Frade ameaçado em Muriaé entra em programa de proteção

Atuação de religioso contra expansão da mineração na Serra do Brigadeiro é lembrada em reunião no distrito de Belisário.

Audiência pública da Comissão de Direitos Humanos foi realizada na sede do grupo de artesãos do distrito

Audiência pública da Comissão de Direitos Humanos foi realizada na sede do grupo de artesãos do distrito – Foto: Sarah Torres

Ameaçado de morte por sua liderança na mobilização contra a expansão da mineração na Serra do Brigadeiro, na Zona da Mata, o frei Gilberto Teixeira da Silveira já foi incluído, em caráter emergencial, em um dos programas de proteção aos defensores de direitos humanos da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania.

A informação foi divulgada na noite desta segunda-feira (26/6/17), durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada diante de, ao menos, uma centena de moradores reunidos na sede do grupo de artesãos do pequeno distrito rural de Belisário, distante 33 quilômetros da sede de Muriaé (Zona da Mata), aos pés da Serra do Brigadeiro.

Paraíso da biodiversidade, a Serra do Brigadeiro detém a segunda maior reserva de bauxita do País, essencial à produção de alumínio, o que desperta a cobiça dos grandes conglomerados minerários mundiais desde a década de 1980.

A audiência atendeu a requerimento do presidente da comissão, deputado Cristiano Silveira (PT). “Quando falamos de mineração em Minas, é o rabo que balança o cachorro, e não o contrário. São as mineradoras que atuam para ditar as regras desse mercado e assim fazer o que bem entendem”, lembrou.

O parlamentar elogiou a atuação do Executivo no episódio da ameaça ao frade. Essa proteção garantiu o acompanhamento do caso, no local, por uma equipe técnica, com o mapeamento de situações de risco e a instalação de um kit de proteção na comunidade. Isso inclui tanto vigilância eletrônica quanto sistema de comunicação a ser acionado em caso de nova ameaça que coloque a vida do religioso em perigo. Um dos pressupostos dessa atuação é garantir a segurança sem retirar o defensor de direitos humanos do seu local de atuação, justamente para não enfraquecer a luta.

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Centena de moradores acompanhou a reunião em Belisário – Foto: Sarah Torres

O programa, que é articulado nacionalmente, também intervém para que o episódio mereça atenção especial por parte das forças policiais, tanto na proteção ao frade quanto na investigação do caso, conforme explicou a diretora de Proteção e Defesa de Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos, Ana Carolina Gusmão da Costa. “É inadmissível que um defensor de direitos humanos seja ameaçado”, resumiu.

Segurança e transparência

Mas isso ainda não é suficiente, conforme relato dos participantes da audiência. Entre as reivindicações apresentadas, algumas são de simples solução, como a melhoria na infraestrutura da Polícia Militar da região, como a volta do destacamento ao distrito de Belisário. Também foi pedido o acesso a todo o conteúdo do processo de licenciamento ambiental da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), pertencente ao grupo Votorantim, cuja atuação na mineração de bauxita na região foi alvo de muitas críticas.

Contudo, outras reivindicações são mais difíceis, como a transformação de todo o entorno do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro em área livre de mineração. Se isso depender da mobilização da comunidade, não será problema, já que a reunião foi interrompida várias vezes por gritos de “Mineração aqui não”.

Mobilização

 Uma apresentação musical do Movimento pela Soberania Popular na Mineração mostrou que até mesmo os adolescentes estão conscientes da importância da preservação dos recursos naturais da região. São filhos de agricultores cujas famílias vivem ali há gerações, praticantes da chamada agroecologia que têm na produção de café e leite a base da economia, mas que já começam a explorar também o potencial turístico da região.

Recentemente, eles fizeram protesto semelhante em um evento da CBA em Rosário da Limeira, município vizinho que também vem sendo assediado pela empresa.

Polícia Civil já tem retrato falado do suspeito

Apesar de passados mais de quatro meses, o relato da ameaça sofrida pelo franciscano da Fraternidade Santa Maria dos Anjos e responsável pela Paróquia de Belisário ainda revolta os moradores do distrito. Após a celebração de uma missa em 19 de fevereiro último, um homem armado teria invadido a casa paroquial. “Hoje é só um aviso. Você está falando demais sobre mineração e eu vim aqui dizer para você parar com isso”, afirmou o desconhecido.

Esse homem, bem articulado, teria dito ainda que todos os passos e declarações do frade estavam sendo acompanhados. “Ele sabia de um encontro que realizamos na véspera. Disse que eu tinha até sido moderado, mesmo com a Campanha da Fraternidade (em defesa dos biomas), e relatou em detalhes por onde eu tinha passado e dormido nos últimos dias”, contou o frei Gilberto.

O estranho teria mandado o frade ficar na casa paroquial e desaparecido sem deixar vestígios. Uma semana depois, o próprio religioso, que está em Belisário desde 2011, localizou uma testemunha que também viu o estranho e um retrato falado foi confeccionado pela Polícia Civil. Foi instaurado inquérito sobre o caso, que agora está em segredo de Justiça, motivo da ausência de um representante do Ministério Público na reunião.

Inquérito

O titular da 32ª Delegacia de Polícia Civil, delegado Fábio Correia de Almeida, pediu o apoio da população em busca de mais informações que ajudem na identificação e prisão do suspeito. “Existem leis que protegem testemunhas. Ninguém vai ficar exposto. Já avançamos, mas para chegar à autoria (do crime), precisamos da ajuda da comunidade”, afirmou, sem dar mais detalhes.

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Frei Gilberto disse que episódio deu mais força à causa – Foto: Sarah Torres

Apesar de ninguém ter sido preso e da ameaça, que teve repercussão até no exterior, ter mudado sua rotina, frei Gilberto disse que o episódio deu mais força à causa. “A ameaça não foi ao frade, mas a todo mundo que está se posicionando contra a chegada da mineradora. A comunidade me acolheu e me protege. O dinheiro da mineração pode até solucionar alguns problemas imediatos, mas vai deixar outros ainda maiores e a população já entendeu isso. A água é um bem maior do que o minério”, defendeu.

Provas disso foram lembradas ao longo da audiência. O professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais, Lucas Magno, pesquisador de conflitos ambientais derivados da mineração, lembrou que a bauxita favorece a infiltração de água que forma os lençóis freáticos. Sua exploração pode provocar um irreversível desequilíbrio hídrico e, consequentemente, econômico e social, em toda a região. “De fato, vivemos em uma sociedade que precisa de minério. Mariana (na Região Central do Estado, cenário de uma tragédia ambiental), por exemplo, depende da mineração e uma hora ou outra ela será retomada lá. Mas aqui é irracional minerar”, avaliou.

Exemplo

 Os problemas provocados em outro município da região, Itamarati de Minas, foram citados pelo vereador Reginaldo de Souza Roriz (PSD), membro da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Muriaé, e por um dos líderes dos agricultores da região, Carlos Alberto de Oliveira. Esse último disse também já ter sido ameaçado por pessoas ligadas à mineração. Refém dos royalties por anos, a cidade agora está estagnada economicamente após a desaquecimento da atividade minerária, e com dezenas de nascentes arruinadas, conforme lembrou o vereador.

Consulte o resultado da reunião.

FONTE: http://www.almg.gov.br/acompanhe/noticias/arquivos/2017/06/27_direitos_humanos_ameaca_mineracao_frei_muriae_belisario.html

Conflito em Belisário: Comissão de Direitos Humanos da ALMG realizará audiência pública para discutir violações dos direitos humanos e impactos ambientais da mineração de bauxita

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Em 19 de Fevereiro de 2017 um homem armado ameaçou Frei Gilberto por suas posições contrárias à mineração na Serra do Brigadeiro. A ameaça atingiu um grande conjunto de organizações populares e comunidades que lutam contra a expansão de mineração de bauxita na região.

Com o objetivo de agir contra as sistemáticas violações de direitos humanos cometidos pela CBA / Votorantim na região da Serra do Brigadeiro, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) irá realizar no dia 26 de junho uma audiência pública em Belisário, Muriaé.

O tema da audiência serão as violações de direitos humanos cometidos pela CBA / Votorantim e os impactos ambientais ocorridos e que podem se agravar com o avanço da mineração na região.

Venha participar e somar forças na luta em defesa da vida e contra este projeto de morte que pretende saquear nossas terras!

Juntos somos fortes!

Data: 26/06
Horário: 18:00
Local: GAB em Belisario

Andrea Zhouri do GESTA/UFMG dá aula pública para explicar consequências da explosão das barragens da Samarco (Vale + BHP)

Em BH, pesquisadora expõe as consequências do crime em Mariana em aula pública

Por Jorge Rocha

 

 

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Imagine ouvir, por mais de duas horas, alguém falando sobre mapeamento das condições das famílias afetadas pelo rompimento da barragem de Fundão e as prováveis consequências deste crime, racismo ambiental, crítica ao modelo de negócios impulsionado pela ideia – enviesada e conceitualmente bamba – de desenvolvimento sustentável e deficiências do projeto de lei proposto por Fernando Pimentel para reformar o Sistema Estadual de Meio Ambiente (Sisema). Tantos temas controversos e extremamente importantes para o momento atual abordados nesse espaço de tempo poderiam fundir a cabeça de qualquer vivente, por conta da quantidade de detalhes de cada um deste tópicos e seus desdobramentos sociais práticos. Mas não foi isso que aconteceu ontem, durante o aulão de Andrea Zhouri, professora da UFMG e especialista em ecologia política, movimentos ambientalistas e conflitos socioambientais, realizado no espaço Fôlego Cultural, no centro de BH.

Cada um destes tópicos foi apresentado de maneira clara, direta e efetiva, com explicações plausíveis nos campos político, econômico e técnico, sem firulas; estamos todos precisando ouvir mais falas desse tipo, pode apostar. Andrea Zhouri é desses exemplares de intelectuais – cada vez mais difíceis de encontrar, infelizmente – que se recusa a meramente fincar raízes no mundo acadêmico e ali deitar em berço esplêndido. Com doutorado em Sociologia pela Universidade de Essex, Inglaterra, e mestrado em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas, a professora da UFMG tem um acúmulo de experiências, pesquisas, relatos e artigos acadêmicos críticos e assertivos que falam por si só. Um destes registros que merece ser lido atentamente é o livro “Formas de matar, de morrer e de resistir: limites da resolução negociada de conflitos ambientais”, produzido em parceria com Norma Valêncio e publicado ano passado. Mas ciente de que o papel do intelectual preocupado com a sociedade não se limita por quatro paredes de um gabinete, ela não se furta em estar presente em momentos decisivos da política ambiental.

Por exemplo, Andrea também esteve na audiência pública realizada na Assembléia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), agendada para discutir o PL nº 2.946/15, de autoria do governador de MG, Fernando Pimentel, projeto ao qual faz ferrenha oposição. No aulão de ontem, a professora fez questão de reafirmar sua posição, engrossando as fileiras dos movimentos sociais, associações e sindicatos que acreditam que este projeto de lei possui um “caráter centralizador no poder executivo e a redução do poder do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM)”, conforme explicita textualmente a Nota Pública da Frente Contra o PL 2946-2015. E este é apenas o ponto central a ser destacado; há muito mais a criticar.

E críticas, é claro, não poderiam faltar à condução da Samarco junto às famílias desabrigadas pelo rompimento da barragem, crime ambiental que é de responsabilidade da mineradora, juntamente com a Vale e BHP. Houve a explicitação de um ponto mais elucidativo para essa crítica, a chave para compreender como e por que a mineradora tem agido desse jeito em relação a este episódio – réu sendo responsável por “cuidar e amparar” os desabrigados, sem permitir que haja acesso às famílias e sem dar sinais de que promoverá uma assistência completa, tudo isso com aval do governo estadual. Andrea Zhouri desmistificou a ideia de que não se trata de um conflito socioambiental, como esse episódio tem sido caracterizado. A diferença entre este tipo de conflito e crime ambiental? Conflitos pressupõem negociações onde o lado economicamente mais forte tem vantagens claras; no caso de crime ambiental, não há o que negociar, há apenas fazer com que se cumpra a lei e os prejuízos – materiais, trabalhistas, sociais, etc – sejam ressarcidos. Na medida em que for possível restaurar certos padrões dessas famílias, uma vez que perderam “não somente” suas casas, empregos e familiares, mas sim toda uma comunidade social. Talvez seja essa a grande lição que possamos tirar desse aulão.

(foto da chamada: Frente Terra e Autonomia – FTA)

FONTE: http://crimideia.com.br/miniver/?p=235