Cheiro de Belo Monte no ar

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Há uma grande diferença entre ambição e cobiça: a primeira pode ser uma coisa boa; a segunda, jamais. Exemplos práticos: o atual governo tem a ambição de transformar o Brasil na maior potência ambiental de fato; porém, o mesmo grupo político que hoje está no poder foi movido pela cobiça quando construiu Belo Monte. A hidrelétrica, que gera mais prejuízos que energia, está lá, desde 2016, como lição a ser aprendida – para que erro igual não seja repetido. Por isso, causa preocupação a declaração do presidente Lula de que “se explorar esse petróleo tiver problema para a Amazônia, certamente não será explorado, mas eu acho difícil, porque é a 530 km de distância da Amazônia”. Esses “mas” costumam ser prenúncio de más notícias.

O Ibama negou a autorização, porque os senões são muitos. Para começar, a região já tem cerca de 100 poços perfurados e não se encontrou nada que justificasse novas explorações – vários deles, por sinal, foram fechados por causa de acidentes. Nesse quesito particular, o Brasil tem um currículo nada invejável: foram nove desastres do tipo de 2011 a 2022, quase um por ano. Ficar a “530 km de distância da Amazônia” não é nenhuma vantagem, pois a Petrobras levaria quase dois dias para chegar ao local em caso de vazamento. Além disso, a empresa não está habituada com as correntes marítimas locais, que são bem diferentes das bacias de Campos (RJ) e Santos (SP). Mas o argumento definitivo é que se estima que a produção na região seria pelo menos três vezes menor que as das reservas marinhas do Sudeste. Não tem um cheirinho de Belo Monte no ar?

E esse odor desagradável se espalha floresta adentro. Lula se comprometeu a zerar o desmatamento no país até 2030. Mas, até lá, muito verde pode vir abaixo. Um desses projetos, asfaltar a BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, serviria de tapete vermelho para toda sorte de malfeitor: invasores de terras protegidas, traficantes, grileiros, mineradoras e garimpeiros ilegais, milicianos, contrabandistas de madeira etc. A rodovia, que tem 885 km de extensão, pode impactar 69 terras indígenas – onde vivem 18 etnias e povos isolados –, 41 unidades de conservação e a última grande área contínua de mata virgem da Amazônia brasileira. A estrada é uma ideia de jerico da ditadura, reabilitada pelo governo anterior; isso já seria motivo de sobra para ser descartada pelo atual. 

O traçado da BR-319 já existe, mas só um pequeno trecho, em condições precárias, está aberto. O impasse recai sobre o asfaltamento do chamado “trecho do meio”, que conectaria os dois extremos da rodovia – do Amazonas a Rondônia. Ainda assim, a estrada serve de porteira aberta para criminosos em geral. Bastou Bolsonaro anunciar que ela receberia asfalto novo para que o desmatamento disparasse: o número vinha caindo desde 2001. Em 2020, foi de 216 km²; em 2021, deu um triplo-carpado para 453 km²; no ano passado, chegou a 480 km². A estrada era inviável de nascença, mais um elefante branco, como a usina no Rio Xingu: “A BR-319 não tinha nenhum raciocínio econômico. Era tudo paranoia de que a Amazônia seria tomada pela cobiça internacional”, diz o biólogo Philip M. Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). 

Esse delírio pode impactar uma área de 39 mil km² (maior que Alemanha e Holanda juntas) e bagunçar mais os regimes de chuva naquelas regiões. Em 2021, 15% dos 10,3 km² devastados em toda Amazônia Legal aconteceram na área e a estrada sequer se presta ao transporte de cargas. “Se for asfaltada, a rodovia BR-319 irá beneficiar até mesmo quadrilhas de roubo de carros. Além disso, as estradas vicinais ilegais ao longo da rodovia estão abrigando vários tipos de atividades criminosas, como grilagem de terras, desmatamento ilegal e garimpo”, diz Lucas Ferrante, também biólogo do Inpa. Uma pesquisa de 2020, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), estima que, com o asfaltamento, as emissões de gases do efeito estufa quadruplicariam na região nos próximos 30 anos, chegando a 8 bilhões de toneladas, o quádruplo do que o país emite em um ano. 

A EF-170, vulgo Ferrogrão, também fede um bocado. A ferrovia, que ligaria Sinop (MT) ao porto de Miritituba (PA), serviria somente para escoar a soja do Centro-Oeste; no fim da linha, a produção seguiria por uma hidrovia no Rio Tapajós. Para construí-la, seria necessário tirar um naco do Parque Nacional Jamanxim, que é uma Unidade de Conservação de Proteção Integral. Em 2017, o presidente Michel Temer sancionou a Lei 13.452 exclusivamente para este fim. Calcula-se que 2 mil km² de verde sumiriam de cara. 

O pior é que a lei, que está no centro do julgamento prestes a ser realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pode criar jurisprudência para outras obras. E a estrada de ferro abriria caminho para outros portos, hidrovias e rodovias. Essa infraestrutura exigiria mais energia; e aí quem garante que novas hidrelétricas também não seriam construídas? Os 993 km da Ferrogrão ainda impactariam mais duas Florestas Nacionais (Flonas) e os povos Kayapó, Munduruku e Panará – que não tiveram respeitado seu direito de consulta e consentimento livre, prévio e informado. É ou não é puro suco de Belo Monte? Depois disso tudo, com que moral o Brasil se sentaria à mesa de negociação climática? Precisamos relembrar ao governo que o caminho da cobiça não rende só mau cheiro.


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Este texto foi inicialmente publicado pelo site “Uma Gota no Oceano” [Aqui!].

Cientistas mapeiam ponto em que ecossistemas serão afetados de forma irreversível por mudanças climáticas

geloFOTO: MELISSA BRADLEY / UNSPLASH

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Ecossistemas importantes à vida na Terra, como as camadas de gelo, recifes de corais ou a floresta amazônica podem atingir pontos de ruptura nas próximas décadas, com alterações irreversíveis e catastróficas caso as mudanças climáticas não sejam atenuadas nos próximos anos. É o que observam doze pesquisadores do Brasil, Canadá, China, Estados Unidos e Reino Unido que mapearam as evidências científicas atuais acerca de pontos de não retorno para dez elementos, descrevendo mecanismos, riscos humanos e ecossistêmicos. Ao atingir o ponto de ruptura, tais elementos passam por mudanças drásticas em relação ao seu estado original, que podem iniciar um efeito cascata sobre outros sistemas terrestres, como aponta o estudo publicado na revista internacional “Reviews of Geophysics”.

O artigo de revisão considerou dez elementos com risco de ruptura, incluindo mudanças em correntes oceânicas, liberação de metano do assoalho marinho, perda de grandes camadas de gelo, liberação de carbono de camadas congeladas do solo, mudanças na floresta boreal, alterações em ventos de monções, dispersão de nuvens estrato cumulus, perda do gelo do Ártico no verão, transformações na floresta amazônica e o branqueamento de corais de águas rasas. Tais aspectos permitem prever riscos atuais e futuros, direcionando as ações da sociedade para o combate às alterações climáticas.

“Sobre a perda do recife de coral das águas rasas tropicais, por exemplo, temos nível de entendimento científico muito alto, com uma condição muito boa de prevê-los. Este limiar mostra que se a temperatura aumentar mais que 1.5ºC, os impactos serão dramáticos e severos em uma escala de décadas”, exemplifica Liana Anderson, coautora e pesquisadora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

A Amazônia também enfrentará mudanças severas em décadas caso não haja mitigação das mudanças climáticas. Ameaçada pelo estresse climático e pela ação humana, secas extremas, desmatamento, corte seletivo e queimadas levariam à falta da umidade necessária para sua manutenção, em um ciclo de menos chuvas e maior mortalidade de espécies. “A floresta teria esse ponto de não retorno, em que fica pequena o suficiente para não conseguir sustentar sua umidade e vai se transformando em outro tipo de floresta, tendo uma degradação climática, porque não consegue se manter, e não haveria uma forma de voltar ao estado original, ao menos na escala de séculos”, afirma Liana.

Por sua vez, a degradação da floresta amazônica influencia os padrões climáticos ao redor do mundo, mas Liana Anderson acrescenta que ainda há um baixo conhecimento científico sobre o efeito cascata provocado pelas conexões entre estes processos. Porém, sabe-se que seus impactos podem ser duradouros, perdurando por séculos ou milênios, e que ainda é possível minimizar o risco da ruptura, como através de atitudes e políticas públicas para reduzir tanto a pressão por degradação que impactam localmente e na escala regional a floresta quanto as emissões de combustíveis fósseis, que atuam em extremos climáticos e colocam ainda mais pressão nesse ecossistema.

“Essas mudanças podem passar de um determinado limiar em que não vão voltar, e isso vai impactar de modos sem precedentes talvez a nossa geração, mas seguramente  a de nossos filhos e netos. Então é uma responsabilidade muito grande que a gente precisa incorporar como sociedade e como prática diária, de repensar nossas ações, nossas decisões, e isso inclui em quem vamos votar, porque são os representantes políticos em última instância que realmente movimentam e direcionam em grande escala as decisões nacionais”, conclui a especialista.


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Este foi originalmente publicado pela Agência Bori  [Aqui!].

Em 2022 as temperaturas dos oceanos foram as mais quentes já registradas, mostra análise

Os mares dominam os padrões climáticos globais e a crise climática está causando mudanças profundas e prejudiciais

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Icebergs na Baía de Baffin, no Oceano Ártico, perto de Pituffik, Groenlândia, em julho de 2022. Fotografia: Kerem Yücel/AFP/Getty Images

Por Damian Carrington Editor de Meio Ambiente, para o “The Guardian”

Os oceanos do mundo foram os mais quentes já registrados em 2022, demonstrando as mudanças profundas e generalizadas que as emissões causadas pelo homem causaram no clima do planeta.

Mais de 90% do excesso de calor retido pelas emissões de gases de efeito estufa é absorvido nos oceanos. Os registros, a partir de 1958, mostram um aumento inexorável da temperatura oceânica, com aceleração do aquecimento após 1990.

As temperaturas da superfície do mar são uma grande influência no clima mundial. Oceanos mais quentes ajudam a sobrecarregar o clima extremo, levando a furacões e tufões mais intensos e mais umidade no ar, o que traz chuvas e inundações mais intensas. A água mais quente também se expande, elevando o nível do mar e colocando em risco as cidades costeiras.

A equipe internacional de cientistas que produziu a nova análise do calor do oceano concluiu: “Os ciclos de energia e água da Terra foram profundamente alterados devido à emissão de gases de efeito estufa pelas atividades humanas, levando a mudanças generalizadas no sistema climático da Terra”.

O professor John Abraham, da Universidade de St Thomas em Minnesota e parte da equipe de estudo, disse: “Se você quer medir o aquecimento global, você quer medir para onde vai o aquecimento, e mais de 90% vai para os oceanos.

“Medir os oceanos é a maneira mais precisa de determinar o quão desequilibrado está o nosso planeta.

“Estamos tendo um clima mais extremo por causa do aquecimento dos oceanos e isso tem consequências tremendas em todo o mundo.”

O professor Michael Mann, da Universidade da Pensilvânia, também parte da equipe, disse: “Oceanos mais quentes significam que há mais potencial para eventos de precipitação maiores, como vimos no ano passado na Europa, Austrália e atualmente na costa oeste. dos EUA”.

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Ele disse que a análise mostrou uma camada cada vez mais profunda de água quente na superfície do oceano: “Isso leva a uma intensificação maior e mais rápida dos furacões – algo que também vimos no ano passado – uma vez que os ventos não produzem mais ventos frios sub- águas superficiais que, de outra forma, amorteceriam a intensificação”.

Uma pesquisa divulgada na segunda-feira pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA mostrou que muitos eventos climáticos extremos em 2022 se tornaram mais prováveis ​​e intensos pela crise climática, como as fortes chuvas que causaram inundações devastadoras no Chade, Níger e Nigéria.

Medições confiáveis ​​da temperatura oceânica remontam a 1940, mas é provável que os oceanos estejam agora em seu ponto mais quente em 1.000 anos e aquecendo mais rápido do que em qualquer outro momento nos últimos 2.000 anos .

A análise, publicada na revista Advances in Atmospheric Sciences , usou dados de temperatura coletados por uma variedade de instrumentos nos oceanos e combinou análises separadas por equipes chinesas e americanas para calcular o conteúdo de calor dos 2.000 metros superiores, onde ocorre a maior parte do aquecimento. .

Os oceanos absorveram cerca de 10 zettajoules a mais de calor em 2022 do que em 2021, o equivalente a cada pessoa na Terra usando 40 secadores de cabelo o dia todo, todos os dias.

Os pesquisadores também analisaram a salinidade, que junto com a temperatura determina a densidade da água e é um fator vital para a circulação oceânica. Um índice da variabilidade da salinidade nos oceanos atingiu um recorde em 2022, mostrando a amplificação contínua do ciclo hidrológico global.

A tendência de longo prazo de aumentar a estratificação continuou em 2022, descobriram os cientistas, com “consequências científicas, sociais e ecológicas importantes”.

Uma consequência, disse Abraham, é que menos mistura no oceano significa que a camada superficial absorve menos dióxido de carbono da atmosfera, aumentando o aquecimento global.

Os pesquisadores também disseram: “Há ocorrências crescentes de ondas de calor e secas recordes no hemisfério norte, consistentes com o intenso aquecimento oceânico nas latitudes médias dos oceanos Pacífico e Atlântico”.

O aquecimento dos oceanos e os impactos no clima extremo aumentarão até que a humanidade alcance emissões líquidas zero.

Em outubro, a Organização Meteorológica Mundial informou que a concentração atmosférica de todos os principais gases do efeito estufa – dióxido de carbono, metano e óxido nitroso – atingiu níveis recordes . O chefe da OMM, Prof Petteri Taalas, disse: “Estamos indo na direção errada”.


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Este texto escrito originalmente em inglês foi publicado pelo jornal “The Guardian” [Aqui!].

Políticas atuais trarão colapso climático ‘catastrófico’, alertam ex-líderes da ONU

Três ex-chefes climáticos da ONU dizem que a lacuna entre as promessas do governo e as ações mudará o meio ambiente de forma irreversível

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Ativistas vestidos como líderes mundiais protestam ao lado do canal Forth and Clyde, em Glasgow, contra o aumento do nível da água durante a cúpula da Cop26. Fotografia: Dylan Martinez/Reuters

Por Fiona Harvey, correspondente de Meio Ambiente, para o “The Guardian”

As políticas atualmente em vigor para enfrentar a crise climática em todo o mundo levarão a um colapso climático “catastrófico”, já que os governos não tomaram as ações necessárias para cumprir suas promessas, alertaram três ex-líderes climáticos da ONU.

Há uma grande lacuna entre o que os governos prometeram fazer para proteger o clima e as medidas e políticas necessárias para atingir as metas. Na cúpula da Cop26 em novembro passado , os países concordaram em apresentar planos para limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais – o limite de segurança, segundo cientistas . Até agora, eles apresentaram promessas que limitariam as temperaturas a menos de 2°C .

Mas as políticas e medidas aprovadas e implementadas pelos governos levariam a aumentos de temperatura muito maiores, de pelo menos 2,7°C, muito além do limite de segurança relativa, e potencialmente até 3,6°C. Isso teria impactos “catastróficos”, na forma de clima extremo, elevação do nível do mar e mudanças irreversíveis no clima global.

Os três ex-diretores vivos da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas escreveram juntos no Guardian de quarta-feira – a primeira vez que escreveram juntos em um jornal – sobre as consequências desastrosas de não combinar as promessas nacionais sobre o clima com ações e políticas concretas para segui-los.

Eles escrevem: “No acordo de Paris de 2015 , todos os governos concordaram em ‘seguir esforços’ para limitar o aquecimento global a 1,5°C (34,7°F). Temos agora o direito de perguntar onde chegaram seus esforços, para onde estão indo e quão genuínos são. A ciência mostra que a ação nesta década para reduzir todos os gases de efeito estufa é crítica”.

Eles apontam para as conclusões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, publicado no início deste ano , descrito como um “atlas do sofrimento” que mostrou a devastação generalizada que provavelmente ocorrerá se não combatermos as emissões de gases de efeito estufa com urgência.

“Os inúmeros relatos de clima extremo que testemunhamos em 2022 sugerem que não há tempo a perder”, escrevem eles. “Quanto mais as mudanças climáticas progridem, mais bloqueamos um futuro com colheitas mais arruinadas e mais insegurança alimentar, juntamente com uma série de outros problemas, incluindo aumento do nível do mar, ameaças à segurança da água, seca e desertificação. Os governos devem agir contra as mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, lidar com outras crises urgentes”.

As ações dos países desenvolvidos até agora têm sido “decepcionantes”, por não terem conseguido reduzir as emissões com rapidez suficiente e por não disponibilizarem financiamento aos países mais pobres para ajudá-los a lidar com os impactos do colapso climático, acrescentam.

Os ex-altos funcionários da ONU – Michael Zammit Cutajar, Yvo de Boer e Christiana Figueres – ocuparam sucessivamente o cargo de secretário executivo da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima, tratado pai do acordo de Paris, que foi assinado há 30 anos nesta semana em a histórica Cúpula da Terra do Rio.

Este mês também marca o 50º aniversário da conferência de Estocolmo , quando representantes de todo o mundo resolveram pela primeira vez que o estado global do meio ambiente era motivo de preocupação, e uma ação internacional concertada era necessária para resolver problemas como poluição, perda de espécies, degradação e esgotamento de recursos.

O aniversário deve levar os governos a renovar sua determinação, apesar da geopolítica “gelada”, antes que seja tarde demais, escrevem os ex-funcionários da ONU. “A economia em rápida mudança significa que um futuro seguro para o clima também é mais próspero. A vontade do público – especialmente entre os jovens – de ver as mudanças climáticas restringidas é clara. Ao recordarmos a conferência de Estocolmo , precisamos que os líderes nacionais lembrem o que ela demonstrou sobre o potencial da ação cooperativa mesmo em tempos conturbados. Precisamos ver os líderes cumprindo suas promessas de mudança climática, no interesse das pessoas, da prosperidade e do planeta”.

À medida que os governos lidam com os altos preços da energia e o aumento dos preços dos alimentos, os ex-chefes climáticos da ONU defendem uma mudança rápida para a energia limpa, que agora é economicamente competitiva com os combustíveis fósseis. “A menos que se invista em combustíveis fósseis, agora não há razão para não seguir o caminho da energia limpa. Muitos atores corporativos entendem a necessidade de ação antecipada nessa frente. Mas os governos ainda precisam incentivar a transição”, escrevem.


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Este texto foi originalmente escrito em inglês e publicado pelo jornal “The Guardian” [Aqui! ].

Um importante manto de gelo pode se estilhaçar nos próximos anos na Antárctica

No oeste da Antártica, o Glaciar Thwaites garante que o gelo do continente não deslize para o mar. Mas agora os cientistas descobriram que parte da plataforma de gelo está perdendo  controle e pode se romper

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A geleira Thwaites, no oeste da Antártica, desempenha um papel crucial no sistema climático da Terra. Foto: AFP/NASA

No oeste do continente Antártico fica a geleira Thwaites, uma massa de gelo cujo tamanho ultrapassa a área da República Tcheca , Áustria e Suíça juntas. O degelo desta geleira será responsável por cerca de 4% do aumento do nível do mar no mundo, 

E agora a geleira está rachando. Um manto de gelo de 45 km de largura no final da geleira – onde o gelo encontra o mar polar – pode se quebrar nos próximos cinco anos, relataram cientistas em uma reunião da  American Geophysical Union. O pano de fundo é explicado em um artigo na revista “Science” .

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Este texto foi originalmente escrito em alemão e publicado pela revista Der Spiegel [Aqui!].

É agora ou nunca: os cientistas alertam que chegou a hora do acerto de contas para o planeta

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Voluntários apoiam bombeiros que combatem um incêndio florestal próximo ao vilarejo de Kamatriades, na ilha grega de Evia. Fotografia: Angelos Tzortzinis / AFP / Getty Images

Por Robin McKie, do Observatório das Mudanças Climáticas, publicado pelo The Guardian”

O IPCC é inequívoco: devemos tomar medidas urgentes para conter o aquecimento global e prevenir uma catástrofe. Nossos formuladores de políticas e a conferência Cop26 estarão à altura da tarefa?

O final do clássico da ficção científica dos anos 60, The Day the Earth Caught Fire , a câmera faz uma panorâmica da sala do Daily Express para uma prova de primeira página pendurada na parede. “Terra salva”, grita a manchete. A câmera gira. “Earth Doomed”, anuncia a prova ao lado.

A impressora principal parece perplexa. Qual página ele deverá selecionar? Nunca descobrimos, pois o filme termina sem revelar o destino de nosso planeta, cuja rotação foi enviada para uma espiral fora de controle por testes simultâneos de bombas atômicas soviéticas e americanas. Tudo o que sabemos é que o destino da Terra está em jogo graças à estupidez humana.

Tal visão pode ser matéria de entretenimento popular, mas chega desconfortavelmente perto de nosso próprio futuro incerto, conforme destacado na semana passada por um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que efetivamente anunciou um alerta de “código vermelho” para nossa espécie. Evidências inequívocas mostram que as emissões de gases de efeito estufa estão nos impulsionando para um futuro de fogo calamitoso desencadeado por mudanças climáticas extremas , anunciou. Apenas reduções urgentes das emissões de combustíveis fósseis podem esperar nos salvar.

Foi uma visão vividamente endossada por cientistas, normalmente os mais circunspectos dos comentaristas sobre eventos mundiais. “Nosso clima futuro pode muito bem se tornar uma espécie de inferno na Terra”, disse o professor Tim Palmer, da Universidade de Oxford. Ou, como disse o professor Dave Reay, diretor executivo do Instituto de Mudanças Climáticas da Universidade de Edimburgo: “Este não é apenas mais um relatório científico. Este é o inferno e as águas altas em grande escala. ”

Certamente, os números delineados no relatório foram nítidos e impressionantemente enfáticos em comparação com as ofertas anteriores, muito mais cautelosas, do IPCC. Como fica claro, os humanos injetaram cerca de 2.400 bilhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera desde 1850, criando concentrações do gás que não eram vistas na Terra nos últimos 2 milhões de anos.

Uma mangueira de água está vazia para um voluntário que luta contra incêndios florestais perto do vilarejo de Pefki, na ilha grega de Evia.

Uma mangueira fica sem água nas mãos de um voluntário que lutava contra incêndios florestais perto do vilarejo de Pefki, na ilha grega de Evia. Fotografia: Angelos Tzortzinis / AFP / Getty Images

As ondas de calor e as fortes chuvas que causam inundações se tornaram mais intensas e frequentes desde a década de 1950 na maior parte do mundo, e as mudanças climáticas estão afetando todas as regiões habitadas do planeta. A seca está aumentando em muitos lugares e é mais de 66% provável que o número de grandes furacões e tufões tenha aumentado desde a década de 1970. “Se ainda havia a necessidade de uma prova de que as mudanças climáticas são causadas por atividades humanas, então este é o relatório que a fornece”, disse a professora Corinne Le Quéré, da Universidade de East Anglia.

E as consequências do ato massivo de interferência atmosférica da humanidade agora são claras: o que está quente hoje ficará mais quente amanhã; inundações extremas se tornarão mais frequentes, os incêndios florestais mais perigosos e as secas mortais mais generalizadas. Resumindo, as coisas só podem piorar.

Na verdade, no final do século, eles podem se tornar uma ameaça à civilização se as emissões continuarem no ritmo atual. “Isso pode parecer muito distante, mas há milhões de crianças já nascidas que deveriam estar vivas até o século 22”, acrescentou o professor Jonathan Bamber, da Universidade de Bristol, outro autor do relatório.

Na verdade, eles podem se tornar totalmente catastróficos com a ocorrência de eventos que mudam o mundo – como a extinção de florestas em todo o continente ou o colapso das camadas de gelo da Antártica, diz o professor Andrew Watson, da Universidade de Edimburgo. “O relatório do IPCC oferece uma atualização abrangente sobre o que se sabe sobre as mudanças climáticas, e isso é uma leitura sombria. Mas também aponta que os modelos climáticos não incluem eventos de ‘baixa probabilidade-alto impacto’, como mudanças drásticas na circulação do oceano , que também se tornam mais prováveis ​​quanto mais o clima muda. Esses ‘desconhecidos conhecidos’ são ainda mais assustadores. ”

O novo relatório do IPCC é certamente um documento muito diferente e intransigente em comparação com as versões anteriores, como apontou o meteorologista Keith Shine, da Reading University. “Eu estava fortemente envolvido no primeiro relatório de avaliação do IPCC em 1990. Não tínhamos certeza então de que a mudança climática observada era devido à atividade humana. O IPCC agora diz que as evidências são “inequívocas”. Isso significa que não há esconderijo para os formuladores de políticas ”.

O ponto crucial é que este relatório foi aprovado não apenas por cientistas, mas também por representantes do governo no comitê, homens e mulheres que deixaram claro que também estão convencidos da urgência da situação. “Eles também veem a ligação direta entre as emissões de gases de efeito estufa e os incêndios florestais, inundações e outros eventos climáticos extremos recentes, e isso torna essencial a ação de seus próprios governos”, disse Lord Deben, presidente do Comitê de Mudança Climática do Reino Unido .

Na reunião climática de Paris em 2015, esses governos se comprometeram a tentar manter os aumentos de temperatura bem abaixo de 2C, e não mais de 1,5C, se possível, desde os dias pré-industriais. O problema agora é que o mundo já aqueceu quase 1,1ºC, o que significa que apenas cortes drásticos nas emissões conseguirão evitar um aquecimento global muito mais sério e intenso. Vai ser difícil. O mais ambicioso dos cenários de emissões descritos pelo IPCC oferece menos de 50% de chance de se manter abaixo desse limite de 1,5 ° C.

As perspectivas de limitar o aquecimento global a 2C são melhores, mas ainda exigirão reduções muito superiores às prometidas pelas nações na corrida até a Cop26, a cúpula do clima da ONU que será realizada em Glasgow em novembro. “Está claro que qualquer esperança de que a mudança climática possa vir a ser ‘não tão ruim quanto o esperado’ foi perdida”, disse Rowan Sutton, do Centro Nacional de Ciências Atmosféricas da Universidade de Reading. “Está acontecendo agora e muito rápido. Lidar com esta crise significa tomar medidas urgentes. ”

Essa não será uma tarefa fácil, entretanto. Como Nick Starkey, diretor de políticas da Royal Academy of Engineering, apontou na semana passada. “O Reino Unido não está a caminho de cumprir as metas de carbono existentes e nossa meta de redução de emissões de 78% até 2035 não será alcançada sem medidas profundas de eficiência energética”, disse ele.

O que é necessário é “uma visão ampla da sociedade”, um plano nacional que seria instigado para garantir a implementação de todas as diferentes políticas – do transporte à geração de energia e do aquecimento doméstico à agricultura – que serão necessárias para garantir que as emissões sejam reduzidas conforme o mais rápido possível. “Precisamos implementar políticas em toda a sociedade, caso contrário nossos alvos se tornarão apenas promessas vazias”, disse Joeri Rogelj, diretor de pesquisa do Grantham Institute, Imperial College London.

É uma sugestão apoiada por Lord Deben. “No Reino Unido, precisamos de uma nova lei de planejamento que garanta que todas as autoridades locais tenham que levar as mudanças climáticas em consideração sempre que tomarem uma decisão de planejamento. No momento, eles não recebem absolutamente nenhum conselho sobre como fazer esse negócio. ” Tais processos garantiriam que os detalhes finos de garantir as emissões de carbono sejam controlados e os erros – como a recente concessão de permissão de planejamento para uma nova mina de carvão em Cumbria– não se repitam, acrescentou.

O céu de São Francisco fica laranja com a fumaça do incêndio florestal em setembro de 2020.O céu de São Francisco fica laranja com a fumaça do incêndio florestal em setembro de 2020. Fotografia: John G Mabanglo / EPA

No entanto, será necessário um esforço considerável e sustentado para que a nação mantenha esses esforços. Na terça-feira, as primeiras páginas nacionais foram preenchidas com imagens de aldeias gregas incendiadas e manchetes lúgubres. “PM: acorde com o alerta vermelho para a crise climática”, alertou o Daily Express ; “Como o relatório do juízo final avisa sobre a mudança climática apocalíptica: o Reino Unido pode tirar o mundo da beira do precipício”, perguntou o Mail ; enquanto o Telegraph anunciava “ONU alerta para ‘verificação da realidade’ do clima”. Dado que muitos desses artigos fizeram longos esforços no passado para denegrir a ciência do clima e questionar a realidade do aquecimento global, esses foram anúncios radicais. Resta saber quanto tempo cada publicação permanece comprometida com a ciência.

“A história do clima estava nas primeiras páginas na terça-feira, mas na sexta-feira, três dias depois, quase não foi mencionada”, acrescentou o professor Martin Siegert, do Imperial College de Londres. “No entanto, esta é a coisa mais importante que a humanidade precisa fazer nos próximos 30 anos. Isso vai mudar nossas vidas, vai mudar a maneira como nos vemos no planeta. E se não o fizermos, criaremos enormes problemas para nossos filhos. Mas depois de três dias parecíamos ter sido esquecidos, apesar do fato de que isso é algo que precisa de décadas de trabalho consistente e persistente. ”

Siegert acrescentou que foi estimado que são necessários níveis de investimento equivalentes a 1% do PIB para garantir a transição do país para o status líquido zero. “No entanto, atualmente estamos gastando cerca de 0,01%… um centésimo desse preço estimado. E isso também está bem abaixo do que o governo está gastando em coisas que realmente aumentarão nossas emissões, como planos de expansão de aeroportos e as dezenas de bilhões que prometeu em novos esquemas rodoviários, o que só tornará mais fácil dirigir e queimar. mais combustível fóssil. ”

Todas essas são questões para o Reino Unido resolver, com urgência, nos próximos meses, embora a abertura da conferência Cop26 em Glasgow seja um evento ainda mais premente. Na reunião, que começa em 1º de novembro, delegados de mais de 190 países se reunirão para fechar um acordo que determinará o quão quente a vida ficará na Terra. Em Paris, em 2015, as nações prometeram cortes de emissões que agora precisam ser atualizados com urgência ou as temperaturas globais vão subir para bem mais de 2ºC. Da mesma forma, acordos terão que ser alcançados sobre como eliminar gradualmente as usinas de carvão o mais rápido possível, para proteger as florestas que absorvem dióxido de carbono e para chegar a um acordo de ajuda para as nações em desenvolvimento para ajudá-las a sobreviver aos impactos do aquecimento global.

Será um bom resultado e é muito provável que não saberemos se os negociadores terão êxito até os últimos minutos da conferência de Glasgow. Desta forma, aprenderemos o destino do planeta em novembro, exatamente 60 anos após o lançamento cinematográfico de O Dia em que a Terra Pegou o Fogo . Podemos, então, ter uma ideia melhor se “Terra salva” ou “Terra condenada” era o título correto da primeira página.

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Este texto foi escrito originalmente em inglês e publicado pelo jornal “The Guardian” [Aqui!].

Se emissões de carbono não caírem, 1/3 da Humanidade poderá viver em áreas de calor insuportável em 50 anos

Some of the latest climate models provide unrealistically high ...

De acordo com pesquisa conduzida por cientistas dos Estados Unidos, China e Europa e publicada na revista ProceedingothNationaAcademoSciences nesta semana, as zonas do planeta onde hoje vive 1/3 da humanidade se tornarão tão quentes como as partes mais áridas do deserto do Saara dentro de 50 anos, a menos que as emissões de gases de efeito estufa diminuam. O aquecimento acelerado significaria que cerca de 3,5 bilhões de pessoas viveriam fora do “nicho” climático no qual os seres humanos têm prosperado na Terra nos últimos 6 mil anos. 

Publicado em meio à pandemia de coronavírus que vem forçando milhões de pessoas a se recolherem em suas casas, este trabalho adverte as emissões contínuas e crescentes de carbono podem colocar o mundo sob um risco cada vez maior de novas crises sem precedentes. 

As populações humanas se concentram em grande medida em zonas climáticas estreitas, com a maioria das pessoas vivendo em localidades onde a temperatura média anual gira em torno dos 11-15oC, e um número menor de pessoas vivendo em áreas um pouco mais quentes, com média de temperatura de 20-25oC. Os cientistas descobriram que os seres humanos, apenas de todas as inovações e as migrações feitas até hoje, têm vivido nessas condições climáticas durante milhares de anos. “Esse nicho climático surpreendente e constante provavelmente representa limitações fundamentais quanto ao que os seres humanos necessitamos para sobreviver e prosperar”, diz o professor Marten Scheffer da Universidade de Wageningen, quem coordenou a pesquisa ao lado do cientista chinês Xu Chi da Universidade de Nanjing.

Projeta-se que as temperaturas aumentarão rapidamente como resultado das emissões de gases de efeito estufa produzidas pela atividade humana. Em um cenário no qual as emissões continuam aumentando sem cessar, a temperatura experimentada pela pessoa média terá aumentado em 7,5oC em 2070. Isto é bem acima do aumento previsto da temperatura média mundial em um pouco mais de 3oC, já que a Terra se aquece muito mais rápido que o oceano e também porque o crescimento da população está inclinado para lugares já quentes.

Este aumento rápido da temperatura, combinado com as mudanças previstas na população mundial, significa que ao redor de 30% do número total previsto de pessoas na Terra viverá em lugares com uma temperatura média superior a 29oC dentro de 50 anos, caso a emissão de gases de efeito estufa siga aumentando. Estas condições climáticas se dão atualmente em apenas 0,8% da superfície terrestre, principalmente nas áreas mais quentes do deserto do Saara, no norte da África. Em 2070, no entanto, essas condições mais quentes poderão ser observadas em até 19% da superfície do planeta. “Isto pode impor a 3,5 bilhões de pessoas condições quase insuportáveis de vida”, aponta Jens-Christian Svenning da Universidade de Aarhus, coautor do estudo.

“O coronavírus mudou o mundo de maneiras difíceis de ser imaginadas há apenas alguns meses, e nossos resultados mostram como a mudança do clima pode fazer algo similar. A mudança se daria de forma menos rápida, mas, diferentemente da pandemia, não poderemos esperar por qualquer alívio: grandes áreas do planeta se aqueceriam a níveis muito altos sem perspectiva de resfriamento no curto prazo. Isso teria efeitos devastadores e deixaria sociedades inteiras sem capacidade de enfrentar crises futuras, como novas pandemias. A única coisa que pode impedir isso é uma redução rápida das emissões de carbono”, sugere Scheffer.

A redução rápida das emissões de gases de efeito estufa poderia reduzir até pela metade o número de pessoas expostas a essas condições de calor. “A boa notícia é que esses efeitos podem ser reduzidos em grande medida se a humanidade conseguir frear o aquecimento global”, diz o coautor do estudo Tim Lenton, especialista em clima e diretor do GlobaSystemInstitute da Universidade de Exeter. “Nossos cálculos mostram que cada grau de aquecimento acima dos níveis atuais corresponde a algumas bilhões de pessoas fora do nicho climático. É importante que possamos mostrar agora os benefícios de reduzir as emissões de carbono em algo mais humano do que em termos monetários”.

Os autores assinalam que parte das 3,5 bilhões de pessoas expostas ao calor extremo se o aquecimento global se mantiver poderá tentar emigrar para outras regiões, mas ressaltam que muitos outros fatores além do clima afetam essas decisões e que parte da pressão para se mudar poderia ser enfrentada através da adaptação climática. “Prever a magnitude real da migração impulsionada pelo clima segue sendo um desafio”, diz Scheffer. “As pessoas preferem não migrar. Também há margem para a adaptação local em parte do mundo dentro dos limites, mas no Sul Global isso requereria incentivar o desenvolvimento humano mais rapidamente”.

“Este estudo ressalta a razão pela qual um enfoque holístico é crucial para fazer frente à mudança do clima, que inclua a adaptação aos seus impactos, o tratamento de questões sociais, o incentivo ao autogoverno e ao empoderamento do desenvolvimento, assim como vias legais compassivas para aqueles cujos lares forem afetados. Isto garantirá um mundo em que todos os seres humanos possam viver com dignidade”, assinala Scheffer.

“Estivemos sinceramente assombrados pelos nossos resultados iniciais”, diz Xu Chi. “Como nossos achados foram tão impactantes, tomamos um ano extra para comprovar cuidadosamente todas as suposições e os cálculos. Também decidimos publicar todos os dados e códigos de computação para maior transparência e para facilitar o trabalho de outros pesquisadores. Os resultados são tão importantes para a China como para qualquer outro país. Está claro que necessitaremos um enfoque global para salvaguardar nossos filhos contra as tensões sociais potencialmente enormes que a mudança projetada poderá causar”.

“As novas técnicas e os esforços concertados a nível mundial têm aumentado nosso poder de reconstruir o passado da humanidade”, diz Tim Kohler, arqueólogo da Universidade do Estado de Washington, Pullman. “Isto nos ajuda a encontra nossa dependência íntima com o clima, algo que surpreendentemente tem permanecido constante ao largo do tempo. Também vemos na arqueologia muitos exemplos em que a mudança do clima precipitou movimentos de migração”.

A expansão das regiões extremamente quentes em um cenário climático de continuidade. No clima atual, as temperaturas médias anuais acima de 29oC se limitam a pequenas zonas escuras na região do Saara. Prevê-se que em 2070 essas condições se deem em toda a região escurecida seguindo o cenário RCP8.5. Sem a migração, essa zona abrigaria cerca de 3,5 bilhões de pessoas em 2070, segundo estimativas de desenvolvimento demográfico do SSP3. As cores de fundo representam as temperaturas médias anuais atuais.

Artigo científico completo: “Future of the Human Climate Niche“: PNAS, Maio de 2020.

O cenário principal utilizado neste documento é o “RCP8.5”, que representa um futuro no qual a concentração atmosférica de gases de efeito estufa se mantém elevadas. Para mais detalhes, veja http://link.springer.com/article/10.1007/s10584-011-0148z e http://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2018/02/WG1AR5_SPM_FINAL.pdf

Para entrevistas e mais informações

Europa:
Marten Scheffer, marten.scheffer@wur.n(inglês, holandês e espanhol)
Tim Lenton, t.m.lenton@exeter.ac.u(inglês)
Jens-Christian Svenning, svenning@bios.au.d(inglês e dinamarquês)

China:
Xu Chi, xuchi@nju.edu.cn (chinês e inglês)

Estados Unidos:
Tim A. Kohler, tako@wsu.edu (inglês)

Aquecimento no Sudeste foi causado em grande parte por gases de efeito estufa, aponta estudo

temperaturaGrupo da USP constatou que aumento de 1,1 ºC na temperatura média da região entre 1955 e 2004 está relacionado principalmente com o crescimento da concentração de gases de efeito estufa resultante da ação humana (foto: Wikimedia Commons)

Por Elton Alisson  para a Agência FAPESP

A temperatura média no Sudeste do Brasil tem aumentado nas últimas décadas, fato que contribui para elevar a frequência e a intensidade de eventos climáticos extremos, como inundações, secas e ondas de calor.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU) tem afirmado há anos que, em escala global, o aumento da temperatura média observado nos últimos cem anos está relacionado com o crescimento das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera resultante de ações humanas. Já na escala regional, como é o caso da região Sudeste, ainda há muita incerteza em relação às causas. Segundo especialistas, fatores como urbanização e mudanças no uso da terra para agropecuária, por exemplo, também podem ter impactos significativos na temperatura local.

Agora, um grupo de pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP) e da Universidade de Edimburgo, do Reino Unido, conseguiu obter um indício contundente de que o aumento detectado de 1,1 ºC na temperatura da região entre 1955 e 2004 se deve, principalmente, ao efeito estufa.

Os resultados do estudo, apoiado pela FAPESP, foram publicados na revista Geophysical Research Letters.

O projeto integra o Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).

As conclusões se baseiam em observações climáticas da superfície e em 34 simulações da temperatura no Sudeste do Brasil nas últimas décadas, obtidas de modelos climáticos do Projeto de Intercomparação de Modelos Acoplados, Fase 5 (CMIPC5), usado pelo IPCC.

Esses dados foram submetidos a um método estatístico de detecção e atribuição de impacto de mudanças climáticas, proposto em 2017 por cientistas franceses e canadenses.

“Esse método de atribuição, aplicado no Sudeste, utiliza informações da resposta dos modelos climáticos a variações da temperatura por causas naturais, pelos aerossóis ou pelo efeito estufa separadamente”, disse à Agência FAPESP Humberto Ribeiro da Rocha, professor do IAG-USP e coordenador do projeto.

Uma vez detectada alguma variação de temperatura, é comparada a contribuição das diferentes causas, como as naturais, incluídas as incertezas envolvidas. Entre as causas naturais destacam-se a variabilidade da radiação solar que chega à Terra e os efeitos de atividades vulcânicas.

“Esses fenômenos naturais controlam os climas regionais. Além disso, todo o sistema climático está se reorganizando em razão do aquecimento global. O oceano é um grande exemplo, que eventualmente se aquece muito em episódios sobre determinadas regiões do planeta, o que afeta os climas regionais de forma diferente em um continente extenso como a América do Sul”, explicou Rocha.

O método de atribuição incorpora as incertezas estatísticas amostrais, a variabilidade interna dos modelos e as observações de superfície, para prover margem de confiança ao resultado.

Os resultados indicaram que o aumento das concentrações de gases de efeito estufa contribuíram substancialmente para o aumento de 1,1 ºC na temperatura da região detectada no período de 1955 a 2004.

Os cálculos foram feitos pelo meteorologista Rafael Cesário de Abreu durante seu doutorado no IAG-USP, em andamento, sob orientação de Rocha.

“Essa constatação corrobora a hipótese de que mudanças na temperatura estão em curso e controlando fortemente a escala regional do Sudeste, seguindo uma tendência global”, disse Rocha.

Falta de estudos regionais

De acordo com o pesquisador, outros estudos de detecção de aquecimento de longo prazo foram feitos no Brasil, mas não havia um resultado de atribuição em escala regional, como este do Sudeste, com resultados mais contundentes e que incorporassem incertezas e distinguissem causas diferentes. Além disso, há no mundo poucos estudos regionais de detecção e atribuição de causas de mudanças climáticas induzidas pelo efeito estufa antropogênico.

Os estudos anteriores foram feitos para sub-regiões na China, Canadá e Inglaterra, baseados em métodos estatísticos semelhantes ao utilizado no Sudeste.

Essa região do país é especialmente vulnerável às mudanças climáticas, uma vez que abriga mais de 40% da população brasileira e é responsável por 50% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, com uma ampla gama de atividades econômicas, ressaltam os autores do estudo.

“Em comum, esses estudos mostram que a indicação do IPCC de que a temperatura média global aumentou 0,85 ºC entre 1880 e 2012 não se aplica regionalmente e, principalmente, em estudos locais, como de cidades”, afirmou Rocha.

Em São Paulo, por exemplo, já se notou um aumento de temperatura de, aproximadamente, 3 ºC entre 1940 e 2010, e não se pode afirmar categoricamente se foi causado predominantemente pelo efeito estufa, ressalvou o pesquisador.

“Na área rural, há outros fatores que influenciam. O desmatamento de florestas e cerrados também pode explicar aumento de temperatura, mas confinado em efeitos de escala local, que, por sua vez, não são geralmente diagnosticados pelos modelos do CMIP5/IPCC”, afirmou.

O artigo Attribution of detected temperature trends in Southeast Brazil (DOI: 10.1029/2019GL083003), de R. C. de Abreu, S. F. B. Tett, A. Schurer e H. R. Rocha, pode ser lido na revista Geophysical Research Letters em agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1029/2019GL083003.

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Este texto foi originalmente publicado por  Agência FAPESP de acordo com a  licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original [Aqui!].

Combustíveis fósseis e aquecimento do clima da Terra: uma novidade há mais de 100 anos

Há toda uma sorte de céticos sobre os processos de mudança climática pelo qual passa a Terra neste momento que associam este fenômeno a algum tipo de conspiração que visa impingir crenças cientificamente infundadas sobre os humanos desejosos de continuar consumindo combustíveis fósseis como se nenhum problema houvesse.

Mas o fato é que as previsões científicas acerca da possível contribuição dos combustíveis fósseis na mudança do clima da Terra datam do final do século 19, inclusive alcançando publicações na mídia corporativa.

Achei no Twitter a imagem abaixo que mostra um artigo publicado no jornal neozelandês “The Rodney and Otamatea Times, Waitemata and Kaipara Gazette” que foi publicado no dia 14 de agosto de 1912 (exatamente 106 anos atrás).

previsão 106 anos

O artigo explica que “os fornos do mundo agora estão queimando cerca de 2.000.000.000 de toneladas de carvão por ano. Quando isso é queimado, unindo-se com oxigênio, ele adiciona cerca de 7.000.000.000 de toneladas de dióxido de carbono à atmosfera anualmente. Isso tende a tornar o ar um cobertor mais eficaz para a terra e elevar sua temperatura. O efeito pode ser considerável em alguns séculos.

O incrível é que 106 anos depois da publicação deste artigo ainda existe tanta gente sendo ludibriada pelas corporações do carvão e do petróleo que insistem na inexistência de provas científicas de que a queima de combustíveis fósseis esteja causando uma elevação nas temperaturas da Terra e disparando uma série de modificações no funcionamento climático do planeta.

Desta forma, mesmo com todas as incertezas que cercam os modelos científicos voltados para estimar os impactos advindos do aquecimento da atmosfera em função principalmente da emissão de gases oriundos da queima de combustíveis fósseis, questionamentos sem base científica devem ser solenemente ignorados, mesmo quando oriundos de setores minoritários da própria comunidade científica. 

Para maiores informações sobre a questão das mudanças prognosticadas pelo “”The Rodney and Otamatea Times, Waitemata and Kaipara Gazette” há 106 anos atrás, sugiro acessar o site do Intergovermental Panel on Climate Change [Aqui!]

 

Aquecimento global e onda de calor no hemisfério norte

A mídia corporativa brasileira, acreditem, possui vários jornalistas que nos trazem materiais de qualidade. Entre esses jornalistas é Giovana Girardi que cuida de questões relacionadas ao ambiente no jornal “O ESTADO DE SÃO PAULO“, onde também hospeda o seu blog “Sutentabilidade”.

No dia de ontem (27/07),  Giovana Girardi abordou e estabeleceu relações interessantes entre a corrente onda de calor no hemisfério, que já rendeu temperaturas altas inéditas até no Ártico, e as mudanças climáticas disparadas pelo aquecimento da atmosfera produzido pela sociedade humana, especialmente aquela guiada pelos altos padrões de consumo impostos pelo sistema capitalista.

aquecimento 1

Quem desejar entender melhor as possíveis relações existentes a partir do que o jornalista Maurício Tuffani, do “Direto da Ciência”,  caracterizou como sendo uma reportagem  didática e rigorosa , sugiro a leitura completa [Aqui!].

Mas uma coisa é certa: querem os céticos do clima ou não, é melhor nos prepararmos para situações cada vez mais inusitadas e intensas no tocante ao clima da Terra.