Por Douglas Barreto da Mata
Não cabem aqui teorias de conspirações. Alguém já disse que para sustentar grandes teses conspiratórias necessitamos de provas igualmente robustas. Por óbvio, não as temos. O folclore alega que o governo dos EUA sabia, ou ao menos ignorou sinais de que japoneses atacariam a base no Havaí, em 1941, assim como a administração Bush Jr fez ouvidos moucos para os alertas de ameaça crescente em relação a alvos em solo estadunidense. Tudo isso para que esses governos pudessem justificar as guerras que seguiram, nos séculos XX e XXI.
Como disse antes, ninguém provou tais hipóteses, mas é fato que esses governos aproveitaram tais eventos para consolidar poderosas coesões nacionais, em torno de inimigos comuns. Estes processos costumam dar poderes inimagináveis aos governantes e suas correntes políticas, e no caso dos EUA, esse empoderamento resulta em mudanças dramáticas em todo mundo. Foi assim no pós 45, e também no pós 11/09/2001.
No Brasil, um evento que teve, talvez, o mesmo peso foi o atentado a Carlos Lacerda, ferrenho opositor de Getúlio Vargas, que balançava no cargo, acossado pela mesma direita golpista de sempre. A tentativa de um auxiliar de Gregório Fortunato, o anjo negro de Getúlio, matou um major da aeronáutica. O final sabemos, Vargas se matou, adiou o golpe, porém não o evitou, consumado em 64. Na época, Vargas teria dito: “esse tiro me acertou pelas costas”.
Como sempre acontece nesse tipo de situação, a busca por uma narrativa que favoreça a essa ou aquela facção política obscurece uma apuração correta. Nunca se chega a uma versão mais próxima da verdade. Dizem que foi o próprio Lacerda que, ao tentar reagir, atingiu o major Vaz. Ao mesmo tempo, a imobilização com gesso em ferimento por disparo de arma de fogo não seria compatível. Nunca se soube quem estava por trás do atentado. Nenhuma das especulações foi afastada ou confirmada, mas a principal construção prevaleceu: Vargas era o culpado, apesar do inquérito policial militar (uma instância totalmente inadequada) nunca ter concluído nada nessa direção.
Bem, ontem, um atentado a bomba sacudiu Brasília, quando um ex-candidato a vereador pelo PL de uma cidadezinha em Santa Catarina (ninho de nazistas?). As conexões, as motivações, enfim, a dinâmica, preparação e execução do delito, se foi um ato individual ou de grupo, tudo isso merece investigações equilibradas. No entanto, o fato é que esse ataque pode levar ao fortalecimento de um estranho consenso em torno do Supremo Tribunal Federal (STF) e do poder judiciário.
Consenso, aliás, que o presidente Lula tem ajudado a formar desde 8 de janeiro, quando se acovardou de seu papel político de líder de uma nação. Preferiu terceirizar a tarefa, em nome de uma governabilidade que nunca se sustenta, e cujos cafetões exigem sempre mais para garanti-la.
Repito que esse crime tem que ser rigorosamente escrutinado, e nenhum poder constituído deverá funcionar sob assédio violento. Muito cuidado é exigido, porque há a tentação permanente de que se aproveite fatos dramáticos para a consecução de objetivos políticos específicos.
O poder judiciário brasileiro já deu, recentemente, provas cabais de promiscuidade com correntes políticas, ao mesmo tempo que esse mesmo poder, aqui citamos o STF, foi incapaz de frear esses movimentos, seja no chamado mensalão, seja na lava jato. A sedução dos holofotes fez Rosa Weber condenar um réu “porque a literatura permitia, não pelas provas”. Essa mesma sede de protagonismo levou a Power Point, com suposições e convicções sem suporte probatório. Juízes sem competência julgaram.
Prisões serviram para coagir futuros delatores, cujos relatos eram pré-estabelecidos com advogados obedientes, que fizeram fortunas com esse negócio. A Presidenta Dilma Rousseff foi deposta, o então ex-presidente Lula preso. A luz das câmeras de TV foram tão fortes que transpassaram a venda da deusa Themis. O curso da história foi alterado. No lugar das reparações devidas, com as devidas responsabilizações, o Brasil passou pano, e varreu tudo para baixo do tapete. Do mesmo jeito que fez com o regime militar, e a anistia, o país ignorou o triste papel desempenhado pelo poder judiciário.
Além de não cobrarmos dos juízes do supremo que, não só permitiram, mas se acumpliciaram aos movimentos golpistas desde 2006, que chegaram ao ápice em 2018, com a eleição de Bolsonaro, vamos dar a esse mesmo poder judiciário a condição de “vítima principal”.
Paradoxalmente, os que investiram contra o STF foram alimentados por eles mesmos. Pior ainda é considerar que o poder judiciário é o guardião e símbolo do estado de direito e da nossa ideia de democracia. O risco que corremos com esse atentado de ontem é esse.
Por fim, parece certo que tais explosões atingiram em cheio as pretensões de anistia do ex-presidente e de seu grupo. A questão central não é se a anistia é juridicamente ou politicamente possível. O grave é que o STF já tenha declarado sua posição sem ter sido provocado para tanto, revelando uma contaminação óbvia de um sentimento perigoso, o direito penal do inimigo.
O inimigo pode ser qualquer um.

