Rio Morto: Ativistas ambientais, pesquisadores e atingidos pelo desastre de Mariana apresentam demandas à justiça capixaba

Formalização de demanda ao Ministério Público e à Defensoria Pública relativa à repercussões do desastre do rompimento da barragem de Fundão no ES

 À
Excelentíssimos(as) Representantes do Ministério Público Federal – MPF
Excelentíssimos(as) Representantes do Ministério Público do Estado do Espírito Santo – MPES
Excelentíssimos(as) Representantes da Defensoria Pública da União – DPU
Excelentíssimos(as) Representantes da Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo – DPES

Assunto: Solicitação de informações, transparência e inclusão das comunidades da foz do Rio Doce no processo de tomada de decisão sobre o manejo dos rejeitos de Fundão e acesso a estudos sobre contaminação de águas, sedimentos e alimentos.

Prezados(as),

Nós, organizações da sociedade civil, pesquisadores, comunidades tradicionais, pescadoras(es), quilombolas e demais moradores da região da foz do Rio Doce, dirigimo-nos a Vossas Excelências para expressar preocupação urgente e indignação crescente diante dos impactos que persistem após o rompimento da barragem de Fundão (2015) e, especialmente, da recente abertura de consulta pública visando à definição de Termo de Referência para estudos ambientais sobre o manejo dos rejeitos depositados na UHE Candonga.

Segundo nota oficial do IBAMA publicada em 21/01/2025, está aberta Consulta Pública para recebimento de subsídios técnicos ao Termo de Referência que orientará os estudos ambientais para o manejo dos rejeitos de Fundão retidos na Usina Hidrelétrica de Candonga, com prazo e procedimento definidos pelo órgão ambiental federal. (Fonte: IBAMA – “Consulta pública para subsídios ao Termo de Referência para estudos ambientais do manejo dos rejeitos depositados na UHE Candonga” – gov.br)
Link: https://www.gov.br/ibama/pt-br/assuntos/notas/2025/consulta-publica-subsidios-ao-termo-de-referencia-para-estudos-ambientais-do-manejo-dos-rejeitos-depositados-na-uhe-candonga

Tal informação causou espanto devido à ausência de comunicação e participação social e intensa preocupação entre as comunidades locais, uma vez que a situação dos rejeitos está diretamente relacionada à situação de presença de metais contaminantes ao longo da calha do Rio Doce o que implica diretamente na saúde e segurança alimentar de quem vive na foz, local que já enfrenta histórico de contaminação pós-desastre.

A apreensão é agravada pelo conteúdo do estudo divulgado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), que registrou elevada concentração de metais pesados em alimentos cultivados no estuário do Rio Doce, tais como mandioca, banana e cacau. De acordo com a pesquisa, foram identificados teores preocupantes de chumbo, cádmio, cobre, cromo e níquel, em níveis acima de padrões internacionais de segurança alimentar estabelecidos pela FAO e OMS. (Fonte: UFES – “Pesquisadores encontram elevada concentração de metais em alimentos cultivados no estuário”). Segundo observa-se “o estudo também reconhece que seria necessário ampliar a amostragem de áreas ao longo do Rio Doce para melhor compreender o potencial risco para a população atingida pelo desastre. Porém, os resultados oferecem um sinal de alerta, pois dependendo da quantidade de alimentos ricos em metais consumidos, assim como de fontes adicionais de contaminação (solo, ar e água), existe a possibilidade de risco para crianças.”
Link: https://www.ufes.br/conteudo/pesquisadores-encontram-elevada-concentracao-de-metais-em-alimentos-cultivados-no-estuario

Adicionalmente, reportagem investigativa independente publicada pela Mongabay Brasil (2025) reforça que, 10 anos após o rompimento de Mariana, famílias quilombolas do Rio Doce ainda convivem com água imprópria para consumo e pesca contaminada, afetando diretamente os modos de vida das comunidades de Degredo, Povoação e Regência. A matéria registra relatos de adoecimento, perda de sustento, insegurança alimentar e ausência de reparação efetiva. (Fonte: Mongabay Brasil – “Dez anos após Mariana, quilombolas do Rio Doce ainda sofrem com água contaminada”)
Link: https://brasil.mongabay.com/2025/11/dez-anos-apos-mariana-quilombolas-do-rio-doce-ainda-sofrem-com-agua-contaminada/?amp=1

Essas referências configuram um cenário crítico e epidemiologicamente sensível, indicando que qualquer decisão relacionada aos rejeitos de Candonga sem controle e participação social informada e qualificada pode aprofundar a injustiça socioambiental já instalada.

Nesse sentido, é absolutamente necessário que as Instituições de Justiça observem o risco que está colocado, inclusive às futuras gerações, garantindo que mesmo em tempos vindouros seja possível escrutinar o processo de tomada de decisão realizado hoje, atribuir responsabilidades e avaliar novos riscos em face às situações ainda desconhecidas.

Ressaltamos que o direito à proteção ambiental e à saúde no Brasil possui fundamento constitucional sólido e orientação expressa de responsabilidade intergeracional. O artigo 225 da Constituição Federal de 1988 estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo ao poder público e à coletividade o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações. De forma relacionada, está o artigo 196, que reconhece a saúde como direito universal e impõe políticas voltadas à redução de riscos ambientais. Tal fundamento é reforçado pela Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), que incorpora os princípios da prevenção e da reparação, responsabilizando o poluidor e estabelecendo instrumentos para controle da degradação; pela Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985), que permite a tutela judicial de direitos difusos e coletivos, incluindo danos ambientais de caráter continuado; e pela Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997), que reconhece a água como bem público finito a ser utilizado de forma sustentável entre gerações. Soma-se a isso a proteção prioritária conferida a crianças e adolescentes pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), garantindo-lhes direito ao desenvolvimento saudável e reforçando o dever estatal de assegurar condições ambientais seguras. Em âmbito internacional, o Princípio 3 da Declaração do Rio/92 consagra o dever de atender equitativamente às necessidades das gerações presentes e futuras e a Convenção 169 da OIT (Decreto nº 5.051/2004) assegura a consulta prévia, livre e informada de povos e comunidades tradicionais diante de ações que afetem seus territórios e modos de vida. Conjunto normativo que, articulado, consolida a proteção ambiental e sanitária como direito fundamental intergeracional, sobretudo em contextos de risco tóxico contínuo como o da bacia e foz do Rio Doce.

Diante disso, requeremos:

  1. Acesso público integral e simplificado a todos os documentos referentes ao processo de manejo dos rejeitos na UHE Candonga, incluindo Termo de Referência preliminar, pareceres técnicos, estudos de risco, alternativas tecnológicas avaliadas e plano operacional.
  2. Disponibilização de todos os estudos ambientais, hidrológicos e toxicológicos existentes sobre contaminação na bacia do Rio Doce, com recorte específico para o estuário e costa capixaba, incluindo o estudo da UFES aqui citado e outros que estejam em posse de órgãos públicos e empresas responsáveis.
  3. Informação detalhada e atualizada sobre medidas adotadas e previstas pelos responsáveis pela reparação, especialmente monitoramento de metais na água, pescado e alimentos, ações de saúde pública e planos de mitigação.
  4. Inclusão formal das comunidades quilombolas de Degredo, e das localidades de Povoação e Regência, e suas ATIs, no processo decisório, com consultas públicas presenciais, linguagem acessível e respeito ao direito de participação social livre e informada, conforme princípios da Convenção 169 da OIT e legislação ambiental brasileira.
  5. Criação de mecanismo permanente de diálogo e transparência, com canal institucional de acompanhamento comunitário, audiências públicas, acesso a dados e relatórios periódicos.
  6. Disponibilização de um plano de comunicação e divulgação científica que permita que as comunidades possam acompanhar e compreender os aspectos técnico-científicos envolvidos na questão de manejo de rejeitos e outros relacionados a contaminação do rio, mar, ou ligados a qualquer repercussão potencial ou conhecida nos usos do rio e mar.

Reiteramos que o manejo dos rejeitos de Fundão sem transparência, ciência acessível e participação dos povos atingidos não é aceitável. A vida e a saúde das comunidades precisam ser tratadas como prioridade absoluta.

Solicitamos que respostas formais sejam enviadas aos autores e signatários desta representação.

Colocamo-nos à disposição para diálogo e cooperação institucional.

Atenciosamente,
Associações, coletivos, comunidades, pesquisadores e pessoas signatárias

Laboratório de pesquisa em política ambiental e justiça – LAPAJ/UFES (coordenação da Profa. Cristiana Losekann)

Associação de Surf de Regência –

Movimento dos Atingidos por barragens –

Mariana e Brumadinho: é tempo de avançar por reparação integral e soberania popular

MAB realiza jornada nacional de lutas por reparação integral, direitos dos atingidos e soberania popular

Ato 2024 – 9 anos do Crime de Mariana (MG) – Foto Nívea Magno/MAB

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) promove nesta quarta-feira, 5 de novembro, uma série de atividades em Belo Horizonte (MG) para marcar os 10 anos do rompimento da barragem da Samarco/Vale/BHP, em Mariana, e reforçar a luta por reparação integral nos crimes socioambientais de Mariana e Brumadinho.

A mobilização integra a Jornada Nacional de Lutas do MAB, que também pauta os direitos dos atingidos pelos extremos climáticos e os debates da COP 30, que acontecerá em novembro, em Belém (PA).

10 anos depois…

É preciso avançar em uma ação coletiva robusta para resolver, dentre outros, o problema da moradia. Dez anos depois, os reassentamentos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira não estão concluídos e centenas de famílias em Barra Longa vivem em permanente insegurança porque suas casas não foram reformadas e estão interditadas, os aluguéis estão em valores impagáveis e continuam os problemas nas casas com trincas provocadas pelos caminhões da Fundação Renova.

É hora de uma ação coordenada que resolva este problema e coloque para Barra Longa, Rio Doce, Mariana e para toda a Bacia do rio Doce e litoral capixaba e baiano um programa de erradicação do déficit habitacional urbano e rural como uma compensação coletiva na Bacia pelos muitos danos provocados nesta década de crime.

Águas para a vida, não para a morte

Passados 10 anos, as famílias atingidas ainda não confiam na água que chega nas torneiras e que usam para agricultura e pecuária. Os programas anteriores de captação alternativa não foram totalmente implementados e continuam sendo propostas que não resolvem os problemas. Precisamos de ações de curto, médio e longo prazo que utilizem recursos dos diferentes fundos coletivos de forma coordenada para levar água de qualidade para as famílias com diferentes tecnologias, melhorias sanitárias em massa e um efetivo programa de saneamento que priorize a ação do setor público.

Água tem tudo a ver com saúde. Multiplicam-se os adoecimentos, muitos com gravidade ou que o Sistema Único de Saúde (SUS) não consegue tratar. É hora de continuar fortalecendo o sistema público, promovendo ações de longo prazo de formação continuada e participação, como os Vigilantes e Agentes Populares em Saúde, além de pesquisas que monitorem os danos continuados e não indenizados que atingem a população.

Apesar das importantes conquistas dos Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) na Repactuação do rio Doce, muitas comunidades, inclusive algumas reconhecidas oficialmente pelo estado brasileiro, foram excluídas. É preciso atuação dos responsáveis pelo acordo para inclusão destas comunidades não reconhecidas bem como foco nas políticas de moradia, acesso a água, regularização fundiária, demarcações, etc, para que ninguém tenha o direito violado.

Essas ações também precisam contemplar regiões inteiras com grande população tradicional como o extremo sul da Bahia (Nova Viçosa, Alcobaça, Mucuri, Prado e Caravelas) onde cerca de 18 mil pessoas da cadeia da pesca foram prejudicadas e não reconhecidas pelas empresas e o Estado brasileiro.

O ato central terá como tema “É tempo de avançar por reparação integral e soberania popular”, com presença de representantes do governo federal, parlamentares, lideranças de atingidos e movimentos sociais.

Programação – Belo Horizonte (MG)

– Quarta-feira, 5/11/2025

– Praça da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG)

7h – Café coletivo com atingidos e apoiadores

9h – Ato “É tempo de avançar por reparação integral e soberania popular” com autoridades e movimentos sociais

11h – Caminhada e ato no Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6)

12h30 – Almoço coletivo na Praça da ALMG

14h30 – Marcha em direção ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG)

16h30 – Ato e início do acampamento popular em frente ao TJMG

Programação – Mariana (MG)

10h – Momento solene Mariana 10 anos – Bento Rodrigues

16h – ato toque da Sirene (Jornal da Sirene) – Praça Gomes Freire

As denúncias

O MAB denuncia que, passados 10 anos do crime da Samarco/Vale/BHP em Mariana e 6 anos do crime da Vale em Brumadinho, a reparação ainda está longe de ser concluída. Famílias seguem sem moradia definitiva, sem acesso à água potável e com graves impactos na saúde, economia e meio ambiente.

O movimento exige participação popular efetiva na execução dos acordos de reparação, aceleração das obras de reassentamento e investimentos em programas de renda, saúde, educação e saneamento.

Mais informações sobre a luta dos atingidos @mab.com.br

Efeitos contínuos do incidente da Samarco em Mariana: quase 50% dos pescadores capixabas foram obrigados a abandonar a pesca

rio doceLama tóxica que chegou à foz do Rio Doce, no litoral capixaba continua prejudicando pesca em lagos, rios e alto mar

bori conteudo 

O rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em novembro de 2015, foi um dos maiores desastres socioambientais da história do Brasil, causando a contaminação do Rio Doce e de áreas costeiras pela lama tóxica. Segundo estudo publicado na revista “Ocean and Coastal Research” nesta sexta (6) por pesquisadores do Instituto de Pesca de São Paulo e da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), quase todos os 441 pescadores artesanais entrevistados pela equipe no Espírito Santo (96%) foram impactados pela falha da barragem.

Desses, 47% tiveram que abandonar a pesca, especialmente mulheres, idosos e pessoas que vivem em áreas mais distantes do mar. O mapeamento também identificou que 49% dos trabalhadores precisaram mudar a área de pesca, a arte de pesca utilizada ou a espécie-alvo – tendo em vista a redução da disponibilidade de peixes maiores, como pacu, robalo, traíra, tainha e garoupa. Menos de 4% seguiram na atividade pesqueira sem relatar limitações.

Baseada em entrevistas realizadas entre os anos de 2021 e 2022, a pesquisa analisa o impacto social do desastre em seis municípios capixabas cortados pelo Rio Doce ou situados no litoral – Baixo Guandu, Colatina, Marilândia, Linhares, Aracruz e Fundão. Dessa forma, o estudo considera a pesca realizada em rios, lagoas, estuários e alto mar. A amostra de entrevistados corresponde a 20% do número total de pescadores nas comunidades pesqueiras da região, abrangendo ambos os gêneros.

O grupo dos pescadores que abandonaram a atividade também é caracterizado pela renda mensal média mais baixa – R$ 1.217,24, 23% menos que a renda média de R$ 1.583,16 entre os que se adaptaram, por exemplo. O tempo médio de atividade no primeiro grupo é de 32 anos, frente a pouco mais de 26 anos de atividade registrados em média no grupo daqueles que se adaptaram e de 18 anos entre aqueles que seguiram na pesca sem interrupções. “Assim, os dados evidenciam não apenas os impactos do desastre, mas também as desigualdades que afetam diretamente as populações que dependem da pesca artesanal”, aponta a bióloga Mayra Jankowsky, pós-doutoranda no Instituto de Pesca e uma das autoras do artigo.

Todos os grupos afetados relataram fatores de estresse relacionados à catástrofe, como a contaminação ambiental e do pescado e a maior dificuldade em comercializar os produtos. “Chamou a nossa atenção durante a pesquisa que os entrevistados desconheciam o grau de contaminação e o risco de consumo dos peixes. Mesmo depois de tantos anos, ainda há um receio desse consumo por parte dos consumidores, prejudicando a venda dos pescados nas regiões afetadas”, ressalta Jankowsky.

A população afetada ainda aguarda uma reparação pelos danos sofridos. Em novembro de 2024, a Justiça absolveu as empresas Samarco, Vale e BHP Billiton e gestores pelo rompimento da barragem. A Fundação Renova, responsável por executar o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta, será extinta, ao mesmo tempo em que continua em andamento o julgamento da ação contra a BHP Billiton, uma das controladoras da empresa Samarco, no Reino Unido. Já no dia 25 de outubro deste ano, foi assinado o acordo entre as empresas e governos federal e estaduais, que estabelece o pagamento total de R$ 132 bilhões aos afetados.

Para Jankowsky, é fundamental a construção de soluções conjuntas, com maior participação dos afetados. “Garantir que essas comunidades desempenhem um papel ativo na construção das soluções facilita a geração de aprendizado coletivo e ações colaborativas, elementos essenciais para a reconstrução dos modos de vida afetados”, aponta. Ela também defende ações direcionadas aos grupos socialmente mais vulneráveis. “É contraditório que os mais velhos, com mais experiência e conhecimento, estejam entre os mais afetados e distantes do processo de recuperação, pois potencialmente ainda têm muito a contribuir”, frisa.

A pesquisadora afirma ser imprescindível a implementação de um monitoramento ambiental participativo, que permita avaliar a segurança alimentar e definir áreas seguras para a pesca, assim como realizar ações urgentes de descontaminação ambiental.


Fonte: Agência Bori

Tsulama de Mariana: acordo multibilionário revela disputa acirrada por dinheiro, desagrada a quase todos e deixa perguntas sem resposta

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Por Maurício Angelo e Ígor Passarini para o “Observatório da Mineração”

Quase nove anos depois do rompimento da barragem de Mariana em Minas Gerais, propriedade de Samarco, Vale e BHP, considerado o maior desastre socioambiental do Brasil e o caso mais complexo tramitando na justiça brasileira por seu ineditismo, número de atores envolvidos e extensão do dano, um acordo no valor de R$ 170 bilhões em números finais para tentar uma solução definitiva foi anunciado hoje.

A possibilidade de que este acordo encerre as disputas envolvendo as consequências do rompimento da barragem do Fundão, no entanto, são questionáveis. Os valores multibilionários chamam a atenção e revelam os números superlativos que sempre envolveram o caso.

Dos R$ 170 bilhões, R$ 100 bilhões seria “dinheiro novo”, ou seja, dinheiro extra que as mineradoras se comprometeram a aportar em uma série de ações nas próximas duas décadas. O volume de recursos repartido em várias áreas sob a gestão de diversos órgãos federais e estaduais injetará ainda mais dinheiro na bacia do Rio Doce, em Ministérios, no bolso de advogados, nas contas de assessorias técnicas, de representantes legítimos ou não das pessoas atingidas.

A disputa por essas centenas de bilhões foi e continuará sendo ferrenha. No fim, o acordo desagrada a quase todos, exceto, talvez, o governo federal e as empresas envolvidas, que conseguem encaminhar uma resolução no Brasil para um caso que se arrasta há quase uma década.

São muitas pontas soltas e perguntas sem resposta sobre o acordo anunciado hoje, que começou a ser mediado pelo Conselho Nacional de Justiça em julho de 2021, durante o governo de Jair Bolsonaro. Todo o arcabouço construído ao longo de quase uma década por ações civis, termos de ajustamento de conduta, pactuações e repactuações, incluindo inúmeros questionamentos, devem ser empurrados para debaixo do tapete e celebrados como uma solução aceitável.

Em fevereiro de 2023, por exemplo, o procurador federal Carlos Bruno Ferreira, coordenador da Força-Tarefa responsável pelo Caso Samarco, em entrevista exclusiva ao Observatório da Mineração, afirmou nunca houve auditoria externa e independente dos R$ 36 bilhões que as empresas alegavam ter pagado na época (atualizado para R$ 38 bi no anúncio de hoje do governo), que o Ministério Público Federal não tinha “nenhuma informação” sobre onde estava sendo gasto o dinheiro e que isso não era verificável na prática na bacia do Rio Doce.

Esses valores, no entanto, entraram na conta do “dinheiro velho” já pago dentro do R$ 170 bilhões mesmo sem confirmação e auditoria externa. O release do governo Lula, no entanto, faz um aceno claro ao escrever que esses R$ 38 bi são o que as empresas “alegam já terem desembolsado”. A Ação Civil Pública impetrada pelo MPF em 2018 pedia R$ 155 bilhões, época, porém, em que muitos danos ainda eram desconhecidos e valor que, corrigido, ficaria acima do pactuado agora.

Os termos do acordo de hoje devem encerrar o sistema indenizatório simplificado adotado pelas empresas e Fundação Renova sob orientação do ex-juiz responsável pelo caso, criado no meio da pandemia e que despejou bilhões na bacia do Rio Doce, sobretudo no bolso de advogados de cidades pequenas com práticas suspeitas e questionáveis que ficaram multimilionários da noite para o dia.

Inicialmente tratado como “modelo”, o sistema foi posteriormente considerado ilegítimo, repleto de irregularidades e que padecia de “nulidades absolutas” de acordo com a justiça. Matérias exclusivas deste Observatório da Mineração sobre a atuação do ex-juiz foram preponderantes para o resultado.

O chamado “Novel” será substituído por um “Sistema Indenizatório Final e Definitivo (PID)”, que destinará R$ 10 bilhões para indenizações individuais. As pessoas que não conseguiram comprovar documentalmente terem sido atingidos ao atual sistema de indenização – caso de milhares de pessoas mesmo nove anos depois – receberão R$ 35 mil em uma parcela única.  Pescadores e agricultores atingidos receberão R$ 95 mil, além de R$ 13 mil adicionais referentes ao “dano água”. Estima-se que 300 mil pessoas receberão esses pagamentos.

Não há clareza ainda sobre os rumos da ação por crimes ambientais que de toda forma já prescreveriam em 2024, deixando um rastro de impunidade. Nove anos depois, a ação penal também praticamente não andou, ninguém foi responsabilizado e dezenas de réus já foram inocentados.

Dentre os R$ 100 bilhões de dinheiro novo, R$ 40,73 bilhões serão destinados diretamente aos atingidos, R$ 16,13 bilhões serão aplicados na recuperação ambiental, R$ 17,85 bilhões irão para ações socioambientais que beneficiam indiretamente atingidos e meio ambiente, R$ 15,60 bilhões para saneamento e rodovias, R$ 7,62 bilhões para municípios e R$ 2,06 bilhões para ações institucionais e transparência.

Foto de destaque: Isis Medeiros


Fonte: Observatório da Mineração

Em Londres, BHP enfrentará 620.000 reclamantes em julgamento sobre rompimento da barragem de Mariana

Autores da ação buscam indenização de mineradora anglo-australiana por desastre ambiental ocorrido em 2015

cavalo bento rodriguesUm socorrista tenta salvar um cavalo em Bento Rodrigues após o rompimento da barragem de Fundão em novembro de 2015. Fotografia: Ricardo Moraes/Reuters

Por Daniel Boffey para o “The Guardian”

A mãe de um menino de sete anos que foi arrancado dos braços da avó e morreu afogado em um dos piores desastres ambientais do Brasil está entre os mais de 620.000 requerentes que terão seus casos ouvidos neste mês na maior ação coletiva da história jurídica inglesa.

Gelvana Aparecida Rodrigues da Silva, 37, perdeu seu filho Thiago em 5 de novembro de 2015 quando a barragem de Fundão, perto de Mariana, no leste do Brasil, rompeu, liberando cerca de 50 milhões de metros cúbicos de resíduos tóxicos .

Gelvana Aparecida Rodrigues da Silva com seu filho Thiago.

A avalanche de água atingiu a pequena comunidade de Bento Rodrigues em minutos, matando 19 pessoas, incluindo Thiago, que estava hospedado na casa da avó no momento do incidente

Gelvana Aparecida Rodrigues da Silva com seu filho Thiago. Fotografia: Apostila

“A avó dele disse que ele pediu por Jesus”, disse Da Silva sobre os momentos finais do filho. “Ele chamou por Jesus para salvá-lo. Mas eles foram despedaçados.”

O corpo de Thiago foi encontrado uma semana depois, a 60 milhas (100km) de distância. “Naquele momento, minha vida acabou”, ela disse. “Tudo mudou.”

Os rejeitos de minério de ferro armazenados na barragem rapidamente se espalharam por vários cursos d’água, transbordando e atingindo os municípios vizinhos de Mariana, Barra Longa, Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado.

Destruiu pontes, estradas, casas, fábricas e outras instalações comerciais , bem como terras agrícolas, vida selvagem e igrejas históricas que continham artefatos de valor inestimável.

Cerca de 620.000 pessoas, 46 municípios brasileiros, 2.000 empresas e 65 instituições religiosas devem reivindicar indenização da mineradora anglo-australiana BHP em um julgamento no tribunal superior de Londres, programado para ocorrer ao longo de 12 semanas, a partir de 21 de outubro.

Tom Goodhead, presidente-executivo do escritório de advocacia internacional Pogust Goodhead, que representa os reclamantes, disse que eles argumentarão que a BHP é responsável como acionista de 50% da Samarco, a joint venture responsável pela gestão da barragem de rejeitos de Fundão.

Alega-se ainda que a BHP, que estava em uma joint venture com a mineradora brasileira de minério de ferro Vale, foi negligente, pois, embora “estivessem cientes dos riscos do rompimento da barragem , financiaram sua expansão”, disse Goodhead. Os reclamantes estão buscando até US$ 44 bilhões (£ 33,6 bilhões) em indenização.

A BHP, junto com a Vale e a Samarco, criou a Fundação Renova para fornecer compensação a indivíduos e algumas pequenas empresas por perdas e danos, bem como mitigar impactos ambientais. A empresa disse que defenderia a ação judicial.

Um porta-voz da BHP disse: “O rompimento da barragem de Fundão foi uma tragédia e nossas mais profundas condolências às famílias e comunidades afetadas.

“A Fundação Renova, criada em 2016 como parte do nosso acordo com as autoridades brasileiras, gastou mais de US$ 7,7 bilhões em assistência financeira emergencial, compensação e reparo e reconstrução de meio ambiente e infraestrutura para aproximadamente 430.000 indivíduos, empresas locais e comunidades indígenas.

“A BHP Brasil está trabalhando coletivamente com as autoridades brasileiras e outros para buscar soluções para finalizar um processo de compensação e reabilitação justo e abrangente que manteria os fundos no Brasil para o povo brasileiro e o meio ambiente afetados, incluindo as comunidades indígenas impactadas.

“A BHP continua a defender a ação legal no Reino Unido. Acreditamos que o litígio no Reino Unido, que, se bem-sucedido, não veria os reclamantes receberem o pagamento antes de 2028, no mínimo, duplica – e prejudica – os esforços de reparação locais no Brasil.

“Como parceira não operacional de joint venture na Samarco, a BHP Brasil não tem controle operacional ou diário do negócio. A BHP não possuía nem operava a barragem ou quaisquer instalações relacionadas.”

O pai de Thiago, que morreu há dois anos, recebeu uma pequena indenização após o desastre, que ele dividiu com Da Silva, mas ela disse que não teve nenhum contato pessoal com as empresas envolvidas.

Ela disse: “A única coisa que pedimos é justiça, para que isso nunca aconteça com nenhuma outra mãe. Nenhum dinheiro no mundo pode trazer meu filho de volta, mas eu quero que eles sejam responsáveis ​​por isso, por esse crime.”

Goodhead disse: “Até onde sabemos, esta é a maior ação coletiva já realizada nos tribunais ingleses e acreditamos que provavelmente a maior em qualquer lugar do mundo. E isso é provável pelo valor, bem como pelo número de requerentes que estão participando dela.”


Fonte: The Guardian

Pescadores vão protestar na ALES por justiça aos atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP

Ato na Assembleia Legislativa vai distribuir três toneladas de peixe durante audiência sobre repactuação

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Por Elaine Dal Gobbo para “Século Diário”

Os atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão, crime cometido pela Samarco/Vale-BHP contra o Rio Doce em novembro de 2015, vão distribuir três toneladas de um peixe chamado valinha, em frente à Assembleia Legislativa. A manifestação será nesta quarta-feira (10), durante a audiência pública “Os impactos e a revitalização da Bacia do Rio Doce”, quando serão discutidos os impactos do crime socioambiental e a necessidade de reparação, com a participação dos atingidos no processo de repactuação em curso.

A audiência pública será realizada pela Comissão Parlamentar Interestadual de Estudos para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia Hidrográfica do Rio Doce (Cipe Rio Doce), puxada pelo gabinete da deputada estadual Janete de Sá (PSB), atual presidente do colegiado.

O presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes), João Carlos Gome da Fonseca, o Lambisgoia, afirma que a repactuação está acontecendo “a portas fechadas”, com a Renova, Ministério Público Federal (MPF), Governo Federal, os governos do Espírito Santo e Minas Gerais, e as Defensorias Públicas de ambos os estados, mediados pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região.Embora o MPF e as defensorias atuem em defesa dos direitos das comunidades, os próprios atingidos cobram participação ativa da repactuação.

“Ninguém melhor do que os atingidos para saber os nossos problemas, a nossa realidade. Queremos participar para saber o que está se passando. Está todo mundo com medo, pois as consequências do crime vão ficar e os atingidos têm que ser indenizados por isso”, cobra Lambisgoia.

O pescador informa que na repactuação é discutida a possibilidade de pagamento de uma indenização de cerca de R$ 140 bilhões por parte das empresas, a serem destinados para os governos federal e dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, o que não dá garantia de que o recurso chegará aos atingidos. “O que vão fazer com esse dinheiro? Onde está o atingido nessa história? Tem gente que foi atingida e ainda não foi reconhecida”, aponta Lambisgoia.

Ele destaca que até hoje há pontos nos quais os trabalhadores estão impedidos de pescar, como na zona 58, região de Regência, em Linhares, norte do Estado, na qual os rejeitos de minério desembocaram. Além disso, para reconhecimento do pescador como atingido, a Renova “impõe limites que não existem”, como a criação de categorias dentro da profissão, a exemplo das de pescado formal, pescador de fato e pescador de subsistência, sendo que, explica Lambisgoia, há somente duas categorias: pescador artesanal, com cadastro no Governo Federal, e pescador profissional, cadastrado na Capitania dos Portos.

Outra pauta que continua urgente é a grave contaminação da água, do pescado e outros alimentos ao longo de toda a bacia do Rio Doce e de todo o litoral capixaba, como bem confirmou o último relatório da Aecom do Brasil, perita judicial oficial do caso.

Atingidos, principalmente o litoral norte capixaba, organizam ônibus que sairão de várias cidades para ir à Assembleia nesta quarta, fora as pessoas que irão de carro próprio. Em Minas Gerais, os atingidos também se organizam para vir ao Estado somar forças com os capixabas. A pescadora e ilheira Joelma Fernandes Teixeira, de Governador Valadares, afirma que sairão ônibus de municípios mineiros como Aimorés e Rio Doce. “Queremos reivindicar nossos direitos. A repactuação, ao nosso ver, é um mistério, tem que ter transparência”, defende.

Joelma lamenta a falta de punição para a Samarco/Vale-BHP. “São nove anos de impunidade. Queremos justiça. Se a gente matar um tatu para comer, a gente vai preso, mas a Vale comete um crime, mata a flora, mata a fauna, um rio inteiro, tira as pessoas de suas casas, e não acontece nada. A pesca, biblicamente, é a profissão mais antiga do mundo. Respeitem os pescadores e ilheiros”, protesta.

Avanços

Os atingidos tiveram alguns avanços recentemente, como decisões judiciais recentes favoráveis aos atingidos que foram prejudicados pelo Novel – sistema simplificado de indenizações da Fundação Renova, reconhecidamente com cláusulas ilegais de quitação geral de danos – e pelo não cumprimento da Deliberação 58/2017 do Comitê Interfederativo (CIF), que obriga a inclusão de todas as comunidades atingidas nos programas de compensação e reparação de danos da Renova, desde a Praia de Carapebus, na Serra, até Conceição da Barra.

O avanço das ações internacionais, em Londres e na Holanda, também pode ser considerado um fator de pressão às mineradoras, para que cedam e fechem logo um acordo, diante das negativas recentes dos governos.


Fonte: Século Diário

Tsulama da Samarco: mineradora BHP oferece acordo de R$ 127 bilhões pelo desastre de Mariana

 

Empresa australiana e sua parceira Vale provocaram o maior vazamento de rejeitos de mineração da história

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Casas estão em ruínas em 2015, depois que uma barragem rompeu dentro de uma mina em Bento Rodrigues, Brasil, de propriedade conjunta da mineradora brasileira Vale e da australiana BHP

Por Rob Davies para  o “The Guardian”

A mineradora BHP disse que espera garantir um acordo de R$ 127 bilhões  como reparação do desastre da Samarco em 2015 , quando o rompimento de uma barragem deixou pelo menos 19 pessoas mortas, 700 desabrigadas e espalhou níveis sem precedentes de poluentes pelos rios e pela paisagem no Rio Doce.

A BHP disse que ofereceu o acordo às autoridades brasileiras em parceria com a mineradora Vale, sua parceira de joint venture 50:50 em uma subsidiária local, a Samarco.

A barragem de Fundão, de propriedade da Samarco, rompeu em 5 de novembro de 2015, liberando um dilúvio de rejeitos de mineração perto de Mariana, na região de Minas Gerais, no Brasil.

O acidente também deu início a uma longa série de ações judiciais contra a BHP , a empresa mineira australiana que tinha a sua principal cotação na bolsa de valores de Londres na altura do desastre.

A maior mineradora do mundo disse que ela e a Vale apresentaram uma proposta no valor total de R$ 127 bilhões, embora parte dessa quantia já tenha sido paga.

Nos termos da proposta, as duas empresas concordariam em pagar R$ 70 bilhões ao longo de “bem mais” de uma década, aos governos nacionais, regionais e municipais brasileiros.

As duas mineradoras também financiariam mais R$ 18,3 bilhões em compensação e esforços de limpeza através da Fundação Renova, que foi criada na sequência da catástrofe.

O restante do acordo,  R$ 38,5 bilhões, já foi gasto através da fundação, incluindo R$ 18,5 bilhões  que teriam sido diretamente pagos a cerca de 430 mil pessoas afetadas pelo desastre.

A proposta da BHP e da Vale reuniria os acordos existentes com as autoridades brasileiras com reivindicações pendentes de vários órgãos governamentais em um único acordo.

A BHP, a maior mineradora do mundo, transferiu sua listagem primária no mercado de ações para a Austrália em 2022.

Mas no momento do acidente a sua sede principal era em Londres, onde as suas reuniões anuais eram visitadas por manifestantes que exigiam compensações maiores por um desastre que desencadeou o maior derrame de rejeitos de resíduos de mineração da história.

A BHP anunciou sua proposta de acordo aos investidores após especulações na imprensa brasileira.

Dizia: “As negociações entre as partes estão em andamento e nenhum acordo final foi alcançado sobre o valor ou os termos do acordo”.

Na semana passada, a empresa mineira Anglo American, cotada em Londres, rejeitou uma abordagem de aquisição “altamente pouco atraente” de 31 bilhões de libras por parte da BHP.


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Fonte: The Guardian

O desastre que você pôde ver do espaço: como um podcast entrou em uma catástrofe ecológica

Dezanove mortos, centenas de desalojados e 700 mil a tomar medidas legais. Podcast de crimes reais ecológicos Dead River investiga o rompimento de uma barragem brasileira – e como isso levou à maior ação coletiva de todos os tempos no Reino Unido

Doce riverVista aérea do Rio Doce – que foi inundado com resíduos tóxicos após o rompimento da barragem de uma mina de minério de ferro. Fotografia: Fred Loureiro/AFP/Getty Images

Por Nell Frizzell para o “The Guardian” 

Eu ouço Dead River enquanto corro para casa depois de um mergulho rápido, cercado por pontas de cigarro e garrafas de Lucozade, no trecho marrom do que Thames Water descreve como “nossa fonte de água mais importante”. Mas enquanto ouço as descrições de 43,7 milhões de metros cúbicos de lama marrom tóxica – os “rejeitos” de apenas uma mina brasileira de minério de ferro perto de Mariana – preenchendo mais de 645 km (400 milhas) de cursos de água, desde o rompimento da barragem de Fundão, todos os caminho para o Oceano Atlântico, percebo que, na verdade, não sei nada sobre rios mortos.

Embora seja anunciado como um verdadeiro podcast de crime, Dead River abrange tudo, desde a destruição ambiental à história colonial, da tragédia familiar às perigosas cenas de perseguição, da antropologia indígena ao fato brutal de como é um rio coberto de um milhão de peixes mortos. Conta a história do pior desastre ambiental do Brasil . De acordo com este podcast, o colapso da barragem de rejeitos de Fundão em 2015, que armazenava os subprodutos tóxicos da mineração de minério de ferro, criou uma devastação mais imediata ainda do que o contínuo desmatamento da floresta amazônica para a pecuária. Também matou 19 pessoas, deixou centenas de desabrigados e era tão vasto que podia ser visto do espaço. Mais de oito anos depois, os responsáveis ​​ainda não foram totalmente responsabilizados. Isto levou à maior ação coletiva já realizada no Reino Unido , com mais de 700 mil demandantes buscando justiça da gigante mineira anglo-australiana BHP através dos tribunais ingleses e galeses. A empresa nega as acusações contra ela.

“Esta é uma das histórias mais multifacetadas, complexas e fascinantes de que já participei”, diz a bióloga Liz Bonnin. Ela apresenta o podcast e talvez seja mais conhecida por suas aparições em séries de televisão sobre vida selvagem, como Our Changing Planet e Blue Planet Live.

“Quando o produtor Pulama Kaufman me abordou, eles foram muito rápidos em dizer que queriam contar a história das falhas sistêmicas das mineradoras, mas também dos povos indígenas, sua cultura e como isso os afetou. Eu imediatamente aceitei.”

No podcast, há entrevistas com moradores da aldeia vizinha Bento Rodrigues, que foi destruída pelo dilúvio de lama venenosa que escorria, imparável, da barragem rompida; há relatos de Cristina Serra, cujo livro Tragédia em Mariana acabou por conduzir a grande parte da investigação abordada no podcast; há descrições líricas de pescadores locais sobre o que sua conexão com a terra significou ao longo de gerações; e uma olhada em como uma equipe de advogados, incluindo o independente galês Tom Goodhead, travou uma batalha legal contra os proprietários da barragem: a BHP e a empresa brasileira Vale. Será que Liz, pensei, alguma vez se preocupou em como apresentar uma história como esta, sem provocar o tipo de desespero ecológico que pode fazer com que até o ouvinte mais bem-intencionado se afaste?

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‘Todos podemos fazer parte da mudança’… Liz Bonnin. Fotografia: Pip/PR

“A conclusão a que cheguei, depois de anos imerso nesses assuntos de maneiras que me causaram muita angústia, é que precisamos olhar para a causa raiz desses sentimentos de opressão”, disse Bonnin pelo Zoom. .

“Somos constantemente atingidos na cabeça por manchetes cheias de estupro, assassinato, violência, guerra, desespero. Eles são tão deprimentes e angustiantes que acho que isso desempenha um papel em manter a largura de banda das pessoas pequena, para que elas não tenham a capacidade de absorver uma história como esta.” Bonnin leva a mão ao peito enquanto fala. “Mas temos de nos apoiar no desconforto e compreender a realidade do que criámos como sociedade global, para que todos possamos fazer parte da mudança.”

O podcast, Bonnin faz questão de ressaltar, também conta histórias lindas e emocionantes das pessoas no local e sua conexão com a natureza. Apresenta-nos uma série de pessoas que ela chama de heróis, que lutam pelo que é justo, justo e correto – organizações de direito ambiental como o Good Law Project, Friends of the Earth e Pogust Goodhead, que estão ganhando casos, levando empresas a tribunal e responsabilizar os governos. Também há pessoas nesta história que agem mais como heróis de filmes de ação; pessoas como Paula Geralda Alvez que, imediatamente ao saber que a barragem havia rompido, subiu na sua moto e disparou pela floresta, perseguida por uma onda de sujeira marrom tóxica, para alertar os moradores e moradores locais.

“Paula estava tão ligada à comunidade que seu primeiro pensamento foi salvá-la; correndo risco de sua própria vida”, diz Bonnin. “Depois tem os indígenas que mencionamos no podcast, dos Krenak aos Tupiniquim; as suas casas foram destruídas, os seus meios de subsistência, mas também com a perda do seu rio perderam o seu sentido de identidade e a sua espiritualidade. Eu sei que isso despertará sentimentos nas pessoas só de ouvir como elas falam sobre suas terras.”

Para mim, uma das imagens mais evocativas evocadas pelo podcast surge no terceiro episódio, com hectares e hectares de lama fedorenta, cheios de vegetação arrancada e animais mortos, sendo transportados para bairros mais pobres e despejados, criando mais uma nuvem de poeira tóxica. Diz muito sobre o papel que o dinheiro sempre desempenha em quem suporta o peso dos danos ambientais.

“Houve dois momentos em que tive que parar”, diz Bonnin. “Um deles estava lendo os nomes e idades das pessoas que morreram. A segunda foi quando tive que descrever o que aconteceu com a filha de Pamela.” A filha de Pamela Isabel foi uma das 19 pessoas que morreram no rompimento da barragem. “O pai de Pamela disse a ela que ela não precisava ver a filha porque ela estava irreconhecível.” Os produtos químicos da água e da lama começaram a apodrecer o corpo da criança por dentro. “Ela foi encontrada enroscada nos galhos e para mim isso foi um símbolo tanto da ferocidade do acidente, mas também do desrespeito pela preciosa vida humana”, diz Bonnin.

Enquanto corria para casa vindo do meu próprio trecho do rio, com o cheiro de terra e um leve cheiro de TCP na minha pele, ouvi um biólogo no podcast descrever os efeitos posteriores do derramamento dizendo: “Parece que eles jogaram o todo tabela periódica no rio.” Então, pergunto-me: o que podemos nós, na Grã-Bretanha, com as nossas empresas de água privatizadas e mal funcionais e um governo ambientalmente imprudente, aprender com este incidente?

“Como biólogo e conservacionista que aprendeu ao longo dos anos quão profundamente interligada e interdependente é toda a vida na Terra, pergunto-me como podemos ser tão nacionalistas em relação a isso”, diz Bonnin. “Para mim, é tão óbvio que isso é importante para nós. O mundo natural não é nosso para explorar; cabe a nós proteger para que possamos sobreviver. Só por essa razão, temos a responsabilidade de compreender e preocupar-nos com os danos que todos estamos a causar como parte de um sistema criado pelo colonialismo e pelo capitalismo. Esta não é uma história sobre o Brasil – é uma história sobre todos nós.”


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Este texto escrito originalmente em inglês foi publicado pelo jornal “The Guardian” [Aqui!].

Tsulama da Mineradora Samarco: DPU e instituições pedem condenação no valor de R$ 100 bilhões por dano moral coletivo

Desastre ambiental e social na Barragem do Fundão completa 8 anos em 5 de novembro

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A Defensoria Pública da União (DPU), a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPE/MG) e do Espírito Santo (DPE/ES), o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) e do Espírito Santo (MPES) e o Ministério Público Federal (MPF) protocolaram uma petição solicitando o julgamento antecipado parcial de mérito e a condenação das empresas Vale, BHP e Samarco em dano moral coletivo no valor de R$ 100 bilhões.

Essa quantia equivale a 20% do lucro líquido obtido pela Vale e da BHP nos últimos três anos. Além do dano coletivo, também foi solicitado o reconhecimento dos danos individuais homogêneos, de modo a estabelecer o direito das vítimas atingidas pelo desastre.

Na petição, apresentada na 4ª Vara Federal Cível e Agrária de Belo Horizonte na última segunda-feira (16), as instituições argumentam que, passados quase oito anos desde o desastre ambiental, foram produzidas diversas provas no curso do processo e há elementos suficientes para o reconhecimento dos pedidos, que são incontroversos. Além disso, ressaltam que o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), resultou em uma grave contaminação devido à liberação de uma grande quantidade de resíduos de mineração.

“Esse incidente causou danos significativos aos ambientes natural, urbano, cultural e paisagístico. Como resultado, também provocou diversos prejuízos socioeconômicos à coletividade e a milhares de pessoas naturais, físicas e jurídicas em várias áreas afetadas, incluindo comunidades e povos tradicionais”, afirmam na petição.

O documento enfatiza ainda que as empresas têm capacidade econômica para arcar com as indenizações. Apenas nos últimos três anos, a BHP e a Vale obtiveram, conjuntamente, um lucro líquido declarado de aproximadamente R$ 500 bilhões, sendo que cerca de R$ 355 bilhões foram distribuídos como dividendos aos acionistas.

Pela Defensoria Pública da União (DPU), assinam o documento o defensor regional de Direitos Humanos da DPU do Espírito Santo (DRDH/ES), Frederico Aluísio Carvalho Soares, e o defensor regional de Direitos Humanos da DPU de Minas Gerais (DRDH/MG), João Márcio Simões.

Leia a petição na íntegra.

Sobre o incidente em Mariana

O rompimento da Barragem do Fundão, ocorrido em 2015, em Mariana (MG), completará oito anos em 5 de novembro. Esse incidente, considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil, resultou em 19 mortes e causou o despejo de 44 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração. A lama contaminou toda a extensão da bacia hidrográfica do Rio Doce e parte do litoral capixaba, afetando municípios nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, onde se encontra a foz do rio.

Ao todo, foram atingidos, de forma direta ou indireta, 49 municípios, com um contingente populacional de 2.449.419 pessoas.

No Reino Unido, vítimas do tsulama de Mariana acusam a gigante da mineração BHP de ‘racismo ambiental’

Brasileiros escrevem a Sunak para instar o governo do Reino Unido a reprimir práticas corporativas antiéticas

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Cerca de 720 mil brasileiros estão processando a BHP, empresa anglo-australiana que até recentemente tinha sede em Londres, por seu papel no desastre da barragem de Mariana em 2015. A empresa nega responsabilidade. Ela está enfrentando reivindicações de indenização no valor de £ 36 bilhões na maior reivindicação de grupo do mundo na história jurídica inglesa .

Em novembro de 2015, a barragem de rejeitos de Fundão, co-propriedade da BHP com a produtora brasileira de minério de ferro Vale, estourou. O incidente em Mariana liberou 60 milhões de metros cúbicos de lixo tóxico , que destruiu a terra abaixo e poluiu tudo em seu caminho por mais de 600 km até chegar no oceano Atlântico.

Os resíduos mataram 19 pessoas, soterraram aldeias, deixaram milhares de desabrigados e afetaram o sustento de centenas de milhares. O impacto continua causando estragos no ecossistema e no meio ambiente, bem como na saúde das pessoas.

“Acreditamos que a BHP é culpada de racismo ambiental”, dizia a carta, entregue em 10 Downing Street na quinta-feira por alguns dos afetados. “São nossas comunidades indígenas as mais afetadas pelo desastre; nossas comunidades que corriam maior risco com as atividades de mineração; e nossas comunidades que continuam sem justiça pela BHP.”

Um porta-voz da BHP disse que a empresa “rejeita veementemente qualquer acusação de racismo ambiental”. No Brasil, a BHP, juntamente com a Vale e a Samarco, joint venture responsável pela gestão da barragem de Fundão, criou a Fundação Renova para ressarcir pessoas físicas e algumas empresas por perdas e danos, além de mitigar os impactos ambientais do desastre. Ele financiou mais de US$ 6 bilhões (£ 4,58 bilhões) em realojamento, reabilitação e indenização para todas as comunidades afetadas pelo desastre, acrescentou.

A questão foi discutida no parlamento britânico no mês passado. Tan Dhesi, parlamentar trabalhista de Slough, disse : “As empresas que administram grandes operações em todo o mundo não podem se esconder atrás de suas subsidiárias quando as coisas dão errado ou quando ocorre um desastre ecológico e ambiental. O Reino Unido tem um importante papel global.”

Jim Shannon, um deputado do DUP, disse aos presentes: “Não posso deixar de sentir que, se as comunidades britânicas ou australianas tivessem sido afetadas por tal desastre, não teriam sido tratadas da mesma forma. Na verdade, já teria sido resolvido há muito tempo.

A carta pede ao governo do Reino Unido que reconheça seu “papel vital para impedir que tais desastres voltem a acontecer” e para “reprimir as empresas britânicas que não cumprem suas credenciais sociais e ambientais em casa e no exterior”.

Tom Goodhead, sócio-gerente global e diretor-executivo da Pogust Goodhead, escritório de advocacia internacional com sede em Londres que representa as vítimas, disse: “Não se trata de dinheiro para a maioria dessas pessoas – elas querem justiça”.

Enquanto isso, a BHP e a Vale estão envolvidas em uma batalha legal sobre quem tem responsabilidade legal e financeira pelo desastre. Goodhead acrescentou: “Eles estão perdendo tempo, energia e recursos em vez de se sentar com as vítimas e resolver este caso. Eles se recusam a enfrentar as consequências de sua negligência. É um espetáculo vergonhoso.”


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Este texto escrito originalmente em inglês foi publicado pelo jornal “The Guardian” [Aqui!].