O desmatamento do Cerrado cria uma bomba de tempo que ameaça explodir sobre todos nós

Desmatamento dobrou no Cerrado em setembro, afirma Instituto – Ecoa

Por Ângelo Cavalcanti 

Está disponível o Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado (SAD Cerrado) que é uma plataforma fácil, intuitiva, criteriosa e que disponibiliza dados e informações sobre as altas ondas de devastação da savana brasileira.  Vale a pena conhecer! O SAD mostra com precisão para onde vai, para onde segue o fogo, a carbonização e o desmatamento e que, impiedoso, flagela o Cerrado! Sim! Há método, métrica e intenção na destruição! 

Para esse caso específico, há uma lógica coerente, clara, preconcebida e que impõe ritmo, dinâmica e sutilezas próprias aos intentos dos criminosos ambientais.  Não por menos, reparem bem, o SAD revela que, de longe, os desmatamentos apetecidos no Brasil acontecem fundamentalmente, em áreas de Cerrado; o drama cerradeiro é maior, bem maior do que a correlata tragédia amazonida. Pois sim…

Na expiação do Cerrado, o grosso e essencial da sua aniquilação se concentra, sobretudo, no polígono georeferente e assim denominado de  Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Tem mais. Algo próximo a 85% desse mesmo desmatamento se realiza nas proximidades físicas e objetivas de cinco bacias hidrográficas de importância central para o Brasil e para todo o Cone Sul.

Como diz Chico Buarque, ” trocando em miúdos”, a falência cerradeira não é só mais um tipo de ruína brasileira; é uma devastação e que, de uma forma ou de outra, se estende, se amplia por todo o quadrilátero sul-americano.  Atinge e envolve toda a Amazônia colombiana, os desfiladeiros e florestas peruanas, as nevascas e geleiras dos Andes e os imediatos rios, córregos e arroios e que trespassam e umedecem as repúblicas da Argentina e do Chile.

O drama do Cerrado é, de fato, das maiores bombas ambientais do planeta! Ora… Os números estão aí para atestar o que esse provinciano provocador tenta contar.  Por bom augúrio, a metástase devastante e que varre o Cerrado brasileiro por cinco anos consecutivos teve, ao fim, uma importante redução de 33% no ano derradeiro de 2024. 

Esse índice, oxalá, se mantenha e que seja mesmo ampliado… só foi possível, no entanto, com muita ação, intervenção estatal na fiscalização, acompanhamento, monitoramento e é claro, punições duras aos “cidadãos de bem” e que “produzem” riquezas para o “Brasil”.

Em que pese a situação do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) restrito a ínfimos 2,6 mil servidores, de sorte que mil destes funcionários, caminham, ainda neste ano, para a aposentadoria, segundo informações de Rodrigo Agostinho, presidente do órgão, a redução do holocausto ambiental das nossas savanas só foi possível porque combinou um padrão de fiscalização obstinado e irrefreável mais um conjunto interminável de advertências, ajustes e multas e que, para 2024, ultrapassou um bilhão de reais.

Não há saída. O Cerrado e sua gestão são questões que envolvem a própria governança nacional e, em si, é estratégia definitiva de compromisso e integração latino-americana.  Lula não pode olvidar, não tem o direito de esquecer dessa questão absolutamente decisiva para o país, seu povo e sua economia, o subcontinente da América Latina e mesmo o mundo. 

*Angelo Cavalcante- Economista, professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Unidade Itumbiara.

Impacto climático na Amazônia afeta o sul da América do Sul

clima-Amazonia-996x567O aquecimento global e o desmatamento poderiam impactar o transporte de umidade da floresta amazônica para a Bacia do Prata através dos chamados “rios voadores ou aéreos”. Crédito da imagem: Fábio Mitsuka Paschoal/Wikimedia Commons , licenciado sob Creative Commons CC BY-SA 4.0 Deed

Por Nicolás Bustamante Hernández para o SciDev 

O transporte de umidade da floresta amazônica para o sul da América do Sul está sendo seriamente afetado pelo aquecimento global e pelo desmatamento, o que pode gerar um desequilíbrio no clima desta região, que pode até piorar num cenário em que a temperatura do planeta diminuirá e subir acima de 2°C, como previsto para o final deste século.

Isto fica claro num estudo publicado recentemente na revista Science of the Total Environment . O objetivo do grupo de especialistas internacionais que escreveu o artigo foi analisar como o aquecimento global, num cenário de 2°C acima do período pré-industrial, somado ao desmatamento da Amazônia, poderia alterar o clima nas bacias hidrográficas não só desta vital floresta para o planeta, mas de outros ecossistemas relacionados, como no caso da Bacia do Prata (sul do Brasil, Uruguai e leste da Argentina).

Especificamente, os autores avaliaram como ambos os efeitos poderiam impactar o transporte de umidade da floresta amazônica para a Bacia do Prata através dos chamados “rios voadores”.

Esse conceito refere-se às enormes colunas de água que correm sobre o continente sul-americano, transportam umidade e energia e contribuem para precipitações abundantes durante o verão austral (entre dezembro e fevereiro), como explica Murilo Ruv Lemes, membro do INPE e

“Descobrimos que o transporte de umidade é impactado tanto pelo desmatamento da Amazônia quanto pelo aquecimento global (…) No cenário de aquecimento global, os efeitos sobre a fisiologia florestal podem ser mais fortes do que o desmatamento.”

Murilo Ruv Lemes, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Brasil

Para realizar a análise, os pesquisadores realizaram modelagem climática desenvolvida no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) do Brasil.

“Descobrimos que o transporte de umidade é impactado tanto pelo desmatamento da Amazônia quanto pelo aquecimento global, que diminuiu em direção ao sudeste brasileiro e aumentou em direção ao sul da Bacia do Prata. No cenário de aquecimento global, os efeitos na fisiologia florestal podem ser mais fortes que o desmatamento”, acrescentou Ruv Lemes.

“Ou seja, uma alta concentração de CO 2 induz à diminuição da condutância estomática, mecanismo positivo para as taxas de evapotranspiração (processo de reciclagem da água na atmosfera), resultando em um ciclo hidrológico mais fraco”, acrescenta Ruv Lemes.

Segundo o cientista, a relação desses fenômenos com a Bacia do Prata reside no fato de esta depender da umidade transportada da floresta amazônica durante seu período chuvoso por meio de mecanismos aéreos fluviais (rios aéreos ou voadores).

“Basicamente, a umidade que evapora do Oceano Atlântico entra no continente sul-americano pelo norte, chegando à floresta amazônica. A floresta desempenha um papel importante em trazer mais água para a atmosfera através da evapotranspiração. Por fim, por meio de um Jato de Baixo Nível, corrente de vento e topografia elevada (Cordilheira dos Andes), esse transporte é redirecionado para o centro-sul da América do Sul, alimentando seu período chuvoso”, afirma Ruv Lemes.

Para o cientista, “as descobertas são necessárias para orientar as partes interessadas e os tomadores de decisão política a melhorar as suas práticas e planejar um futuro resiliente contra as alterações climáticas, que afetam milhões de pessoas por ano, principalmente as mais vulneráveis”.

Por sua vez, Benjamín Quesada, diretor do programa de Ciências do Sistema Terrestre da Universidad del Rosario (Bogotá, Colômbia), destaca que este estudo mostra como o desmatamento em um lugar pode ter efeitos em outro, até centenas ou milhares de quilômetros de distância.

“Essa é uma área para a qual a ciência está caminhando e teríamos que unir forças para documentar muito mais esse fenômeno. Estudos anteriores já mostraram que se ocorrer desmatamento no Brasil, o ciclo hidrológico da Colômbia ou do Chile,  é afetado, mostrando que a Amazônia deve ser protegida, pois o que acontece nela pode ter efeitos em escala global”, afirma Quesada.

“Precisamos de desmatamento zero daqui para frente”, afirma Ruv Lemes.

“Além disso, uma transição energética completa ou um novo estado de matriz energética sustentável deve ser implementado o mais rápido possível. O estado climático e a saúde da Terra são críticos e dependem de uma mudança completa no comportamento humano neste momento. A conhecida estrutura econômica não resolverá esse problema”, afirma o especialista.


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Este artigo escrito originalmente em espanhol foi produzido pela edição América Latina e Caribe do SciDev.Net e foi publicado [Aqui!].

Desmatamento do Cerrado ameaça segurança hídrica de todo o Brasil

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Chapada dos Veadeiros,  Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

“Uns anos atrás, o rio aqui da gente só ia baixar bastante no final de agosto para setembro. Hoje não. Parou a chuva, com oito dias ele [nível do rio] já tá lá embaixo porque não tem mais quem sustenta as águas. Os brejos já diminuíram a vazão porque o Cerrado foi desmatado nas cabeceiras, não tem mais Cerrado.” A denúncia em forma de lamento é do agricultor Adão Batista Gomes, de 61 anos, que viveu toda a vida na zona rural do município Formosa do Rio Preto, no oeste baiano.  

O agricultor Jamilton Santos de Magalhães, de 40 anos, conhecido como Carreirinha, é líder comunitário em Correntina, também no oeste do estado, e conta que a morte de nascentes na região se tornou frequente a partir da década de 1990.  

“Começou o desmatamento, dois ou três anos depois começa o secamento das nascentes. Tem famílias que têm mais de 200 anos morando nesse território. Não tinha morte frequente de nascente antes”. 

A região onde Carreirinha e Adão moram é uma das que registra os maiores níveis de desmatamento do Cerrado, provocado principalmente pela expansão da fronteira agrícola do Matopiba, área que engloba parte dos estados do Maranhão, de Tocantins, do Piauí e da Bahia – o termo surge da junção da primeira sílaba desses quatro estados.

Considerado o berço das águas do Brasil, o Cerrado é a origem das nascentes de oito das 12 bacias hidrográficas mais importantes do país. É também o segundo maior reservatório subterrâneo de água do mundo, formado pelos aquíferos Guarani e Urucuia. 

Além disso, fornece cerca de 70% da água do Rio São Francisco e 47% da água do Rio Paraná, que abastece a hidrelétrica de Itaipu. Suas águas são importantes ainda para Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai. Essas informações são do estudo publicado pela revista científica Sustainability que apontou os riscos que o desmatamento do bioma pode causar para a segurança hídrica e energética do país.  

Menos água

Um dos pesquisadores do estudo, o doutor em Ciências Florestais Yuri Salmona, explicou à Agência Brasil que as longas raízes das árvores típicas do Cerrado podem chegar a 15 metros de profundidade e fazem o bioma ser conhecido como “floresta invertida”. Essas raízes são responsáveis por levar a água das chuvas até o fundo do solo que, durante o período seco, vai liberando novamente a água.  

“Essa água vai se acumulando nesse subsolo ou escorrendo entre os rios. Ela vai abastecer o Paraná, o Jequitinhonha, o Araguaia, o Tocantins, entre outros rios. A quebra dessa dinâmica proporcionada pelo desmatamento, que interfere na capacidade de infiltrar essa água, faz com que a água escorra superficialmente, causando erosão, com excesso de vazão nas chuvas e escassez na seca”, explicou o diretor-executivo doInstituto Cerrados

Yuri alertou que a situação se agrava com o consumo de água para irrigação do agronegócio durante o período da seca. “Ele [agricultor] está inviabilizando o futuro do próprio negócio dele, porque a gente precisa do Cerrado em pé para continuar produzindo a água”, destacou.  

O estudo analisou o comportamento de 81 bacias hidrográficas do Cerrado, e calculou que essas bacias perderam, em média, 15,4% da vazão dos rios entre 1985 e 2022. Para 2050, a previsão da pesquisa é de que a redução na vazão das águas dessas bacias chegue a 34% do que já foi um dia, “mesmo com diminuição do desmatamento”. 

Exportação de água

“A água segue sendo exportada para China, União Europeia e Estados Unidos em forma de ‘água virtual’, ou seja: água consumida na produção dos grãos e carne”, cita a pesquisa referindo-se às commoditie exportadas pelo Brasil.

Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), 49,8% da água consumida no país em 2019 foi com a irrigação da agricultura.  

A coordenadora do MapBiomas Cerrado Ane Alencar destacou que as outorgas para o uso da água no Cerrado não são transparentes. “A gente não sabe quais os critérios, se existe um limite para fornecer essas outorgas. Tem pouca transparência sobre isso”, destacou.  

“De fato, o que acaba acontecendo é que a água – que é um bem para ser usado por todos –, está sendo usada para a produção agrícola e acaba sendo exportada. A gente tá exportando um recurso natural super importante e fazendo o uso desse recurso de qualquer forma”. 

Crises de água  

Onde o uso da água é intenso na irrigação de larga escala, populações locais têm denunciado a redução das vazões dos rios, como no caso do município de Correntina (BA), onde milhares foram às ruas, em 2017, denunciar o uso excessivo de água pelo agronegócio.

Em 2018, moradores chegaram a tentar impedir a instalação de dragas em rios realizada por fazendeiros.

Na avaliação da coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) Isabel Azevedo, que trabalha apoiando comunidades tradicionais do Matopiba, as outorgas para uso de água e as autorizações para supressão da vegetação na região são fornecidas sem controle adequado.

“Está muito irregular esse sistema. O governo federal não está monitorando nada, está tudo por conta dos estados, é cada um por si e as secretarias ambientais são cooptadas pelo agronegócio”, denunciou.  

MMA

Em audiência pública no Senado no final de agosto, a ministra do Meio Ambiente Marina Silva informou que a pasta está preparando um novo plano contra o desmatamento do Cerrado que deve ser colocado em consulta público neste mês de setembro. Ao mesmo tempo, Marina destacou que o plano não terá sucesso sem participação dos estados.  

“Considerando que mais de 70% dos desmatamentos que estão acontecendo no Cerrado têm a licença para desmatar, o que nós vamos precisar é, digamos, revisitar essas licenças para saber o nível de legalidade delas”, afirmou a ministra.

Nossa reportagem procurou a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) e a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), enquanto representantes do agronegócio, para comentar o desmatamento do bioma, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem. (com Agência Brasil)


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Este texto foi inicialmente publicado pelo Jornal do Brasil [Aqui!].