Greenwashing à vista: o lobby do agronegócio vai à luta em Belém

Como os representantes  do agronegócio brasileiro pretendem influenciar a COP de Belém

Uma manada de gado durante um incêndio florestal na região amazônica.

Uma manada de gado durante um incêndio florestal na região amazônica brasileira. Foto: dpa/AP/Leo Correa
Lisa Kuner e Cecilia do Lago para o “Neues Deustchland” 

As emissões do setor agrícola representam um grande problema climático, mas muitos atores no Brasil querem convencer o mundo do contrário na próxima COP 30, conferência climática em Belém: “A agricultura brasileira opera de forma social e ecologicamente responsável”, afirma Pedro Lupión, presidente da Frente Agrícola Parlamentar (FPA). O agronegócio também contribui para a conservação da natureza no país, diz o político do partido Progressistas, de centro-direita. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, expressa visão semelhante: “O Brasil está mostrando ao mundo que é possível produzir, conservar e integrar. A agricultura brasileira será um componente essencial da solução global para os problemas climáticos.”

Os visitantes poderão vivenciar em primeira mão como isso poderá se concretizar na “Agrizone”, localizada a dois quilômetros da conferência climática em Belém, a partir de 10 de novembro. Organizada pela Embrapa, empresa brasileira de pesquisa agropecuária, a “Agrizone” contará com mais de 400 eventos. O financiamento provém de corporações como Bayer e Nestlé, bem como de diversos grupos de interesse. A “Agrizone” visa apresentar as melhores práticas — soluções para a agricultura de baixo carbono. Os organizadores também enfatizam seu compromisso em enfrentar simultaneamente a crise climática e a insegurança alimentar, por exemplo, por meio de abordagens agroflorestais, em que o gado pasta em florestas em vez de campos abertos. Agricultura tropical em harmonia com a floresta tropical — certamente parece promissor.

Na realidade, porém, a agricultura é um dos maiores impulsionadores da crise climática. No Brasil, diferentemente de muitas outras regiões do mundo, a maior parte das emissões provém de mudanças no uso da terra – devido ao desmatamento da floresta tropical, por exemplo, para o cultivo de soja ou a pecuária. Ao longo do “arco do desmatamento”, que se estende por todo o vasto país, muitas florestas já tiveram que dar lugar a enormes plantações de soja.

A situação global não é muito melhor: cerca de um terço de todas as emissões provém dos sistemas alimentares. E cerca de dois terços dessas emissões decorrem da produção de alimentos de origem animal, embora estes representem apenas 19% de todas as calorias produzidas mundialmente e 41% das proteínas. Isso se deve principalmente ao fato de o gado ser responsável por uma grande parcela das emissões de metano. A abordagem mais simples para reduzir as emissões desse setor é, portanto, clara: dietas com mais alimentos de origem vegetal e menos carne e laticínios. Esses fatos não são novidade – contudo, a agricultura raramente é mencionada nas discussões sobre a crise climática.

Isso pode ser explicado pelo fato de a produção de carne e laticínios ser um negócio gigantesco. Só no Brasil, o consumo de carne bovina é superior a 38 quilos por pessoa por ano, e cerca de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) está ligado a esse setor. O agronegócio também desempenha um papel político importante: 303 deputados federais e 50 senadores são filiados à FPA.

Se o consumo de carne diminuir, isso também significa perdas significativas para o setor agropecuário. É por isso que o lobby do setor tem participado ativamente de conferências sobre o clima há algum tempo – nos últimos anos, centenas de representantes têm comparecido anualmente. Isso faz parte de uma campanha em larga escala com o objetivo de desviar a atenção da dimensão de sua contribuição para a crise climática. Essa abordagem é semelhante às campanhas de décadas da indústria de combustíveis fósseis.

Meias-verdades e até mesmo desinformação são frequentemente utilizadas. No Brasil, por exemplo, o agronegócio está promovendo um novo padrão para a contabilização de gases de efeito estufa que supostamente refletiria melhor as propriedades do metano. Críticos, no entanto, alertam para um “truque de cálculo” que minimiza o papel da pecuária nas mudanças climáticas. O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) também não utiliza esse padrão. Alguns lobistas vão ainda mais longe: Gilberto Tomazoni, CEO da JBS, a maior empresa de carnes do mundo, afirma que os métodos de contabilização de gases de efeito estufa estão “errados” porque não levam em consideração que gases também são capturados durante a produção de carne.

Tudo isso deverá ser apresentado na conferência climática: o lobby do agronegócio também está representado nas salas de negociação oficiais da “Zona Azul”, em Belém. Inicialmente, o agronegócio brasileiro chegou a cogitar organizar uma espécie de contracúpula, uma “Cop do Agro”. No entanto, o governo estadual se opôs, e o evento acabou sendo cancelado.


Fonte: Neues Deutschland