De volta para junho de 2013

Manifestações contra PEC da Blindagem e anistia de Bolsonaro mobilizam ruas  contra Congresso - BBC News Brasil

Percorrendo as redes sociais, sítios da mídia alternativa e também da corporativa dá para ver que as manifestações de hoje foram razoavelmente grandes, causando surpresa até em quem foi protestar contra a PEC da Blindagem e a concessão da anístia política aos golpistas de janeiro de 2023.  Há quem esteja dizendo que hoje é uma espécie de reencontro da esquerda com as ruas, de onde saíram após as jornadas de protesto de 2013. 

De um lado há que se dizer que em um país onde a ação política está muito aquém do que a realidade demanda, ver essa reação do chamado “campo progressista” às movimentações da Câmara de Deputados é efetivamente animador. É que vivemos um longo período de tempo em que a extrema-direita é que ditou a dinâmica das manifestações de rua, ocupando o vácuo deixado por quem, em minha opinião, leu errado a mensagem deixada pelos protestos massivos que a juventude brasileira liderou em junho de 2013 contra as condições de carestia que impunham graves dificuldades aos trabalhadores.

Agora, 12 anos depois e com a manutenção objetiva de políticas de governo que asfixiam a vida dos trabalhadores em prol da manutenção dos grandes ganhos auferidos pelo rentismo. E há que se dizer que as condições gerais de vida dos brasileiros piorara muito desde 2013.  Ainda que os números oficiais sobre emprego e inflação mostrem que a coisa não está tão ruim, a verdade é que a maioria dos brasileiros experimenta hoje muitos problemas para acessar direitos básicos, o direito à alimentação sendo um deles.

Mas com a vigência das restrições impostas pelo contínuo arrocho das contas públicas e o encurtamento dos serviços públicos, o que temos é uma degradação objetiva das condições de vida, especialmente entre os que compõe os segmentos mais pobres da população brasileira.

Por isso, há que se desafiar a noção de que a energia que apareceu nas manifestações de hoje refletem apenas descontentamentos pontuais com o congresso. A minha impressão é que o desejo dos ideólogos do governo Lula é que se acredite nisso, deixando as políticas neoliberais de fora da equação. Mas até para fazer justiça para quem sinceramente foi às ruas hoje, há que se empurrar as demandas para além do congresso. Afinal, como já disse aqui nesse blog, esse congresso por mais esdrúxulo que parece é apenas um reflexo do que querem as elites que controlam esse país com mão de ferro.

Jair Bolsonaro e os múltiplos riscos de se dormir com o inimigo

Por Douglas Barreto da Mata

A despeito das disputas de narrativas sobre o tamanho da audiência na manifestação dos partidários do ex-presidente Jair Bolsonaro, algumas considerações merecem ser feitas.  Primeiro, nem o Supremo Tribunal Federal (STF), nem qualquer outra pessoa que defenda a Lei de Anistia, promulgada em pleno regime militar, em 1979, que depois teve sua constitucionalidade confirmada pelo STF, já em tempos “democráticos”, poderá subtrair a legitimidade do pedido dos manifestantes pró Anistia dos criminosos do 8 de janeiro de 2024.

Ora, qual o argumento para impedir esse debate político e legislativo, se a sociedade brasileira aceitou a aberração jurídica da (auto) anistia dos militares, sendo que uma parte de seus crimes ainda está em andamento, já que os sequestros sem a recuperação dos corpos mantêm a consumação em estado de permanência, além de que outros, como a tortura, são imprescritíveis e não suscetíveis de anistia, fiança, graça ou indulto, conforme todos os tratados que somos signatários?

Mais ainda, qual será a tese jurídica esposada pelo STF, uma vez provocado a declarar a inconstitucionalidade da lei, como já anteciparam os que são contrários à anistia, já que foi essa corte a deitar jurisprudência para tornar constitucional a anistia a criminosos que sequer foram investigados, já que militares não foram indiciados, investigados, processados, e sentenciados pelos crimes bárbaros e, mesmo assim, perdoados?

Me parece, mas posso estar enganado, que estamos diante da figura do direito penal do inimigo. Bem, dito isso, vamos ao evento deste dia 16/03/2025.  Jair Bolsonaro não reuniu essas pessoas na orla carioca de Copacabana para pressionar o Congresso ou o STF. Penso que não. Jair Bolsonaro sabe que não vão converter ninguém, nem fazer com que mudem de posição pelo volume de apoio que recrutar a sua causa. Sua demonstração de força, ou tentativa, a depender de quem olhar a manifestação, não foi dirigida aos adversários da ideia.

Jair Bolsonaro sabe que seu impedimento, isto é, a impossibilidade da anistia é o encurtamento de sua carreira, mas é um atalho para muita gente que sonha em herdar seu capital político, e adiantar etapas na corrida para concorrer ao Planalto.  Muita gente que esteve em seu palanque, hoje, e em outros eventos, já faz as contas para jogar o ex-presidente para fora do páreo.  Possivelmente, a presença ao lado do ex-presidente é um gesto calculado para mantê-lo como cabo eleitoral.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, é um interessado direto na interdição de seu líder político. Há outros, mas talvez ele seja o principal.  Contra ele, a história.  É muito raro, principalmente nesses últimos 40 anos, que um governador chegue ao Planalto.  Só um teve sucesso, Fernando Collor.  Itamar Franco governou Minas Gerais, mas depois foi senador, e mesmo assim, chegou por impeachment como vice do presidente alagoano.  Mesmo antes, dentre os demais, antes de 64, só Juscelino Kubitschek (JK) conseguiu a façanha. A eleição presidencial requer uma capilaridade que o exercício do cargo de governador é um grande obstáculo, sejam pelas atribuições e desgastes do cargo, sejam pelas enormes arestas regionalistas que acumulam, durante esses mandatos. Lula foi deputado federal, Jair Bolsonaro idem.  Dilma não ocupou cargo eletivo, foi ministra. Michel Temer golpeou Dilma. FHC foi senador, mas se elegeu presidente a partir do cargo de ministro da Fazenda.  Collor governador e Sarney eleito indiretamente. Jango era vice de Jânio. JK, governador. Getúlio Vargas, bem, Vargas foi Vargas.  Antes de 1930, o jogo era definido entre as oligarquias de Minas Gerais e São Paulo.  Nesse inventário de presidentes, apenas dois governadores.

Se Tarcisio de Freitas vai ter sucesso ou não, uma coisa é certa, a anistia é um obstáculo às suas pretensões e de outros pré-candidatos.  Na política, como se vê, o inimigo está bem mais próximo do que se imagina. Eu arriscaria a dizer que no caso de Jair Bolsonaro, talvez ele durma com o inimigo(a), ou compartilhe com ele mais que uma herança genética, além da política.

Anistia para o 08 de janeiro de 2023: a história se repete como mais como farsa do que tragédia

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Por Douglas Barreto da Mata

Em 1979, o governo militar armou uma grande negociata jurídica e política, a Lei de Anistia, a famigerada Lei 6683/1979.  Foi o que chamamos de crime perfeito. Depois de utilizarem o Estado como aparato de terror, mortes e torturas, o regime instalado em 1964, com e sem fardas, ofereceu uma anistia às vítimas, desde que os algozes também fossem considerados impunes.

Caso único na América Latina, onde todos os países, de um jeito ou de outro, processaram, julgaram, e alguns, prenderam os jagunços militares das elites econômicas, o Brasil entubou tudo, e varreu para baixo do tapete.

Até hoje, parentes de mortos e desaparecidos perambulam pelos corredores de governos, em busca de alguma reparação, e até de alguma injustiça qualificada, como Rui Barbosa chamou a justiça atrasada. Mesmo assim, lhes é negada inclusive a memória, como quis o presidente Lula, que mandou todos superarem o golpe de 64.

Vergonha.  Como vergonhoso foi o julgamento da constitucionalidade da aberração legal da anistia de 1979, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Este mesmo tribunal que se enche de “coragem” para julgar e prender os baderneiros de 08/01/2024.

Que fique claro, como disse meu amigo George Gomes Coutinho, em conversa recente, não houve tentativa de golpe em 08/01/2024, mas um levante/baderna popular, cozinhada desde muito antes, com interdição de estradas, piquetes em frente às instalações do exército, etc.

08 de janeiro de 2023 foi a eclosão desses eventos, um tipo de misticismo político, como se os baderneiros esperassem a volta de Ulstra, ou d’O Conde (ver filme Netflix, sobre Pinochet).  Como os militares não receberam o comando dos seus superiores, os EUA, sem EUA, nada feito.  Afinal, golpe no Brasil só com o “ok” dos EUA. Ponto final!

E mais, golpe no Brasil não precisa de disrupturas violentas, mas basta o que foi feito em 64, quando Jango enfiou o rabo entre as pernas, quando o Tio Sam disse ao que vinha, com a IV Frota estacionada no Atlântico Sul, ou como em 2016, muito mais fácil ainda, com o derretimento de Dilma com o consórcio poder judiciário (com STF, com tudo), mídia, elites econômicas e o centrão legislativo.

Quando Lula abriu mão de seu papel institucional de enfrentar os fascistas de Bolsonaro, e delegou ao STF, leia-se Alexandre de Moraes, caiu em uma armadilha, isto é, mais uma. Moraes, onipotente, proferiu sentenças draconianas, excessivas e jogou Lula e o frágil acordo político que o sustenta em uma sinuca de bico. Se mantidas as sentenças, permanece a tensão e mobilização dos grupos pró-anistia, se concedida a anistia, Lula e sua base são desmoralizados.

Outro crime perfeito, não?  Do ponto de vista da lógica jurídica, esse STF que viu constitucionalidade em uma lei que perdoou torturadores e assassinos, qual o problema de perdoar gente que cagou em cima de uma mesa de um prédio qualquer?

Os petistas devem estar de cabelo em pé, porque pressentem que o acordo pela anistia está em andamento, onde o presidente Lula parece imaginar que conseguirá aumentar sua influência na eleição para mesa diretora da Câmara Federal, compondo, justamente, com o bolsonarismo que exige a anistia como condição para apoio desta sucessão da casa de leis.

Também há outra frente em jogo, como já mencionei aqui.  Se Guilherme Boulos enfrentar Pablo Marçal, é bem possível que conversas sejam encaminhadas para atrair os eleitores de Nunes, candidato do bolsonarismo.

Diante de tudo isso, é engraçado assistir algumas figuras do PT de Campos criando referências fantasiosas sobre a existência de um campo bolsonarista, como ponto em comum entre as candidaturas do atual prefeito e da delegada, como se isso trouxesse alguma redenção pelas escolhas trágicas da coordenação da campanha e de seu candidato.

É melhor não olhar para cima, não é mesmo?