Agência Ambiental dos EUA rejeita alerta científico de câncer causado por atrazina, corrobrando críticas feitas pela Syngenta

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Por Brian Bienkowski e Carey Gillam para “The New Lede” 

Órgãos reguladores dos EUA estão rejeitando uma nova pesquisa de especialistas internacionais em câncer que alerta para a ligação entre o câncer e o pesticida atrazina, amplamente utilizado, ridicularizando a equipe de cientistas e ecoando as críticas da Syngenta, fabricante da atrazina.

Segundo um porta-voz da Agência de Proteção Ambiental (EPA), a EPA não vê necessidade de agir rapidamente em relação à nova avaliação divulgada no mês passado pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC) da Organização Mundial da Saúde.

A IARC tem “um longo histórico de conclusões gravemente equivocadas”, afirmou a porta-voz da EPA, Carolyn Holran.

Em novembro, a IARC classificou a atrazina — o segundo herbicida mais utilizado nos EUA, depois do glifosato — como provavelmente cancerígena para humanos”, após uma longa revisão de anos de estudos científicos.

O grupo citou evidências de estudos em humanos, animais e mecanismos que levaram às suas conclusões, incluindo pesquisas que associam a substância química ao linfoma não Hodgkin em humanos. A IARC afirmou haver evidências “fortes” em estudos mecanísticos que demonstram que a atrazina apresenta características-chave de carcinógenos, incluindo inflamação, estresse oxidativo e morte celular.

A IARC tem “um longo histórico de conclusões gravemente equivocadas” – afirmou Carolyn Holran, porta-voz da EPA.

A classificação como cancerígena não foi uma surpresa para os defensores da saúde pública e ambiental, que há muito tempo pedem a proibição da atrazina não apenas por preocupações com o câncer, mas também devido a pesquisas que a associam a danos reprodutivos e ao desenvolvimento.

Uma pesquisa realizada pela própria Syngenta há mais de 20 anos mostrou altas taxas de câncer entre os trabalhadores de sua fábrica de pesticidas, um fato que a empresa não divulgou até ser obrigada por um processo judicial.

“Isso deveria ser apenas mais um prego no caixão da atrazina”, disse Lori Ann Burd, diretora de programa de saúde ambiental e advogada sênior do Centro para a Diversidade Biológica. “Apesar de todas as evidências crescentes, parece que nada está sendo feito para conter esse produto químico terrível que é proibido em tantos outros lugares.” 

A atrazina é proibida em cerca de 60 outros países, incluindo toda a União Europeia, mas os agricultores dos EUA aplicam aproximadamente 70 milhões de libras do pesticida em seus campos todos os anos, geralmente usando-o para cultivar milho, sorgo e cana-de-açúcar, de acordo com estimativas da EPA .

Incitar o medo?

A IARC possui quatro classificações para as diferentes substâncias, práticas de estilo de vida e outros fatores ambientais que analisa para determinar os níveis de risco para os seres humanos – e a maioria das conclusões de mais de 1.000 dessas análises foi considerada pela IARC como “não classificável” quanto à carcinogenicidade.

A classificação atribuída à atrazina – “provavelmente cancerígena” – é a mais rara emitida pela IARC. A segunda classificação mais rara é “cancerígena”.

“Isto deve ser apenas mais um prego no caixão da atrazina.” – Lori Ann Burd, Centro para a Diversidade Biológica

No entanto, a EPA considera a classificação da atrazina pela IARC como “apenas mais um exemplo da Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer da Organização Mundial da Saúde usando uma abordagem profundamente falha em suas avaliações de câncer”, disse Holran.

Ela afirmou que a IARC está simplesmente fomentando o medo, salientando que a avaliação científica final completa do grupo não deverá ser publicada antes do final de 2026 ou 2027 .

Quando a avaliação completa da IARC estiver disponível nos próximos dois anos, a agência considerará se há alguma nova descoberta científica a ser levada em conta para fins regulatórios, disse Holran. O atrazina está atualmente em processo de registro pela agência, mas Holran não comentou sobre o andamento do processo. 

Avaliações anteriores da EPA concluíram que “a totalidade das evidências disponíveis não sustenta uma associação entre a exposição à atrazina e o câncer em humanos”. 

O resumo da classificação da atrazina pela IARC foi publicado no periódico The Lancet Oncology no mês passado. É prática comum da IARC publicar os resumos bem antes do extenso volume final das classificações.

Holran fez coro às críticas da Syngenta, que emitiu um comunicado no mesmo dia em que a conclusão da IARC foi divulgada, apontando de forma depreciativa para classificações anteriores da IARC sobre práticas como beber bebidas muito quentes , trabalhar como barbeiro ou cabeleireiro exposto a produtos químicos para coloração capilar , consumir carne vermelha e trabalhar no turno da noite — todas classificadas pela IARC como “provavelmente cancerígenas”.

Em seu comunicado, a Syngenta classificou o relatório como “totalmente inconsistente com o consenso científico de cerca de 50 autoridades reguladoras e órgãos de especialistas científicos em todo o mundo” e afirmou que a IARC “não avalia sistematicamente a qualidade nem a consistência” dos estudos que examina ao fazer suas avaliações.  

A classificação da IARC não estabeleceu uma “relação causal entre a exposição à atrazina e o aumento do risco de câncer”, afirmou a Syngenta.

Sob escrutínio há anos

A atrazina tem sido alvo de escrutínio há anos, em meio a evidências científicas que associam a exposição a defeitos congênitos, baixo peso ao nascer, disfunções hormonais, alguns tipos de câncer e problemas no sistema imunológico. Um estudo de 2011 concluiu que a atrazina “causa efeitos graves na saúde humana”, que variam desde efeitos no sistema nervoso, sistema imunológico, rins, coração e fígado, até hormônios e enzimas. Ela é considerada um disruptor endócrino , o que significa que pode interferir no sistema hormonal humano.

Embora os trabalhadores agrícolas sejam considerados o principal grupo populacional exposto à atrazina, o produto químico é comumente levado das lavouras dos campos agrícolas para os cursos d’água e é um poluente recorrente no abastecimento de água potável para milhões de americanos.

Russell Cattley, pesquisador e professor da Universidade de Auburn e presidente do grupo de trabalho da IARC sobre atrazina, composto por 22 membros, não comentou se a nova classificação deveria ou não impactar as decisões regulatórias nos EUA, mas afirmou que as classificações “são frequentemente usadas como base para políticas, diretrizes, avaliações de risco e recomendações nacionais e internacionais para minimizar os riscos de câncer”.

Questionado sobre as críticas da Syngenta, Cattley afirmou que o grupo “revisa rigorosa e sistematicamente estudos disponíveis publicamente, principalmente da literatura científica revisada por pares, e avalia a força das evidências de que um agente pode causar câncer em humanos”, acrescentando que o grupo sobre a atrazina era composto por 22 especialistas internacionais independentes de 12 países. 

Daniele Mandrioli, cientista italiano e membro do grupo de trabalho da IARC sobre atrazina, afirmou que a determinação da concentração de atrazina foi baseada em um “forte consenso” do grupo de trabalho da IARC.

Ele afirmou que a descoberta do grupo sobre a atrazina poderia “servir globalmente como uma avaliação de risco sólida e independente, na qual as autoridades de saúde pública e todas as partes interessadas poderiam confiar e adotar”.

Documentos internos obtidos por meio de litígios contra a empresa relacionados à atrazina revelaram que a empresa fez de tudo para desacreditar ou silenciar os críticos do herbicida, incluindo a contratação de uma agência de detetives para investigar cientistas de um painel consultivo federal, o pagamento secreto a terceiros para que parecessem apoiar de forma independente a segurança da atrazina e a tentativa de difamar a reputação de um cientista que constatou impactos alarmantes da atrazina em anfíbios.

Steve Tillery, o advogado que descobriu os arquivos internos da Syngenta em uma batalha judicial de nove anos, afirmou que as evidências dos danos causados ​​pela atrazina são claras e que a Syngenta trabalhou para ocultar essas evidências.

“Eles não têm sido transparentes”, disse ele sobre a empresa. “Pelo que vimos, trata-se de uma substância química que quase certamente causa diversos tipos de doenças humanas muito graves.”

Ele disse que a EPA deveria tomar providências.

“Quando se trata de vidas humanas, de sofrimento humano, acho que a primeira e mais importante obrigação da EPA e desses fabricantes é a segurança das pessoas que usam esses produtos químicos”, disse Tillery.

Substância química diferente, mesmo debate

As críticas da EPA e da Syngenta à IARC são semelhantes à reação da EPA e da fabricante de pesticidas Monsanto quando a IARC classificou o herbicida glifosato como provavelmente cancerígeno para humanos em 2015. A Monsanto, que introduziu os herbicidas à base de glifosato na década de 1970, chamou o trabalho da IARC de ciência lixo e trabalhou para intimidar e assediar os pesquisadores de câncer, pressionando os EUA a cortar o financiamento da agência de pesquisa do câncer.

Antes disso, as classificações da IARC não eram normalmente vistas como controversas, mas a Monsanto e seus aliados trabalharam para desacreditar a organização e suas conclusões. Um grupo que comprovadamente recebe financiamento da indústria química também atacou a IARC por sua classificação de um tipo de substância per e polifluoroalquilada (PFAS).

Desde que a IARC classificou o glifosato, mais de 150.000 ações judiciais foram movidas por pessoas que alegam que a exposição a herbicidas à base de glifosato da Monsanto, como o Roundup, causou o desenvolvimento de linfoma não Hodgkin.

A EPA (Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos) ainda mantém a posição de que o glifosato provavelmente não causa câncer em humanos, e o governo Trump se posicionou esta semana ao lado da Bayer , que comprou a Monsanto em 2018, em sua batalha contra o processo judicial em andamento sobre o Roundup.

“A EPA se contorceu toda para negar as conclusões da Organização Mundial da Saúde sobre o glifosato e para se manter firme em sua avaliação, então não tenho muita esperança de que eles analisem a atrazina com a mente aberta sob a atual liderança política”, disse Burd. 

A classificação da IARC surge depois de a EPA ter revisto, em outubro, a sua determinação anterior de que a atrazina provavelmente prejudica mais de 1.000 espécies ameaçadas de extinção. A agência, juntamente com o Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA, afirmou agora, em outubro, que a atrazina representa pouco ou nenhum risco para as espécies ameaçadas de extinção.

Philip Landrigan, diretor do Observatório Global de Saúde Planetária do Boston College, afirmou que é provável que a posição da EPA sobre a atrazina permaneça inalterada, apesar das preocupações levantadas pela IARC.

“Acho que a EPA, sob a atual liderança, encontrará uma maneira de ignorar isso”, disse ele. No entanto, ele tinha esperanças maiores em relação a outros países.

“Os processos regulatórios não mudam da noite para o dia”, disse ele. “Mas acho que veremos mudanças acontecendo nos próximos dois anos.”

Imagem em destaque: Getty Images para Unsplash+


Fonte: The New Lede

População dos EUA está exposta a produtos químicos não regulamentados na água potável, segundo estudo

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Por Shannon Kellher para o “The New Lede”

Quase 100 milhões de pessoas nos EUA podem estar expostas a produtos químicos industriais não regulamentados em sua água potável, com comunidades compostas por negros e latinos, especialmente em risco, de acordo com uma nova análise de dados de monitoramento federal para sistemas de água em todo o país.

O estudo, publicado quarta-feira no periódico Environmental Health Perspectives , analisou dados coletados pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) de 2013 a 2015 para quatro tipos de produtos químicos não regulamentados, descobrindo que 27% desses quase 5.000 sistemas públicos de água tinham níveis detectáveis ​​de pelo menos um contaminante.

No geral, mais de 97 milhões de residentes dos EUA foram atendidos por um sistema público de água com níveis detectáveis ​​dos contaminantes examinados no estudo.

O solvente incolor e inflamável 1,4-dioxano foi o mais difundido, aparecendo em 22% dos sistemas públicos de água, de acordo com o estudo . Os pesquisadores também encontraram o refrigerante HCFC-22, bem como um solvente chamado dicloroetano usado na produção de plásticos, e substâncias tóxicas per- e polifluoroalquil (PFAS) em cerca de 4-6% dos sistemas de água. Os dados da EPA contabilizaram seis tipos de PFAS, uma categoria que inclui milhares de produtos químicos: ácido perfluorooctanoico (PFOA), ácido perfluorononanoico (PFNA), ácido perfluorohexano sulfônico (PFHxS), ácido perfluoroheptanoico (PFHpA) e ácido perfluorobutano sulfônico (PFBS).

Populações hispânicas e negras correm risco especialmente alto de exposição a produtos químicos não regulamentados em sua água potável, relataram os autores. Sistemas públicos de água com níveis detectáveis ​​dos contaminantes atendiam condados com maiores proporções de residentes hispânicos do que aqueles sem detecções, por exemplo, disseram os autores.

“Nossa análise encontrou detecções mais frequentes de contaminantes industriais não regulamentados em sistemas públicos de água que atendem maiores proporções de residentes hispânicos e negros não hispânicos”, afirma o estudo. “Embora algumas das associações entre raça, etnia e contaminantes não regulamentados possam ser explicadas pela localização desproporcional de instalações industriais, nossa análise sugere que outros fatores contribuem para disparidades nas exposições a contaminantes não regulamentados da água potável.”

O coautor do estudo Aaron Maruzzo, pesquisador do Silent Spring Institute, que estuda as ligações entre poluição ambiental e saúde feminina, disse que pesquisas anteriores se concentraram em contaminantes regulamentados, identificando disparidades raciais e étnicas na exposição a nitratos e arsênico.

Em 2021, mais de 6.500 sistemas públicos de água que atendem quase 20 milhões de pessoas nos EUA tiveram violações por exceder os níveis máximos de contaminantes, de acordo com dados da EPA . No entanto, as preocupações em torno da segurança da água potável são mais profundas – embora os padrões federais tenham sido definidos para cerca de 90 contaminantes, mais de 86.000 “potenciais contaminantes químicos” são usados ​​no comércio dos EUA, de acordo com o estudo.

As descobertas destacam “a necessidade de considerar contaminantes regulamentados e não regulamentados em futuras avaliações nacionais de saúde humana sobre água potável”, disse Kelly Smalling, uma hidrologista pesquisadora do US Geological Survey que não estava envolvida no estudo.

Desde que os autores começaram o estudo, a EPA reuniu novos dados, mas usar os dados mais antigos permitiu que os pesquisadores avaliassem as disparidades demográficas de pessoas expostas aos produtos químicos visados ​​em um momento anterior à regulamentação de qualquer um deles, disse Laurel Schaider, cientista sênior do Silent Spring Institute e outra coautora do estudo.

“Isso nos deu a chance de destrinchar quais são os fatores que influenciam a ocorrência de contaminantes na água potável, talvez separadamente da parte de fiscalização”, disse Schaider.

O estudo descobriu que contaminantes não regulamentados foram detectados com mais frequência em grandes sistemas de água potável, sistemas em áreas urbanas e sistemas que dependiam de águas subterrâneas ou de uma combinação de águas subterrâneas e superficiais.

Dados recentes coletados pela EPA usaram limites de detecção mais baixos e exigiram que as concessionárias de água testassem 29 tipos de PFAS, em comparação com apenas seis do conjunto de dados anterior, sugerindo que os dados mais antigos provavelmente subestimaram o número de pessoas expostas a esses chamados “produtos químicos eternos”, disseram os autores.

Enquanto o estudo Environmental Health Perspectives descobriu que apenas cerca de 4% dos moradores expostos a contaminantes não regulamentados tinham PFAS em sua água potável, os dados governamentais mais recentes relataram que mais de 143 milhões de pessoas foram expostas. Os autores do estudo disseram que planejam comparar ambos os conjuntos de dados da EPA em uma análise futura.

Em abril passado, a EPA anunciou os primeiros limites legalmente aplicáveis ​​para seis produtos químicos PFAS na água potável.

“Ficarei interessado em ver como pesquisas futuras sobre disparidades na água potável com base em dados de amostragem PFAS mais abrangentes (ou seja, amostras com limites de detecção mais baixos e amostras coletadas de pequenos sistemas de água adicionais) contribuem para nossa compreensão das associações avaliadas neste artigo”, disse Clare Pace, uma cientista que estuda questões de equidade hídrica na Universidade da Califórnia, Berkeley, e não estava envolvida no estudo.

Além do PFAS, as descobertas do estudo fornecem “um lembrete importante de que ainda há outros contaminantes industriais não regulamentados na água potável aos quais precisamos prestar atenção”, disse Schaider.

À medida que os sistemas de água potável implementam tratamentos para remover PFAS, eles podem ter o benefício adicional de filtrar outros produtos químicos nocivos, como produtos farmacêuticos, retardantes de chamas e produtos de cuidados pessoais, disse ela.


Fonte: The New Lede

Contaminação de água potável com metabólito persistente de agrotóxicos causa alarme na Europa

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Por PAN Europa

A água potável está em perigo. Em toda a Europa, o trifluoroacetato (TFA)  é encontrado na superfície e na água potável. Alarmada pelos relatórios prduzidos pela PAN Europa, a região belga da Valônia pediu à Companhia de Distribuição de Água para monitorar a água para este pequeno PFAS (PFAS são conhecidos como “forever chemicals” (químicos eternos) porque são persistentes, ou seja, não se degradam facilmente). Aguardamos ansiosamente os resultados. Uma autoridade local fez o mesmo e seus resultados estão longe de ser tranquilizadores. Três cidades em áreas agrícolas encontraram altos níveis de TFA em sua água potável. Em um relatório recente, a Agência Alemã do Meio Ambiente (UBA) reitera seu alerta sobre o problema do TFA. Enquanto alguns países já monitoram a substância, muitos outros, como a França, ainda não começaram. Nosso membro Générations Futures revelou que 12 metabólitos de agrotóxicos com alto risco de contaminação não são medidos nos testes de água, incluindo o TFA.

Em dois relatórios, a PAN Europe e membros em 11 países europeus alertam sobre a ocorrência generalizada de TFA em águas superficiais, subterrâneas e de torneira. [1, 2, 3]. Este pequeno PFAS é um produto de decomposição de muitos agrotóxicos que contém PFAS e também de alguns gases  usados ​​para refrigeração. Há mais de 20 anos, a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar, a EFSA e os Estados-Membros da UE declararam-no um “metabólito não relevante”, alimentado por alegações da indústria de que, devido à sua alta solubilidade em água, não se acumulará no corpo humano. 

No entanto, 20 anos após essa suposição, enfrentamos um grande problema. O TFA está em todos os lugares em nossos recursos hídricos. Ele é altamente solúvel e móvel, é muito persistente no ambiente, com evidências crescentes apontando para sua toxicidade. As autoridades alemãs agora o consideram uma provável substância reprotóxica. 

As empresas de água estão alarmadas. Elas fornecem água potável limpa, mas enfrentam um desafio crescente. Até o momento, apenas a osmose reversa pode ser usada para filtrar TFA da água. Este é um sistema exorbitantemente caro para as comunidades e levaria à água completamente desmineralizada.

Enquanto isso, a União Europeia (UE) revisou a diretiva sobre água destinada ao consumo humano. Este regulamento limita o “PFAS Total” a 500 nanogramas por litro a partir de janeiro de 2026. Em nosso relatório, documentamos que 96% da quantidade de PFAS na água é TFA. Em muitas áreas, especialmente em zonas agrícolas, esse limite é excedido apenas para TFA. Somente uma proibição rápida de agrotóxicos PFAS e gases F que emitem TFA pode resolver esse problema em algum momento. Portanto, a PAN Europa e seus membros defendem que a proibição de todos os agrotóxicos PFAS ocorra agora.

Resultados alarmantes de medições recentes na Valônia

Após a atenção da mídia em torno de nossos relatórios, a região belga da Valônia lançou um programa de monitoramento de TFA em toda a região em água destinada ao consumo humano. Os resultados são esperados em breve, mas os resultados já foram apresentados pela cidade de Ciney, na área com agricultura intensiva, especialmente cereais, são alarmantes:

  • 1100 ng/l na cidade de Ciney
  • 1600 ng/l na cidade de Pessoux
  • 2400 ng/l na cidade de Braibant

Após a comunicação destes resultados, a Câmara Municipal decidiu na sua reunião de Setembro passado:

  • Exigir a aplicação da nova norma na Diretiva Europeia de Água Potável, limitando a presença de todos os PFAS [incluindo TFA] a 500 ng/l.
  • Solicitar aos Ministros da Saúde, do Ambiente e da Agricultura que apliquem o princípio da precaução até que seja comprovada a não toxicidade das moléculas de PFAS contidas nestes pesticidas

Nosso membro Nature & Progres está pedindo a proibição das 29 substâncias ativas PFAS autorizadas em produtos pesticidas na Bélgica, como flufenacete, diflufenican e fluazinam, para proteger nossa água e nossa saúde.

Monitorização inadequada da qualidade da água em França

Nossa organização membro Générations Futures analisou os dados oficiais de monitoramento de água na França. Dos 79 metabólitos de agrotóxicos que provavelmente contaminam as águas subterrâneas, eles identificaram, apenas 23 foram monitorados em 2022/2023. Em contraste, 56 metabólitos não são monitorados nas águas subterrâneas ou na água potável. A organização conclui que a poluição da água na França por metabólitos de agrotóxicos é amplamente subestimada. Entre os monitorados estão 12 metabólitos particularmente de alto risco. Oito desses metabólitos vêm de substâncias ativas que são cancerígenas, mutagênicas, reprotóxicas ou desreguladoras endócrinas. Um dos metabólitos ainda não medidos é o TFA. [3]

Relatório alemão sobre águas subterrâneas 2017-2021

A Alemanha é um dos poucos países que monitoram ativamente o TFA. Um relatório de 2017-2021 do Umweltbundesamt alemão (UBA) revelou que, embora a poluição da água por substâncias ativas de pesticidas tenha diminuído, a detecção de produtos de decomposição de pesticidas, incluindo TFA, está se multiplicando.

“A contaminação de águas subterrâneas com agrotóxicos diminuiu. Isso é demonstrado por um estudo nacional recente de mais de 16.000 pontos de medição. O declínio diz respeito principalmente a substâncias que não são mais autorizadas e cuja concentração em águas subterrâneas está agora diminuindo lentamente. Metabólitos, por outro lado, estão aparecendo com muito mais frequência – agora em mais de 70 por cento dos locais de monitoramento.”

O instituto expressa preocupações sobre o TFA, incluído no relatório anual pela primeira vez. “Dados de monitoramento abrangentes para ácido trifluoroacético (TFA) não degradável foram analisados ​​pela primeira vez. O TFA é um metabólito de vários agrotóxicos, mas também pode ter outras causas além da agricultura. A substância é encontrada em águas subterrâneas em 76 por cento dos locais de monitoramento e, portanto, em quase todos os lugares. Essas descobertas representam um grande desafio, pois a substância dificilmente pode ser removida tecnicamente durante o tratamento.” [5]

Conclusão

A contaminação por TFA é um problema enorme e crescente. Como não há meios eficazes para removê-la da água potável, há apenas uma solução viável: uma proibição imediata de todos os pesticidas PFAS e outras substâncias que se decompõem em TFA. A PAN Europe e seus membros pedem a proibição desses produtos químicos para proteger nossa água e nossa saúde.

Notas:

[1] TFA na água: legado sujo de PFAS sob o radar , PAN Europe e membros, maio de 2024

[2] TFA: O produto químico eterno na água que bebemos , PAN Europe e membros, julho de 2024

[3] Campanha PAN Europa: Proibir pesticidas PFAS e TFA

[4] Relatório sobre metabólitos de agrotóxicos, a ponta do iceberg(link externo), Générations Futures, 9 de outubro de 2024

[5]  Pestizide im Grundwasser: Weniger Wirkstoffe, mais Metaboliten(link externo), Umweltbundesamt UBA, outubro de 2024


Fonte: PAN Europa

Governo Lula está há quase 2 anos sem monitorar o nível de agrotóxicos na água consumida pelos brasileiros

agrotóxicos água

Por  Carol Castro e Hélen Freitas | Edição Carlos Juliano Barros para a “Repórter Brasil”

Um ano e oito meses: esse é o tempo que o governo federal está sem receber e sem publicar dados sobre os níveis de agrotóxicos na água consumida pelos brasileiros. Dessa forma, autoridades públicas, pesquisadores e cidadãos não dispõem de ferramentas para monitorar a contaminação por pesticidas. 

A Portaria 888/2021 do Ministério da Saúde obriga empresas públicas e privadas, responsáveis por redes de distribuição de água, a realizar testes periódicos sobre a presença de diversas substâncias potencialmente nocivas à saúde, como mercúrio, coliformes fecais e agrotóxicos. 

Os resultados das análises precisam ser registrados pelas empresas no Sisagua (Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano). As informações ficam, então, abertas para consulta pública.

No caso dos agrotóxicos, os testes devem ser feitos a cada três meses. Entretanto, devido a um problema técnico com o sistema, desde janeiro de 2023 os dados específicos sobre pesticidas não vêm sendo repassados pelas distribuidoras de água ao governo federal, nem disponibilizados ao público. 

A correção dos problemas seria uma responsabilidade compartilhada entre a Secretaria de Informação e Saúde (Seidigi), comandada por Ana Estela Haddad, esposa do ministro Fernando Haddad (Fazenda), e a Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, chefiada por Ethel Maciel. 

Contudo, reuniões para tratar do Sisagua ou de “vigilância da água” aparecem apenas duas vezes na agenda oficial de Maciel, e apenas uma na de Haddad, desde janeiro de 2023. O levantamento consta da Agenda Transparente, ferramenta da Fiquem Sabendo, organização especializada em transparência de dados públicos. 

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que o Sisagua está em “fase de atualização”, com conclusão prevista ainda em 2024. Segundo o comunicado, o tema é “prioritário para a pasta”. 

“Vale ressaltar que o monitoramento da qualidade da água distribuída nos municípios brasileiros é responsabilidade das equipes de vigilância das três esferas de governo, além dos responsáveis pelo tratamento e distribuição da água à população”, diz o texto. Leia aqui a íntegra.

Polêmica: Análise da água de Casa Branca pelo Repórter Brasil preocupa  população

Em 2022 havia 28 municípios com agrotóxicos na água acima do permitido

“Imagina se o governo federal precisasse ir atrás de todas as amostras e relatórios?”, ilustra Ana Cristina Rosa, doutora em saúde pública e meio ambiente e pesquisadora da Fiocruz. “Com o Sisagua, o governo faz um rastreamento sobre quem está enviando ou não os dados e fiscaliza as outras duas esferas [estaduais e municipais]”, complementa. 

O acesso público aos resultados dos testes também permite a produção de investigações científicas e jornalísticas. Com base nos dados do Sisagua referentes a 2022, por exemplo, a Repórter Brasil mostrou que havia agrotóxicos na água de 210 cidades brasileiras. Em 28 delas, as substâncias estavam acima do limite permitido pelo Ministério da Saúde.

No entanto, especialistas consultados pela reportagem afirmam que o consumo contínuo de água com pesticidas, mesmo dentro dos limites tidos como seguros, pode gerar efeitos graves, como câncer, além de problemas hormonais e neurológicos.

Outra preocupação é em relação à interação de diferentes tipos de agrotóxicos, chamada de “efeito coquetel”. A mistura de diferentes agrotóxicos pode gerar consequências ao organismo humano ainda desconhecidas, dizem os pesquisadores.

Contaminação da água potável por agrotóxico no Brasil é tema de audiência  pública na Câmara dos Deputados – Fiocruz Brasília

O que aconteceu com o Sisagua

Em 2021, a portaria 888 do Ministério da Saúde incluiu novas substâncias a serem monitoradas pelos órgãos de controle. No caso dos agrotóxicos, passou de 27 para 40 o número de pesticidas avaliados. São os casos do Fipronil, tido como responsável por mortandade em massa de abelhas, e o Paraquate, banido em 2020 por associação com a doença de Parkinson e o desenvolvimento de mutações genéticas. 

A portaria também revisou os limites considerados seguros. Além disso, aumentou a frequência de testes a serem realizados pelas empresas distribuidoras. Para os agrotóxicos, as análises — antes semestrais — agora precisam ser realizadas a cada três meses.

Novas regras de monitoramento de agrotóxicos na água entraram em vigor em 2021, com novas substâncias fiscalizadas, entre elas o fipronil, associado à morte de abelhas (Foto: George Campos/USP Imagens)
Novas regras de monitoramento de agrotóxicos na água entraram em vigor em 2021, com novas substâncias fiscalizadas, entre elas o fipronil, associado à morte de abelhas (Foto: George Campos/USP Imagens)

As novas regras exigiram uma atualização técnica do Sisagua. A manutenção prevista era temporária, mas há quase dois anos o site mostra o mesmo aviso: “ATENÇÃO: a nova versão do Sisagua adaptada à nova norma segue em desenvolvimento, em um trabalho conjunto entre CGVAM [Coordenação Geral de Vigilância em Saúde Ambiental] e DATASUS”. 

Sem receber os dados das empresas distribuidoras de água, o Ministério da Saúde não tem meios para identificar se as normas contidas na portaria 888/2021 estão sendo seguidas, como a ampliação dos testes. 

Em agosto, a Repórter Brasil questionou o Ministério da Saúde sobre as falhas do sistema. No fim do mês, segundo apurou a reportagem, as empresas distribuidoras conseguiram retomar o preenchimento dos dados sobre agrotóxicos no Sisagua. 

A reportagem também questionou a pasta se os números referentes ao período entre janeiro 2023 e agosto de 2024 precisarão ser registrados retroativamente, ou se apenas os dados sobre novos testes deverão ser inseridos, mas o ministério não respondeu esse pontou até a publicação da reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.


Fonte:  Repórter Brasil

Água de torneira em Campos: o que há de errado?

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Venho ao longo dos anos acompanhando a situação da distribuição da água na cidade de Campos dos Goytacazes, tendo inclusive orientado uma dissertação de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Uenf que foi defendida no cada vez mais distante ano de 2012.

Por isso mesmo, recebi com certa incredulidade um telefone de uma colega que me narrou uma série de problemas que estariam afetando a condição da água que está sendo distribuída na cidade de Campos dos Goytacazes pela concessionária “Águas do Paraíba”. Segundo essa colega, os problemas estariam causando transtornos a que ingeriu uma água que estaria com alterações de odor e gosto. O principal sintoma dessas alterações seria o fato de que o produto servido aos campistas estaria com um “cheiro de terra molhada”. 

Imediatamente me ocorreu o fato de que o cheiro de terra molhada ou a chuva é um efeito que resulta da combinação de duas substâncias principais: o petricor e a geosmina. É preciso lembras que estas duas substãncias são componentes naturais do solo e das plantas que, quando entram em contato com a chuva, produzem uma série de reações das quais emerge o aroma único. Em função dessa evidência é que descartei uma versão que estaria circulando sobre um suposto acidente químico no Rio Pomba, afluente do Rio Paraíba do Sul.

Se o problema detectado pelos campistas tiver alguma relação com a presença de uma dessas substâncias, poderemos estar diante do mesmo problema que afetou o abastecimento da região metropolitana do Rio de Janeiro em 2021.

Há que se lembrar que apesar da presença de Geosmina não apresentar efetivamente um efeito tóxico ao organismo, pesquisadores já relataram que a água com gosto desagradável pode causar efeitos psicossomáticos (sintomas causados por alguma instabilidade emocional que vão gerar efeitos físicos no organismo) como dores de cabeça, estresse e náuseas.

Desta forma, o que se espera é que a ação dos órgãos de fiscalização da qualidade da água servida aos campistas seja rápida, e que se dê o devido retorno aos cidadãos campistas que estão neste momento justamente alarmados.

Níveis inseguros de PFAS contaminam fontes globais de água, segundo estudo

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Por Shanon Kellhero para o “The New Lede”

Uma grande parte das águas superficiais e subterrâneas do mundo contém produtos químicos tóxicos PFAS em níveis superiores aos que os reguladores consideram seguros para água potável, de acordo com uma nova análise de dados de mais de 45.000 amostras de água recolhidas em todo o mundo.

Os dados apontam para a Austrália, China, Europa e América do Norte como pontos críticos de contaminação por substâncias per e polifluoroalquílicas (PFAS), embora os autores sugiram que isto pode ser distorcido devido a níveis mais elevados de amostragem nestas regiões.

As descobertas, publicadas em 8 de abril na revista Nature Geoscience , ocorrem no momento em que os reguladores dos Estados Unidos se preparam para estabelecer os primeiros limites obrigatórios de água potável para certos tipos de PFAS. Muitos estados dos EUA e outros países já estabeleceram regulamentações para PFAS na água potável.

“Fiquei surpreso ao descobrir que a grande fração das fontes de água está acima das recomendações de água potável”, disse Denis O’Carroll, professor de engenharia da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, e autor do estudo, em comunicado à imprensa .

O número de amostras consideradas inseguras foi maior em países que possuem diretrizes e regulamentações mais rígidas para água potável PFAS. No Canadá, que tem uma das recomendações mais rigorosas para PFAS em água potável, 69% das amostras de águas subterrâneas tinham níveis que ultrapassaram o limiar daquele país, enquanto apenas 6% das amostras da União Europeia não cumpriram os seus critérios.

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Notavelmente, o estudo identificou 57 produtos químicos PFAS diferentes em quase 34.000 amostras de águas subterrâneas globais e encontrou altos níveis de contaminação por PFAS em regiões onde uma espuma de combate a incêndios contendo PFAS (espuma aquosa formadora de filme ou AFFF) tinha sido fortemente utilizada, bem como perto de locais onde os produtos químicos são fabricados.

A equipe de pesquisa utilizou medições de PFAS documentadas em relatórios governamentais, bancos de dados e literatura revisada por pares, incluindo 273 estudos ambientais desde 2004, que incluem dados de mais de 12.000 amostras de águas superficiais e 33.900 amostras de águas subterrâneas.

Existem milhares de produtos químicos PFAS, que não se decompõem naturalmente e são utilizados em processos industriais e produtos de consumo que vão desde frigideiras a capas de chuva. A exposição a alguns PFAS tem sido associada a vários problemas de saúde, incluindo cancro.

Embora os cientistas saibam que os PFAS estão difundidos em todo o mundo, a extensão da contaminação por PFAS nas fontes de água globais permanece incerta. Os autores disseram que a futura carga ambiental do PFAS está provavelmente subestimada.

“As atuais práticas de monitorização provavelmente subestimam os PFAS no ambiente, dado o conjunto limitado de PFAS que são normalmente quantificados, mas considerados de preocupação regulamentar”, escrevem os autores.

Dados recentes baseados em um terço do abastecimento público de água sugerem que 70 milhões de pessoas nos EUA têm PFAS na água potável, de acordo com a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA).

Pelo menos um produto químico PFAS está presente em cerca de 45% das amostras de água potável dos EUA, tanto para poços privados como para água da torneira pública, estimou um estudo de 2023, enquanto uma análise do US Geological Survey de riachos e rios em toda a Pensilvânia descobriu que 76% continham PFAS.


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Fonte: The New Lede

Pesquisa indica relevância de monitorar qualidade da água com precisão

Estudo usou técnica inovadora no Brasil para identificação de bactérias em caixas d’água residenciais

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Empresas de saneamento podem usar nova técnica para monitorar a qualidade da água (Foto: Freepik)

A presença de bactérias na água usada para consumo humano em geral não é um problema, já que é mais comum que elas não causem malefícios à saúde humana. No entanto, essa situação pode se inverter dependendo do tipo e da quantidade dessas bactérias, que não são detectadas pelos métodos comumente usados no Brasil para monitoramento de qualidade da água no processo de tratamento, distribuição e armazenamento. Estudo realizado em município no interior do estado de São Paulo, usando a técnica de citometria de fluxo, mais sensível que aquelas usadas tradicionalmente para essa função, identificou a presença de bactérias em caixas d’água residenciais, em um conjunto de 36 amostras coletadas em pontos distintos da cidade. O resultado, publicado recentemente, aponta que a aplicação da técnica pode ser ferramenta muito útil no monitoramento do crescimento bacteriano após as estações de tratamento, permitindo averiguar possíveis contaminações.

A pesquisa foi desenvolvida por Leandro Manoel Afonso Mendes, estudante de Medicina da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com orientação de Hugo Sarmento, docente no Departamento de Hidrobiologia. “A qualidade da água é o fator individual mais importante para garantir a saúde pública, e as estações de tratamento têm o compromisso de fornecer um suprimento seguro de água potável para a população, garantindo a ausência e limitando o crescimento de qualquer microrganismo que possa causar alguma doença”, situa Sarmento. No entanto, o docente explica que é comum as bactérias aparecerem durante os processos de tratamento e distribuição da água. “A presença dessas bactérias, na maioria das vezes, não causa malefícios à saúde humana, mas é preciso um controle rigoroso para garantir a qualidade da água fornecida”, avalia Sarmento, que coordena o Laboratório de Biodiversidade e Processos Microbianos (LMPB), onde as amostras foram analisadas.

Normalmente, a contagem dos microrganismos é feita por técnica que utiliza placas de cultivo como um parâmetro geral de qualidade microbiana da água potável. Sarmento indica que diversos estudos demonstraram a presença de microrganismos na água potável ou em biofilmes utilizando técnicas mais sensíveis como a citometria de fluxo, que ainda não é utilizada no Brasil com esta função. “Este método é utilizado para enumeração direta das concentrações totais de células na água, utilizando marcadores de ácidos nucléicos fluorescentes e detecção de características específicas de cada célula. Existem na literatura relatos de detecção de microrganismos, alguns patógenos, em água de distribuição, reforçando a importância de tais achados para a saúde coletiva”, destaca o docente da UFSCar. Ele reforça, também, que esses estudos estão concentrados em países onde não existem caixas d’água residenciais no circuito de distribuição, um elemento que pode deteriorar a qualidade da água armazenada. “No hemisfério Norte, as pessoas não têm caixas d’água individuais. São grandes reservatórios por bairro, controlados por empresas”, relata.

Resultados

Os pesquisadores apontam que foi constatada a presença de bactérias no interior dos reservatórios analisados e nas entradas das caixas d’água, em concentrações condizentes com os resultados de estudos realizados em outros países. “Observamos uma forte correlação entre as concentrações de bactérias na água entregue pela empresa pública de saneamento e na água das caixas d’água, com maiores concentrações de bactérias nestas últimas, em geral”, registram. Outra análise buscou relacionar a presença das bactérias à higienização dos reservatórios, cujo intervalo variou entre períodos de três meses a 20 anos. Os resultados indicam que se a água já chegar aos reservatórios com as bactérias, a limpeza das caixas d’água não fará diferença. “No entanto, é primordial que seja feita a limpeza periódica dos reservatórios”, ressalvam.

“Nossos resultados mostram que empresas de saneamento deveriam buscar meios de implementação da citometria de fluxo como ferramenta conjunta de monitoramento do processo de tratamento, distribuição e armazenamento de água potável, principalmente para detecção e quantificação esporádica de bactérias, tal como já se faz atualmente em outros países”, conclui Hugo Sarmento. O professor conta que a citometria de fluxo já é usada em países como a Suíça, por exemplo, de forma ágil, permitindo detecção precoce de bactérias e tomada de providências em caso de necessidade.

A pesquisa teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O artigo sobre o estudo foi publicado recentemente e pode ser acessado neste link (https://www.aprh.pt/rh/v43n2_cti-4.html).

A questão da oferta de água potável no V Distrito e a sombra da outorga dada ao Porto do Açu sobre o Aquífero Emboré

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O site “Parahybano” publicou ontem uma matéria sobre uma ação da Prefeitura Municipal de São João da Barra para resolver o gritante e urgente problema do abastecimento de água potável no V Distrito de São João da Barra, área que foi alvo de um incidente ambiental causado pelo despejo de água salgada vinda dos aterros hidráulicos do Porto do Açu.

A matéria do Parahybano informa que a “prefeita Carla Caputi assinou na tarde de sexta-feira, 24/11, a ordem de serviço para perfuração de poço tubular profundo na localidade de Bajuru, no quinto distrito de São João da Barra, e interligação na rede existente na RJ-240“. A nota informa ainda que a “previsão é que a obra, no valor de R$ 1.144.136, com recurso próprios, seja concluída em um prazo de quatro meses, beneficiando mais de 5 mil famílias das localidades de Bajuru, Azeitona, Campo de Areia, Corrego Fundo, Água Preta, Mato Escuro, Cazumbá, Sabonete e Concha“. 

Por outro lado, o que a nota não nos informa é se foram realizados estudos prévios sobre a qualidade da água que se pretende utilizar para o resolver o problema crônico que tem sido o abastecimento nas localidades apontadas, especialmente porque uma das reclamaçõesdos habitantes do V Distrito é que a água servida a eles seria salgada ou, na melhor das hipóteses, salobra. Sem um estudo prévio que ateste que a água que será retirada de uma profundidade estimada de 240 metros estará livre do excesso de sal, esta obra será uma espécie de trocar “seis por meia dúzia”. Uma questão que levantei neste espaço faz pouco tempo se relaciona ao maior usuário de água de V Distrito  (e certamente do município de Sâo João da Barra) que é o Porto do Açu.

Segundo dados levantados pela Agência Pública e publicados na matéria “Os donos da água“, o Porto do Açu possui uma outorga para o uso de 142,4 bilhões de litros de água anualmente, colocando o empreendimento como o sétimo maior consumidor de água do Brasil. Desde fiquei pensando de ontem o porto estaria retirando este mega volume de água. 

Agora após ler a mesma matéria do Parahybano, um leitor deste blog  me perguntou o que estaria ocorrendo em termos de uso da água contida no chamado “Aquífero Emboré“, pois há a preocupação de que a grande outorga dada ao Porto do Açu esteja sendo obtida desta reserva hídrica (ver imagem abaixo).

A possibilidade de que o Porto do Açu esteja obtendo seu abastecimento anual do Emboré não me parece algo despropositado, na medida em que a planejada transposição do Rio Paraíba do Sul que iria ser feita para abastecer o empreendimento iniciado pelo ex-bilionário nunca saiu do papel, até porque houve a devida reação por parte do Ministério Público Federal.

A questão é que não se ouviu nada por parte de autoridades municipais do entorno do Porto do Açu após a veiculação da matéria produzida pela Agência Pública. E agora vem a Prefeitura de São João da Barra com essa solução para um problema que foi, ao menos em parte, causado pelo Porto do Açu.  Com isso, cresce a necessidade de que haja a devida publicidade sobre a qualidade da água que vai ser fornecida à população do V Distrito, mas também sobre a mineração da água contida no Aquífero Emboré por parte do enclave comandado pelo fundo de private equity EIG Global Partners. Afinal, o usufruto da riqueza hídrica do Emboré deve ser primeiro da população dos municípios de Campos e de São João da Barra.