Greenwashing à vista: o lobby do agronegócio vai à luta em Belém

Como os representantes  do agronegócio brasileiro pretendem influenciar a COP de Belém

Uma manada de gado durante um incêndio florestal na região amazônica.

Uma manada de gado durante um incêndio florestal na região amazônica brasileira. Foto: dpa/AP/Leo Correa
Lisa Kuner e Cecilia do Lago para o “Neues Deustchland” 

As emissões do setor agrícola representam um grande problema climático, mas muitos atores no Brasil querem convencer o mundo do contrário na próxima COP 30, conferência climática em Belém: “A agricultura brasileira opera de forma social e ecologicamente responsável”, afirma Pedro Lupión, presidente da Frente Agrícola Parlamentar (FPA). O agronegócio também contribui para a conservação da natureza no país, diz o político do partido Progressistas, de centro-direita. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, expressa visão semelhante: “O Brasil está mostrando ao mundo que é possível produzir, conservar e integrar. A agricultura brasileira será um componente essencial da solução global para os problemas climáticos.”

Os visitantes poderão vivenciar em primeira mão como isso poderá se concretizar na “Agrizone”, localizada a dois quilômetros da conferência climática em Belém, a partir de 10 de novembro. Organizada pela Embrapa, empresa brasileira de pesquisa agropecuária, a “Agrizone” contará com mais de 400 eventos. O financiamento provém de corporações como Bayer e Nestlé, bem como de diversos grupos de interesse. A “Agrizone” visa apresentar as melhores práticas — soluções para a agricultura de baixo carbono. Os organizadores também enfatizam seu compromisso em enfrentar simultaneamente a crise climática e a insegurança alimentar, por exemplo, por meio de abordagens agroflorestais, em que o gado pasta em florestas em vez de campos abertos. Agricultura tropical em harmonia com a floresta tropical — certamente parece promissor.

Na realidade, porém, a agricultura é um dos maiores impulsionadores da crise climática. No Brasil, diferentemente de muitas outras regiões do mundo, a maior parte das emissões provém de mudanças no uso da terra – devido ao desmatamento da floresta tropical, por exemplo, para o cultivo de soja ou a pecuária. Ao longo do “arco do desmatamento”, que se estende por todo o vasto país, muitas florestas já tiveram que dar lugar a enormes plantações de soja.

A situação global não é muito melhor: cerca de um terço de todas as emissões provém dos sistemas alimentares. E cerca de dois terços dessas emissões decorrem da produção de alimentos de origem animal, embora estes representem apenas 19% de todas as calorias produzidas mundialmente e 41% das proteínas. Isso se deve principalmente ao fato de o gado ser responsável por uma grande parcela das emissões de metano. A abordagem mais simples para reduzir as emissões desse setor é, portanto, clara: dietas com mais alimentos de origem vegetal e menos carne e laticínios. Esses fatos não são novidade – contudo, a agricultura raramente é mencionada nas discussões sobre a crise climática.

Isso pode ser explicado pelo fato de a produção de carne e laticínios ser um negócio gigantesco. Só no Brasil, o consumo de carne bovina é superior a 38 quilos por pessoa por ano, e cerca de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) está ligado a esse setor. O agronegócio também desempenha um papel político importante: 303 deputados federais e 50 senadores são filiados à FPA.

Se o consumo de carne diminuir, isso também significa perdas significativas para o setor agropecuário. É por isso que o lobby do setor tem participado ativamente de conferências sobre o clima há algum tempo – nos últimos anos, centenas de representantes têm comparecido anualmente. Isso faz parte de uma campanha em larga escala com o objetivo de desviar a atenção da dimensão de sua contribuição para a crise climática. Essa abordagem é semelhante às campanhas de décadas da indústria de combustíveis fósseis.

Meias-verdades e até mesmo desinformação são frequentemente utilizadas. No Brasil, por exemplo, o agronegócio está promovendo um novo padrão para a contabilização de gases de efeito estufa que supostamente refletiria melhor as propriedades do metano. Críticos, no entanto, alertam para um “truque de cálculo” que minimiza o papel da pecuária nas mudanças climáticas. O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) também não utiliza esse padrão. Alguns lobistas vão ainda mais longe: Gilberto Tomazoni, CEO da JBS, a maior empresa de carnes do mundo, afirma que os métodos de contabilização de gases de efeito estufa estão “errados” porque não levam em consideração que gases também são capturados durante a produção de carne.

Tudo isso deverá ser apresentado na conferência climática: o lobby do agronegócio também está representado nas salas de negociação oficiais da “Zona Azul”, em Belém. Inicialmente, o agronegócio brasileiro chegou a cogitar organizar uma espécie de contracúpula, uma “Cop do Agro”. No entanto, o governo estadual se opôs, e o evento acabou sendo cancelado.


Fonte: Neues Deutschland

Agronegócio, um gigante de pés de barro: Dívida recorde do agro abala Banco do Brasil

O agro não anda muito pop no Banco do Brasil (BB)

Juliana Sayuri e Graciliano Rocha para o UOL 

O BB, principal financiador do agronegócio no país, registrou R$ 12,73 bilhões em atrasos de mais de 90 dias nos pagamentos do setor.

O desfalque puxou uma queda de 60% no lucro no segundo trimestre, segundo dados divulgados na noite de anteontem.

“É o maior nível de inadimplência já visto no agro na história do Banco do Brasil”,
afirmou ontem a presidente do banco, Tarciana Medeiros.

Mais da metade das dívidas (52%) são de produtores do Sul e do Centro-Oeste.  Devendo na praça, o agro vem recorrendo cada vez mais às recuperações judiciais. Dos R$ 12,73 bilhões devidos, R$ 2,27 bilhões são fruto de recuperações.  A crise para justificar os processos é atribuída a diversos fatores: pandemia, altos juros, falta de financiamento acessível, entre outros.

Há outras questões, no entanto, que vêm escapando às análises macroeconômicas, apurou o UOL: má-fé e fraude, com pedidos de recuperações judiciais que não se enquadram na lei. Escritórios de advocacia oferecem esse tipo de serviço.

Advogados ouvidos pela reportagem alertam que é preciso separar o joio do trigo.

O assunto está no radar do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

No fim de maio, o ministro Mauro Campbell Marques, corregedor-nacional de Justiça, abriu uma comissão especial “para o aprimoramento da atuação do Poder Judiciário nos processos de recuperação judicial e falência de produtores rurais”.

O Banco do Brasil monitora hoje 808 clientes sob recuperação, num total de R$ 5,4 bilhões –parte do valor não entrou no balanço pois se refere a pagamentos cujo vencimento ainda não ocorreu.

Imagem: Arte/UOL

‘Instrumento de barganha’

  • Desconto de 20% sobre as dívidas; 
  • Carência de 2 anos para começar a pagar as dívidas;
  • Prazo de ao menos 10 anos para pagar todas as dívidas.

Isso é o que promete um escritório de advocacia de Goiânia que se define em seu site como “a fortaleza jurídica do produtor rural”.

Os tópicos estão em um informativo do escritório que incentiva produtores rurais a pedir recuperação judicial, dispositivo descrito como “instrumento de barganha” para “blindar todo seu patrimônio de cobranças judiciais e arrestos”.

“Não importa o que as pessoas vão pensar de você se você optar pela
recuperação judicial. Se você tiver bem ou mal, vão falar mal de você da mesma
forma. A questão é que, se não for você para proteger o seu patrimônio, o seu
legado, que você recebeu de herança ou lutou a vida inteira para construir,
ninguém fará isso por você”. -Trecho do informativo “Na Defesa do Brasil que Produz”

Especialistas ouvidos pelo UOL dizem que isso é uma distorção da lei das recuperações judiciais e, em certos casos, pode configurar fraude.

Recuperação judicial é um instrumento jurídico que deveria ser tratado como último recurso antes de uma empresa precisar pedir falência. O dispositivo permite congelar as cobranças de uma empresa por 180 dias (o chamado “stay period”).

O objetivo é que, nesse período, a empresa consiga organizar as contas da casa, pagar a quem deve e dar continuidade às suas atividades. 

Não é, portanto, um dispositivo para blindar o patrimônio ou prolongar o pagamento de dívidas por anos. No entanto, a alta de pedidos de recuperação judicial no agronegócio indica que propostas do tipo têm encontrado terreno fértil.

Segundo os últimos dados da Serasa Experian, divulgados no fim de julho, os pedidos dispararam no primeiro trimestre de 2025: uma alta de 45% em relação ao mesmo período de 2024.

“Muitos produtores enfrentam custos altos, prazos longos para receber, maior
exigência de garantias e dificuldades na rolagem de dívidas, fatores que
pressionam o caixa e reduzem as margens para manobras.” -Marcelo Pimenta, Diretor de agronegócio da Serasa Experian

Imagem: Arte/UOL

‘Indústria de recuperações judiciais’ 

O advogado especialista Marcelo Winter, de São Paulo, observa uma tendência de pedidos irregulares de recuperação no agronegócio. Winter considera a prática “irresponsável e oportunista”, prejudicando todo o setor.

“Muitos dos pedidos atuais não refletem uma real situação de crise econômicofinanceira, mas sim estratégias protelatórias e por vezes pouco fundamentadas.  Essa prática indevida compromete a credibilidade do próprio instrumento da recuperação judicial. Tal cenário tem gerado insegurança e afastado investidores do setor.”

-Marcelo Winter, Advogado

A juíza Daniela Muller, presidente da Amatra 1 (Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 1ª Região) do Rio, diz que a situação relatada “foge totalmente do escopo da lei”.

“O empresário é o responsável pelos riscos do negócio —até porque é ele que fica com o lucro, com os benefícios. O trabalhador precisa do salário para sobrevivência. A lei de recuperações judiciais deveria servir exclusivamente para reestruturação da empresa, para continuar existindo e gerando  empregos dignos.  Não pode servir para dar descontos, ainda mais em questões trabalhistas. Nas distorções, o que se faz é tentar livrar empresários de suas dívidas.”

-Daniela Muller, Juíza

Há relatos de que, nas últimas edições da Agrishow, feira agrícola de Ribeirão Preto, advogados estavam abordando produtores rurais com orientações sobre recuperações judiciais, inclusive sobre como ocultar patrimônios.

Segundo a imprensa especializada no setor, o diretor de agronegócio do Santander, Carlos Aguiar, disse na Agrishow deste ano que o aumento de pedidos de recuperação judicial no setor é preocupante, por envolver produtores atraídos por promessas ilusórias de quem, segundo ele, lucra com a fragilidade alheia. 

Aguiar se referiu, na ocasião, a uma “indústria” da recuperação no campo, “que enriquece advogados enquanto empobrece o produtor”. 

Os advogados autores da cartilha citada no início desta reportagem tomaram para si a responsabilidade de responder. 

Num reels do Instagram, gravado na época na frente de uma agência do Santander e vestindo cinto de fivela, o advogado Leandro Marmo diz: “Tendo que recorrer à medida extrema que é a recuperação judicial, é porque realmente não restou nenhuma alternativa para que pudessem tentar continuar produzindo, gerando emprego, sem ter o risco de perder seu patrimônio”.

Marmo é sócio do escritório João Domingos Advogados Associados, autor do informativo. 

O UOL procurou Marmo e Domingos.

O escritório afirmou que o documento não faz promessas. “Há, sim, um resumo dos potenciais efeitos práticos da recuperação judicial, com base em jurisprudência consolidada e na experiência real do escritório em dezenas de casos concretos”, diz (leia a nota na íntegra). O advogado Antonio Frange também tem, em seu site, uma página dedicada a recuperações que lista, entre os “resultados esperados”, 70% de desconto nas dívidas e prazo de até dez anos para pagamento delas.

O escritório, instalado em São Paulo e em Cuiabá, diz no site oficial que já atuou em mais de mil casos.

O UOL procurou o escritório por email e por telefone, mas não teve resposta.

Caminhão com soja em Lucas do Norte, em Mato Grosso. Imagem: Paulo Whitaker/Reuters

Caso Safras

Um dos casos mais discutidos por advogados especialistas no agronegócio é atualmente o Safras. Prestes a perder uma fábrica em Cuiabá, o conglomerado mato-grossense pediu recuperação apontando dívidas de R$ 2 bilhões, um passivo recorde no estado.

Winter considera que o caso é emblemático: a Justiça viu irregularidades no pedido, como a falta de documentos e a inclusão indevida de produtores rurais que, na verdade, não são produtores rurais. O processo foi suspenso.

“É um precedente importante: isso mostra para o mercado que não é qualquer pedido que deve ser aceito”, diz. 

Num comunicado à imprensa referente aos dados da Serasa Experian, o Sindiveg (Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal) também destacou que o “excesso” de pedidos pode abalar a confiança do mercado.

“O setor precisa encontrar um modelo de negócios sustentável”, diz a nota.

Um nicho que está se desenvolvendo nos últimos tempos é o das “agfintechs”, diz Henrique Galvani, CEO da Arara Seed, plataforma de Ribeirão Preto especializadaem startups do agro.

“O agro precisa inovar no acesso ao mercado de capitais, como alternativa e complemento ao Plano Safra. É a ponte entre o campo e a Faria Lima”, afirma.


Fonte: UOL 

Com contaminação em alta no Brasil, envenenamento por agrotóxicos mata 300 mil por ano no mundo

Trabalhadores rurais são os mais expostos; saiba como identificar intoxicação e o que fazer

agrotóxicos matam bfMovimentos populares protestam contra o PL do Veneno, que flexibilizou o processo de liberação e fiscalização de agrotóxicos no Brasil – Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Por Redação Brasil de Fato 

O Brasil ocupa o posto de maior consumidor de agrotóxicos do mundo, com 720 mil toneladas anuais, de acordo com os dados mais recentes da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Esses produtos, amplamente utilizados pelo agronegócio, são apontados como responsáveis por 300 mil mortes anuais em decorrência de envenenamentos, conforme a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Em território nacional, o problema é crescente. Os números relacionados à contaminação por agrotóxicos no primeiro semestre do ano saltaram de 19 para 182, o que representou um aumento de mais de 950% em relação ao mesmo período em 2023. O dado foi divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) nesta semana, no marco do Dia Mundial de Luta Contra os Agrotóxicos.

No Brasil, cerca de 19 milhões de pessoas estavam empregadas no setor em 2022, muitas delas expostas a intoxicações graves que impactam o sistema nervoso, respiratório e reprodutivo.

Dados do “Atlas dos Agrotóxicos”, da Fundação Heinrich Böll, revelam que, globalmente, cerca de 385 milhões de pessoas sofrem intoxicação por esses produtos a cada ano, sendo os trabalhadores rurais de países em desenvolvimento os mais vulneráveis. Entre as doenças associadas à exposição contínua estão Parkinson, leucemia infantil, câncer de fígado e mama, além de condições como diabetes tipo 2, asma, defeitos congênitos e distúrbios de crescimento.

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) destaca o uso no Brasil de mais de 20 agrotóxicos proibidos em outros países, como atrazina e clorpirifós, já banidos na União Europeia. Essa prática aumenta os riscos para os trabalhadores e reforça a dependência de insumos químicos no modelo agrícola nacional.

A OIT também alerta para o impacto das mudanças climáticas na exposição aos agrotóxicos. O calor extremo, comum em regiões agrícolas, facilita a absorção dessas substâncias pela pele, intensificando os efeitos tóxicos. Embora os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) sejam obrigatórios por lei, seu uso pode ser inviável devido às condições climáticas e às longas jornadas de trabalho no campo.

Atualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) arca com custos estimados em R$ 45 milhões por ano para tratar casos de intoxicação, segundo a Fundação Heinrich Böll.

Flexibilização de leis sobre agrotóxicos eleva riscos à saúde e ao meio ambiente

Em maio deste ano, o Congresso Nacional derrubou vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à lei que flexibilizou o registro de agrotóxicos, transferindo a responsabilidade principal para o Ministério da Agricultura e enfraquecendo órgãos como Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Conhecida como PL do Veneno, a nova legislação é criticada por instituições científicas e ambientais, que alertam para o aumento do uso de substâncias tóxicas no Brasil.

Pesquisadores da Fiocruz apontaram, à época, que a lei possibilita a liberação de produtos altamente cancerígenos, desconsiderando os impactos na saúde pública e no meio ambiente.

“Entidades de renome internacional e notório saber científico como a Fiocruz, o Inca [Instituto Nacional de Câncer], a Abrasco [Associação Brasileira de Saúde Coletiva] e a ONU [Organização das Nações Unidas] destacaram que o PL vai permitir o registro de produtos mais tóxicos no país, incluindo aqueles com maior potencial cancerígeno. A ciência está errada e o agro está certo?”, escreveram os pesquisadores da Fiocruz, em nota.

Como identificar intoxicação por agrotóxicos

A Anvisa, por meio da cartilha Série Trilhas do Campo, lista sintomas de intoxicação por contato com a pele, ingestão ou inalação de agrotóxicos. Entre os sinais estão:

Pela pele:

  • Irritação (vermelhidão, inchaço, dor);
  • Brotoejas com coceira;
  • Desidratação (pele seca, escamosa e, em casos graves, infeccionada).

Por inalação:

  • Tosse, dificuldade de respirar, dor no peito;
  • Ardência no nariz e na boca.

Por ingestão:

  • Náuseas, vômitos, diarreia;
  • Irritação na boca e garganta.

Efeitos prolongados incluem tremores, fraqueza, abortos e depressão.

O que fazer em caso de suspeita

Ao perceber sintomas, procure imediatamente postos de saúde, hospitais ou Centros de Referência em Saúde do Trabalhador. O serviço Disque Intoxicação (0800-722-6001) também está disponível para orientações gratuitas. Atendimentos são realizados por 36 unidades da Rede Nacional de Centros de Informação e Assistência Toxicológica (Renaciat), distribuídas pelo país.

A redução dos danos causados pelos agrotóxicos depende de um esforço coletivo, que inclui fiscalização rigorosa, ampliação das políticas públicas e o fortalecimento de alternativas como a agroecologia. Somente assim será possível garantir condições mais justas e seguras para os trabalhadores rurais.

Edição: Martina Medina


Fonte: Brasil de Fato

Expansão do agronegócio e de hidrelétricas ameaça de extinção nova espécie de planta descoberta em Roraima

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Nova espécie preservada em coleção botânica, exemplar apresenta folhas, botões das flores brancas e frutas

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Descoberta em Roraima, uma nova espécie de planta já se encontra em perigo de extinção. Pesquisadores da Universidade Federal de Roraima (UFRR), da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) localizaram três registros da espécie em uma região impactada por atividades como o agronegócio e a construção de usinas termoelétricas e hidroelétricas. Ela está descrita em artigo publicado na revista científica “Phytotaxa” nesta terça (16).

Eugenia lavradensis é um arbusto com dois a cinco metros de comprimento, que frutifica entre abril e maio e apresenta flores branco-esverdeadas. O nome está relacionado à área de ocorrência, a savana de Roraima. Os chamados “campos do rio Branco” ou “lavrado” se estendem por dois países vizinhos, Venezuela e Guiana, são um mosaico de ecossistemas florestais e não florestais e ocupam cerca de 19% da área do estado de Roraima.

Amélia Tuler, pesquisadora da UFRR e autora principal do artigo, explica que a descoberta da espécie ocorreu por meio de análise de exemplares sem identificação encontrados em coleções botânicas de Roraima, nos herbários da UFRR e do Museu Integrado de Roraima (MIRR). “A espécie não se encaixava em nenhuma outra da família Myrtaceae para a região de lavrado, tanto do estado quanto da Venezuela e da Guiana”, observa a autora.

O estudo classifica a Eugenia lavradensis como ameaçada porque os exemplares identificados estão fora de unidades de proteção integral (UPI), ou seja, estão fora de estações ecológicas, reservas biológicas, parques nacionais ou refúgios de vida silvestre. Os pesquisadores também ressaltam que as áreas de lavrado não contam com unidades de conservação.

A descoberta da nova espécie mostra a importância do trabalho de coleta e documentação da biodiversidade do estado de Roraima, avalia Tuler. Para a pesquisadora, “são necessários mais investimentos em estudos na região, que enfrenta desafios como o reduzido número de profissionais especializados em identificação de espécies e a logística para coleta em áreas remotas”. Esforços em financiamento de pesquisa e conservação podem garantir a preservação da biodiversidade e o uso sustentável dos recursos naturais de Roraima, finaliza Tuler.


Fonte: Agência Bori

Expansão do agronegócio está afetando os ribeirinhos na Amazônia

Avanço da fronteira agropecuária compromete a economia e as práticas de subsistência de comunidades que vivem às margens dos rios Purus e Madeira, no sul amazonense

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Região portuária de Lábrea (AM). Foto: João Maciel de Araújo 

Por Rodrigo de Oliveira Andrade

A expansão da fronteira agropecuária nos municípios de Boca do Acre, Lábrea e Humaitá, no interior do estado do Amazonas, tem colocado em risco a economia e as práticas de subsistência das populações ribeirinhas que vivem às margens dos rios Purus e Madeira, como a pesca artesanal, a agricultura de várzea (praticada à beira dos rios) e o extrativismo de açaí, cacau e castanha.

A conclusão é de um grupo de pesquisadores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (Ifam), em Humaitá. Sob coordenação do sociólogo João Maciel de Araújo, eles têm empreendido uma série de entrevistas e reuniões com ribeirinhos de seis comunidades nessas regiões para identificar seus problemas e suas principais demandas. Os especialistas também querem entender como eles têm se articulado com gestores públicos, proprietários de terras, lideranças sindicais e comunitárias, e instituições de pesquisa e ambientais.

O objetivo é fazer um diagnóstico socioeconômico e produtivo dessas comunidades e criar um plano de desenvolvimento comunitário, “com diretrizes que os orientem a superar seus problemas e garantir seus direitos”, explica Araújo.

As entrevistas e reuniões têm lançado luz sobre como a expansão do agronegócio — baseado na monocultura de grãos e de pasto para a pecuária bovina de corte — tem impactado os modos de vida e a economia dessas populações nos últimos anos. “Uma das coisas que temos observado é que essas comunidades parecem ser invisíveis aos olhos do poder público, que tende a considerar a agropecuária o motor do desenvolvimento econômico da região”, diz.

Manejo de Pirarucu em Jucuruá. Foto: Jelsenir Barbosa de Souza

Segundo ele, os incentivos ao desenvolvimento econômico local estão majoritariamente voltados à promoção da agropecuária, em detrimento de atividades ribeirinhas ligadas à pesca artesanal, à agricultura de várzea e à extração de frutos da natureza para consumo próprio e comercialização. “Isso contribui para ampliar a vulnerabilidade dessas populações”, comenta Araújo, acrescentando que a forte seca ocorrida na região agravou esse cenário.

Outro aspecto importante observado pelos pesquisadores diz respeito à falta de segurança fundiária para o desenvolvimento de atividades extrativistas. Araújo explica que a estrutura produtiva das populações ribeirinhas ao longo do ano baseia-se ora nas áreas de várzea, ora em terra firme. “Eles vivem a maior parte do tempo às margens dos rios, pescando e desenvolvendo sua agricultura de várzea”, diz o sociólogo. “Em determinado momento do ano, entram na floresta, onde passam semanas coletando frutos como açaí, cacau e castanha.”

Produção ribeirinha em Boca do Acre. Foto: João Maciel de Araújo

O problema é que esses indivíduos não são donos dessas terras, que tampouco estão protegidas como áreas de conservação, de modo que eles ficam à mercê das regras impostas por aqueles que se dizem proprietários. “Muitos deles, com incentivo do poder público, optam por vender ou transformar suas terras em áreas de produção agropecuária”, afirma o pesquisador. “De uma hora para outra, muitos ribeirinhos deixam de ter autorização para circular por essas áreas e colher seus frutos.”

Mapas feitos pelas próprias comunidades — com auxílio dos pesquisadores e por meio de metodologias de cartografia social, baseadas em relatos orais ou antigas descrições —, indicam que houve uma diminuição do território pelos quais os ribeirinhos daquela região podiam circular e fazer o manejo tradicional de recursos naturais, além de um crescimento acentuado das áreas de produção agropecuária.

Muitos ribeirinhos e populações tradicionais precisam se deslocar para outras áreas. Chegando lá, no entanto, têm de disputar espaço e recursos locais com outras comunidades, o que, não raro, gera atritos e conflitos. Nas entrevistas feitas com moradores da comunidade Jurucuá, na Reserva Extrativista do Médio Purus, os pesquisadores ouviram relatos recorrentes sobre um aumento da quantidade de pessoas de outras localidades, que tentam pescar em determinados lagos da região e coletar castanha em áreas antes disponíveis exclusivamente aos moradores da reserva. 

Os pesquisadores agora estão trabalhando na sistematização dos dados coletados por meio das entrevistas e trabalhando com os membros das comunidades na concepção de seus planos de desenvolvimento. “A ideia é ajudá-los a se organizar para melhorar suas condições de vida a médio e longo prazo, orientando suas associações comunitárias sobre os tipos de pressões que elas precisam fazer junto ao poder público para conseguirem resolver esses e outros problemas a que estão sendo submetidos”, afirma o sociólogo.

Segundo ele, a pesquisa evidencia o contraste de visões de mundo e de relação com a natureza e os recursos naturais. “Para os ribeirinhos, essas regiões são fonte de elementos que estruturam sua organização, baseada em relações de reciprocidade com a natureza, enquanto que para os agentes da frente de expansão agropecuária são meras fontes de obtenção de lucro”, conclui.


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Este texto foi originalmente publicado pela Humanamente – Divulgação Científica em Humanidades [Aqui!].

De Olho nos Ruralistas e Fase lançam relatório sobre o “discurso verde” do agronegócio

Publicação “O Agro não é verde” mapeia as associações que atuam no lobby do setor e desmente narrativas sobre o agro brasileiro ser o mais sustentável do mundo; relatório será lançado durante debates em Recife e no Rio de Janeiro

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Por Bruno Stankevicius Bassi o “De Olho nos Ruralistas”

Daqui a menos de um mês, a cidade portuária de Sharm El Sheikh, no Egito, sediará a 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-27). Ali, entre 06 a 18 de novembro, estarão reunidos líderes políticos e ambientais de todo o mundo, para debater as metas de combate às mudanças climáticas.

O evento marca a terceira participação do Brasil em COPs desde a chegada de Jair Bolsonaro ao poder. Nesse período, o país assistiu ao esfacelamento das políticas ambientais e registrou recordes nos índices de desmatamento e queimadas. Os últimos anos foram marcados também pela “boiada” promovida por Bolsonaro e pelo ex-ministro Ricardo Salles — eleito deputado federal no dia 02 —, que levou o país do status de líder no debate climático a pária internacional.

No vácuo da diplomacia brasileira, quem ganhou espaço foi o agronegócio. Reagindo à crescente demanda dos mercados internacionais, as principais associações representativas do setor agropecuário passaram a interferir diretamente nas ações do Estado brasileiro, promovendo uma agenda legalista e ideológica que ignora o desmonte socioambiental vivido nos últimos quatro anos. Os mesmos atores que dizem “jogar dentro das regras” ou que “não podem sofrer embargos pelas irregularidades cometidas por malfeitores” são aqueles que mantêm pouco ou nenhum controle sobre as cadeias de fornecimento, enquanto defendem no Congresso a flexibilização do Código Florestal.

Essa história é contada em detalhes no relatório “O agro não é verde: como o agronegócio se articula para parecer sustentável“, fruto da parceria entre o observatório De Olho nos Ruralistas e a ONG Fase.

AGRO NÃO É VERDE

A publicação será lançada hoje (14), em Recife, em um debate promovido na sede do Movimento de Trabalhadores Cristãos (MTC-PE), a partir das 18h30. Um segundo encontro será realizado no dia 17, no Rio de Janeiro, no espaço Raízes do Brasil.

Estudo mapeou 49 organizações do agronegócio

O Brasil figura entre os dez maiores emissores de carbono do mundo. Essa posição é justificada, em grande parte, pela agropecuária brasileira, que representa, sozinha, 1,06% das emissões globais de carbono e representa cerca de metade das emissões do país. Apesar dessas “credenciais”, o relatório “O Agro não é verde” mostra que o setor vem se apresentando internacionalmente como um defensor do meio ambiente. 



Agropecuária compõem metade das emissões de carbono brasileiras. (Imagem: Reprodução/WRI)

Ao longo de seis meses, a equipe do De Olho nos Ruralistas mapeou páginas institucionais, notas de posicionamento, releases, publicações, campanhas publicitárias, redes sociais, arquivos de jornais, revistas e entrevistas de dirigentes de 49 associações do complexo agroindustrial, buscando a recorrência de termos relacionados ao discurso de ambientalização. Dessa filtragem inicial, foram identificadas as principais narrativas e estratégias do agronegócio relacionadas a políticas climáticas, à disputa por recursos, fundos e fontes de financiamento, a alianças com ONGs ambientalistas e inserções midiáticas. Assim, foram selecionadas treze organizações com atuação mais incisiva nas últimas seis edições da Conferência das Partes — da COP22 (Marrakesh, 2016) à COP26 (Glasgow, 2021) —, que serviram de base para a publicação.

Elas foram divididas em quatro grupos: o pragmático-reformista, formado pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e Indústria Brasileira de Árvores (Ibá); o pragmático-ideológico, liderado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Sociedade Rural Brasileira (SRB), Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), entre outros; o negacionista-ideológico, composto por organizações alinhadas a Bolsonaro, como a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) e a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec); e o de organizações com foco temático, como a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) e Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).

Em comum, as treze organizações participam ativamente no lobby ruralista em Brasília, por meio do Instituto Pensar Agro (IPA), principal braço logístico da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).


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Este texto foi incialmente publicado pelo site “De Olho nos Ruralistas” [Aqui!].