Observatório dos Agrotóxicos: governo Lula libera mais agrotóxicos proibidos na Europa para abastecer o latifúndio agro-exportador

Warning Signs: How Pesticides Harm the Young Brain - Cornucopia Institute

Enquanto a região do sul do Brasil se prepara para mais uma situação de evento meterológico extremo e tem-se a confirmação de que estamos vivendo um período de aquecimento agravado da atmosfera da Terra, o governo Lula continua tocando o barco e liberando mais agrotóxicos para venda e consumo em território nacional. É que hoje o Diário Oficial da União trouxe a publicação do Ato Nº 58, de 3 de dezembro de 2025, liberando mais 22 agrotóxicos do tipo “produto técnico” que são a versão concentrada que antecede a formulação dos produtos que serão vendidos. 

Uma primeira análise da lista de 22 agrotóxicos, um padrão comum em todo o ciclo de autorizações que o Blog do Pedlowski acompanha desde 2019 se confirma: 19 desses produtos são fabricado na China, o que mantém o principal comprador das commodities brasileiras na posição de maior fornecedor de venenos agrícolas.

Outro elemento comum que já mostrado em outras publicações neste blog é que a maioria dos produtos liberados (pelo menos 14) são de produtos que foram proibidos ou sequer autorizados para uso pela União Europeia (UE).  No caso do herbicida Clorfenapir a proibição na UE se deu em 2001 em função dos problemas ambientais e para a saúde humana, sendo que para outro herbicida, o Ciproconazol, a proibição é de 2004.  E não podemos esquecer do Imazetapir, herbicida que foi proibido na UE em 2002 por causa da sua toxicidade para o desenvolvimento ou reprodutiva, carcinogenicidade, etc.), e por sua alta persistência ambiental e periculosidade. Outros dois herbicidas, Diclosulam e Fomesafen, sequer chegaram a ser autorizados para uso na UE, mas estão sendo liberados para venda e consumo no Brasil.

O moral da história é o seguinte: por detrás dos discursos de responsabilidade e de compromisso com a agroecologia, o que temos na prática é uma enxurrada de aprovações que aumentam a exposição dos brasileiros a poderosos venenos agrícolas que adoecem os brasileiros via contato direto, consumo de alimentos e ingestão de água contaminados por um complexo coquetel de substâncias químicas banidas em outras partes do planeta.

Por que 70% dos agrotóxicos largamente usados no Brasil foram banidos na União Europeia?

As autoridades de lá consideram alertas científicos da relação dessas substâncias com o câncer, malformações fetais, danos à reprodução, rins e fígado, autismo, Parkinson, Alzheimer, contaminação da água e muito mais

Tecnologia avançada para aplicar aqui venenos proibidos em outros países. Foto: ANAC

Cida de Oliveira* 

Atentas aos alertas da ciência sobre os riscos que os agrotóxicos representam para a saúde pública e o equilíbrio dos ecossistemas – e, claro, à pressão dos consumidores – autoridades da União Europeia já baniram 223 ingredientes ativos químicos desde 2001. Pesou na decisão a relação desses produtos com a alarmante lista do início desta reportagem, que vai bem além. Ou seja, foram proibidas as substâncias que foram utilizadas até que a efetividade e a segurança foram questionadas por estudos mais modernos e abrangentes. Portanto, deixaram de ser aceitáveis perante os novos conhecimentos científicos.

Já o Brasil, em sentido oposto, segue autorizando esses produtos por aqui. Tanto que esses 223 correspondem a 52% dos 429 ingredientes químicos permitidos no país pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). São matérias primas usadas na formulação de uma infinidade de herbicidas, fungicidas, inseticidas, acaricidas e reguladores do crescimento das plantas, que compõem as milhares de toneladas vendidas todo ano no Brasil, o maior mercado consumidor desses venenos.

Para piorar, desses agentes banidos pelos europeus, 7 estão na lista dos 10 mais vendidos no Brasil em 2023, segundo dados do Ibama divulgados no início do ano. No final da reportagem, você poderá conferir um recorte a partir do parecer publicado nesta terça (28) aqui no Blog do Pedlowski. Trata-se de um documento produzido e divulgado de maneira voluntária pela professora juntamente com Leonardo Melgarejo, coordenador adjunto do Fórum Gaúcho de Combate aos Efeitos dos Agrotóxicos, para respaldar organizações e setores do governo e legislativo na discussão de possibilidades relacionadas ao Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara).

 “São moléculas banidas há muito tempo porque são velhas, mais tóxicas. E aqui se usa já há muitos anos, desde 1985. Isso impede a entrada de outras mais novas, menos tóxicas e melhor testadas”, disse ao Blog a engenheira química Sonia Corina Hess, professora aposentada da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coautora de um parecer técnico detalhando dados sobre esses produtos banidos na União Europeia. “Não é por falta de opção que a gente está usando essas moléculas velhas. E sim porque são despejadas aqui devido ao preço mais baixo desse lixo em relação a moléculas novas. É por isso que entre os mais vendidos estão 7 banidos. A gente vai cumprindo assim esse papel de lixeira mesmo”.

De acordo com ela, que se dedica arduamente ao estudo desse caldeirão de venenos, a situação é bem complexa. Entre suas causas principais está o poder das transnacionais fabricantes, com seu lobby sobre os poderes da República. “A indústria química foca muito no Brasil porque é o maior mercado de agrotóxicos do mundo. Vale muito dinheiro. Há forte pressão até para impedir o banimento. Por isso a gente está com esse cenário tão trágico para o povo brasileiro, que praticamente não tem defesa diante desse poder das indústrias multinacionais”.

Regulação frágil

Esse lobby onipresente, aliás, explica em parte a fragilidade da regulação brasileira quando comparada à do bloco europeu. Lá o conjunto de países observa vários pontos no processo de análise de pedido de registro e de sua validade. “Na União Europeia a reavaliação dos produtos é periódica. Trata-se de um trabalho extenso, que pode levar 6 anos ou até mais; um processo bem bacana, em que um país assume a liderança desses estudos. Depois é feito um parecer que é apresentado para os demais países. Entra então em consulta pública. Se aparece algum ponto que pode sinalizar para o banimento, eles convocam a indústria para justificativas. É bem sério”, disse.

“Já no Brasil a validade é eterna, não tem prazo. Uma vez aprovado, não há regras definindo datas para reavaliação. Por isso a gente tem moléculas que são vendidas no Brasil desde 1985. Para conseguir banir é um processo muito complicado; é no varejo e não no atacado, como na Europa. Como lá cada substância tem uma validade e se naquele prazo não se justificar a manutenção, eles vão banir. Existe uma organização, uma sistemática de reavaliação que não tem no Brasil”, disse. “Isso é que falta aqui. E cada vez que tem reavaliação de agrotóxicos no Brasil é aquele drama, um ‘Deus nos acuda’, com o lobby todo contrário pressionando. E ninguém leva em consideração a saúde pública, o gasto no SUS, a tragédia que é o adoecimento das pessoas. Uma tragédia brasileira diante desse poderio das multinacionais.”

Sonia Hess lembra ainda o processo de enfraquecimento da legislação do setor. “A lei dos agrotóxicos, em vez de mais rigorosa, ficou mais branda, dificultando o banimento. Mas os números da saúde pública estão aí. A incidência de câncer em pessoas mais jovens está aumentando. Autismo, desregulação endócrina. São muitas doenças que provêm de contaminação ambiental e os agrotóxicos têm papel muito decisivo nisso”, disse a especialista, que se vê particularmente preocupada com a qualidade da água de abastecimento. “Cada vez que a gente analisa a água encontra uma série de substâncias perigosas, inclusive agrotóxicos.”

Interesses em conflito

O engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, com extenso currículo envolvendo o tema, acrescenta outro fator agravante: o poder do agro no poder, inclusive sobre o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), por trás da liberação dos agrotóxicos. “O MAPA afirma que precisamos usar no Brasil venenos desnecessários na União Europeia por conta de nosso clima tropical. Oculta com isso um fato simples: aqueles produtos hoje proibidos na União Europeia já foram utilizados lá; eram necessários para a agricultura até que se comprovaram perigosos demais para a saúde humana e ambiental. Mas como a agricultura européia se mantém, sem eles? Utilizando outras formulações”, apontou.

“O fato é que estas outras formulações são mais caras, enquanto o lixo tóxico, que não pode ser comercializado lá é desviado para cá, a preços baixos. Lixo tem preço baixo”, disse, fazendo coro a Sonia Hess. Na sua análise, trata-se tambem de uma questão de contabilidade, onde os gastos com saúde são desprezados por aqueles só enxergam os resultados da lavoura, a cada safra, desprezando o horizonte de uso de seus próprios territórios. “Estão acabando com a microvida e a fertilidade dos solos, envenenando a água, multiplicando tragédias familiares e justificam isso com base em argumentações falaciosas”, completou.

Após uma década de espera pelos movimentos e organizações da sociedade civil, em junho deste ano o governo federal instituiu, por decreto, o Pronara. A política visa a redução gradual e contínua do uso de agrotóxicos, principalmente os altamente perigosos ao meio ambiente e extremamente tóxicos para a saúde. 

Mensagem de repúdio ao Pacote do Veneno projetado em edifício. Foto @projetemos

atribui ao mesmo MAPA, entre outras coisas, priorizar o registro de agrotóxicos de baixa toxicidade e de bioinsumos. Ou seja, uma incumbência que destoa dos horizontes do poderoso comando da pasta. Para Melgarejo, o nó dessa improvável convergência de interesses só pode ser desatado pela sociedade. E isso quando estiver plenamente consciente da situação.

“As pessoas que residem nas ‘zonas de sacrifício’ não estão cientes de que seus parentes estão sofrendo doenças incuráveis que poderiam ser evitadas, que gestações estão sendo perdidas, que se multiplicam casos de oncologia infantil e distúrbios nos sistemas endócrinos, nervoso e reprodutivo porque a água está sendo envenenada. E se soubessem que isso tudo poderia ser evitado com mudanças nas regras de financiamento, isenção de impostos e autorização de uso, aqui, de venenos que são PROIBIDOS em outros países, não reagiriam?”, pondera, lembrando que “zonas de sacrifício” são áreas nas quais os índices de mortalidade, afecções cancerígenas, gestações perdidas e casos de autismo e infertilidade superam as médias nacionais.

 Nessa perspectiva, Melgarejo defende que a sociedade seja informada sobre a gravidade da situação em que vive. “As pessoas estão sendo enganada a respeito dos agrotóxicos. E o Pacote do Veneno é um instrumento criminoso a serviço de interesses econômicos, cego aos direitos humanos fundamentais, antiético e contrário à civilidade”, disse. “Os números e fatos relatados no parecer demonstram isso. A sociedade precisa ser informada para avaliar aqueles seus representantes que vêm sendo escolhidos para ocupar espaços no poder legislativo. A maioria deles, como demostram as decisões envolvendo o pacote do veneno e as dificuldades para discussão de um modelo de desenvolvimento amistoso à natureza, zombam da saúde de seus eleitores”, diz.

Ele defende também que esta disseminação de informações sobre o tema dê o devido espaço para os avanços das práticas agroecologias, “um sistema de produção mais coerente com as necessidades de soberania alimentar e de enfrentamento ao aquecimento global, está sendo bloqueado pelo estímulo ao uso de lixo tóxico entre nós”. “Precisamos de proteção para as regiões onde a agroecologia se expande, que sejam estabelecidas áreas livres de agrotóxicos e os avanços possam ser multiplicados.

Mas não é só. Como tudo isso depende de políticas públicas, a importância de esclarecimento da sociedade ganha ainda mais relevância. “Até mesmo para o ganho de força na correlação que levou o agro ecocida a dominar o estado”, diz Melgarejo. “Eles estão no legislativo e ocupam postos chave no executivo, em todos os governos. Ocuparam o estado, que precisa se aproximar mais das necessidades da população e se afastar dos mecanismos que nos subordinam a interesses ofensivos à saúde humana e ambiental.”

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Confira a seguir


Cida Oliveira é jornalista e colaboradora regularmente com o Blog do Pedlowski.

Parecer técnico identifica graves riscos à saúde de centenas de agrotóxicos banidos na Europa e vendidos legalmente no Brasil

Um parecer técnico preparado por dois especialistas que eu considero altamente qualificados nos estudos dos impactos ambientais e sanitários dos agrotóxicos, Sonia Corina Hess e Leonardo Melgarejo, faz um Raio-X detalhado de mais de 200 ingredientes ativos de agrotóxicos (223 na verdade) que estão banidos para uso na Europa, mas que continuam sendo legalmente comercializados no Brasil.

O parecer técnico inclui um quadro descritivo que discrimina o ingridiente ativo, classe de uso, ano de autorização no Brasil, ano de banimento na Europa, toneladas comercializadas em 2023, total de agrotóxicos comercializados, e efeitos sobre a saúde e o ambiente.

Um dos detalhes mais chocantes que aparece nas informações colhidas por Hess e Melgarejo a partir de fontes como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), do Agrofit (um banco de informações sobre os produtos agroquímicos e afins registrados no Ministério da Agricultura) e da União Europeia, é que o Brasil vem constantemente registrando ingredientes ativos logo após, ou a despeito, seu banimento na Europa. Além disso, uma quantidade considerável dos ingredientes ativos autorizados jamais foram registrados pela União Europeia.

O parecer ainda aborda o impacto não avaliado dos chamados adjuvantesque também são perigosos à saúde e m ambiente, mas não são acompanhados pela ANVISA ou considerados durante o processo de liberação dos ingredientes. Em alguns casos, os adjuvantes podem ser tão ou mais tóxicos do que os próprios ingredientes ativos que formam os agrotóxicos, mas não são avaliados por serem considerados inertes.

A informação que deveria ser levada especialmente em atenção se refere à longa lista de doenças associadas a esses ingredientes ativos, seja por contato direto ou indireto. Aí estamos falando de diferentes tipos, desregulação do sistema endócrina, danos celulares, danos ao sistema neurológico, danos renais, autismo e déficit de atenção.

A contaminação por esses produtos atinge ainda os recursos hídricos que, por sua vez, são as fontes de abastecimento das cidades brasileiras. Em outras palavras, e como já foi demonstrado pelas referências científicas anexadas ao parecer técnico, o processo de contaminação é bastante difuso, pois a água servida nas cidades está repleta de resíduos de agrotóxicos, formando uma espécie de poção venenosa que está envenenando os brasileiros de forma ampla, geral, irrestrita e altamente silenciosa.

O parecer assinado por Hess e Melgarejo sugere que “sem prejuízo à medidas direcionadas à proibição de todos aqueles 190 ingredientes ativos banidos dos mercados europeus, se atente para a possibilidade de articulações junto ao MS, FUNAI, MMA e ao MAPA, com vistas à suspensão imediata do uso daqueles produtos” em áreas de reforma agrária, zonas de sacrifício (que são aquelas regiões com indicadores de danos à saúde relacionados ao uso de agrotóxicos, superiores às médias nacionais), zonas de consolidação das práticas de base agroecológica, e em terras indígenas e áreas protegidas.

Uma questão ética que se levanta nas questões levantadas por esse parecer técnico se refere ao fato de que o Brasil continua autorizando ingredientes ativos que são conhecidamente altamente tóxicos e perigosos para a saúde humana, o que é revelado por seu banimento na Europa, sem que haja qualquer tipo de dispositivo que impeça que produtos banidos sejam autorizados no Brasil, algo que deveria ser automático.

Há ainda que se ressaltar que todo o processo de registro de ingredientes ativos se tornou ainda mais maleável e propositalmente rápido após a aprovação do chamado “Pacote do Veneno” pelo Congresso Nacional.  Uma das maiores excrecâncias que constam no pacote é o registro eterno dessas substâncias altamente tóxicas.  E para vantagem de quem? Das empresas multinacionais, principalmente europeias, especializadas em despejar no Brasil aquilo que a Europa baniu.

Quem desejar ler na íntegra o parecer técnico assinado por Sonia Hess e Leonardo Melgarejo, basta clicar [Aqui!].

Lixeira química: “É uma vergonha o Brasil comprar agrotóxicos perigosos, banidos em outros países, e que aqui nem pagam impostos”, alerta especialista

Professora aposentada da UFSC referência em estudos sobre o tema, Sonia Corina Hess defende tributação, com os recursos destinados a descontaminação e políticas de saúde 

Por Cida de Oliveira*

Nuvem de agrotóxicos em lavoura no Mato Grosso. Foto: Documentário Juruena Rastros do Veneno

As liberações desenfreadas de agrotóxicos no Brasil, que é o maior consumidor mundial, e as isenções tributárias que beneficiam seus fabricantes multibilionários voltaram a ser criticadas pela engenheira química Sonia Corina Hess. Professora aposentada da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a engenheira química que se dedica a estudar esses produtos e seus impactos à saúde e meio ambiente, reitera críticas à opção dos governos pela importação de substâncias altamente tóxicas para satisfazer o agronegócio. “Hoje o Brasil é a maior lixeira química do mundo. A gente paga caro em agrotóxicos que foram banidos na União Europeia e em outros países porque os consideram um lixo”, afirma, em vídeo de alerta sobre a gravidade da situação, que você pode conferir ao longo da reportagem.

Sonia Hess destaca que, da lista dos 10 princípios ativos mais vendidos no Brasil, 7 foram proibidos na União Europeia ou que nem chegaram a ser registrados por lá. Segundo dados mais recentes do Ibama, de 2023, os 10 campeões de venda são, pela ordem: Glifosato, Mancozebe, 2,4 -D, Acefato, Clorotalonil, Atrazina, S-Metolacloro, Glufosinato de Amônio, Malationa e Dibrometo de Diquate. Os grafados em vermelho são os banidos.

“O Mancozebe, uma molécula perigosa, é o segundo mais vendido no Brasil. Mais de 50 mil toneladas foram jogadas aqui. O Acefato, banido em 2003, uma molécula velha, uma substância perigosíssima. A Atrazina, uma porcaria que se acumula na água. Intoxica populações de maneira crônica, causando uma série de problemas de saúde, vários tipos de câncer, infertilidade, e continua sendo vendida no Brasil mesmo tendo sido banida na Europa em 2004. É grande a lista das substâncias que foram banidas e que aqui continuam a ser vendidas a preço de ouro”, alerta.

Em seu recado contundente e necessário, a professora lembra ainda outro absurdo: os benefícios tributários concedidos há décadas. “Não pagam impostos, não pagam. Agora está em discussão no STF (Supremo Tribunal Federal) se obriga ou não os agrotóxicos a pagar imposto. Além de a gente ter de lutar para banir aqui essas substâncias banidas em outros lugares, temos de lutar para que pelo menos paguem impostos para diminuir o dano financeiro ao país”, diz, com indignação. “É uma vergonha a gente pagar caro por esse lixo que não paga imposto”.

Professora Sonia Corina Hess faz mais um alerta sobre a farra dos agrotóxicos no Brasil

Indústrias nadam de braçada no oceano de benefícios fiscais

A professora se refere a subsídios tributários a esses produtos concedidos há quase 30 anos. A inconstitucionalidade de dispositivos legais que garantem enormes descontos no ICMS, principal fonte de arrecadação dos estados, está sendo questionada no Supremo há quase 10 anos. O plenário da Corte deve retomar hoje (22) o julgamento de ações que questionam a legalidade de benefícios concedidos à comercialização. Em seu voto, o ministro relator Edson Fachin reconheceu que a isenção fiscal dos agrotóxicos é inconstitucional.  Já o ministro Gilmar Mendes acolheu argumentos de representantes do agronegócio e votou pela manutenção dos benefícios. Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli seguiram Gilmar. 

Em reportagem do Blog do  Pedlowski publicada em agosto, fica claro que o buraco de recursos públicos é mais embaixo. E não se limita a isenções e redução de alíquotas do ICMS. Os fabricantes de agrotóxicos se beneficiam também das isenções em impostos e contribuições federais, que foram sendo concedidas a partir da década de 1990: o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto de Importação (II), Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e as Contribuição Social dos Programas de Integração Social (PIS) e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep). A alíquota zero dessas contribuições, aliás, impediram os cofres públicos de arrecadar R$ 8,9 bilhões de 2010 a 2017, conforme um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU).

Segundo dados divulgados pela Receita Federal com base em informações declaradas pelas empresas sobre créditos tributários decorrentes de benefícios fiscais, de janeiro a agosto de 2024 os agrotóxicos deixaram de pagar mais de R$ 10,7 bilhões em impostos federais. A Syngenta deixou de recolher R$ 4 bilhões, a Bayer R$ 2,11 bilhões e a Basf, R$ 1,87 bi. Se nada for feito, as benesses terão continuidade mesmo com a entrada em vigor da reforma tributária, graças ao lobby onipresente e onipotente do agronegócio.

Câncer, malformações fetais, autismo, Alzheimer, Parkinson…..

Os impactos à saúde e meio ambiente dessa festa que essas empresas fazem no Brasil, com as bênçãos dos poderes, estão na pesquisa à qual Sonia Hess se dedica atualmente. Trata-se de um trabalho meticuloso, que o Blog do Pedlowski divulgou em primeira mão neste domingo (19). O objetivo é catalogar pesquisas científicas sobre os efeitos toxicológicos dos princípios ativos banidos lá fora e recebidos no Brasil como salvadores da lavoura. O trabalho em andamento já reúne dados alarmantes. Dos 570 ingredientes ativos registrados na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), 429 são ativos químicos, dos quais 228 (53%) foram banidos ou não têm registro na União Europeia.

A professora já levantou estudos toxicológicos referentes a 48 deles desses ingredientes ativos presentes nos agrotóxicos. Os dados, parciais, apontam para a relação da exposição crônica a esses agentes com uma infinidade de problemas de saúde graves, incapacitantes e letais. São pelo menos 10 tipos de câncer associados, malformações congênitas, alterações no sistema hormonal, infertilidade e muitos outros distúrbios.

Câncerígenos (próstata, ovário, estômago, tireóide, linfoma não-Hodgkin, cérebro, colorretal, leucemia, sarcoma de tecidos moles e fígado). Segundo o levantamento, estão associados ao Acefato, Ametrina, Atrazina, Clorpirifós, Propiconazol, Epoxiconazol, Imazetapir, Mancozebe e Simazina.

Genotóxicos – causam danos ao material genético das células, como o DNA e os cromossomos, capazes de desenvolver câncer e até mesmo doenças hereditárias. Acefato, Alfa-cipermetrina, Bifentrina, Clotianidina, Imadacloprido, Permetrina e Sulfentrazona.

Desreguladores endócrinos – alteraram a produção, função e ação de hormônios. Entre eles estão o Profenofós, Propamil e Tibutiurom.

Teratogênicos – causam malformações congênitas, atraso no crescimento fetal, disfunções funcionais e até mesmo a morte. Atrazina, Clorpirifós, Cumatetradil e Flocumafeno.

Danos ao sistema imunológico de bebês expostos durante a gestação: Alfa-cipermetrina, Bendiocarbe, Bifentrina, Clotianidina, Fenitrotiona, Imidacloprido, Permetrina, Praletrina, Propanil, Sulfometurom-Metílico, Temefós e Tiodicarbe.

Danos metabólicos – ou seja, às reações químicas que envolvem o funcionamento das células: Alfa-cipermetrina, Bifentrina, Clotianidina, Fenitrotiona, Imidacloprido, Permetrina, Praletrina e Temefós.

Rins – danos ao órgão estão relacionados ao Dibrometo de Diquate, Tiodicarbe e Triflumurom.

Fígado – Alterações em células hepáticas humanas e no órgão em ratos podem ser causadas pelo Tidiocarbe e Triflumurom.

Parkinson – Atrazina, Clorpirifós, Metomil e Simazina.

Alzheimer – Clorpirifós e Metomil.

Autismo – Clorpirifós, Imidacloprido e Permetrina.

Desordem do Déficit de Atenção – Clorpirifós e Imidacloprido.

Infertilidade e baixa qualidade do sêmen – Atrazina e Clorpirifós.

Tóxico para abelhas – Atrazina, Bifentrina, Flubendiamida, Novalurom, Diafenturom, Dinotefurono, Flubendiamida, Imidacloprido, Picoxistrobina e Tiametoxam.

Tóxico para peixes – Ametrina, Diafenturom, Diurom, Hexazinona, Imizapique, Imazapir, Metomil, Tibutiurom e Tidiocarbe.


*Cida de Oliveira é jornalista

Sonia Corina Hess dá depoimento esclarecedor sobre a transformação do Brasil em lixeira química por agrotóxicos banidos na União Europeia

A professora titular aposentada da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Sonia Corina Hess, dá um depoimento esclarecedor sobre a transformação do Brasil em destino preferencial de agrotóxicos banidos pela União Europeia em função de sua alta periculosidade ambiental e para a saúde humana.

Assista ao vídeo e reflita: como podemos ter tantas benesses para os fabricantes desses venenos altamente poderosos?

Observatório dos Agrotóxicos: Governo Lula continua chuva de liberações de agrotóxicos proibidos na Europa

No dia de ontem, o Blog do Pedlowski publicou uma lista compilada pela professora Sonia Corina Hess com centenas de agrotóxicos proibidos na Europa e vendidos legalmente no Brasil. Eis que hoje, o Diário Oficial da União publicou o Ato Nº 50,  de 17 de outubro de 2025 que traz a liberação de mais 33 agrotóxicos para comercialização no território brasileiro.

Para confirmar o que a professora Sonia Hess já havia observado em sua lista, esse novo ato adiciona diversas novas formulações contendo ingridientes ativos proibidos na União Europeia. Com isso, os que têm acompanhado desde 2019 as publicações do Obsevatório dos Agrotóxicos do Blog do Pedlowski poderão verificar quais agrotóxicos liberados hoje estão proibidos na União Europeia e quais são as principais consequências deletérias que eles trazem para diversos organismos vivos, incluindo seres humanos.

Posso adiantar que neste ato foram liberados agrotóxicos cujos ingridientes ativos que a literatura científica já apontou serem, entre outras coisas,  neurotóxicos, desreguladores endócrinos, tóxicos para abelhas, causadores de danos ao sistema imunológico de recém nascidos, causadores de danos nos rins, genotóxicos, além de estarem associados danos metabólicos e serem indutores de diabetes. 

A questão é que essa não é a primeira vez que o Blog do Pedlowski traz informações sobre a liberação de agrotóxicos proibidos na Europa, já que recentemente uma reportagem assinada pela jornalista Cida de Oliveira havia mostrado a mesma situação em relação ao Ato Nº 46,  de  29  de setembro de 2025. Estamos assim diante de uma prática regular de liberar no Brasil, os agrotóxicos que agricultores europeus não podem mais usar por causa da sua alta periculosidade ambiental e para a saúde humana.

Esta situação é grave demais para ser ignorada, pois não podemos aceitar que o Brasil seja transformada na lixeira química das multinacionais europeias que continuam colocando os seus lucros acima da segurança dos trabalhadores rurais e de quem consome os alimentos contendo resíduos de seus agrotóxicos ultraperigosos.

Lixeira química Brazil: lista inédita revela agrotóxicos banidos na Europa e vendidos legalmente no nosso país

O fato do Brasil ter se tornado um destino preferencial para agrotóxicos banidos pela União Europeia tem sido demonstrado a partir da publicação de diversos relatórios. O relatório mais recente foi o produzido pela ONG suiça Public Eye que revelou ter ocorrido um aumento acelerado nas exportações desses agrotóxicos ultraperigosos por empresas europeias, mesmo estando banidos para uso no continente europeu, tendo o Brasil como um dos principais mercados consumidores.

Em 2024,  uma reportagem produzida pela Public Eye em cooperação com a Unearthed já havia divulgado informações preocupantes sobre a exportação do agrotóxico diquat, proibido na Europa e no Reino Unido, para o Brasil. A reportagem documentou os efeitos devastadores do diquat sobre a saúde de pequenos agricultores brasileiros, especialmente no estado do Paraná.

Pois bem, agora graças ao trabalho meticuloso da professora titular aposentada da Universidade Federal de Santa Catarina, Sonia Corina Hess, o Blog do Pedlowski está divulgando em primeira mão a lista inédita de ingredientes ativos de agrotóxicos com uso autorizado no Brasil e sem uso autorizado na União Europeia ingredientes ativos de agrotóxicos com uso autorizado no Brasil e sem uso autorizado na União Europeia. Com informações obtidas nos bancos de dados da Agência Nacional de Vigilãncia Sanitária (Anvisa) e da Comissão Europeia, e amparada por uma ampla base bibliográfica, a Professora Hess lista os ingridientes ativos, ano de proibição na União Europeia, e ainda as principais doenças associadas aos ingredientes banidos.

A verificação da lista mostra os efeitos danosos a organismos vivos em geral, mas detalha as principais doenças acometidas em seres humanos em função da exposição a esses agrotóxicos altamente tóxicos e, por isso mesmo, banidos na União Europeia.  

A lista compilada pela professora Hess é tornada pública quando o Supremo Tribunal Federal está analisando a constitucionalidade dos benefícios fiscais e tributários absurdos que são concedidos aos agrotóxicos no Brasil, em que pese todos os danos ambientais e sanitários que causam, sobrecarregando de forma óbvia os já sobrecarregados serviços públicos de saúde.  Além disso, há que se lembrar a postura diligente do deputado estadual Renato Roseno (PSOL/CE) que apresentou um projeto de lei (PL 00841/2024) que proíbe a produção, comercialização e o uso de agrotóxicos já banidos pela União Europeia. 

Como já foi observado por mim em postagens anteriores, a questão dos agrotóxicos já deveria estar listada como uma das prioridades políticas das forças políticas que se dizem de esquerda no Brasil. Os custos da dependência dessas substâncias para a população brasileira são de tamanha monta que a substituição da agricultura baseada nessas substâncias por uma de base agroecológica deve ser uma prioridade máxima nos próximos anos. Do contrário, o que vamos assistir é uma hecatombe química de proporções gigantescas e que nos pegará com serviços de saúde sem a devida preparação para enfrentá-la.

A tabela completa compilada pela professora Sonia Hess, pode ser baixada [Aqui!].

Brechas na exportação na França permitem remessas crescentes de agrotóxicos banidos

O fracasso do governo francês em preencher lacunas nas regras de exportação de substãncias banidas significa que as exportações, principalmente para o Sul Global, continuam

Wheat crops before harvest, in Arapongas

Por Crispin Dowler e Naira Hofmeister para a Unearthed

Empresas multinacionais estão exportando quantidades crescentes de produtos químicos proibidos da França para serem usados ​​na produção de pesticidas no exterior, depois que o governo francês não cumpriu sua promessa de acabar com essa prática .

Uma nova investigação realizada pela Unearthed e pela Public Eye revela como a indústria de pesticidas está explorando o fracasso da França em fechar uma brecha na proibição histórica de exportação de pesticidas cujo uso é proibido em suas próprias fazendas. 

No ano passado, as autoridades francesas aprovaram a exportação de mais de 4.500 toneladas de produtos químicos proibidos não diluídos para uso na fabricação de pesticidas, ante cerca de 3.400 toneladas em 2022 .

Dois terços dessas exportações foram destinadas ao Brasil – sem dúvida o país com as reservas mais importantes de biodiversidade da Terra . Elas incluíam vastas quantidades de picoxistrobina – um fungicida proibido na Europa devido a ameaças à vida selvagem e preocupações de que seus resíduos pudessem danificar o DNA humano – e o inseticida matador de abelhas fipronil , que foi associado ao envenenamento recente de milhares de colmeias no Brasil . 

Essas exportações foram aprovadas apesar da posição da França como o primeiro país do mundo a aprovar uma lei contra a exportação de pesticidas proibidos devido aos riscos que eles representam para a saúde humana ou para o meio ambiente. Brechas nessa lei, que é conhecida como loi Egalim , deixaram as fábricas francesas livres para continuar exportando grandes quantidades de pesticidas proibidos, principalmente para o Sul global. 

Quando isso foi revelado pela primeira vez por uma investigação da Unearthed and Public Eye , em dezembro de 2022, o governo francês prometeu fechar as brechas . Em particular, o então ministro do meio ambiente Christophe Béchu prometeu fechar uma “lacuna” apelidada de “brecha da substância pura” : a lei Egalim proibia apenas a exportação de pesticidas contendo produtos químicos proibidos, e não a exportação desses ingredientes ativos em si. 

Isso deixou as empresas livres para continuar enviando esses produtos químicos perigosos e proibidos em sua forma não diluída, para serem misturados a produtos prontos para consumo no exterior . 

“Proibimos a exportação de produtos sem especificar que isso [também] se aplicava às substâncias ativas, e temos empresas tirando proveito disso”, disse Béchu ao parlamento francês .

“Temos que corrigir isso, emendá-lo, porque a intenção do legislativo não era permitir essa lacuna”, disse ele.

O ex-ministro do meio ambiente da França, Christophe Bechu, discursa na Assembleia Nacional em Paris, em 2022. Foto: Emmanuel Dunand/AFP via Getty

Entretanto, nos 21 meses desde essa promessa, a França não fechou a brecha e não tomou nenhuma medida pública nesse sentido.“É vergonhoso que venenos proibidos na França continuem a ser produzidos e exportados de nosso solo, mais de quatro anos após a proibição ter sido aprovada”, disse Delphine Batho, uma política do grupo Social e Ecologista no parlamento francês . “As empresas agroquímicas estão explorando uma brecha legal, mas também podem contar com a benevolência do governo, que não fez nada para remediar a situação. ”

No ano passado, Batho, ex-ministra do meio ambiente que agora atua como deputada na Assembleia Nacional da França , apresentou um projeto de lei com a intenção de fechar as brechas na proibição de exportação da França – incluindo a brecha da substância pura . Ela disse à Unearthed e à Public Eye que havia recentemente reapresentado esse projeto de lei , após as eleições da Assembleia Nacional de julho . 

Nicolas Thierry, um deputado do grupo Social e Ecologista no parlamento francês que desafiou o governo quando as lacunas na lei foram reveladas pela primeira vez , disse que o “escândalo de saúde pública” dessas exportações foi agora “agravado pelo fracasso de um governo que assumiu o compromisso perante a Assembleia Nacional de tapar as lacunas legais” .

O Ministério da Transição Ecológica da França se recusou a responder diretamente quando perguntado pela Unearthed e Public Eye se o governo ainda planejava fechar a brecha da substância pura. Em vez disso, um porta-voz do ministério indicou que a França apoiava uma iniciativa – que começou sob a última Comissão Europeia – para introduzir uma proibição em toda a UE da exportação de produtos químicos cujo uso é proibido dentro da União Europeia. 

Isso “tornaria possível estender a proibição francesa à exportação de produtos fitofarmacêuticos que contenham substâncias proibidas para o nível europeu e, em particular, garantir uma concorrência leal entre todos os estados-membros da UE e um melhor funcionamento do mercado interno da União Europeia”, disse o porta-voz .

A brecha da substância pura não foi a única lacuna na lei Egalim que as empresas de pesticidas fizeram uso no ano passado. No total, a França aprovou a exportação de 7.294 toneladas de pesticidas proibidos em 2023, uma ligeira queda em comparação com o ano anterior . 

No entanto, dessas exportações, 4.517 toneladas, ou 62%, eram substâncias puras. Isso representou um aumento acentuado em relação a 2022, quando menos da metade das exportações eram substâncias puras .

exportações banidas

Outras remessas foram permitidas sob uma brecha diferente, que declarou que a lei Egalim não se aplicava imediatamente em casos em que a aprovação de um pesticida para uso na UE havia expirado sem que os produtos fossem formalmente proibidos. No entanto, essa brecha foi fechada em março deste ano após uma contestação legal por um grupo de campanha. 

O governo já havia consultado planos para fechar essa brecha de “substâncias sem suporte”, mas esses planos foram tornados desnecessários pela decisão do tribunal, disse o porta-voz do Ministério da Transição Ecológica .

Duas empresas

Os principais beneficiários da brecha de substâncias puras da França são duas corporações estrangeiras: a gigante agroquímica americana Corteva e sua concorrente alemã BASF, mostram os dados obtidos pela Unearthed e pela Public Eye. 

Juntas, essas duas empresas foram responsáveis ​​por 97% dos produtos químicos proibidos não diluídos exportados para a fabricação de pesticidas no ano passado. 

A Corteva foi a maior exportadora em peso, recebendo aprovação para embarcar 3.044 toneladas do pesticida picoxistrobina . Isso seria o suficiente para fabricar mais de 15.000 toneladas do fungicida mais vendido da empresa, o Approach Prima , e, por sua vez, pulverizar mais de 50 milhões de hectares de campos de soja – uma área quase do tamanho da França . 

A picoxistrobina foi proibida na Europa e no Reino Unido em 2017, devido à preocupação sobre seu potencial de danificar os cromossomos humanos, bem como o “alto risco” que representava para a vida aquática, minhocas e os mamíferos que as comiam. 

As exportações da Corteva deste produto químico da França no ano passado foram destinadas a oito países , incluindo Argentina, Índia e Estados Unidos . Mas a maioria – 2.000 toneladas – foi para o Brasil . 

A Unearthed entrou em contato com a Corteva para este artigo, mas a empresa não respondeu .

‘Danos ambientais absurdamente enormes’

A BASF foi a segunda maior exportadora em peso, recebendo aprovação para enviar 1.311 toneladas de fipronil puro , um produto químico que tem sido associado a mortandades massivas de abelhas em todo o mundo . Semelhante à Corteva, mais de três quartos das exportações aprovadas da BASF foram para o Brasil . 

O enorme agronegócio do Brasil fez dele o mercado mais importante do mundo para pesticidas altamente perigosos. Autoridades no país documentaram múltiplos casos de colônias de abelhas sendo acidentalmente envenenadas com fipronil. 

Apicultores coletando mel perto de Brasília, Brasil, 2022. Organizações de apicultura e acadêmicos no Brasil dizem que o fipronil tem sido a principal causa de envenenamentos em massa de abelhas no país. Foto: Mateus Bonomi/Anadolu Agency via Getty

Um porta-voz da BASF disse que o “entendimento da empresa a partir das evidências disponíveis” era que os produtos que causaram esses envenenamentos “não foram produzidos ou vendidos pela BASF” e que as mortes resultaram do “uso indevido” de sprays direcionados às folhas das plantas, que a BASF não vende. 

Várias empresas comercializam inseticidas à base de fipronil no Brasil, mas os produtos que a BASF vende no país são usados ​​para tratar sementes ou aplicados ao solo. Esses usos do fipronil também são proibidos na UE. 

Embora não haja um número nacional sobre o número de abelhas mortas pela exposição a esse produto químico, apicultores e acadêmicos disseram à Unearthed que ele foi o principal pesticida envolvido nos casos relatados de envenenamento de colônias no Brasil.  

Rodrigo Zaluski, pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina , analisou dados de cerca de uma dúzia de pesquisas nas quais cientistas testaram abelhas de colmeias suspeitas de terem sido envenenadas por pesticidas. As primeiras mortes investigadas foram em 2014, a mais recente em 2023. Em todas as principais pesquisas que ele analisou, o fipronil foi detectado na maioria dos casos. 

No ano passado, somente o estado de São Paulo, no sul do país, recebeu 54 relatos de mortandade massiva de abelhas – representando 2.717 colmeias. Autoridades testaram abelhas de 47 dessas mortandades e encontraram fipronil presente em dois terços dos casos. 

O número de envenenamentos de abelhas relatados em São Paulo subestima significativamente o número real, de acordo com Renata Taviera, gerente do programa de saúde das abelhas do estado. “Os apicultores não relatam todos os casos ao órgão investigativo”, ela explicou. “E quando relatam, nem sempre é possível obter amostras e testá-las.”

Ricardo Orsi, membro do comitê científico nacional da Confederação Brasileira de Apicultura, estima que 70% dos casos registrados de intoxicações por abelhas no país são causados ​​pelo fipronil. 

No entanto, quase todas essas mortes relatadas são de abelhas de apiários comerciais. Não há como rastrear o impacto que os pesticidas estão tendo sobre as abelhas nativas selvagens que podem ser mais sensíveis a agrotóxicos , disse Orsi ao Unearthed . 

“Se estamos matando abelhas, então as abelhas nativas, as borboletas e outros insetos também estão mortos”, ele acrescentou. “É um dano ambiental absurdamente grande que não podemos nem medir.”

Cana-de-açúcar sendo colhida no ano passado no estado do Rio de Janeiro, Brasil. A BASF vende inseticidas à base de fipronil no Brasil para uso em culturas como cana-de-açúcar e milho. Foto: Fabio Teixeira/Anadolu Agency via Getty

Agora, as autoridades no Brasil estão começando a reprimir alguns usos do fipronil. Em dezembro passado, a agência nacional de meio ambiente do país, o Ibama, suspendeu temporariamente toda pulverização de fipronil de aviões e helicópteros, bem como de dispositivos montados em tratores que pulverizam o pesticida indiscriminadamente em grandes áreas. 

“Investigações já realizadas indicam a existência potencial de um risco ambiental inaceitável para as abelhas”, explicou a agência na época. A suspensão estará em vigor enquanto a agência reavalia o impacto ambiental do pesticida. 

No entanto, os agricultores ainda podem usar sementes tratadas com fipronil , aplicar o produto químico diretamente no solo e pulverizá-lo de forma direcionada em áreas da cultura onde há pragas presentes. 

Antes mesmo da suspensão nacional, alguns estados brasileiros já haviam proibido a pulverização foliar de fipronil. Santa Catarina foi o primeiro, em 2021, após encontrar fipronil em todas as amostras retiradas de 300 colmeias de abelhas mortas. 

“Após a proibição, vimos uma grande diminuição nas mortes de abelhas”, disse Ivanir Cella, ex-presidente da Federação dos Apicultores de Santa Catarina. “Eu diria que reduzimos 70% do problema.”

Um porta-voz da BASF disse que os relatos de mortes significativas de abelhas relacionadas ao fipronil eram “uma grande preocupação para nós, particularmente o número de relatos de mortes de abelhas no Brasil nos últimos anos, dada a importância do Brasil para a segurança alimentar e a biodiversidade globalmente”. 

“Estamos cientes das discussões controversas sobre o possível impacto do fipronil em abelhas, polinizadores e outros insetos benéficos”, ele disse à Unearthed . “É por isso que já revisamos completamente nosso portfólio e comercializamos produtos sem fipronil para aplicações como pulverização foliar aérea ou over-the-top, que apresentam um risco maior de causar incidentes com abelhas.”

Ele disse que no Brasil a BASF eliminou as pulverizações foliares à base de fipronil em 2013. Os únicos produtos de fipronil que a empresa vende atualmente no país são usados ​​como tratamento de sementes ou aplicados em sulcos ou na superfície do solo.   

“Em relação aos casos recentes de mortes agudas de abelhas no Brasil relacionadas ao fipronil, nosso entendimento a partir das evidências disponíveis para nós é que os produtos não foram produzidos ou vendidos pela BASF, e resultaram de uso indevido durante aplicação aérea ou foliar, que é uma aplicação para a qual não vendemos produtos”, ele acrescentou. “No entanto, ainda estamos preocupados com qualquer um desses incidentes.”

Orsi, no entanto, disse que os problemas causados ​​pelo fipronil no Brasil só poderiam ser totalmente remediados com uma proibição abrangente. 

Nos últimos anos, ele conduziu uma série de estudos sobre o impacto do fipronil em abelhas em doses muito pequenas. Essas doses não são letais, mas produzem, ele diz, “envenenamento crônico”. 

Um campo de soja é pulverizado com pesticidas por avião em Goiás, Brasil. No ano passado, as autoridades brasileiras suspenderam a pulverização aérea de fipronil, mas as organizações de apicultura querem uma proibição abrangente do produto químico. Foto: Mateus Bonomi/Anadolu Agency via Getty

“Nós provamos que essas doses mínimas promovem efeitos fisiológicos e comportamentais. Elas afetam a nutrição da abelha rainha, levam a uma vida mais curta para as abelhas e afetam seu sistema imunológico, então elas se tornam mais suscetíveis a doenças”, ele disse ao Unearthed . 

“Os efeitos do fipronil foram estudados e avaliados nos últimos anos, e podemos dizer que ele realmente é um dos [pesticidas] mais agressivos para as abelhas”, ele acrescentou. “A única solução é proibir o uso do fipronil, para desenvolver e encontrar moléculas que sejam menos prejudiciais às abelhas.”

Potencial genotóxico

Fipronil puro e picoxistrobina foram responsáveis ​​por quase dois terços do peso total das exportações de pesticidas proibidos da França no ano passado . No entanto, o país também aprovou embarques de 21 outros agroquímicos proibidos, por mais de uma dúzia de empresas.

Algumas dessas exportações eram substâncias puras, mas 2.778 toneladas eram produtos agrícolas prontos contendo produtos químicos proibidos . Isso incluía mais de 750 toneladas de sementes tratadas com inseticidas ‘neonicotinoides’ matadores de abelhas, como clotianidina e tiametoxam , destinados a países como Ucrânia, Rússia, Bielorrússia, Chile e Turquia.

Muitas dessas exportações parecem ter sido aprovadas sob uma brecha que foi introduzida em março de 2022, três meses após a lei entrar em vigor. Naquela época, o governo francês emitiu um decreto de que a proibição de exportação não se aplicaria imediatamente em casos em que a aprovação da UE de um pesticida tivesse simplesmente expirado, sem uma proibição formal. Essa brecha se aplicava mesmo em casos em que as próprias autoridades da UE consideravam o pesticida proibido. 

Este decreto foi anulado em março deste ano pelo Conselho de Estado, o mais alto tribunal da França , após uma contestação legal pela ONG francesa Générations Futures . O tribunal considerou que o decreto violava a lei, porque nem a lei francesa nem a europeia permitiam que o governo concedesse um “período de carência” para essas “substâncias sem suporte”, disse um porta-voz do Ministério da Transição Ecológica à Unearthed e à Public Eye.

Desde a decisão do Conselho de Estado, a exportação desses produtos químicos foi considerada proibida, ela acrescentou, e o ministério se opôs a pedidos de exportação de sementes revestidas com produtos químicos “não suportados”, como tiametoxam ou clotianidina. 

No entanto, alguns produtos também foram notificados para exportação por empresas francesas, embora contivessem produtos químicos que haviam sido formalmente proibidos pela UE. Por exemplo, a França emitiu notificações de exportação para 762 toneladas de produtos contendo o fungicida fenamidona , embora seu uso tenha sido proibido na UE em 2018 devido ao seu “potencial genotóxico” e “alto potencial de contaminação de águas subterrâneas”. 

O porta-voz do ministério sugeriu que a França não conseguiu se opor a essas exportações, porque, embora tenham sido contratadas por empresas francesas, os produtos foram armazenados e exportados de outros territórios da UE. Isso significa que eles não são cobertos pela lei Egalim .

Esses produtos, ela disse à Unearthed e à Public Eye, “não foram produzidos nem estavam em circulação no território nacional francês, então não era legalmente possível se opor a essas exportações”. Ela acrescentou que “estender a proibição francesa ao nível europeu tornaria possível evitar tais evasões”. 

A Comissão Europeia se comprometeu a acabar com a exportação de produtos químicos perigosos proibidos em 2020, depois que uma investigação da Unearthed e da Public Eye descobriu que o bloco emitiu planos para exportar mais de 81.000 toneladas de agrotóxicos proibidos em um único ano.

No início deste mês, o representante da comissão Almut Bitterhof disse aos eurodeputados que o trabalho sobre este compromisso tinha “avançado”, mas houve um atraso após as eleições da UE deste ano, de acordo com um relatório do site de notícias políticas Politico. Ela acrescentou que este trabalho seria acelerado assim que a nova Comissão estivesse em vigor.


Fonte:  Unearthed

Brasil: importação de agrotóxicos banidos na União Europeia segue em alta

Brasil aparece como o principal importador das substâncias proibidas, segundo dados mais recentes. Especialistas denunciam “colonialismo químico”. “A Europa segue enriquecendo às custas da saúde de países mais pobres”

agrotoxicos aspersaoAtualmente, a proibição das exportações já existe em alguns estados-membros da UE, mas o avanço nacional também é alvo de disputas, como no caso da Alemanha. Foto: Countrypixel/IMAGO

Por Matheus Gouvea de Andrade para a Deutsche Welle 

Mesmo após a Comissão Europeia ter prometido em 2020 banir os envios a outros países de agrotóxicos que são proibidos no bloco, as exportações seguem ocorrendo.

Ambientalistas europeus buscam proibir as exportações a outros países, mas o movimento esbarra em dificuldades diante do quadro político do bloco.

Em 2018, o Brasil apareceu como o principal receptor das substâncias banidas na União Europeia, seguido pela Ucrânia e Marrocos. Lançado em abril deste ano, o estudo Pesticidas da UE proibição de exportação: quais podem ser consequências?, apontou que  36% do volume total de agrotóxicos importados da UE pelo Brasil são consituídos por substâncias proibidas para uso no no bloco europeu, segundo os dados mais atualizados disponíveis. Em casos como Peru e México, o porcentual ultrapassou os 50%.

Por outro lado, para o ano de 2022, a pesquisa mostrou que 8,2% das exportações de agrotóxicos da Alemanha foram de substâncias banidas na União Europeia (UE).

O pesquisador da Corporate Europe João Camargo é um dos coautores do estudo, e afirma que a publicação ocorreu justamente no final do ciclo política em Bruxelas, já que o tema “ficou esquecido” ao final do mandato da última Comissão e do Parlamento Europeu. Em sua visão, “não faz sentido” permitir as exportações de produtos que foram proibidos no bloco justamente pelos perigos que representam à saúde. O grupo apela também pelo fim da produção destes materiais na UE.

Uma investigação conduzida pela ONG Public Eye mostra que um total de 81.615 toneladas de 41 pesticidas proibidos foi exportado pela UE para uso agrícola em 2018. A liderança neste quesito ficou com a Itália, com a Alemanha na segunda colocação. Em seguida, vieram Holanda, França, Espanha e Bélgica.

Márcia Montanari, pesquisadora do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador e do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Mato Grosso (Neast/IST/UFMT), afirma que uma pesquisa recente com amostras de alimentos consumidos com frequência no Brasil mostrou a presença de 40 substancias perigosas, destas, 11 são proibidas na UE.

“A Europa segue produzindo estes agrotóxicos e enriquecendo às custas da saúde da população de países mais pobres”, afirma. Especialistas na área cunharam o termo “colonialismo químico” para descrever este cenário. Atualmente, cerca de 30% dos agrotóxicos usados no Brasil não são permitidos em outros países, aponta Montanari.

No bloco, há temores com o chamado “efeito bumerangue”, já que há consumo de produtos de importantes fontes de alimentos que podem contar com substâncias perigosas. No caso das amostras do Neast, agrotóxicos banidos na UE foram encontrados em commodities típicas do Brasil, como na soja.

Processo de contaminação múltipla

De acordo com Montanari, está em curso um processo de “contaminação múltipla”, no qual tanto a água quanto os alimentos estão fortemente afetados pelas substâncias perigosas. Além disso, outro efeito colateral está nos animais, com destaque para as abelhas, que tanto na Europa quanto no Brasil vem sofrendo processos de contaminações que levam à dizimação de comunidades, o que pode repercutir de diversas maneiras nos processos de polinização.

Entre as muitas substâncias em circulação, está a atrazina, que Montanari diz ser “sempre encontrada nas amostras”. O produto está ligado a disrupções endócrinas e neurológicas, além do adoecimento hepático. Somente em 2019, o Brasil importou 200 toneladas do produto da UE, onde ele é banido desde 2004, por sua “extensiva contaminação da água”.

Outra importação de destaque foi do paraquat, um herbicida que foi proibido no Brasil recentemente, mas que teve sua comercialização permitida até o final dos estoques no país. Em 2018, houve a chegada de 9.000 toneladas do produto – que é banido na UE desde 2007 – com origem do bloco. O paraquat está associado a doenças graves, incluindo Parkinson e fibrose pulmonar.

O Atlas de Agrotóxicos do Escritório Brasil da Fundação Heinrich Böll – instituição ligada ao Partido Verde alemão -, a partir de uma revisão sistemática de análises realizadas e publicadas no Brasil entre 2012 e 2019, mostrou que 77 poluentes diferentes foram encontrados nas amostras de água, incluindo agrotóxicos. Foram detectados 21, entre eles flutriafol, alfa e beta endosulfan, metolacloro e atrazina.

Segundo Montanari, o Brasil costuma ser prejudicado pelas diferentes legislações ainda de outra forma. De acordo com a pesquisadora, quando um produto do país chega à UE com substâncias perigosas medidas acima do permitido no bloco, a tendência é que não haja descarte, mas sim a de que a produção volte ao mercado nacional, onde os parâmetros são mais flexíveis.

Especialistas convergem na visão de que, nos últimos anos, especialmente durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, houve grande flexibilização sobre a permissão de substâncias potencialmente danosas à saúde. O Legislativo seguiu aprovando novas propostas, como o projeto de Lei que ficou conhecido como “PL do veneno”, sancionado em dezembro de 2023 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Montanari avalia que, nos anos de Bolsonaro, havia uma “mobilização maior, e uma pressão mais forte” contra os agrotóxicos, inclusive do exterior, e que, atualmente, há a impressão de que “tudo foi amenizado”, o que não corresponde às tramitações. “A pasta da Agricultura segue tomada pelas grandes indústrias do setor da mesma maneira”, avalia.

pesticidas
Uma investigação conduzida pela ONG Public Eye mostra que um total de 81.615 toneladas de 41 pesticidas proibidos foi exportado pela UE para uso agrícola em 2018Foto: Ohde/Bildagentur-online/picture alliance

Cenário europeu travado

Camargo espera que o tema da proibição em nível europeu das exportações volte à tona em Bruxelas, mas reconhece que o cenário é complicado. Levando em conta os resultados das eleições para o Parlamento Europeu, ele afirma que avançar uma legislação será difícil dentro da configuração dos próximos anos. “Dependerá das alianças que serão construídas. A extrema-direita vem tentando descrever as questões agrícolas como algo cultural”, afirma.

“Houve uma aliança entre a extrema-direita e os agricultores”, aponta Camargo. Segundo o pesquisador, ao final, o cenário atual é contraproducente até mesmo para os produtores europeus, já que cria uma concorrência desleal, uma vez que as contrapartes podem seguir utilizando os agrotóxicos proibidos na UE, que são mais baratos. Para Camargo, “houve muito oportunismo da indústria, que mudou a narrativa, e passou a atacar qualquer proposta de sustentabilidade”.

Atualmente, a proibição das exportações já existe em alguns estados-membros, mas o avanço nacional também é alvo de disputas, como no caso da Alemanha. Segundo Camargo, atuação dos Partido Verde na atual coalizão de governo alemã foi decepcionante, já que, segundo ele, o partido também acabou seguindo o interesse da indústria, o que travou os projetos para banimento dos envios. Em 2022, o país exportou 18.360 toneladas de agrotóxicos proibidos na UE.

Um dos grandes argumentos para não proibir as exportações é o de um eventual efeito nos postos de trabalho. Camargo aponta que o estudo, usando como comparação o banimento em estados membros, mostrou que os efeitos nos rendimentos e nos empregos seriam mínimos. No caso francês, a pesquisa mostra que, na verdade, uma grande parte dos empregadores foi simplesmente realocada para outras funções após o banimento das exportações.


Fonte : Deutsche Welle

Como enfrentar a poderosa indústria e banir os agrotóxicos proibidos em outros países?

O rastro de contaminação, doenças graves e mortes deixado pelos agrotóxicos tende a piorar no Brasil. O governo Lula mantém o ritmo acelerado de liberações de mais produtos inaugurado por Jair Bolsonaro (PL), sendo pelo menos metade deles proibidos na União Europeia

air spraying

Pulverização aérea de agrotóxicos: produtos contaminam o meio ambiente e causam doenças

Por Cida de Oliveira para a Rede Brasil Atual

São Paulo – A farra da indústria dos agrotóxicos, que já deixa um rastro de contaminação, doenças e de mortes por todos os cantos do Brasil, tende ao descontrole generalizado, com consequências devastadoras, se nada for feito para reverter esse processo. Nessa empreitada, a ciência, o direito e principalmente a participação popular têm um grande papel. Afinal, é preciso pressionar governos, mudar as leis e fazer com que sejam cumpridas e, sobretudo, enfrentar a poderosa indústria do setor.

Para se ter uma ideia da gravidade da situação, o país líder no consumo desses produtos na América Latina continua a liberar novos rótulos em ritmo acelerado, a exemplo do que foi nos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro (PL). Ou até pior. Entre 2019 e 2022, foram liberados no total 2.170 “novos” produtos – as aspas significam que ao contrário do que dizem os defensores, essas moléculas não têm nada de novo. Mas de janeiro para cá, pelo menos 354. Chama atenção também o número de 47 ingredientes ativos químicos banidos ou sem registro na União Europeia liberados nesses primeiros meses do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mais que a metade dos 88 nos quatro anos do governo bolsonarista.

Os dados alarmantes foram apresentados pela professora de Química aposentada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Sonia Hess em seminário promovido na noite desta segunda-feira (25) pelo Coletivo de Entidades Ambientalistas do Estado de São Paulo, com apoio do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam). Na pauta, as medidas necessárias para o Brasil banir produtos que já são banidos em outros países. Ou que sequer chegaram a ser liberados devido à sua toxicidade à saúde e ao meio ambiente.

Banidos ou nunca liberados na União Europeia

Além dos números, ela mostrou também informações atualizadas sobre as substâncias mais presentes nesses compostos. E os males que causam à saúde. Trata-se de moléculas que mesmo isoladas, sem mistura com outras, foram banidas há décadas. E conforme estudos estão associadas ao surgimento de diversos tipos de câncer. Sem contar outros problemas graves, como malformações congênitas e alterações em diversos sistemas do organismo humano.

“Mais da metade dos produtos autorizados no Brasil não foram registrados na União Europeia (UE). E o atual governo está repetindo o erro do anterior ao aprovar essas moléculas banidas”, disse a especialista, que defende medidas urgentes para o banimento aqui no país dos agrotóxicos banidos no exterior. E também legislações semelhantes às da UE, a proibição da pulverização aérea em todos os estados – a exemplo do Ceará -, a cobrança de impostos sobre esses produtos e o incentivo à produção orgânica.

Liberações com Bolsonaro e no governo Lula

FONTE: Professora Sonia Hess (UFSC)

O procurador da República Marco Antonio Delfino, com atuação em questões ambientais e indígenas, considera que o desequilíbrio na correlação de forças, principalmente no Congresso Nacional, impõe a necessidade de “um passo de cada vez”. “Temos de fazer por etapas, infelizmente. Temos que produzir mais pesquisas, incentivar projetos que tragam mais dados, mais amplos e completos”, defendeu, referindo-se a águas contaminadas com até mais de 40 agrotóxicos distintos. “Um custo elevado em se tratando de saúde”.

Apesar das dificuldades, Delfino enxerga caminhos para combater mais essa face do chamado racismo ambiental. Na prática, comunidades e países pobres vistos como latas de lixo pelos países ricos. No caso dos agrotóxicos, são produzidos por empresas sediadas em países onde são proibidos e acabam tendo novos mercados, estimulados em países onde são permitidos. E mais: as leis são mais permissivas, como no Brasil, que inclusive os isenta de impostos.

Nessa linha de reflexão sobre o chamado racismo ambiental, o procurador questionou: “Se proibimos a entrada de pneus usados, porque continuamos recebendo agrotóxicos? O princípio é o mesmo: A gente está usando lixo europeu ou dos países desenvolvidos”.

Importação de pneus usados já foi proibida no Brasil

Nessa “lata de lixo” dos países ricos que se tornou o Brasil, houve a exportação de pneus usados para cá. Somente em 2005 foram importados cerca de 12 milhões, com base em decisões da Justiça Federal em vários estados. Mas a Advocacia Geral da União (AGU) ingressou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra as importações. Alegou que o país gerava, naquela época, um passivo de aproximadamente 40 milhões de unidade de pneus usados primeiramente na Europa. E precisava dar a destinação correta a eles, a fim de prevenir danos ambientais maiores.

A importação foi proibida em 2009 pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Na época, segundo o STF, 34 empresas importadoras haviam conseguido autorização judicial para trazer pneus usados da Comunidade Europeia para o Brasil. E alegavam incoerência da legislação brasileira, que permitia a compra de membros do Mercosul para insumo e uso em recapeamento, mas proibia a importação de outros países. “Foi considerado pelo STF o argumento de que o Brasil não poderia se tonar um depósito de lixo”, disse Delfino.

Estudioso da questão das contaminações por agrotóxicos e da lógica econômica envolvendo esses produtos e sua cadeia, o defensor público de São Paulo, Marcelo Novaes, defendeu a busca de “saídas factíveis”. Entre elas, encontrar maneiras para condenar essas empresas a colocarem as mãos no bolsos. Ou melhor, nos cofres, para indenizações justas, proporcionais aos grandes danos que causam. E destacou também também processos cujas condenações sejam a produção de provas contra elas próprias, que podem causam grandes estragos na reputação das marcas e da cadeia como um todo.

Laura Arias/Pexels
Trabalhador diretamente exposto à inalação de venenos perigosos: Foto: Laura Arias/Pexel

Outras saídas factíveis

“Nada impede que organizações como a Proam, possa notificar essas empresas responsáveis pela contaminação de águas, por exemplo. E na sequência, ajuizar ação de reparação no valor de 50 milhões de euros pelos prejuízos ambientais causados no Brasil”, disse Novaes, se dirigindo ao ambientalista Carlos Bocuhy, presidente da Proam, que mediou o debate.

Conforme prosseguiu, condenação desse tipo pode ser obtida graças à chamada lei da devida diligência, contra crimes ambientais praticados pelas subsidiárias de empresas com sede na França e na Alemanha. A lei já foi aprovada nesses dois países e está em vias de aprovação na Holanda. “Mas é preciso que haja comprovação de que algum componente químico produzido por empresa do país onde esteja em vigor essa lei da devida diligência”, ressaltou.

Novaes lembrou que há também instâncias que podem ser acionadas no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). São comitês que monitoram a conduta empresarial responsável em diversos setores. E também acionar a Bolsa de Valores onde são negociados títulos de companhias do agronegócio que está intimamente ligadas aos agroquímicos.

Penalização de empresas e marcas associadas a crimes ambientais

“90% dos agrotóxicos consumidos pelos grandes produtores de exportação são financiadas por empresas mediante contratos de escambo. ‘Eu te dou glifosato e você me dá sacas de soja quando colher em sete meses’. Essas empresas são corresponsáveis. Corresponsabilidade é responsabilidade objetiva. O Ministério Público usou a tese da integração e cumplicidade silenciosa no caso das empresas têxteis aqui em São Paulo, no caso lá do frigorífico de Roraima. São casos paradigmáticos que podem ser vistos para responsabilização da cadeia não só na Europa, na OCDE como também em Nova York”, explicou.

E foi além: “Inclusive a grande rede varejista hoje, a grande indústria alimentícia, se beneficiam desses crimes ambientais, essa que é a verdade. E eles também podem vir a ser responsabilizados. A partir de quando a Ambev compra açúcar associado a queimadas no Nordeste, ela pode ser responsabilizada. Ou com pulverização aérea de agrotóxicos sem licenciamento ambiental. Nós temos de abrir o leque para tentar buscar saídas. É como um jogo de futebol americano, em que a gente vai avançando polegada por polegada”, disse.

Novaes ainda defendeu a participação popular nesse combate difícil. “Temos de avançar em uma igreja, em uma faculdade. A gente tem de tentar outras maneiras para tratar o assunto. Essa ação para banir os banidos já foi feita individualmente por procuradores da República. Estão lá nos escaninhos de algum tribunal regional. Muitas vezes uma ação individual, sem diálogo com a sociedade civil, é um tiro no pé”.


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Este texto foi originalmente publicado pela Rede Brasil Atual [Aqui!].