Cadê você? Lançamento de filme sobre o desaparecimento de Amarildo

wp-1687618631330 Em julho de 2013, o mundo quis saber  ‘Onde está Amarildo?’, pergunta lançada pelo Rio de Paz, após o assassinato do pedreiro, por PMs, na Rocinha. 

🎬 E para marcar esses dez anos sem resposta, o Rio de Paz lança o documentário “Cadê Você?”, com direção e roteiro do jornalista Humberto Nascimento. 

👥 O longa-metragem conta o drama ainda vivido pela família de Amarildo e de tantas outras pessoas que tiveram seus entes queridos desaparecidos, alguns mortos pelo tráfico e pela milícia ou polícia, mas que vivem a esperança do encontro, mesmo que seja apenas o corpo.

🔇 São relatos emocionantes e fortes que expõem uma realidade cruel sobre os desaparecimentos no Rio que quase nunca são noticiados e nem debatidos.

“Cadê Você?”, longa-metragem de 1h20*

Dia: 13/07/2023

Hora: 20h

Onde: Estação NET Botafogo. Rua Voluntários da Pátria 88, Botafogo/RJ.

É necessário confirmar a presença até 12/07 pelo WhatsApp (21) 97096-4210

Evento no dia do desaparecimento do pedreiro Amarildo discutirá o dilema da segurança pública na ordem democrática

amarildo

No dia 14/07/2015, que marca o segundo aniversário do desaparecimento do pedreiro Amarildo Dias de Souza, o Foro Permanente de Sociologia Jurídica e o de Direitos Humanos realizarão debate na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro/EMERJ sobre AUTOS DE RESISTÊNCIA E DESAPARECIMENTOS: O DILEMA DA SEGURANÇA PÚBLICA NA ORDEM DEMOCRÁTICA.
Estarão na mesa:

  • Desembargador Sérgio Verani
  • Juiz João Batista Damasceno
  • Deputado Marcelo Freixo
  • Advogado João Tancredo 
  • Delegado Orlando Zaccone D’Elia Filho

O evento no auditório térreo da EMERJ das 09:00 às 12:00h.  O auditório fica localizado na Rua Dom Manuel, 25, Centro, Rio de Janeiro.

Mário Magalhães pergunta a Pezão quatro vezes: Cadê o Amarildo? Leia e veja as respostas

Na sabatina, perguntei 4 vezes a Pezão: ‘Cadê o Amarildo?’ Veja a resposta

Por  Mário Magalhães

Nesta quarta-feira, tive a oportunidade de pela primeira vez perguntar frente a frente ao governador do Rio e candidato à reeleição Luiz Fernando Pezão (PMDB): “Cadê o Amarildo?”.

Foi na sabatina UOL-SBT. Participei com os colegas Isabele Benito, Kennedy Alencar e Humberto Nascimento.

Hoje, sexta-feira, a sabatina será com o candidato Marcelo Crivella (PRB), a partir das 18h45.

A íntegra da sabatina com Pezão pode ser assistida clicando aqui.

No vídeo, a conversa sobre o Amarildo está mais no começo, a partir de 3 minutos e 6 segundos.

Abaixo, transcrevo o diálogo.

MM: Governador, o esquecimento é amigo da barbárie. Ontem à noite fez um ano e três meses que o operário da construção civil Amarildo de Souza foi detido por policiais da UPP da Rocinha e desapareceu para sempre. No último debate do primeiro turno, um adversário seu indagou pelo paradeiro do Amarildo. Primeiro, o senhor riu. Depois, tergiversou. Há interesse público nessa questão, o que define a legitimidade jornalística da pergunta: governador Pezão, por favor, o senhor poderia responder, objetivamente, cadê o Amarildo?

Pezão: Mário, eu ri da maneira que ele perguntou. Todo o auditório que estava ali, todos os candidatos que estavam ali riram porque ele perguntou de uma forma…

MM: Eu, em casa, não vi graça, governador.

Pezão:  O quê?

MM: Eu não vi graça…

Pezão: O jeito que ele perguntou. Agora, é muito triste e cruel ter sumido esse operário. Quem cortou na própria carne fomos nós. E quem descobriu que o Amarildo tinha sido conduzido pelos policiais foram as nossas câmeras de monitoramento lá dentro da Rocinha. Um território que quando nós chegamos aqui, de 101 mil pessoas, onde as pessoas moravam ali em São Conrado, atravessavam uma avenida e caíam num mundo ilegal. Então nós descobrimos. As investigações foram nossas.

MM: O corpo do Amarildo nunca foi entregue à família.

Pezão: Mas tem uma investigação, tem policiais presos, pelo monitoramento que nós fizemos dentro dessa comunidade. Não se entrava dentro da Rocinha. Não tinha uma delegacia dentro da Rocinha Hoje você vai lá tem uma delegacia lá dentro, que permite que a gente vá lá e cumpra mandado de prisão. Tem 800 homens dentro da Rocinha. Então nós estamos investindo na segurança. Eu não quero aqui acobertar nenhum erro de nenhuma parte dos policiais. Foi chocante para o nosso governo e para a nossa polícia, para a área de segurança. A gente sofreu com o desaparecimento desse operário. E o que eu estou me propondo cada vez mais é investir na formação desse policial, melhorar cada vez mais a formação desse policial, fazer o que a gente está fazendo. Antigamente, aqui no Estado, quem ia dar instruções para um PM que ia se formar, que passou no concurso… era uma penitência, uma pessoa que tinha cometido um erro ia dar aula, era instrutor. Hoje nós temos um banco de talentos onde os professores recebem uma hora-aula melhor do que um professor da UFRJ…

MM: E eu pergunto novamente, governador: cadê o Amarildo?

Pezão: Nós investigamos, a Secretaria de Segurança investigou, os policiais estão presos, está tendo um inquérito, está seguindo o rito que manda todo o processo. Agora…

MM: Cadê o corpo para a família poder enterrar?

Pezão: Mário, sumiam não era um Amarildo nesse Estado, não. Eram diversos Amarildos por dia.

MM: O senhor tem falado isso, governador, mas pergunta é: cadê o Amarildo?

Pezão: Mário, nós estamos num regime democrático, a polícia está investigando, o inquérito está correndo…

MM: Eu nunca mais ouvi falar de investigação para encontrar o corpo do Amarildo.

Pezão: Está na Justiça, vai para a Justiça…

MM: A Justiça não investiga, governador.

Pezão: Vai ter o julgamento desses PMs, eles vão ser lá, vai ter o inquérito, seguir o processo.

MM: Isso o julgamento. Mas a investigação para encontrar o corpo e entregar para a família, para a família ter o direito de enterrar, se despedir do Amarildo.

Pezão: A Delegacia de Homicídios nossa, Mário, saiu de 4,5% de elucidação de crimes nesse Estado para 27,5%. Não é o ideal, mas o aumento é significativo. E nós estamos investindo. É um processo. Nós contratamos 1.500 policiais civis, 150 delegados, e vamos continuar a investir em segurança pública. Agora, é bom ressaltar que todas essas comunidades que nós ocupamos, onde hoje têm mais de 450 mil pessoas libertas, sumiam diversos Amarildos por dia.

FONTE: http://blogdomariomagalhaes.blogosfera.uol.com.br/2014/10/17/na-sabatina-perguntei-4-vezes-a-pezao-cade-o-amarildo-veja-a-resposta/

Mário Magalhães disseca o riso de Pezão ao ser perguntado sobre está o corpo do pedreiro Amarildo

Na Globo, Tarcísio pergunta a Pezão: ‘Cadê o Amarildo?’ E o governador ri

Por Mário Magalhães

pezao ri

País afora, eleitores se queixaram do nível dos candidatos nos debates da TV Globo que começaram na noite de ontem e entraram pela madrugada de hoje.

Pois no Rio o encontro dos concorrentes ao Palácio Guanabara prestou um enorme serviço aos eleitores. Deixou mais claro, para o bem e para o mal, quem é quem. Os cinco participantes capricharam: pela primeira vez na campanha, poucas vezes estouraram o tempo estabelecido para falar.

Oscilando nas pesquisas com 1% a 2% de intenção dos votos, Tarcísio Motta (PSOL) foi um dos dois protagonistas do debate, ao questionar o outro, o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB). O professor de história desfiou estatísticas sobre pessoas desaparecidas no Estado e fustigou:

“Eu quero te dar a chance de responder: Pezão, cadê o Amarildo?”

Espantosamente, a primeira reação do postulante à reeleição foi rir.

Isso mesmo: Pezão riu.

E não só ele: parte da plateia presente no estúdio _assessores, correligionários e jornalistas_ quase gargalhou.

Acharam engraçada a indagação sobre o pedreiro morto na tortura por PMs em 14 de julho de 2013 e cujo corpo até hoje não foi devolvido à família.

Pezão esgrimiu números e argumentos, mas não escapou de ouvir a observação de Tarcísio Motta sobre o riso.

Para assistir à cena insultuosa, basta clicar aqui e ver de 1 hora, 0 minuto e 11 segundos a 1 hora, 4 minutos e 30 segundos.

No mais, tudo como dantes: o Datafolha divulgou ontem levantamento em que Pezão aparece com 31%; Anthony Garotinho (PR), com 24%; Marcelo Crivella (PRB), com 17%; e Lindberg Farias (PT), com 11%.

A não ser que ocorra surpresa, Pezão e Garotinho se confrontarão no segundo turno.

Hoje, Pezão venceria por 50% a 33%. A diferença de 17 pontos é ampla, mas caiu 7 pontos desde a semana passada.

FONTE: http://blogdomariomagalhaes.blogosfera.uol.com.br/2014/10/01/na-globo-tarcisio-pergunta-a-pezao-cade-o-amarildo-e-o-governador-ri/

Amarildo e Douglas

Por Frei Betto*

Primeiro, mataram Amarildo de Souza. Ajudante de pedreiro, pai de família, reputação ilibada, caiu em mãos de policiais da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da favela da Rocinha, no Rio, e desapareceu.

Sabe-se, hoje, que sofreu espancamentos até a morte atrás da cabina da Policia Militar, na Rocinha. Seu corpo continua desaparecido. Paira a suspeita de que teria sido triturado em uma caçamba de caminhão de lixo.

Agora assassinaram o bailarino Douglas Rafael Pereira, encontrado morto, com um tiro nas costas, na creche da favela Pavão-Pavãozinho, na divisa de Copacabana com Ipanema. Testemunhas viram-no em mãos de policiais militares da UPP local.

Favela não é reduto de bandidos nem a Polícia Militar uma corporação de assassinos. Moram em favelas famílias trabalhadoras sem recursos para adquirir um imóvel melhor ou pagar aluguel em áreas urbanizadas, dotadas de saneamento e vias asfaltadas.

Há, sim, entre os moradores da comunidade, bandidos e traficantes de drogas, assim como eles também são encontrados em bairros como o Morumbi de São Paulo e a Barra da Tijuca, no Rio, onde residem famílias de alto poder aquisitivo.

Nas décadas de 1970-80, a expansão de movimentos populares no Brasil se estendeu para o interior das favelas. Por razões pastorais, morei na de Santa Maria, em Vitória, entre 1974 e 1979. Naqueles cinco anos participei de uma comunidade relativamente bem organizada em torno do Centro Comunitário. No Rio e em São Paulo multiplicavam-se Associações de Moradores.

Em fins dos anos 1980 e início da década seguinte, lideranças comunitárias da periferia começaram a ser cooptadas por prefeitos e governadores. Como ocorre hoje com a UNE e as centrais sindicais, as entidades comunitárias perderam credibilidade na medida em que se transformaram em agentes do poder público junto à população, quando deveriam atuar na direção inversa.

A acefalia abriu espaço ao narcotráfico, que passou a monitorar favelas e bairros da periferia. Na ausência de serviços públicos básicos, o narcotráfico desempenha o papel de assistente social, assegurando tratamento de saúde, bolsas de estudos, transporte e crédito aos desfavorecidos.

Por sua vez a PM, um resquício da ditadura, tornou-se, no Rio e em São Paulo, o avatar na guerra contra o narcotráfico. A ação preventiva deu lugar à mera ação repressiva. Sem preparo pedagógico e psicológico, policiais militares encaram moradores de favelas como o governo dos EUA jovens muçulmanos: todos são suspeitos até prova em contrário.

Como declarou um amigo e vizinho de Douglas, os PM tratam os moradores da favela com arrogância. Muitos não admitem que a pessoa abordada mire em seus olhos. Sentem prazer sádico em ver o cidadão humilhado, de cabeça baixa, suplicando por clemência. Achacam o comerciante local, bebem e comem de graça em bares e lanchonetes da comunidade, recebem propinas do narcotráfico para fazer vista grossa frente ao crime organizado.

O governo do PMDB no Rio, com apoio do PT, acreditou ter inventado a roda ao instalar UPPs em áreas de conflitos. Cometeu duplo erro: por não fazer os serviços públicos acompanhar a entrada de policiais nas comunidades e por não capacitar os integrantes das UPPs.

A ação repressiva não veio casada com a ação educativa. Crianças e jovens continuaram sem escolas de qualidade, oficinas de arte, áreas de lazer e esportes. E por vestirem uma farda e portarem armas, PMs se arvoram em senhores acima do bem e do mal. Revistam um trabalhador como um senhor de engenho tratava um escravo em tempos coloniais.

O estranho é que muitos policiais, moradores em favelas, não se reconhecem em seus amigos de infância e vizinhos, e agem como se não fossem um deles.

Amarildo e Douglas, como tantos outros anônimos, foram sacrificados pela prepotência. Quem será a próxima vítima?

Amarildo e Douglas são mortos insepultos. Seus sacrifícios clamam por um Estado que efetivamente reduza a desigualdade social, construa mais escolas que prisões, incuta nos policiais o sagrado respeito aos direitos humanos, e puna com rigor bandidos de colarinho branco e assassinos fardados.

Se até hoje o Estado brasileiro não obrigou as Forças Armadas a abrir os arquivos da ditadura nem puniu os torturadores, não é de se estranhar que policiais se sintam no direito de ignorar a lei e a cidadania, para agir como se fossem apenas UPPs – Unidades de Policiais Pervertidos.

Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.

(Adital)

FONTE: http://www.mercadoetico.com.br/arquivo/amarildo-e-douglas/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=mercado-etico-hoje

Sonho das UPPs cariocas virou pesadelo

Astrid Prange, da redação brasileira da Deustche Welle (Voz da Alemanha)

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Era bom demais para ser verdade. Quando em dezembro de 2008, policiais e soldados ocuparam a primeira favela do Rio de Janeiro, sequer um único tiro foi disparado. De lá para cá, cerca de 40 das 300 favelas cariocas foram “pacificadas”. Traficantes de drogas tiveram que se mudar e procurar novos pontos de venda.

Mas, a menos de 50 dias da Copa do Mundo, o milagre parece estar se esfacelando perante a realidade. A aproximação do torneio de futebol parece atiçar os conflitos que estavam há tempos latentes dentro da sociedade brasileira. As recentes batalhas de rua em Copacabana mostram claramente que ficou para trás o tempo em que no Brasil as questões sociais eram simplesmente “resolvidas” com violência policial.

Ironia do destino, exatamente o governo do PT é que começa a sentir a revolta popular. Seus programas sociais tiraram nos últimos anos milhões de pessoas da pobreza. No entanto, o avanço social foi acompanhado por uma grande desilusão, pois muitos brasileiros logo se deram conta que o crescimento da renda não vem automaticamente acompanhado por mais direitos civis. A revolução da justiça social proclamada pelo PT se volta, paradoxalmente, contra seus próprios criadores.

A diferença entre sonho e realidade é enorme. Mesmo se hotéis de luxo são inaugurados em favelas com vista para o mar, o contraste há séculos existente entre as comunidades negligenciadas e as partes privilegiadas da cidade não foi superado. Moradores das favelas continuam tendo que se contentar com escolas deficitárias, empregos mal remunerados e um sistema de saúde sucateado. Os progressos muitas vezes permanecem longe das expectativas.

E mais: quem mora na favela ainda é considerado como um potencial traficante ou assaltante. A última vítima desse preconceito implacável foi o ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, desaparecido desde o ano passado, após ser detido “por engano”, confundido com um traficante por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha. Testemunhas afirmam que ele foi torturado até a morte. Dez policiais militares envolvidos no incidente estão presos.

O caso Amarildo enterrou para sempre a esperança de uma polícia nova e realmente pacífica. O desejo inicial de moradores de favelas de, finalmente, serem tratados com respeito pela polícia se transformou numa rejeição generalizada ao novo conceito de polícia pacificadora, deixando patente a certeza de que a tortura ainda é um método usado pela polícia brasileira quase 30 anos após o fim da ditadura militar.

Ainda não foi esclarecido se o dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira, encontrado morto na terça-feira na favela Pavão-Pavãozinho, foi mais uma vítima dessa violência policial arbitrária. A guerra diária entre polícia e traficantes de drogas pode custar a vida de mais outros inocentes, como Amarildo. A história de sucesso da polícia pacificadora precisa de um milagre para virar realidade.

FONTE: http://www.dw.de/opini%C3%A3o-sonho-das-upps-cariocas-virou-pesadelo/a-17592359

Amarildo, Cláudia e Douglas: as faces conhecidas do extermínio

A violência policial de hoje é apenas um subproduto da impunidade que foi dada de presente para os agentes do regime militar de 1964. A continuidade da tortura e do extermínio não é casual e não acontece por acaso, pois está intrinsecamente ligado ao modelo de contenção e segregação social que as oligarquias brasileiras vem mantendo de forma quase intocada as bases do Estado fundado sob o tacão do trabalho escravo, principalmente dos negros africanos que foram trazidos à força para trabalharem até morrer no interior dos latifúndios. 

Uma leitura recente que fiz do volume 1 da obra “A integração na sociedade de classes” do sociólogo e militante marxista Florestan Fernandes me trouxe um pouco mais de clareza de como a transição para a república manteve intacto o modelo de capitalismo implantado no Brasil, e que explica porque nunca tivemos uma superação da ordem opressiva estabelecida pela Coroa Portuguesa. Nesse caso, o próprio golpe militar de 1964 se insere nesse esforço de manter o status quo intacto. E nada mais coerente que ter no Rio de Janeiro um modelo de repressão violenta dos pobres que são majoritariamente negros, pois aqui se expressou essa ordem desigual de forma ímpar.

Mas que seriam das análises sociológicas se não tivéssemos indivíduos de carne e osso para deixar escancarado aquilo que nem a melhor das análises teóricas jamais conseguirá fazer. E no caso do extermínio de pobres em curso no Rio de Janeiro sob a égide do (des) governo comandado por Sérgio Cabral e Luiz Fernando quem melhor do que Amarildo Dias de Souza, Cláudia Silva Ferreira e Douglas Rafael da Silva Pereira para nos tirar o véu da ignorância? Por esses três e por todos os aqueles que não tiveram nem o breve momento de reconhecimento de seu extermínio, é que não podemos aceitar passivamente que o que está send feito seja colocado como perdas colaterais na busca de nossa segurança coletiva. O fato é que aceitarmos isso, seremos todos cúmplices declarados. Simples assim.

amarildo 

Amarildo, pedreiro, morador da Rocinha, assassinado e desaparecido desde sua morte em julho de 2013.

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Cláudia, auxiliar de serviços, moradora do Morro da Congonha, teve seu corpo arrastado no asfalto na caçamba de um carro da Polícia Militar em 16/03/2014

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Douglas, mototaxista e dançarino, morador da Favela Pavão-Pavãozinho, foi espancado até a morte após ser confundido com um traficante em 22/04/2014

FSP: Novos ‘Amarildos’ surgem após violência policial no Rio

LUIZ FERNANDO VIANNA, ESPECIAL PARA A FOLHA, DO RIO

A revolta provocada pela morte do pedreiro Amarildo de Souza, torturado na sede da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Rocinha em julho, criou ou renovou forças em mulheres que buscam justiça para seus parentes, alvos de agentes do Estado.

Amiga de uma irmã de Amarildo e moradora há 50 anos da favela, a diarista Maria de Fátima dos Santos Silva, 54, nunca procurou advogados ou promotores para falar sobre o caso do seu filho.

Hugo Leonardo dos Santos Silva, 33, foi assassinado em 17 de abril de 2012, quando a ocupação policial preparava a instalação da UPP na favela. Mirelle Araújo, sua irmã, conta que viu cinco policiais, dois civis e três militares, indo atrás dele num beco.

Quando ela chegou ao lugar, o primeiro tiro já tinha atingido a barriga de Hugo. O disparo provocou uma discussão entre os policiais. Mas outros dois tiros foram dados. O último acertou a cabeça.

  Marcio Isensee e Sá/Folhapress
Viviane (à esq.) e Daiana, respectivamente, irmã e mulher de presos, dizem que eles são inocentes
Viviane (à esq.) e Daiana, respectivamente, irmã e mulher de presos, dizem que eles são inocentes

O caso foi registrado na 15ª DP (Gávea) como auto de resistência, que é quando há troca de tiros. Nunca foi apresentada, porém, a arma com que Hugo estaria.

Ele, que deixou dois filhos, trabalhava como entregador e fazia “fretes” na Rocinha – levava cargas nos ombros a partes altas da favela.

“Ele era usuário de drogas, mas não era traficante. Os policiais perseguiam, ficavam querendo que ele apontasse o pessoal do tráfico”, afirma Maria de Fátima.

Ela diz não ter feito nada antes porque sua família foi ameaçada. Depois do caso Amarildo, tem participado de manifestações e se informado sobre como reivindicar seus direitos.

“No dia em que o Hugo morreu, passou na TV: ‘mais um traficante morto em troca de tiros’. Isso não sai da minha cabeça. Preciso limpar o nome dele”, diz ela, para quem a violência policial aumentou com a UPP. “Têm muitos Amarildos e Hugos Leonardos por aí.”

‘VEM COMIGO’

Em 13 de julho, a Operação Paz Armada subiu a Rocinha com 20 mandados de prisão temporária e desceu com 58 detidos. Um dos excedentes era Ricardo Santos Rodrigues da Silva, 34, que nos três meses anteriores vinha denunciando abusos de PMs da UPP.

Já tinha sido detido por desacato ao brigar com um policial que o mandou interromper uma festa que organizava. Na madrugada do dia 13, segundo conta em carta escrita àFolha, estava desmontando os brinquedos infantis de outra festa quando um policial lhe disse: “Vem comigo, Ricardinho”.

Conhecido na favela como Ricardo PSV, alusão ao nome do time em que jogava futebol às quintas-feiras, ele disse que era engano, reagiu, foi agredido e levado para a sede da UPP.

“A sorte é que ele disse: ‘Conheço o pessoal dos direitos humanos. Se fizerem algo comigo, vocês vão se ferrar’. Podia ter sido outro Amarildo”, conta sua mulher, Daiana Azevedo, 28.

Ela está cuidando da lan house do casal. Perdeu o emprego num restaurante por causa das visitas a Bangu 4, todas as quartas e sábados.

Nos dias 6 e 7 de novembro, duas reportagens da imprensa do Rio, baseadas em informações da polícia, afirmaram que Ricardo Santos Rodrigues da Silva, conhecido como Ricardinho 157, estava participando de uma guerra entre facções rivais.

Além da confusão de nomes -pois existe um Ricardinho e um Rogério 157, mas nenhum deles é Ricardo PSV- o homem que a polícia dizia estar dando tiros na rua estava, na verdade, preso havia quatro meses.

“Não queria que ele se envolvesse com direitos humanos, porque sei que todos acabam perseguidos pela polícia. Mas agora eu mostro a cara. Ele não tem mulher, tem uma aliada”, afirma Daiana.

Amigo de Ricardo, Victor Hugo da Silva, 26, estava desempregado em 13 de julho, quando foi levado com outros homens para uma casa em que policiais perguntaram sobre armas e drogas e fizeram ameaças.

Embora sem antecedentes criminais, está até hoje em Bangu 4, onde outros presos o chamam de “chorão”, por causa de seu desespero permanente. Ele e Ricardo ainda não prestaram depoimento, seja à polícia ou à Justiça. Victor diz, também em carta à Folha, que só em agosto, no presídio, descobriu que era acusado de ser um dos gerentes do tráfico na Rocinha.

“Você acha que, se ele fosse gerente do Valão (área da favela), moraria aqui e eu não teria dinheiro nem para visitá-lo na prisão?”, pergunta Viviane da Silva, 27, no apertado quarto do irmão.

Ela perdeu um emprego para se dedicar à libertação de Victor, que tem três filhas. Ajudante de pedreiro, Bruno Fernandes Pinheiro, 23, está em Bangu 4, embora sem ligação comprovada com o tráfico. Escreveu carta contando que tem carteira assinada. Em 2007, o governador do Rio, Sérgio Cabral, chamou a Rocinha de “fábrica de produzir marginal”.

FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/12/1382407-novos-amarildos-surgem-apos-violencia-policial-no-rio.shtml

Formandos da UFF elegem o pedreiro Amarildo como patrono da turma

A turma de Arquitetura e Urbanismo: foco na responsabilidade social

A turma de Arquitetura e Urbanismo: foco na responsabilidade social Foto: Divulgação

 

 

Ana Carolina Pinto

Em um ano marcado por manifestações populares em todo o país, os 16 jovens formandos de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF) mostraram que estão antenados com os acontecimentos no Brasil e escolheram como patrono da turma o pedreiro Amarildo de Souza, torturado e morto por policiais da UPP da Rocinha, comunidade carioca onde morava.

– A gente não pode fechar os olhos para o que está acontecendo. Escolher um arquiteto seria a escolha de qualquer turma de Arquietetura. Os jovens estao acordando e achamos que essa colação seria um bom momento de mostrar que nós também temos esse foco. Os professores tentam deixar isso bem presente para a gente. A paraninfa, professora Sonia Ferraz, de Teoria da Habitação, foi escolhida por este trabalho também, de reflexão. Os dois formam um conjunto da crítica politico social da turma – conta Amanda Barros Ferreira, de 24 anos, formanda que participou da organização da cerimônia.

Luana Fonseca Damásio, responsável pelo discurso junto com Bruno Amadei, enfatiza ainda a tradição de pensamento crítico da Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFF.

– Escolhemos o pedreiro Amarildo pois muitos de nós não estão satisfeitos com o modo como a arquitetura do mercado e das instituições corrobora com um modelo de cidade excludente e baseado nos interesses do capital. Essa tradição de pensamento crítico é mantida por uma série de professores ao longo dos anos, inclusive o falecido professor Carlos Nelson Ferreira dos Santos, uma referência nacional.

A escolha do patrono foi feita no grupo que a turma mantém no Facebook, através de uma enquete. Vários nomes foram sugeridos, mas o de Amarildo foi o que teve maior força.

Confira o discurso na íntegra

“O patrono desta turma foi auxiliar de pedreiro. Dedicava-se a executar, com mente, mãos e músculos, o que nós, arquitetos, planejávamos em nossas telas de computador. Seu nome era Amarildo. Pensar no pedreiro Amarildo é pensar no trabalho alienante (no escritório e no canteiro), na divisão social do trabalho, na mão-de-obra executora, afastada do conhecimento… Em uma realidade que reserva a nós, arquitetos, um diploma em mãos, e a ele sacos de cimento nos ombros. Mas é também pensar na potência da autoconstrução, do conhecimento encarnado de quem todos os dias experimenta, improvisa, se desdobra e constrói um saber arquitetônico que a academia não ensina. Ser o homem Amarildo é viver na favela da Rocinha, que, como o professor Gerônimo nos lembra, tem o mais alto índice de tuberculose da cidade. É habitar uma casa e percorrer ruas sem condições básicas de habitabilidade, de segurança, de salubridade. É saber que a Rocinha não precisa de teleférico. Talvez precise, mas antes precisa de coleta de lixo e saneamento de qualidade, dos quais se tem direito apenas na limpa cidade dos ricos. Falar em Amarildo é falar do Morro da Catacumba, na Lagoa, da Praia do Pinto, no Leblon, do Morro do Pasmado, em Botafogo; algumas das favelas apagadas da paisagem carioca. É falar, mais recentemente, da Vila Autódromo e das portas marcadas do Morro da Providência. É falar da gestão municipal que mais removeu no último século e dos tantos mil cariocas que, às custas de um sonho olímpico, têm ameaçado o seu inalienável direito à moradia. É falar do déficit habitacional e, ao mesmo tempo, da política de governo que há décadas vem esvaziando os centros e lotando as favelas e periferias das grandes cidades. É falar dos sem-teto, das ocupações Machado de Assis, Zumbi dos Palmares, Quilombo das Guerreiras, removidas ou ameaçadas de remoção. Saber da prisão, tortura e morte de Amarildo implica em ter o dever de saber da política pública de segurança higienista, da violência policial injustificada e injustificável. Do projeto de segurança e de cidade que extermina a juventude pobre, negra e favelada. Amarildo não foi o primeiro. É saber que estamos a mercê dos desmandos de um Estado que aumenta a cada dia o efetivo policial, constrói mais prisões, instala mais câmeras e atira mais balas de borracha nos professores em greve; ao passo que destrói casas e bairros construídos com suor e autonomia corajosa. Escolher como patrono um pedreiro é apenas um lembrete acerca do compromisso ético que firmamos enquanto arquitetos, de entender quem são os Amarildos, onde moram, como moram, porque moram. Mais que fazer uma homenagem, afirmamos: somos também Amarildos e seguiremos perguntando por ele e por todos os outros.”

 

FONTE: http://extra.globo.com/noticias/educacao/vida-de-calouro/formandos-da-uff-elegem-pedreiro-amarildo-como-patrono-da-turma-10944373.html#ixzz2mQZT8Nag