muito em função de sua pobre performance como presidente, mas também por uma pesada combinação de interesses que desaguaram na figura de Aécio Neves, apresentado então como a figura da redenção, ta como Jair Bolsonaro se apresenta neste momento.
Além disso, tenho visto manifestações de muitos que votaram de forma apaixonada em Aécio Neves que agora se apresentam de forma igualmente intensa em favor da eleição de Jair Bolsonaro. Em outras palavras, o eleitor inconformado com a derrota de Aécio Neves migrou de forma decisiva e majoritária para Jair Bolsonaro. E não é por nenhum motivo obscuro, mas porque ambas as candidaturas expressam a ojeriza que muitos não conseguem esconder a um país que possa ser menos desigual, menos discriminador e menos violento para com a maioria pobre da sua população. O dito combate à corrupção não passa de uma capa protetora extremamente conveniente para esconder essa verdade.
O pior é que em vez se fazer a discussão acerca dos programas e explicitar a plataforma profundamente anti-popular que Jair Bolsonaro traz consigo, vemos uma opção para jogar a disputa para o campo da democracia contra o fascismo. É que apesar de justa a defesa da democracia, ela não coloca às claras como o Brasil foi submerso na crise colossal em que se encontra, e quem foram os responsáveis por isto.
Finalmente, independente de quem for ao segundo turno ou de quem vencer as eleições, existem tarefas duríssimas para serem enfrentadas pela classe trabalhadora e pela juventude brasileira para os próximos anos. É que tudo indica que seja Bolsonaro ou outro que vencer, haverá um ataque ainda mais duro aos direitos sociais e à capacidade do estado brasileiro de operar em favor dos mais pobres.