Agrotóxicos escapam de estações de tratamento de água e chegam às casas, mostra estudo

pesticidas Costa Rica

[IGUALA DA INDEPENDÊNCIA, MÉXICO, SciDev.Net] A poluição da água por agrotóxicos é geralmente associada a áreas agrícolas, mas um estudo na Costa Rica sugere que as cidades latino-americanas enfrentam um desafio pouco discutido: suas águas residuais tratadas também podem estar carregando essas substâncias em níveis tóxicos.

Pesquisadores do Centro de Pesquisa sobre Contaminação Ambiental (CICA) da Universidade da Costa Rica e do Instituto de Aquedutos e Esgotos confirmaram a presença de 29 compostos que fazem parte de fórmulas utilizadas diariamente em residências, empresas e indústrias.

Esses contaminantes foram encontrados tanto nas entradas quanto nas saídas de água de quatro estações de tratamento no Vale Central, região que abriga a maior parte da população do país e onde está localizada a capital.

“As estações de tratamento são projetadas para águas residuais ‘comuns’, não para produtos químicos derivados de agrotóxicos.”

Rosalía Cruz, pesquisadora do Departamento de Recursos da Terra da Universidade Autônoma Metropolitana, México.

Os cinco ingredientes ativos mais preocupantes encontrados foram cipermetrina, diazinon, cinerina II, diuron e terbutrina. Em todas as detecções, esses agrotóxicos excederam os limites de segurança para a vida aquática, sugerindo um perigo contínuo nos corpos d’água que recebem os efluentes.

Além disso, a presença dessas substâncias tem implicações para a saúde humana , uma vez que pertencem a famílias químicas que têm sido associadas na literatura científica a danos ao sistema nervoso e alterações nos processos hormonais.

Outra descoberta relevante foi que cinco dos pesticidas detectados (cinerina II, flubendiamida, diclorano, bifenil e 1,4-dimetilnaftaleno) nunca haviam sido relatados anteriormente em águas residuais urbanas.

Víctor Castro Gutiérrez, um dos autores da pesquisa, explicou ao SciDev.Net que “o uso urbano da cinerina II corresponde a inseticidas naturais para jardins e pomares urbanos, bem como para o controle de mosquitos, moscas e baratas em nível doméstico. A flubendiamida também é usada como inseticida, e sua presença em águas residuais urbanas pode estar associada ao uso ornamental”.

Ele explicou que o diclorano é um fungicida usado para controlar o mofo em plantas de interior, enquanto o bifenil é usado como conservante em frutas cítricas. Por outro lado, o 1,4-dimetilnaftaleno é usado em desinfetantes em spray.

Para avaliar o impacto real desses resíduos, a equipe aplicou duas ferramentas complementares: um quociente de risco, que compara as concentrações encontradas com os níveis considerados seguros para a vida aquática, e experimentos de toxicidade em três organismos sentinela: a pulga-d’água Daphnia magna , a bactéria luminescente Aliivibrio fischeri e as sementes de alface Lactuca sativa .

A análise, publicada em 15 de novembro na versão impressa da revista Environmental Pollution , pesquisou 442 ingredientes ativos de agrotóxicos, uma metodologia nunca antes vista na América Latina.

Individualmente, 17 compostos apresentaram alto risco ambiental . No entanto, em nível de amostra, todos (tanto a água de entrada quanto a de saída) se enquadraram na mesma categoria devido ao efeito combinado da mistura de agrotóxicos.

“Este é o primeiro estudo a abordar este problema na região, com o objetivo de fornecer subsídios para futuras estratégias de mitigação do seu impacto”, comentou Castro Gutiérrez por e-mail.

Para Rosalía Cruz, pesquisadora do Departamento de Recursos Terrestres da Universidade Autônoma Metropolitana (México), que não participou do estudo, as conclusões transcendem a Costa Rica e confirmam que na América Latina existe uma limitação estrutural que não é devidamente abordada pelos órgãos governamentais.

Em entrevista à SciDev.Net, ele afirmou que “as estações de tratamento são projetadas para águas residuais ‘comuns’, não para produtos químicos derivados de agrotóxicos”, portanto não é surpreendente que os efluentes continuem a transportar esses tipos de contaminantes.

Jon Molinero — membro da ONG Yemanyá-Água e Conservação (Equador), que também não participou da pesquisa — concordou e alertou o SciDev.Net que “não existe uma única tecnologia capaz de eliminar misturas tão diversas; muitas substâncias passam sem se degradar”.

De acordo com a política nacional em vigor até 2045, menos de 15% da população da Costa Rica está conectada a estações de tratamento de esgoto. Em várias dessas instalações, Castro Gutiérrez e seus colegas notaram que a água que saía apresentava uma concentração maior de agrotóxicos, o que poderia ser devido à lixiviação desses produtos dos sólidos que chegam à estação ou à sua alteração durante o processo de tratamento.

Rosalía Cruz acredita que o desafio agora é ir além da análise. “O problema exige diálogo com aqueles que tomam as decisões sobre saneamento e planejamento urbano”, disse ela, observando que os sistemas de tratamento e a forma como as cidades são projetadas determinam o que acaba nos rios.

Para Jon Molinero, o desafio também é estrutural. A partir de seu trabalho no Equador, ele observa uma tendência que afeta a região: a rápida introdução de novas moléculas, decorrente da industrialização, em contraste com a lentidão com que elas são retiradas do mercado.

“A indústria está constantemente lançando novos compostos, e removê-los é muito difícil. Muitos são proibidos em países desenvolvidos, mas continuam sendo vendidos em nações com regulamentações mais brandas”, concluiu.


Fonte: SciDev

As águas da Amazônia atingem temperaturas recordes

Lagos da Amazônia 1

Um estudo recente liderado pelo Instituto Mamirauá para o Desenvolvimento Sustentável, no Brasil, revelou que os lagos da Amazônia estão aquecendo até 0,8°C por década, ultrapassando a média global. Crédito da imagem: Miguel Monteiro / Instituto Mamirauá. 

“Estava muito calor, o sol estava quente, a água estava quente, a lama estava quente, tudo estava quente. Nunca tinha visto nada igual”, recorda Silas Rodrigues, presidente da comunidade Bom Jesus, às margens do Lago Tefé.

Agora, um estudo científico confirma que o lago onde Rodríguez vive há quase quarenta anos atingiu 41°C no auge da seca. A pesquisa, liderada pelo Instituto Mamirauá de Desenvolvimento Sustentável, no Brasil, e publicada na revista Science Advances , revela também que as águas da Amazônia estão aquecendo a uma taxa sem precedentes: cerca de 0,8°C por década, bem acima da média global.

A morte de peixes e botos no Lago Tefé, na Amazônia brasileira, chamou a atenção para o aumento das temperaturas nos rios e lagos da região. Crédito da imagem: Miguel Monteiro / Instituto Mamirauá.

“Até agora, a maioria dos estudos havia sido feita em lagos temperados nos Estados Unidos ou na Europa. Mas aqui [na Amazônia] estamos falando de um processo diferente, tropical. Antes, havia apenas projeções, mas em 2023 confirmamos que se trata de um fenômeno em larga escala com muitos impactos socioecológicos”, disse Ayan Fleischmann, autor do estudo e pesquisador do Instituto Mamirauá, à SciDev.Net .

A pesquisa, que contou com a participação de especialistas internacionais, combinou observações de campo para registrar o que estava acontecendo durante a seca de 2023 com análises de imagens de satélite para compreender as mudanças ocorridas nas últimas três décadas. Além disso, utilizando modelos matemáticos, a equipe identificou as razões pelas quais as águas da Amazônia estão aquecendo tão rapidamente.

Os resultados revelaram que cinco dos dez lagos monitorados na Amazônia central registraram temperaturas diurnas superiores a 37°C. O Lago Tefé registrou o valor mais alto observado até o momento, 41°C, temperatura considerada acima do limite de tolerância para a vida aquática. “Esses valores são muito superiores às temperaturas típicas desses ecossistemas: a temperatura média da água superficial durante o dia em lagos tropicais geralmente varia entre 29°C e 30°C”, indica o estudo.

“Até agora, a maioria dos estudos havia sido feita em lagos temperados nos Estados Unidos ou na Europa. Mas aqui [na Amazônia] estamos falando de um processo diferente, um processo tropical. Antes, havia apenas projeções, mas em 2023 confirmamos que se trata de um fenômeno em larga escala com muitos impactos socioecológicos.”

Ayan Fleischmann, pesquisador do Instituto Mamirauá

Entre outras descobertas, o estudo revela que a área da superfície do Lago Tefé diminuiu 75%, e no Lago Badajós, a redução chegou a 92%. Essa diminuição significativa da área da superfície da água se deveu à queda dos níveis dos rios, e a pouca profundidade coincidiu com um aquecimento excepcional dos corpos d’água.

Além disso, dados de satélite de 24 lagos brasileiros mostraram que o aquecimento registrado em 2023 não foi um evento isolado. Desde 1990, as temperaturas da água superficial na Amazônia aumentaram em média 0,6°C por década, com tendências que chegam a 0,8°C em alguns lagos, como Tapajós, Amanã e Janauacá.

Fleischmann enfatiza que esses dados demonstram uma tendência contínua de aquecimento nos lagos amazônicos, onde ainda há muito pouco monitoramento. Andrea Encalada, pesquisadora do Painel Científico para a Amazônia, que não participou do estudo, concorda.

O cientista equatoriano especializado em ecologia de rios tropicais disse à SciDev.Net que essas descobertas mostram claramente como as mudanças climáticas estão alterando os sistemas de água doce na região tropical.

“As descobertas de Fleischmann e seus colegas são profundamente reveladoras e alarmantes. O que está acontecendo nos lagos da Amazônia não é um incidente isolado, mas um sinal claro de que os sistemas aquáticos tropicais estão atingindo limites críticos diante das mudanças climáticas”, conclui ele.

Um chamado da Amazonia

A seca de 2023 deixou cicatrizes profundas. “Muitos peixes morreram e havia um cheiro horrível. A água estava muito poluída”, conta Rodrigues. Fleischmann, por sua vez, lembra-se de quando, em setembro, os pescadores de Tefé foram ao Instituto Mamirauá para relatar a morte de botos no lago. Esse incidente marcou o início de sua pesquisa.

“Quando um rio ou lago amazônico seca, a vida das pessoas que tanto dependem dele para seu transporte , sua vida e sua cultura também seca”, reflete ele.

Os efeitos nos lagos amazônicos são um sinal claro de que os sistemas aquáticos tropicais estão atingindo limites críticos diante das mudanças climáticas. Crédito da imagem: Miguel Monteiro / Instituto Mamirauá.

Portanto, os especialistas enfatizam a importância de fortalecer a cooperação entre a ciência e as comunidades locais para lidar com os futuros eventos climáticos. Rodrigues insiste que os estudos técnicos devem ser conduzidos “em conjunto com as comunidades ribeirinhas, para evitar danos ao meio ambiente ou às pessoas”.

Fleischmann compartilha dessa visão e a levará consigo para a COP30, que está sendo realizada em Belém, no Brasil. “Precisamos investir em ciência, tecnologia e monitoramento em conjunto com as comunidades locais; não se trata de uma campanha de um ou dois anos, mas de um esforço contínuo”, alerta ele.

Para Encalada, a prioridade é fortalecer as redes de monitoramento. “A Amazônia é um sistema sentinela para o planeta. Se até mesmo seus ecossistemas aquáticos estão atingindo seus limites de resiliência, significa que já estamos perto de pontos de inflexão ecológicos”, enfatiza.


Fonte: SciDev 

Idec alerta para irregularidades no licenciamento do mega data center do TikTok no Ceará

Mesmo após denúncia ao Ministério Público Federal, a licença segue em vias de aprovação

O Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), o povo indígena Anacé e as organizações cearenses Instituto Terramar e Escritório Frei Tito alertam para graves irregularidades no licenciamento do mega data center da ByteDance, controladora do TikTok, no município de Caucaia (CE). O projeto está em análise na Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) e, de acordo com as organizações, avança sem estudos socioambientais adequados nem diálogo com as comunidades atingidas.

Segundo informações apresentadas pela empresa Casa dos Ventos, responsável pela construção, o empreendimento terá consumo energético estimado em 210 megawatts, equivalente ao gasto diário de mais de 2,2 milhões de pessoas. O volume supera o consumo da cidade de Fortaleza e de 99% dos municípios brasileiros.

Além do uso massivo de energia, o projeto prevê captação de água em aquíferos que abastecem comunidades já afetadas pela escassez hídrica, o que pode agravar o risco de desabastecimento e pressionar tarifas de energia e água.

Para Julia Catão Dias, coordenadora do Programa de Consumo Responsável e Sustentável do Idec, a hora de barrar esse projeto é agora: “Se a licença for concedida e a construção começar, reverter o processo será muito mais difícil no futuro, quando essas infraestruturas competirem com a população por energia e água, pressionando tarifas e agravando desigualdades em nome de uma digitalização sem transparência nem responsabilidade socioambiental”.

Licenciamento irregular e ausência de consulta ao povo Anacé

De acordo com as organizações, o empreendimento está sendo tratado como de baixo impacto ambiental, a partir de um Relatório Ambiental Simplificado (RAS), instrumento normalmente aplicado a pequenas obras. Esse enquadramento dispensou a elaboração do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), suprimiu a realização de audiências públicas e a participação do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Coema).

O povo indígena Anacé, tradicionalmente habitante da região, não foi consultado, em descumprimento da Constituição Federal e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que garantem o direito à consulta livre, prévia e informada.

O plano apresentado pela empresa prevê que as reuniões com a comunidade ocorram somente depois da emissão da licença de instalação, quando as obras já poderiam estar em andamento.

Representação ao Ministério Público Federal e alerta sobre precedente perigoso

O Idec, o povo Anacé e as organizações parceiras Instituto Terramar, LAPIN, IP.Rec e Escritório Frei Tito protocolaram representação junto à 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, pedindo a suspensão imediata do processo de licenciamento e a anulação da licença prévia concedida pela Semace.

Para as entidades envolvidas, o caso pode abrir um precedente preocupante para a instalação de grandes empreendimentos digitais sem a devida avaliação de seus impactos e sem respeito aos direitos das populações locais. “Se esse licenciamento for aprovado, estaremos abrindo a porta para uma nova frente de injustiça socioambiental no Brasil, a digital. É preciso garantir que a transição tecnológica não repita as lógicas de exploração e racismo ambiental que já marcam a transição energética”, destaca Andrea Camurça, do Instituto Terramar.

Porto do Açu e sua aposta (não trivial) nos data centers: de onde vai se tirar a água?

A tecnologia precisa reduzir o consumo de água em um mundo sedento | Hivenet

Já escrevi aqui sobre a faceta “Jack-of-all-trades” (pau para toda obra) do Porto do Açu desde que o ex-bilionário Eike Batista apareceu por estas paragens para vender suas apresentações de Powerpoint.  O Porto do Açu já prometeu ser quase tudo desde o lançamento da sua pedra fundamental, e atualmente sobrevive com o transbordo do petróleo extraído na camada Pré-Sal. 

As visões grandilonquentes vendidas por Eike Batista ficaram mais murchas, é verdade.  Mas eu desconfio que a concepção de que o mundo cabe em lâminas de Powerpoint continua sendo a linha mestra dos negócios.

A grande última “novidade” flutuada por Eugênio Figueiredo, o CEO da hora do Porto do Açu, foi a aposta de que o empreendimento se transformará agora em uma espécie de berço de data centers.  Esqueçamos das siderúrgicas, fábricas de carros e cimenteiras do plano original de Eike, a coisa agora serão os data centers. 

Em entrevista ao site “Infomoney”, Figueiredo , o Porto do Açu seria um bom local para instalação de datacenters porque “tem um pouco de tudo o que um data center precisa para operar: fica fora de aglomerados urbanos, tem água e geração própria de energia em abundância, está a míseros 40 km de uma estação de cabos submarinos de fibra da Embratel”.

Uma curiosidade que fica nessa declaração se refere ao alto consumo de água que datacenters demandam para funcionar. Eu já repercuti aqui a informação de que o Porto do Açu está entre os maiores consumidores potenciais de água do Brasil, com uma outorga anual 142,4 bilhões de litros de água. Comentei em 2023 que na ausência da transposição do Rio Paraíba do Sul pretendida por Eike Batista, havia que se perguntar sobre o impacto que o empreendimento está trazendo para os mananciais existentes em seu entorno ou embaixo dele. É que para fazer uma outorga tão grande, essa água teria que sair de algum lugar que na época não era claramente identificado.

Agora com mais essa nova ideia para tirar o Porto do Açu do atoleiro de dívidas em que se encontra (e as notícias vão no sentido de que o buraco é fundo), como fica a questão do consumo de água em São João da Barra?

Não custa lembrar que enquanto nossas lideranças políticas ficam querendo nos colocar de forma ruidosa no “semi-árido” para fisgar recursos federais, o silêncio sobre os impactos hídricos do Porto do Açu é total.

E antes que me esqueça, preciso reconhecer que na matéria do InfoMoney, assinada pela jornalista Mariana Segala, há uma definição para a ideia de instalar data centers em um porto que me soa reveladora. Segala disse que a ideia de instalar data centers não soa lá a mais trivial para um porto. E eu concordo. Resta saber quem se arriscaria a desafiar o senso comum e apostar suas fichas e se instalar em um empreendimento que não possui, e sabe-se lá se possuirá, boas conexões por terra com o resto do país. A ver!

Nova pesquisa encontra níveis altíssimos de inseticidas na água do Colorado

jabberwocky28-6Fi2LTaun6g-unsplash

Por Shanon Kelleher para o “The New Lede” 

Somando-se às evidências sobre a difusão de agrotóxicos que colocam em risco a saúde humana e ambiental, uma nova pesquisa encontrou inseticidas amplamente utilizados em cursos d’água do estado do Colorado em níveis 100 vezes maiores do que os pesquisadores dizem ser necessário para proteger a vida aquática.

Neonicotinoides (neônicos), os tipos de inseticidas mais utilizados no país, estavam presentes em níveis altíssimos em amostras de águas superficiais e subterrâneas, de acordo com um relatório publicado esta semana pela organização sem fins lucrativos Conselho de Defesa dos Recursos Naturais (NRDC). A análise, que se baseou em dados de testes de água federais e estaduais, concluiu que sementes agrícolas revestidas com neinicotinóides, também conhecidos como neônicos, são provavelmente as responsáveis pela alta contaminação da água.

Essa contaminação “provavelmente está causando danos significativos e generalizados aos ecossistemas aquáticos e um aumento na exposição humana por meio das águas subterrâneas”, afirma o relatório.

O autor usou o parâmetro federal para um neônico, o imidacloprido, para derivar parâmetros de como a exposição crônica a outros neônicos afeta a vida aquática, de acordo com o relatório.

Alguns níveis detectados nas amostras de água superaram as estimativas do pior cenário dos reguladores federais sobre a quantidade de dois neônicos, clotianidina e tiametoxame, que podem estar presentes nas águas subterrâneas do Colorado.

“Os níveis de contaminação no Colorado são alarmantes, mas não surpreendentes”, disse Pierre Mineau , autor do relatório e professor da Universidade Carleton, no Canadá, que estuda o risco ambiental dos pesticidas há mais de 40 anos.

“A EPA (Agência de Proteção Ambiental) dos EUA não está fazendo o suficiente para proteger a água e os ecossistemas desses produtos químicos nocivos”, disse ele.

Assassinos indiscriminados

Os neônicos são considerados alguns dos inseticidas mais mortais já produzidos, atuando no sistema nervoso dos insetos, paralisando-os e matando-os. Embora sejam destinados a pragas que danificam as plantações, como pulgões e besouros, os neônicos também matam borboletas, abelhas e minhocas, essenciais para a saúde dos ecossistemas. Os inseticidas, aplicados em mais de 60 milhões de hectares de terras agrícolas a cada ano, são usados principalmente como revestimento de sementes e são absorvidos pelas folhas, caules e pólen das plantas à medida que crescem , envenenando os insetos que entram em contato com eles.

A União Europeia proibiu o uso externo de alguns neônicos devido a evidências de que eles podem prejudicar abelhas e polinizadores selvagens. Defensores do meio ambiente há anos pedem proibições semelhantes nos EUA. Em 2018, mais de 200.000 comentários públicos sobre avaliações ecológicas e de saúde humana da EPA instaram a agência a proibir os inseticidas , citando o declínio dos polinizadores.

A poluição por neonicotinoides do Colorado reflete um problema nacional, disse Allison Johnson, advogada sênior do NRDC.

“Estamos plantando pesticidas tóxicos no solo em todo o país, e esses produtos químicos persistem por muito tempo”, disse Johnson. “Eles estão se acumulando em nossa água, em nosso solo, em nosso ar – e em nossos corpos. Felizmente, há um primeiro passo fácil para resolver esse problema: parar de usar neônicos onde eles não são necessários.”

Um estudo de 2015 do Serviço Geológico dos EUA identificou pelo menos um neônico em quase dois terços dos 48 riachos amostrados em todo o país.

Em 2023, a EPA dos EUA descobriu que três neônicos — clotianidina, imidacloprida e tiametoxame — podem colocar em risco de 9 a 11% das espécies listadas como ameaçadas ou em perigo de extinção.

Estudos relacionaram os neonicotinoides ao declínio de pássaros , borboletas , invertebrados aquáticos veados.

Os neonicotinóides têm sido infamemente associados à mortandade em massa de abelhas , um problema que continua a se intensificar. De abril de 2023 a abril de 2024, os apicultores dos EUA perderam cerca de 55% de suas colônias de abelhas – bem acima da perda média anual de cerca de 40% desde o início da contagem em 2010, de acordo com uma pesquisa sobre apicultura nos EUA . Até agora, as perdas para 2025 são ainda mais devastadoras, com cerca de 60% das colônias de abelhas perdidas – um prejuízo financeiro de pelo menos US$ 139 milhões, de acordo com uma pesquisa com 234 apicultores dos EUA.

Outros fatores também representam ameaças generalizadas às colônias de abelhas, incluindo ácaros parasitas que se alimentam das abelhas e de suas larvas e espalham vírus que as matam. Os fabricantes de pesticidas negam que os neônicos estejam por trás da mortandade de polinizadores.

“Estudos abrangentes conduzidos em condições de campo realistas mostraram que os resíduos de neonicotinoides nas flores de culturas tratadas com sementes estão claramente abaixo dos níveis que podem causar efeitos adversos nas colônias de abelhas”, escreveu a Bayer, que fabrica neonicotinoides e outros pesticidas, em um relatório de abril de 2025 .

Os neonicotinóides são altamente regulamentados, escreveu a Bayer, e os inseticidas da empresa são exaustivamente testados “para garantir que não tenham efeitos adversos inaceitáveis em insetos não-alvo e no meio ambiente”.

Perigos para a saúde

Uma pesquisa dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças usando dados de 2015-2016 descobriu que cerca de metade da população dos EUA com três anos de idade ou mais foi recentemente exposta a neônicos , com crianças pequenas correndo risco de níveis mais altos de exposição.

Os resultados sugerem que uma grande parcela da população é exposta a esses produtos químicos regularmente. Um estudo de 2022 encontrou neônicos nos corpos de mais de 95% das gestantes testadas nos EUA. Os pesticidas foram encontrados em diversos alimentos populares e saudáveis .

O relatório mais recente sobre resíduos de pesticidas emitido pelo Departamento de Agricultura dos EUA relatou a descoberta de neônicos em diversos alimentos para bebês, incluindo aqueles feitos com peras, pêssegos, maçãs e ervilhas, bem como em amoras e batatas. Pesquisas relacionaram a exposição a neônicos a defeitos congênitos no cérebro e no coração de recém-nascidos, bem como a sintomas associados ao autismo.

Apesar das pesquisas sobre os perigos dos neônicos para a saúde e o meio ambiente, a EPA continua permitindo seu uso. A agência deve decidir em 2025 se reaprovará cinco neônicos – acetamiprida, clotianidina, dinotefurano, imidacloprida e tiametoxam. Enquanto isso, uma dúzia de estados já implementou suas próprias restrições ao uso de neônicos em ambientes externos, embora apenas Nova York e Vermont tenham restringido o uso agrícola de sementes tratadas com neônicos.

Em dezembro passado, os reguladores de Minnesota rejeitaram uma petição legal alegando que o departamento de agricultura do estado estava violando os direitos dos habitantes de Minnesota ao não regulamentar o uso de sementes tratadas com neonicotinóides.

(Imagem em destaque por jabberwocky28 no Unsplash .)


Fonte: The New Lede

Contaminantes emergentes agravam crise hídrica nos países em desenvolvimento, aponta dossiê

Além da escassez e da distribuição desigual da água, a qualidade está sendo fortemente afetada por agrotóxicos, resíduos industriais e descarte de medicamentos e produtos de higiene

Entre os poluentes emergentes estão agrotóxicos, aditivos de combustíveis, materiais plastificantes ou antiaderentes, medicamentos, produtos de higiene e cosméticos (foto: Freepik)

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP 

Com o crescimento da população, da urbanização e da atividade agroindustrial, o uso global de água doce deverá aumentar 55% até 2050. A projeção dos estudiosos é que essa escalada da demanda venha a impactar fortemente um cenário já caracterizado pela escassez e distribuição desigual dos recursos hídricos, pela privatização de um bem essencial que deveria ser de domínio público e pela deterioração da qualidade da água, especialmente nos países em desenvolvimento.

Migrações forçadas, tensões sociais e conflitos militares decorrentes do déficit hídrico agravam esse quadro sombrio. E não se trata aqui de um futuro possível, mas de algo que já está ocorrendo agora. Entre 1970-2000 houve um aumento de 10% na migração global relacionada à falta de água. E, de acordo com um relatório publicado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 2024, 2,2 bilhões de pessoas viviam na época sem acesso a água potável gerida com segurança. E, desde 2022, aproximadamente metade da população mundial experimentou grave escassez de água por pelo menos parte do ano, enquanto um quarto enfrentou níveis “extremamente altos” de estresse hídrico.

Nesse contexto, a revista Frontiers in Water publicou um dossiê reunindo cinco artigos sobre o tema, intitulado Emerging Water Contaminants in Developing Countries: Detection, Monitoring, and Impact of Xenobiotics (Contaminantes emergentes da água em países em desenvolvimento: detecção, monitoramento e impacto dos xenobióticos).

Geonildo Rodrigo Disner, pesquisador do Instituto Butantan e integrante do Centro de Toxinas, Resposta-Imune e Sinalização Celular (CeTICS) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP –, foi coeditor e autor principal do editorial de apresentação do dossiê.

“Além de contaminantes convencionais, como os coliformes fecais, cuja presença está relacionada com o baixo índice de tratamento dos esgotos, a água doce dos países em desenvolvimento está sendo, cada vez mais, impactada por uma nova categoria de poluentes: os contaminantes emergentes. Estes incluem agrotóxicos, aditivos de combustíveis, materiais plastificantes ou antiaderentes, medicamentos [como antibióticos, analgésicos e hormônios], produtos de higiene e cosméticos”, relata Disner.

Embora não sejam necessariamente novos, esses compostos passaram a ser detectados em concentrações e ambientes antes não registrados, gerando preocupação crescente. É o caso dos herbicidas diuron, usado principalmente nas culturas de cana-de-açúcar e algodão; glifosato, usado principalmente em lavouras de soja e milho; atrazina, usado principalmente nas culturas de milho e sorgo; e 2,4-D, usado no controle de plantas de folhas largas em pastagens e lavouras (leia mais em: agencia.fapesp.br/54568).

“Por não serem removidos pelos métodos convencionais de tratamento de água, esses poluentes acumulam-se nos ecossistemas aquáticos, podendo causar efeitos tóxicos, inclusive em concentrações extremamente baixas. Muitos atuam como desreguladores endócrinos, com impactos sobre a reprodução e o desenvolvimento de organismos — efeitos que podem se estender à saúde humana. A exposição é geralmente crônica, contínua e silenciosa. E muitos desses compostos se bioacumulam ao longo da cadeia alimentar, o que aumenta ainda mais os riscos à saúde”, informa Disner.

O pesquisador lembra que tudo acaba na água. A água é o receptáculo final da maioria dos poluentes, inclusive daqueles liberados no solo ou no ar. Além disso, a água é um veículo de transporte, que carrega contaminantes mesmo para regiões onde nunca foram usados.

“Apesar dos riscos, a maioria dos contaminantes emergentes ainda não é monitorada regularmente, nem regulamentada por legislação específica. Em geral, os sistemas de tratamento removem apenas materiais grosseiros, como partículas em suspensão, parte da matéria orgânica e microrganismos. Mesmo na cidade de São Paulo, onde temos uma estrutura relativamente mais desenvolvida, todos os 27 agrotóxicos testados foram detectados pelo Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano [Sisagua] nas águas monitoradas. A gente vive em uma região com enorme pressão sobre os recursos hídricos e o tratamento de que dispomos ainda é limitado”, sublinha Disner.

Diante dessa situação, os artigos reunidos no dossiê exploram os desafios e avanços recentes na identificação, monitoramento e avaliação de impacto dos contaminantes emergentes em países de baixa e média rendas. Um dos papers, escrito por pesquisadores do Sri Lanka, investiga a presença de metais pesados na água subterrânea e no arroz cultivado localmente, associando a exposição à alta incidência de doença renal crônica. Outro estudo, de Bangladesh, analisa a qualidade da água engarrafada vendida comercialmente, revelando contaminação por arsênio e microrganismos patogênicos. Já no Brasil, um trabalho realizado por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) avalia os efeitos tóxicos do diuron e de seus metabólitos em peixes-zebra, modelo animal utilizado em estudos ecotoxicológicos.

Além dos contaminantes, o pesquisador chama atenção para um problema estrutural mais amplo: a desigualdade no acesso à água e os efeitos já observáveis das mudanças climáticas. “As grandes enchentes, como vimos recentemente no Rio Grande do Sul, comprometem toda a estrutura de captação e distribuição de água potável. Por outro lado, há regiões que estão enfrentando secas severas. Entre 2002 e 2021, as secas afetaram mais de 1,4 bilhão de pessoas”, diz.

A disputa por água já é uma realidade em algumas partes do mundo e tende a se intensificar nas próximas décadas. O relatório da Unesco informa que, enquanto aproximadamente 40% da população mundial vive em bacias hidrográficas e lacustres transfronteiriças, apenas um quinto dos países tem acordos transfronteiriços para administrar conjuntamente esses recursos de forma equitativa. Muitas bacias transfronteiriças estão localizadas em áreas marcadas por tensões internacionais atuais ou passadas.

“A água está se tornando um recurso geoestratégico. E a privatização das fontes hídricas pode transformar esse bem em moeda de controle e poder. Estamos acostumados a falar da disputa pelo petróleo, mas a disputa pela água poderá ser ainda mais acirrada. A água precisa ser tratada como um direito. E não se trata apenas do acesso, mas também da qualidade. Garantir água potável de qualidade para a população é um dever do Estado”, enfatiza Disner.

Os autores do dossiê ressaltam que a prevenção na fonte, o princípio da precaução e a remediação de áreas contaminadas são estratégias essenciais para conter a entrada de poluentes em ecossistemas aquáticos. Também defendem a criação de marcos regulatórios e programas de monitoramento voltados especificamente aos contaminantes emergentes, com o objetivo de proteger a saúde humana e ambiental, contribuindo para o alcance das metas globais de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU).

A participação de Disner foi apoiada pela FAPESP por meio de bolsa de pós-doutorado concedida ao pesquisador.

O dossiê Emerging Water Contaminants in Developing Countries: Detection, Monitoring, and Impact of Xenobiotics pode ser acessado em: www.frontiersin.org/research-topics/58353/emerging-water-contaminants-in-developing-countries-detection-monitoring-and-impact-of-xenobiotics/magazine.


 

Imagem de freepik


Fonte: Agência Fapesp

Agronegócio e escassez hídrica no Brasil: uma tragédia anunciada

Seca no Rio Madeira em 2024. Foto: Michael Dantas / AFP

Um levantamento feito pela Agência Pública no banco de dados da Agência Nacional de Águas (ANA) identificou que 50 grupos empresariais possuem outorgas de uso de água que alcançam 3,5 trilhões de litros de água, um valor que serviria para abastecer cerca de 98 milhões de pessoas (46% da população brasileira) por um ano. Há que se notar que 86% das outorgas eram para atividades do dito agronegócio.

O Brasil vive hoje um processo de diminuição da água existente em seus principais rios. Isso é o que mostram diferentes estudos científicos realizados nos últimos anos e publicados em importantes revistas científicas internacionais. As causas dessa perda da capacidade hídrica estão ligadas a problemas que vão desde as mudanças climáticas, passam pelo desmatamento na Amazônia e no Cerrado, e desembocam na outorga de trilhões de litros de água anualmente para uso pelo agronegócio e pela mineração.

Um levantamento feito pela Agência Pública no banco de dados da Agência Nacional de Águas (ANA) identificou que 50 grupos empresariais possuem outorgas de uso de água que alcançam 3,5 trilhões de litros de água, um valor que serviria para abastecer cerca de 98 milhões de pessoas (46% da população brasileira) por um ano. Nesse caso, há que se notar que 86% das outorgas eram para atividades do dito agronegócio.

Mas os problemas associados ao uso intenso de água pelo agronegócio estão entrelaçados ao processo de desmatamento, especialmente no bioma do Cerrado. Uma pesquisa da qual participei e que foi publicada em 2023 na revista Sustainability mostrou a perda da capacidade hídrica (ou seja, o ressecamento) em 82 bacias hidrográficas localizadas dentro do Cerrado. Essa perda de capacidade hídrica é especialmente preocupante, na medida em que são os rios do Cerrado que abastecem a maioria das bacias hidrográficas que abastecem o resto do Brasil. É uma espécie de efeito cascata no qual o ressecamento dos rios do Cerrado irá espalhar a seca por outras partes do Brasil.

Uma estratégia dos latifundiários para responder aos impactos oriundos do desmatamento, o uso de água subterrânea para irrigação, também colabora para que o volume dos rios esteja diminuindo. Um estudo publicado pela prestigiosa revista Nature em 2019 apontava para um lento processo que estava atingindo entre 15 e 21% das bacias hidrográficas que têm suas águas subterrâneas removidas, já atingiram um limiar ecológico crítico, dizem os autores — e que esse número pode subir rapidamente para algo entre 40 e 79% até 2050. Essa tendência foi confirmada de forma específica para o Brasil por um estudo publicado pela revista científica “Nature Communications”, que apontou que mais da metade dos rios brasileiros está perdendo água para o subsolo, o que deverá comprometer a vazão, o que afetará fortemente a quantidade de água disponível para consumo humano”.

Apesar das evidências de que caminhamos para um grave problema de abastecimento de água em um futuro não muito distante, e que os principais responsáveis são conhecidos, a privatização das empresas concessionárias na maioria dos estados e municípios torna a crise uma oportunidade para os donos do capital. É que, com demanda em crescimento e oferta em diminuição, a tendência será de aumentos explosivos do preço da água para os trabalhadores do campo e da cidade.

Em face desse cenário ameaçador, é preciso que o debate em torno da democratização do acesso à água, bem como da imposição das restrições sobre o consumo abusivo pelo agronegócio e pela mineração. Mas a receita para isso precisa nascer do reconhecimento de que não há como esperar soluções das estruturas criadas para gerir a privatização da água, a começar pela própria ANA e os chamados comitês de bacia. É que desse aparato não sairá uma gota de água para os pobres, pois foi criado para gerenciar a água não como um direito humano, mas mais uma commodity a ser comercializada para alcançar o lucro máximo. 

O caminho para evitar uma aguda crise social causada pela escassez da água terá de ser o da organização popular e do questionamento frontal do modelo privatista de gerenciamento dos recursos hídricos que foi estipulado em 1997 com a promulgação da Política Nacional de Recursos Hídricos. Um exemplo prático de como o controle privado da água deve ser enfrentado pelos trabalhadores foi a chamada Revolta de Correntina, que ocorreu em 2017 na região oeste do estado da Bahia, quando milhares de pessoas se mobilizaram para denunciar o uso abusivo da água pelas atividades do agronegócio.  A replicação da mobilização de Correntina terá de estar na ordem do dia, pois, do contrário, a falta de água vai se tornar regra e não exceção.

Finalmente, há que se dizer que todo esse contexto de diminuição da quantidade de água facilmente disponível para consumo deverá ser piorado pelas mudanças climáticas com o aumento dos períodos de seca e de ondas de calor. Por isso, não há tempo para contemplar, pois a hora é agir. O quanto antes, melhor. 


Fonte: A Nova Democracia

O dilema ambiental da Inteligência Artificial em um mundo cada vez mais digital

Imagem: Freepik

São Paulo, fevereiro de 2025 – A ascensão das Inteligências Artificiais Generativas, tanto para uso pessoal quanto corporativo, já é uma realidade e vem revolucionando diversos setores, impulsionando a inovação e a produtividade. No entanto, seu uso contínuo e crescente tem gerado impactos ambientais e sociais significativos, devido ao alto consumo de energia e água, especialmente nos data centers. Esses centros de processamento, armazenamento e gerenciamento de dados utilizam milhões de litros de água para lidar com os grandes volumes de informações que recebem. Por exemplo, o GPT-4, a versão mais avançada do chat de IA generativa da OpenAI, pode consumir até meio litro de água para gerar um único e-mail.

Com o aumento da demanda por modelos avançados de Inteligência Artificial, a necessidade de centros de dados robustos cresce na mesma proporção. Essas estruturas exigem uma quantidade massiva de energia para operar e resfriar os servidores, resultando em um impacto ambiental considerável. Segundo um estudo realizado pela Deloitte, só em 2023 essas estruturas foram responsáveis pelo consumo de 1,4% da energia global. Além disso, apenas o treinamento de um grande modelo de linguagem de IA pode gerar cerca de 300 toneladas de CO2.

Diante desse cenário, é essencial compreender os desdobramentos energéticos e ecológicos que o uso excessivo de IA poderá causar. Gustavo Fortuna, líder em Inteligência Artificial da BlueShift, empresa referência em soluções de dados e tecnologia, destaca que promover o uso sustentável da IA depende de práticas sólidas de governança por parte das empresas de tecnologia. “A adoção de medidas sustentáveis e a transparência sobre questões ambientais são essenciais para que tanto as empresas quanto o público em geral possam fazer um uso consciente dessas ferramentas.”

A urgência de práticas mais sustentáveis nas empresas deve acelerar a implementação de regulamentações não apenas para o uso, mas também para a criação e aprimoramento das Inteligências Artificiais. A União Europeia já deu um passo importante nesse sentido com o AI Act, o primeiro marco legislativo mundial sobre IA, que busca garantir a segurança e o uso ético dessas tecnologias. Contudo, embora seja um avanço significativo, o AI Act ainda não aborda de maneira aprofundada a sustentabilidade e o impacto ambiental das inteligências artificiais, nem estabelece limites claros sobre o consumo de energia e água pelas empresas. Em contrapartida, em Frankfurt, na Alemanha, uma iniciativa já limita a construção de novos data centers e o consumo de recursos, mostrando novas alternativas para regulamentar este setor.

Para Gustavo Fortuna, a criação de políticas de regulamentação das IAs deve buscar o equilíbrio entre os avanços tecnológicos e a proteção ambiental. “As próprias IAs podem ser usadas para analisar dados e tendências climáticas de forma mais aprofundada. Com a transparência das empresas que gerenciam essas ferramentas, podemos estabelecer processos para medir os impactos ambientais e sociais das IAs e como mitigá-los de forma eficaz”, explica.

A insustentável leveza da inteligência artificial

Por Silvia Ribeiro para o “La Jornada”

O desenvolvimento rápido, desregulado e geralmente desnecessário de sistemas de inteligência artificial levou a um aumento brutal no consumo de água doce e energia globalmente, especialmente em comunidades onde grandes data centers estão instalados. Isso traz consigo um aumento global de gases de efeito estufa que aceleram a crise climática, além de impactos ambientais e à saúde.

Não é um desenvolvimento baseado na demanda . Há atores poderosos que a promovem agressivamente: a oligarquia tecnológica que agora governa os Estados Unidos sem ter um único voto. É uma estratégia deliberada para aumentar a dependência do usuário e o controle sobre os dados e o comportamento do usuário.

Tecnologias com inteligência artificial geral existem há décadas e podem ou não ser úteis para automatizar algumas atividades, dependendo do contexto, necessidades, alternativas, custos e impactos que acarretam. O desenvolvimento recente da chamada inteligência artificial generativa (GAI) é diferente porque não apenas coleta e sistematiza dados, mas também produz novos conteúdos que podem ser texto, imagens, som e até mesmo novas formas biológicas. Esse tipo de inteligência artificial sustenta aplicativos como o ChatGPT e similares. Exige processos de treinamento extensivos com grandes modelos de linguagem e conjuntos de dados cada vez mais volumosos, o que implica um aumento exponencial no uso de computadores, servidores, infraestrutura e, portanto, energia, água, recursos e geração de poluição e resíduos.

A digitalização em todos os setores industriais e seu uso individual em plataformas e redes sociais geram imensos volumes de dados que, para funcionar, exigem muitos computadores interconectados, ou seja, data centers que podem armazenar, processar, extrapolar e reinterpretar. Esses centros são a base física das nuvens de computação. Atualmente, três das maiores empresas da oligarquia tecnológica – Amazon, Microsoft e Google – controlam 66% das nuvens de computação do mundo e, junto com a Meta (dona do Facebook), 70% dos cabos submarinos.

Cecilia Rikap, do University College London, entrevistada na série Data Vampires pelo analista canadense Paris Marx, explica que grandes empresas de tecnologia estabeleceram uma estratégia deliberada de centralizar informações digitais em suas meganuvens. Ela é apresentada a empresas, instituições e governos como uma solução eficiente para evitar a criação de uma infraestrutura digital própria, com contratos que supostamente podem ser interrompidos. De fato, devido às constantes atualizações de programas e aplicativos de interconexão, fica muito difícil para quem contrata esses serviços revogar e até mesmo controlar o uso de suas informações. Os proprietários da nuvem ganham dinheiro vendendo o serviço, ao mesmo tempo em que aumentam seu acesso a mais dados e lucram com o negócio de vender ou usar a interpretação desses dados para influenciar escolhas de consumidores, políticas ou quaisquer outras.

Em 2018, havia 430 grandes data centers no mundo todo. No final de 2023 eram 992, atualmente são mais de mil. Com o uso da inteligência artificial generativa, estima-se que o número de grandes data centers dobre a cada 4 anos, sendo a maioria em hiperescala, uma categoria para aqueles com mais de 5.000 servidores e 10.000 pés quadrados de área de superfície. Por exemplo, a Amazon Web Services (AWS) está instalando um centro com mais de 50 mil servidores em Minnesota,

Com o sucesso de vendas do ChatGPT, todas as grandes empresas de tecnologia investiram no desenvolvimento de aplicativos com o IAG. A China acaba de anunciar o DeepSeek, um aplicativo muito mais barato que os dos EUA. Eles também incorporaram sistemas IAG em mecanismos de busca, celulares e diversos dispositivos, muitas vezes sem nos dar a opção de não usá-los, o que aumenta exponencialmente a demanda por água e energia sem que possamos decidir sobre isso.

De acordo com Sasha Luccioni, cientista da computação entrevistado pelo Data Vampires, a diferença entre fazer um cálculo matemático em uma calculadora manual com energia solar ou usar o ChatGPT pode multiplicar o uso de energia em até 50 mil vezes. Uma pergunta e resposta no ChatGPT ou em um mecanismo de busca de IA consome entre 0,5 e um litro de água. Também sujeito a erros frequentes e sem fornecer fontes.

As necessidades de água e energia são brutais e levaram a conflitos com diversas cidades onde estão instalados data centers. Cingapura, Irlanda e Holanda impuseram moratórias à instalação desses centros devido ao alto consumo de recursos.

Na América Latina, os principais locais para instalação de mega data centers são São Paulo, Brasil, e Querétaro, México. Em terceiro lugar está Quilicura, em Santiago do Chile, onde já há protestos da população contra essas instalações.

Os impactos ambientais, de saúde, sociais e políticos locais e globais do IAG são sérios e afetam a todos. Os lucros vão para um pequeno grupo de ultra-ricos.


Fonte: La Jornada

Crise global da água colocará metade da produção mundial de alimentos em risco nos próximos 25 anos

Revisão histórica diz que ação urgente é necessária para conservar recursos e salvar ecossistemas que fornecem água doce

thirsty

Uma criança bebe de um recipiente de plástico em Gaza. Mais de 2 bilhões de pessoas não têm acesso à água potável segura. Fotografia: Abed Zagout/Anadolu via Getty Images

Por Fiona Harvey para o “The Guardian”

Alguns países se beneficiam mais do que outros da “água verde”, que é a umidade do solo necessária para a produção de alimentos, em oposição à “água azul” de rios e lagos. O relatório descobriu que a água se move ao redor do mundo em “rios atmosféricos” que transportam umidade de uma região para outra.

Cerca de metade da precipitação pluviométrica mundial sobre a terra vem de vegetação saudável em ecossistemas que transpiram água de volta para a atmosfera e geram nuvens que então se movem a favor do vento. China e Rússia são os principais beneficiários desses sistemas de “rios atmosféricos”, enquanto Índia e Brasil são os maiores exportadores, pois suas massas terrestres suportam o fluxo de água verde para outras regiões. Entre 40% e 60% da fonte de precipitação de água doce é gerada pelo uso de terras vizinhas.

“A economia chinesa depende do manejo florestal sustentável na Ucrânia, Cazaquistão e região do Báltico”, disse o Prof. Johan Rockström, diretor do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático e um dos copresidentes da comissão. “Você pode fazer o mesmo caso para o Brasil fornecer água doce para a Argentina. Essa interconexão apenas mostra que temos que colocar a água doce na economia global como um bem comum global.”

Tharman Shanmugaratnam, presidente de Cingapura e copresidente da comissão, disse que os países devem começar a cooperar na gestão dos recursos hídricos antes que seja tarde demais.

“Temos que pensar radicalmente sobre como vamos preservar as fontes de água doce, como vamos usá-la de forma muito mais eficiente e como vamos conseguir ter acesso à água doce disponível para todas as comunidades, incluindo os vulneráveis ​​– em outras palavras, como preservamos a equidade [entre ricos e pobres]”, disse Shanmugaratnam.

A Comissão Global sobre Economia da Água foi criada pela Holanda em 2022, com base no trabalho de dezenas de cientistas e economistas renomados, para formar uma visão abrangente do estado dos sistemas hidrológicos globais e como eles são gerenciados. Seu relatório de 194 páginas é o maior estudo global a examinar todos os aspectos da crise hídrica e sugerir soluções para formuladores de políticas.

As descobertas foram surpreendentemente severas, disse Rockström. “A água é a vítima número um da [crise climática], as mudanças ambientais que vemos agora se agregando em nível global, colocando toda a estabilidade dos sistemas da Terra em risco”, ele disse ao Guardian. “[A crise climática] se manifesta antes de tudo em secas e inundações. Quando você pensa em ondas de calor e incêndios, os impactos realmente duros são por meio da umidade – no caso de incêndios, [o aquecimento global] primeiro seca as paisagens para que elas queimem.”

ciclo hidrológico

Cada aumento de 1C nas temperaturas globais adiciona outros 7% de umidade à atmosfera, o que tem o efeito de “energizar” o ciclo hidrológico muito mais do que aconteceria sob variações normais. A destruição da natureza também está alimentando ainda mais a crise , porque o corte de florestas e a drenagem de pântanos interrompem o ciclo hidrológico que depende da transpiração das árvores e do armazenamento de água nos solos.

Subsídios prejudiciais também estão distorcendo os sistemas de água do mundo e devem ser tratados como prioridade, descobriram os especialistas. Mais de US$ 700 bilhões (£ 540 bilhões) em subsídios a cada ano vão para a agricultura, e uma alta proporção deles é mal direcionada, encorajando os agricultores a usar mais água do que precisam para irrigação ou em práticas de desperdício .

Ngozi Okonjo-Iweala, diretora-geral da Organização Mundial do Comércio, também copresidente da comissão, disse que os países devem redirecionar os subsídios, eliminando os prejudiciais e garantindo que os pobres não sejam prejudicados. “Devemos ter uma cesta de ferramentas políticas trabalhando juntas se quisermos obter os três Es – eficiência, equidade e sustentabilidade ambiental e justiça. Portanto, temos que acoplar o preço da água com subsídios apropriados”, disse ela.

Atualmente, os subsídios beneficiam principalmente aqueles que estão em melhor situação, acrescentou Okonjo-Iweala. “A indústria está recebendo muitos subsídios, e pessoas mais ricas. Então, o que precisamos são subsídios mais bem direcionados. Precisamos identificar as pessoas pobres que realmente precisam disso”, disse ela. 

Mulheres em trajes coloridos carregam potes de água na cabeça.
A crise da água tem um impacto descomunal sobre as mulheres, disse um dos copresidentes da comissão. Fotografia: Anjum Naveed/AP

Os países em desenvolvimento também devem ter acesso ao financiamento necessário para reformar seus sistemas de água, fornecer água potável e saneamento e deter a destruição do meio ambiente natural, concluiu o relatório.

Mariana Mazzucato, professora de economia na University College London e copresidente da comissão, disse que empréstimos feitos por bancos do setor público para países em desenvolvimento devem ser condicionados a reformas hídricas. “Isso pode ser melhorar a conservação da água e a eficiência do uso da água, ou investimento direto para indústrias intensivas em água”, ela disse. “[Devemos garantir] que os lucros sejam reinvestidos em atividades produtivas, como pesquisa e desenvolvimento em torno de questões hídricas.”

Problemas com água também tiveram um impacto descomunal em mulheres e meninas , acrescentou Mazzucato. “Uma de nossas comissárias é Yvonne Aki-Sawyerr, prefeita de Freetown, em Serra Leoa. Ela diz que a maioria dos estupros e abusos de mulheres realmente acontecem quando elas vão buscar água”, disse Mazzucato. “Mortalidade infantil, paridade de gênero, o fardo da coleta de água, o fardo da segurança alimentar — todos eles estão conectados.”

Cinco principais conclusões do relatório

O mundo tem uma crise de água

Mais de 2 bilhões de pessoas não têm acesso à água potável segura, e 3,6 bilhões de pessoas — 44% da população — não têm acesso ao saneamento seguro. Todos os dias, 1.000 crianças morrem por falta de acesso à água potável. Espera-se que a demanda por água doce ultrapasse seu suprimento em 40% até o final desta década. Esta crise está piorando — sem ação, até 2050 os problemas de água reduzirão cerca de 8% do PIB global, com os países pobres enfrentando uma perda de 15%. Mais da metade da produção mundial de alimentos vem de áreas que apresentam tendências instáveis ​​na disponibilidade de água.

Não existe um esforço global coordenado para enfrentar esta crise

Apesar da interconexão dos sistemas globais de água, não há estruturas de governança global para a água. A ONU realizou apenas uma conferência sobre a água nos últimos 50 anos , e somente no mês passado nomeou um enviado especial para a água .

A degradação climática está a intensificar a escassez de água

Os impactos da crise climática são sentidos primeiro nos sistemas hidrológicos do mundo , e em algumas regiões esses sistemas estão enfrentando graves perturbações ou até mesmo colapso. Seca na Amazônia, inundações na Europa e Ásia, e derretimento de geleiras nas montanhas, que causam inundações e secas rio abaixo, são todos exemplos dos impactos de condições climáticas extremas que provavelmente piorarão em um futuro próximo. O uso excessivo de água pelas pessoas também está piorando a crise climática – por exemplo, drenando turfeiras e pântanos ricos em carbono que então liberam dióxido de carbono na atmosfera.

A água é artificialmente barata para alguns e muito cara para outros

Subsídios à agricultura ao redor do mundo frequentemente têm consequências não intencionais para a água , fornecendo incentivos perversos para fazendeiros irrigarem demais suas plantações ou usarem água de forma desperdiçada. Indústrias também têm seu uso de água subsidiado, ou sua poluição ignorada, em muitos países. Enquanto isso, pessoas pobres em países em desenvolvimento frequentemente pagam um alto preço pela água, ou só podem acessar fontes sujas. Preços realistas para água que removam subsídios prejudiciais, mas protejam os pobres devem ser uma prioridade para os governos.

A água é um bem comum

Toda a vida humana depende da água, mas ela não é reconhecida como o recurso indispensável que é . Os autores do relatório pedem uma reformulação de como a água é considerada – não como um recurso infinitamente renovável, mas como um bem comum global, com um pacto global pela água pelos governos para garantir que eles protejam as fontes de água e criem uma “economia circular” para a água na qual ela seja reutilizada e a poluição seja limpa. As nações em desenvolvimento devem ter acesso a financiamento para ajudá-las a acabar com a destruição de ecossistemas naturais que são uma parte fundamental do ciclo hidrológico.


Fonte: The Guardian