A investigação de Bakunin

Por João Batista Damasceno

A professora Camila Jourdan, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) considera o inquérito instaurado pela Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI), para investigar manifestantes, uma peça de literatura fantástica. O realismo fantástico é estilo literário do qual Gabriel García Márquez é expoente e nos dá dimensão do quanto as autoridades abusam da capacidade de inventar coisas para enganar o povo. Como se já não bastassem as novelas, o noticiário televisivo se aliou à polícia para produção de inimigos e difusão do medo. Concessionárias de serviço público de telecomunicação exercitam liberdade de empresa em detrimento da liberdade de imprensa, que há de existir em proveito da informação e comunicação social.

O inquérito do qual resultou a prisão da professora começou mal. Sua origem é o Procedimento de Investigação Criminal (PIC) instaurado pela Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo (CEIV), presidida pelo Ministério Público (MP) e auxiliada pelo delegado Ruchester Marreiros. A ida deste delegado para a DRCI, a fim de auxiliar a CEIV, levou o delegado titular da 15ª DP a elaborar relatório sem incriminação do Amarildo. Além do PIC há dois inquéritos: um na 5ª DP e outro na DRCI. Nenhum dos três procedimentos apura fato específico. Trata-se de devassa onde tudo é objeto de apuração e todos são bisbilhotados.

O que dá dimensão de realismo mágico ou realismo fantástico ao procedimento criminal é a inquirição sobre Mikhail Bakunin; nada demais se o filósofo russo não tivesse morrido em 1876. O fato relembra ocorrência durante a ditadura empresarial-militar, ao lado de quem estavam as mesmas empresas de comunicação que hoje criminalizam os movimentos sociais. Paulo Autran encenava em Porto Alegre a peça Édipo Rei, de Sófocles. No drama, Édipo mata o pai, Laio, e se apaixona pela mãe, Jocasta, sem saber quem eram. Aristóteles, filósofo grego que corre o risco de ser investigado por incitação ao crime, considerou a peça a mais perfeita obra da dramaturgia.

Ao fim da encenação os atores foram detidos pela polícia, convencida de que a ‘obra imoral’ era coisa de algum comunista. Indagados sobre qual deles era o Sófocles, um ator disse que o dramaturgo morrera há mais de 2.400 anos. Os policiais não acreditaram e ameaçaram prender todos. Outro ator, compreendendo a gravidade da situação, inventou que Sófocles estava escondido em Botucatu, no interior de São Paulo, livrando o elenco da prisão. Mas a peça foi censurada e o teatro fechado. 

Um perigoso subversivo a ser investigado é um tal de Karl Marx que propôs aos trabalhadores que defendesse seus interesses conjuntamente, dizendo: “Trabalhadores de todo o mundo: uni-vos!”.

Fonte: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-08-10/joao-batista-damasceno-a-investigacao-de-bakunin.html

Depois de Bakunin, pesquisa de mestrado é “arrolada” pela Polícia Civil no inquérito dos ativistas

Depois de incluir Mikhail Bakunin, um ativista político morto em 1876, no inquérito acatado pela justiça para prender 23 ativistas, agora se sabe que a Polícia Civil também incluiu uma pesquisa de mestrado na lista de “grupos perigosos” que estariam atuando nas manifestações que ocorrem no Rio de Janeiro desde junho de 1993.

Não fosse apenas um possível caso de falta do que fazer, essa postura revela uma perigosa tendência ao cerceamento e, pior, utilização de forma pouco ética do que é produzido por pesquisas acadêmicas.

Mas, vamos lá, quem ainda se surpreende com um inquérito que beira o universo social que aparece no livro ” O Processo” de Franz Kafka?

Aliás, antes que alguém queira também indiciar Kafka é preciso que se saiba que ele morreu em 1924! Bom, pensando bem, Bakunin morreu em 1876 e mesmo assim foi indiciado…

Pesquisa de mestrado no inquérito da Polícia

Foi com grande surpresa que vi o nome da minha pesquisa de mestrado na lista de “grupos organizados” no inquérito da Operação Firewall, que investiga os protestos desde junho de 2013. Desenvolvido na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), sob orientação da professora doutora Alita Sá Rego, o Rebaixada pesquisa a atuação da mídia alternativa nos megaeventos do Rio de Janeiro (Copa do Mundo, JMJ, Olimpíadas…).

O mestrado é do programaEducação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas e tem sua sede no campus da UERJ na Baixada Fluminense. Como todos os projetos de minha orientadora, desenvolvi uma parte prática do trabalho: o portal Rebaixada. Sua construção se deu em oficinas realizadas com estudantes e moradores vizinhos da Universidade, processo todo documentado no site.

O portal Rebaixada é um laboratório que experimenta tecnologias usadas pelos midiativistas durantes as recentes manifestações: mapas, wikis, games, agregadores, streaming, tradução, entre outras. Foi desenvolvido em software livre com código aberto. Sua principal funcionalidade é o Web Scraping, ou seja armazenar todas as informações produzidas pelas mídias alternativas para avaliação. Isso porque o Facebook é umwalled garden“, um sistema fechado, o que acaba dificultando a pesquisa acadêmica. Tal experimento também é realizado por iniciativas como o BRnasRuas e o AGREGA.LA.

Algumas experiências do Rebaixada ganharam destaque internacional de instituições como a UNESCO.

inquerito policia civil operacao firewall

Um pouco do que já saiu sobre o projeto Rebaixada em todo o mundo:

FONTE: http://rebaixada.com.br/pesquisa-de-mestrado-no-inquerito-da-policia/

O perigoso Bakunin é um dos indiciados no Rio de Janeiro. O próximo deve ser Enrico Malatesta

Mikhail Bakunin, teórico do Anarquismo, viveu e morreu no Século XIX, mais precisamente entre 1814 e 1876. É importante lembrar que Bakunin estava junto com Karl Marx na fundação da I Internacional, mas depois tomou caminho próprio, já que objetou a noção de transformação revolucionária do Estado como uma das etapas do surgimento de uma nova ordem política. É atribuída a Bakunin, a frase  que diz que ““Quem quer, não a liberdade, mas o Estado, não deve brincar de Revolução”.

Pois bem,  não é que hoje li numa matéria publicada pelo jornal Folha de São Paulo que a Polícia Civil do Rio de Janeiro incluiu Mikhail Bakunin na denúncia que foi prontamente aceita pela justiça fluminense contra os ativistas que foram presos antes da final da Copa do Mundo (Aqui!)!

É quase certo que os ossos de Bakunin devem ter vibrado com essa irônica e cruel lembrança de sua existência que tanto ameaçou o imaginário dos burgueses do Século XIX!

Agora, o que será mais que vai aparecer nesse inquérito? Só falta terem incluído também Enrico Malatesta que tinha grande influência entre os anarquistas italianos que vieram para o Brasil e acabaram, entre outras coisas, fundando os primeiros sindicatos na cidade de São Paulo.