Por Douglas Barreto da Mata
Quem me conhece mais de perto sabe, sou um apaixonado por cinema. Queria ter uma formação cultural mais sólida, que me aproximasse do teatro, e reconheço a grandeza de todos que se aventuram a se expor a um público que reagirá imediatamente, sem truques, edições ou tecnologias. Porém, confesso que esse gosto cultural não me foi ofertado e quando pude buscar, nunca o fiz.
Talvez por isso tenha me apaixonado há anos pelo filme Birdman ou A Inesperada Virtude Da Ignorância, do diretor mexicano Alejandro González Iñarritu, de quem já conhecia alguns filmes, como 21 Gramas, Amores Perros, Biutiful, O Regreso e Babel. Ele trabalha temas insistentemente existenciais, mas com um ritmo acelerado e policromático, quase uma vertigem, ao contrário da narrativa mais lenta e de planos arrastados de Terrence Malick, outro conhecido por essas “viagens interiores”. Não dá para resumir a obra de ninguém em poucas linhas, mas posso, no entanto, definir o que me atrai em Birdman.
Primeiro é a ousadia e genialidade de fazer um filme sobre uma peça de teatro, que é baseada em um livro de Raymond Carver, de nome De Que Falamos Quando Falamos de Amor. De maneira corriqueira, o eixo central do filme é descrito como uma reflexão entre autenticidade e fraude, relevância e irrelevância, prestígio e popularidade, enfim, cultura sofisticada e bens culturais de massa.
Simultaneamente, a peça e o filme se entrelaçam quando se percebe que os contos de Carver adaptados pelo “diretor/ator” Riggs (Keaton) também buscam definir o que é o amor, passeando por linguagem, narrativas, compreensões e incompreensões. Na peça encenada no filme, há a cena derradeira, onde o “ator” Riggs (Keaton) descobre sua condição e decide seu destino…mas isso vai se conectar lá no fim do texto.
Nessa direção, o ambiente claustrofóbico de um teatro na Broadway foi uma sacada sensacional, e a escolha do elenco, com papel principal para Michael Keaton, acompanhado de Ed Norton, Emma Stone, Naomi Watts, Zach Galifianakis, etc, mostrou a enorme capacidade do diretor de misturar bons “ingredientes”, que deram a trama um sotaque de comédia, afastando a inclinação ao sufocamento previsível de bastidores de um teatro ou de um minúsculo bar.
Ao mesmo tempo, Iñarritu inverte essa lógica de lugar pequeno/claustrofobia quando nos brinda com uma cena fantástica de Michael Keaton ao ar livre e exposto em situação desconfortável, aí sim, sufocado pela reação da multidão.
Uma perfeita metáfora para o “sucesso”. Porém, não é nada disso que torna o filme sensacional e faz Alejandro González Iñarritu encontrar Raul Seixas, que lá atrás nos ensinou em uma de suas músicas: “pena não ser burro, assim não sofria tanto” .
Raul sabia, e Iñarritu também, que a ignorância é benção, mas o cineasta capturou com exatidão o momento do “aprendizado”, “do saber”, e aí está, em minha opinião, o que fez de Birdman um clássico. Como aquelas bonecas russas, que saem umas de dentro das outras, as camadas do filme pulam de dentro umas das outras. Os dois papéis (um dentro do outro) vividos por Keaton no filme se “libertam” do sofrimento da plena consciência sobre si mesmos.
Do ponto de vista existencial, penso que imaginado pelo diretor, pouco importa definir categorias, ter ou não relevância, a questão central é não perder todo seu tempo de vida em busca de algo que, quando alcançado, se mostrará inútil ou bem menos fundamental do que você imaginava.
É uma baboseira psicológica? É…mas é muito bem contado e filmado. Valem cada minuto.
