Tentativa de golpe no Brasil

Apoiadores do ex-presidente de direita invadem prédios do governo. Aviso de novos ataques

golpe brasiliaCom força bruta: bolsonaristas se envolvem em embate com policiais militares (Brasília, 01/08/2023)

Por Volker Hermsdorf para o JungeWelt

Após a fracassada tentativa de golpe no Brasil, o chefe de Estado Luiz Inácio Lula da Silva deu os primeiros passos. “Os atacantes serão punidos e também vamos descobrir quem os financiou”, anunciou após inspecionar os estragos na noite de domingo (horário local). No fim de semana, simpatizantes do ex-presidente fascista brasileiro Jair Bolsonaro invadiram vários prédios do governo na capital Brasília após uma manifestação anunciada anteriormente na Internet sob o lema “Tomada de Poder”. Quebraram portas e janelas do Congresso, arrombaram gabinetes de parlamentares, ocuparam o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal e convocaram os militares para dar um golpe contra Lula.

Depois que a Polícia Federal conseguiu retomar o controle do complexo, uma das primeiras reações foi demitir o chefe da segurança da capital, o ex-procurador-geral de Bolsonaro, Anderson Torres. A Procuradoria-Geral da República pediu à Suprema Corte a emissão de mandados de prisão contra Torres e outros funcionários responsáveis ​​por “atos e omissões” que levaram aos distúrbios. “Foi um crime anunciado contra a democracia, contra a vontade dos eleitores e por outros interesses. O governador e seu ministro da Segurança, apoiador de Bolsonaro, são os responsáveis ​​por tudo o que aconteceu”, disse a líder do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, no Twitter.

O ministro da Justiça, Flávio Dino, descreveu os incidentes como uma “tentativa de golpe” e o chefe de Estado, Lula da Silva, lembrou declarações de Bolsonaro de que, em caso de derrota eleitoral – aludindo ao ataque de apoiadores de Trump ao Capitólio dos EUA em 6 de janeiro, 2021 – um “problema pior do que nos EUA” havia anunciado. “Você sabe que houve declarações do ex-presidente incentivando isso”, disse Lula. Bolsonaro, que fugiu para a Flórida pouco antes de seu sucessor tomar posse, rejeitou suas alegações. A pilhagem de edifícios públicos viola “as regras para manifestações pacíficas”.

A condenação inicialmente unânime dos eventos por governos estrangeiros e chefes de estado revela diferenças sutis em uma inspeção mais detalhada. Enquanto presidentes latino-americanos como Andrés Manuel López Obrador (México), Alberto Fernández (Argentina), Miguel Díaz-Canel (Cuba), Nicolás Maduro (Venezuela) ou, por exemplo, o vice-presidente do Senado russo, Konstantin Kossatschow, descreveram os motins como “tentativa de golpe” pela direita, os principais políticos europeus e norte-americanos evitaram o termo – pelo menos nas primeiras declarações. O presidente dos EUA, Joseph Biden, chamou os eventos de “ultrajantes”. O chanceler federal Olaf Scholz, a ministra das Relações Exteriores Annalena Baerbock e a presidente da Comissão da UE, Ursula von der Leyen, viram isso de forma unânime e vaga como um “ataque à democracia”. que não pode ser tolerado. Enquanto isso, a aliança regional de estados “Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América – Tratado de Comércio dos Povos” (ALBA-TCP) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), de 33 países, alertaram sobre novas ações desestabilizadoras do direita.


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Este texto escrito originalmente em alemão foi publicado para o jornal “Neues Deutschland” [Aqui!].

Lula e o seu Rubicão

brasilia
Por Roberto Amaral*

“Creio que este seja um momento decisivo de nossa história: a tirania foi derrotada. A alegria é imensa. Contudo, ainda resta muita coisa por fazer. Não nos enganemos acreditando que daqui em diante tudo será fácil; talvez daqui em diante tudo seja mais difícil.”

– Fidel Castro Ruz (Havana, 8 de janeiro de 1959)

Como é sabido, os últimos quatro anos da vida nacional foram pontuados por tentativas golpistas planejadas, coordenadas e operadas a partir do terceiro andar do palácio do planalto, com o ostensivo apoio da coorte de fardados e similares desafeitos às leis, aos regimentos militares e à democracia. Foram, na sequência dos  idos de 2013, do golpe de 2016 e do mandato-tampão de Temer, quatro longos anos de proselitismo e ação protofascista, consolidando o avanço da extrema-direita brasileira como movimento político-ideológico, que, pela primeira vez na república, associava à tradicional aliança do grande capital com seu braço armado (os militares) o apoio de ponderáveis  segmentos populares, persistente até aqui.

O conservadorismo larvar, de base tanto social quanto religiosa, organizado, conquistara pela primeira vez mediante eleições livres a presidência da república, e passara a valer-se da posse do governo como instrumento de um projeto inédito de extrema-direita, reacionário no discurso e na ação, que seu líder anunciou como de desconstrução nacional.

Pari passu, na tradição do fascismo, foi estimulada a ideologia da divisão interna, do conflito permanente (no qual se alimenta a extrema-direita), permeando toda a sociedade. Seu desdobramento foi a institucionalização da violência social, mediante criminosa política de armamentismo civil, consagrador do poder das milícias e do crime organizado. Hoje, o exército, que transitou da omissão para a cumplicidade, não sabe dizer quantas  e quais armas e munições estão espalhadas pelo país. Descartou-se do dever legal de seu controle.

Desde o primeiro dia de mandato, a horda eleita em 2018 deixou claro que seu projeto de poder olhava para além dos quatro anos constitucionais.

Os fatos e as evidências, contudo, não eram suficientes para vencer o bovarismo político: assustados com o que nos podia dizer a decifração da realidade, nossa elite pensante (agora com a responsabilidade de Estado) teimava em não ver a mudança de qualidade do fenômeno político. Parecia mais cômodo reduzir o processo que se consagrara em 2018 como um mero episódio eleitoral, e ver o governo que aí se instalava e que chegou até ontem como um fato que se encerrava em si. Nada obstante as advertências do processo político e as ignoradas lições da História, miramos o governo como fato parado, para não ver o fenômeno desafiador que era a organização da extrema-direita golpista, que ameaça ter vida própria, para além de seu líder e principalmente para além do processo eleitoral e  das regras da institucionalidade democrática. É  o que vemos hoje. Nem os tolos de todos os gêneros podem alegar surpresa.

As tentativas de golpe dirigidas diretamente por Bolsonaro e os fardados, como o 7 de setembro de 2021, seu 18 brumário frustrado, as reiteradas ameaças de quarteladas e a tentativa de desmoralização do processo eleitoral prepararam o terreno para a fracassada intentona do dia 08/01/2022, que começou a ser montada com a ocupação dos quartéis do exército por súcias de vândalos, cresceu com a recusa dos militares de passar a seus sucessores os comandos da defesa e das três forças, e foi para as ruas com as arruaças consentidas do dia da diplomação de Lula (12/12/2022), além da tentativa de explosão de um caminhão carregado de combustível junto à rede de eletricidade no aeroporto de Brasília, no Natal. Nada, porém, que chamasse a atenção para a ameaça crescente. Lula havia sido eleito, finalmente tomava posse, e tudo o mais se transformava em passado.

Os fatos de domingo se esvaziaram, mas a peçonha golpista não foi esmagada e pode sobreviver em outras iniciativas de terrorismo, como atentados de toda espécie e sabotagens  que não podemos prever, mas que delas os serviços de segurança e inteligência nos deveriam precatar, se não estivessem comprometidos com a resistência ao mandato do presidente Lula. De que certamente seu GSI já tem ciência.  O governo precisa  aparelhar-se politicamente e os partidos progressistas devem rever os respectivos projetos em face do desafio permanente  que é a organização popular, a partir do embate ideológico abandonado pela esquerda.

Quando os novos teóricos do poder entenderão que a sucessão em processo nada tem de familiar com a sucessão de 2003, e que o quadro militar daquele então nada guarda de compatível com a realidade de nossos dias? Jamais a república cobrou, como cobra agora, o braço forte de um presidente: o título de comandante-chefe das forças armadas deixa de ser uma de suas competências constitucionais, apenas, para elevar-se como dever cívico, uma necessidade histórica da qual não pode declinar.

As movimentações da turbamulta no último domingo, que amanhã com diversa intensidade podem repetir-se em qualquer parte do país, foram anunciadas há mais de uma semana, e desde a posse de Lula estava nas redes sociais o chamamento de caravanas para Brasília, com o manifesto propósito de provocar o caos, como sinal para a intervenção militar sonhada pelo bolsonarismo e apregoada em casernas de todos os naipes. O que pretendiam já fôra ensaiado nas arruaças de 12 de dezembro em Brasília, arruaças não apuradas, arruaceiros e financiadores não identificados  e salvos de qualquer sorte de repressão, mesmo após atentarem contra o patrimônio público e investirem contra o suntuoso complexo  da Polícia Federal.  Espera-se que a facilidade de pescar cabeças de bagre não relaxe a prisão dos  principais criminosos, os aliciadores ideológicos (o capo de todos homiziado em Miami) e os financiadores das caravanas.

Para o dia 8 eram previstos mais de 200 ônibus chegando a Brasília desde a véspera, e vindos de várias partes do país. Não vimos isso, porque pareceu mais cômodo não ver, como se a ignorância do fato o tornasse irreal. Nenhum segredo os  golpistas guardaram de suas maquinações. Mas, igualmente, nenhuma ação se viu de quem deveria defender a institucionalidade democrática que nos parecera tão festejada na liturgia cívica do primeiro de janeiro, momento de afirmação republicana que devemos  resgatar para preservar, ilustrando esperanças que precisamos manter vivas.  Os trumpistas tropicais encontraram o seu Capitólio entregue às baratas, o campo livre para depredarem os edifícios-símbolo dos poderes da república, a saber, o STF, o Congresso Nacional e o Palácio  do Planalto, onde chegaram ao terceiro andar e às portas do gabinete do presidente da república. Caminharam, livremente, de um plano a outro da esplanada dos ministérios, sem conhecer empecilhos.

Os repórteres de televisão chegaram com suas câmeras, e estiveram, para o acaso do registro histórico, presentes em todas as cenas. Mas não chegaram, senão com grande atraso e após a intervenção federal no sistema de segurança do DF, os aparatos de defesa das instituições, que lá deveriam estar numa ação preventiva, conforme rotina há muito conhecida, e familiar aos habitantes da capital. Como antes, não haviam funcionado nem os sistemas de informação federais, civis e militares (onde estava o batalhão dos Dragões da Independência, encarregado da defesa do palácio do planalto?), nem os serviços de informação do Distrito Federal, uns notoriamente incompetentes, outros notoriamente comprometidos com mais uma tentativa de golpe. Vai ficar por isso mesmo?

Desta feita, é impossível, mesmos aos néscios, desvincular o papel desempenhado pelo governador do Distrito Federal, ora afastado, como é impossível negar a presença de uma inteligência coordenadora. O ex-secretário de segurança do DF, até outro dia Ministro da Justiça, foi descansar em Orlando, na companhia de seu chefe efetivo, na expectativa, dos dois,  de verem de longe e comemorarem o incêndio de Roma.

Não há por que confiar em qualquer sorte de lealdade das corporações de inteligência e segurança das forças armadas do Estado brasileiro. Mas o novo governo se entregou de mãos e pés atados a essa ficção. A história da corporação militar a vincula ao desrespeito continuado ao poder civil, às instituições democráticas e à ordem constitucional. Mas qual papel era justo esperar dos serviços de informação da polícia federal, agora sob o comando do ministro Flávio Dino? A Polícia Rodoviária Federal não viu a movimentação atípica dos ônibus? Sinal de relaxamento político, o novo ministro da defesa nos dizia que as aglomerações na frente dos quartéis do exército (de onde saíram as bananas de dinamite e o terrorista que tentou explodir um caminhão de combustível no aeroporto de Brasília) eram atos normais da vida democrática, e chegou mesmo a dar como testemunho o fato de amigos e parentes seus, em Recife e em Brasília, integrarem esses grupelhos de apóstolos do atraso.

A literatura grafou a expressão bovarismo (derivada da personalidade desvairada de Madame Bovary, de Gustave Flaubert) para significar o desvio psicológico de pessoas que se recusam a conviver com a realidade. Tomam o sonho como real; mas se assim evitam, ainda que momentaneamente, o mal-estar representado pelo presente desagradável, não se livram  da chegada do desastre.
Sabe-se, com Marx, que a história não se repete, senão ora como tragédia, ora como farsa. Os tempos presentes ainda estão por serem definidos, pela ação dos indivíduos, e o governo do presidente Lula enfrenta seu Rubicão. É a hora de sua escolha, talvez definitiva, que há de ser, também, a hora de sua afirmação. Confio que avançará. Os fatos lhe oferecem a oportunidade de assumir o protagonismo que as circunstâncias históricas construíram, independentemente de sua vontade, mas que até gora vem sendo exercido pelo poder judiciário e por um ministro audaz.

A tessitura do processo social, contrariando os áulicos da conciliação pela conciliação,  aprofundou o conflito social posto em  números do 30 de outubro do ano passado,    mas desta vez os polos se apresentam   largamente assimétricos porque  a grande maioria da sociedade – incluindo liberais, o centro e a “direita civilizada”–, assustada, optou pela democracia e entregou a Lula o bastão de sua defesa. Cabe-lhe assumir plenamente a tarefa, como chefe de Estado e comandante supremo da forças armadas, mas principalmente como o maior líder popular do país, sem se deixar intimidar, sem se dobrar a chantagens e sem receio de rever decisões já tomadas na montagem do governo que apenas se inicia.

A sorte está lançada.
 


* Com a colaboração de Pedro Amaral.
Os textos de Roberto Amaral podem ser encontrados em www.ramaral.org

Associação de Docentes da Uenf lança nota sobre ataques em Brasília

nota

O Brasil viveu neste domingo (08/01) um dos episódios mais tristes e lamentáveis da sua história.

A invasão às sedes dos Três Poderes em Brasília, orquestrada por um bando de terroristas pró-Bolsonaro que não aceitam o resultado das eleições, é revoltante e merece nosso total repúdio.

Não é possível aceitar que a barbárie praticada por alguns golpistas prevaleça sobre a vontade da maioria da população, que foi democraticamente expressa nas urnas no dia 30 de novembro de 2022.

Exigimos que os criminosos sejam responsabilizados e punidos sob o rigor da lei, assim como os financiadores do golpe fracassado e as autoridades que foram coniventes com os atos antidemocráticos.

Um país melhor se faz com educação e diálogo. Nunca com armas e violência.

A população brasileira merece respeito. E a democracia sempre haverá de vencer.

ADUENF-SESDUENF
Gestão Transparência, Respeito e Luta pela Base!
Biênio 2021/2023

Anistia Internacional Brasil repudia a invasões e ataques a prédios públicos deflagrados por grupos extremistas em Brasília

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A Anistia Internacional Brasil exige investigações céleres, imparciais e efetivas que sejam conduzidas pelas instituições competentes para que os atos deste domingo, 8 de janeiro, sejam devidamente apurados. A invasão e depredação de prédios públicos, a destruição de documentos, violações da segurança e integridade física de jornalistas que acompanham os eventos e de agentes das forças de segurança que foram agredidos por extremistas devem ser investigadas. Tentativas de destruição e subtração de aparelhos e câmeras de profissionais de comunicação representam grave violação do direito à liberdade de expressão e de imprensa.  

A Anistia Internacional Brasil irá acompanhar a intervenção federal, no âmbito da segurança pública do Distrito Federal, decretada hoje pelo Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, como reação ao ocorrido. 

 É imprescindível que as autoridades garantam a desocupação completa e imediata da Praça dos Três Poderes, incluindo o Congresso Nacional, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal. A destruição de prédios públicos que representam instituições dos Três Poderes do Estado deve ser apurada pelos órgãos competentes e os responsáveis devem ser investigados, processados, julgados e sancionados, em conformidade com os parâmetros internacionais de direitos humanos. 

A obrigação do Estado Brasileiro de garantir os direitos humanos implica que as autoridades estejam preparadas para lidar com as manifestações políticas, o que implica em ações de inteligência, planejamento, precaução e monitoramento de cenários de risco e de grupos extremistas para facilitar que as reações institucionais sejam proporcionais. Os parâmetros internacionais de direitos humanos permitem a dispersão de manifestações pacíficas em casos raros, por exemplo, quando incitam discriminação, hostilidade ou violência. A invasão ocorrida hoje, dia 8 de janeiro de 2023, em Brasília, não se enquadra nos parâmetros de manifestação pacífica.  

Hoje, dia 08 de janeiro, uma multidão de ao menos 3900 manifestantes de grupos extremistas que contestam o resultado das Eleições 2022invadiu o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e a sede do Supremo Tribunal Federal em Brasília. No início do sábado, dia 07 de janeiro, havia uma preocupação quanto à chegada de mais de 100 ônibus com manifestantes em Brasília, quando o Ministro da Justiça e Segurança Pública autorizou o emprego da Força Nacional para realizar a segurança do local. O governo do Distrito Federal falhou em garantir a segurança e em tomar as medidas necessárias para coibir atos violentos e a invasão dos prédios públicos que já havia sido anunciada pelos grupos extremistas. 

A Anistia Internacional Brasil, desde o primeiro turno das eleições presidenciais, tem monitorado com preocupação a escalada de violência e ameaça ao Estado de Direito por grupos organizados, em alguns casos armados, que contestam, não apenas o resultado do pleito eleitoral, como também o funcionamento das instituições do Estado. 

É alarmante que as autoridades como a Polícia Federal, Ministério Público Federal, Ministério Público do Distrito Federal e o Governo do Distrito Federal não tenham sido capazes de identificar os mandantes e os financiadores da invasão e de impedirem que os ataques de hoje ocorressem.  

A Anistia Internacional Brasil exige que o Estado Brasileiro garanta investigação, de maneira célere, imparcial, séria e efetiva das circunstâncias que levaram à invasão e ataques ocorridos neste 8 de janeiro de 2023, em Brasília, com o fim de identificar, processar, julgar e sancionar todos os envolvidos nestes episódios, incluindo os mandantes, organizadores e financiadores e também as omissões de instituições de Estado que não agiram para evitar essas invasões acontecessem.  

Comissão Arns emite nota sobre atos terroristas em Brasília

A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos D. Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns vem a público manifestar o seu total repúdio aos atos de violência que atentaram contra o Estado Democrático de Direito, neste domingo (8/1) no Distrito Federal. A invasão e depredação dos prédios que abrigam os poderes da República é inaceitável, representando uma tentativa de abolir pela violência o regime democrático, o que é crime, tipificado pelo artigo 359-L do Código Penal.

Impossível aceitar que se busque, pela via da força, do caos, do desacato às autoridades e às leis, obstruir a soberania popular expressa  pelo resultado democrático das urnas em 2022.

É fundamental que forças de segurança restabeleçam urgentemente a lei e a ordem na capital do País. É  imperativo que todos aqueles que invadiram e depredaram a sede dos três poderes da República, assim como aqueles que financiaram e organizaram esses e outros atos de vandalismo contra a democracia brasileira, sejam responsabilizados por seus atos. É essencial que também sejam apuradas as condutas omissivas que favoreceram esse movimento voltado à desestabilização de nosso Estado Democrático de Direito. As instituições de aplicação da lei não podem ser tolerantes com quem atenta contra nossa ordem constitucional.

Pedimos, ainda, que todos os esforços sejam empreendidos para responsabilizar aqueles que se escondem nas redes sociais ou se refugiam fora do país, incitando extremistas para empreender ataques deploráveis contra a soberania popular e o império da lei. São criminosos e como tal devem ser tratados. 

Depois de quatro anos de um governo hostil à Democracia e ao Estado de Direito, a sociedade brasileira e o governo legitimamente empossado devem cerrar fileiras e tomar medidas concretas de proteção da democracia brasileira.

Comissão Arns

08 de janeiro de 2023

Nota pública do defensor público-geral federal sobre as invasões ocorridas ao Congresso Nacional, ao Palácio do Planalto e ao STF

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A Defensoria Pública da União, por intermédio do Defensor Público-Geral Federal, no exercício das atribuições previstas no artigo 8º, II e III, da Lei Complementar n. 80/1994, tendo em vista seu papel constitucional de instituição expressão e instrumento do regime democrático, prevista no artigo 134 da Constituição Federal, vem a público repudiar as invasões ocorridas, em 08/01/2023, ao Congresso Nacional, ao Palácio do Planalto e ao Supremo Tribunal Federal, instituições que materializam a democracia brasileira, bem como informar a adoção de providências imediatas para fazer cessar os ilícitos cometidos contra a democracia, a paz e a segurança pública.

A essência da democracia é o respeito à divergência política. As liberdades de expressão e de manifestação, duramente conquistadas pelo povo brasileiro, não albergam a via da violência, tampouco tolerância ou leniência a atos antidemocráticos que pretendem atacar as instituições democráticas e a Constituição Federal.

As autoridades públicas possuem o dever de adotar todas as medidas necessárias a garantir a segurança pública para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, como determina o artigo 144 da Constituição Federal. Dessa premissa decorre a responsabilidade civil, administrativa e criminal no caso de omissões dolosas que importem no descumprimento desse dever estatal.

Fora da democracia só há o império da força e do arbítrio. Liberdades civis, políticas e direitos sociais conquistados pela luta de trabalhadores e trabalhadoras, movimentos políticos concretizados na Constituição Federal de 1988, não podem ser aviltados por atos de grupos que incitam o desrespeito à ordem jurídica, à cidadania, ao pluralismo político e às diversidades.

Mais do que nunca se torna fundamental reconhecer a legitimidade do pleito eleitoral e reforçar a defesa do regime democrático como única via possível para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, sem quaisquer formas de discriminação.

Diante disso, determinei a instauração de processo coletivo para a adoção de providências imediatas para evitar a escalada da violência e para o restabelecimento da ordem.

A Defensoria Pública da União atua e atuará para afastar, no campo dos direitos interno e internacional, qualquer ameaça de rupturas institucionais que atinjam os pressupostos e os fundamentos do Estado Democrático de Direito.

A invasão da extrema-direita em Brasília como tragédia ou farsa?

invasão brasilia

Uma famosa frase do filósofo Karl Marx me vem à mente neste momento após ver as cenas de destruição promovidas por militantes de extrema-direita em Brasília (ver vídeo abaixo). A frase em questão é aquela em que Marx diz que “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.

https://youtu.be/89pYJSEy_Rw

Ainda que aparentemente esta invasão seja uma espécie de “repeteco” da que foi promovida por militantes de extrema-direita dos EUA em janeiro de 2021 para protestar contra a derrota eleitoral de Donald Trump. As características são basicamente as mesmas, ainda que com o peculiar detalhe que nos EUA a invasão se deu em uma 4a. feira (dia normal de trabalho) e a versão brasileira está se dando em um domingo quando tudo está fechado. 

A questão aqui não é tanto a imitação canhestra, mas o que se seguirá a partir de amanhã. É que nos EUA a reação das forças políticas e policiais está sendo relativamente dura e muita gente já está indo para a cadeia. O interessante é que também no dia da invasão do Capitólio houve a mesmíssima conivência que se observou até o momento por parte das forças policiais do Distrito Federal. Entretanto, após a posse de Joe Biden e o início das apurações dos responsáveis, o caminho tomado foi de punir os responsáveis pela invasão.

O governador bolsonarista do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, já tomou a decisão de demitir o seu secretário de Segurança e ex-Ministro da Justiça do governo Bolsonaro, o também bolsonarista Anderson Torres. Essa medida é acima de tudo preventiva e com tons de auto-proteção, pois até o mais ingênuo dos brasileiros sabe que a reação política deverá ser dura, até para evitar que os militantes de extrema-direita tentem repetir os atos de hoje.

A minha dúvida neste momento é sobre qual será o destino que será dado ao ministro da Defesa José Mucio que logo após sua posse passou pano para estes que hoje invadiram e depredaram os prédios do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal e até o Palácio do Planalto. É evidente que o rumo mais inteligente seria o presidente Lula também demiti-lo ou, no mínimo, exigir que ele se retrate e condene com veemência os militantes da extrema-direita que hoje atentaram contra o patrimônio público e a democracia brasileira.

Após a posse, o desafio de Lula será cumprir promessas

Se o ex-presidente (ufa!) Jair Bolsonaro soubesse o que seria feito com base na sua decisão de não passar a faixa presidencial para o agora (e novamente) presidente Lula, talvez ele não tivesse ido curtir suas férias de forma precoce em Miami. É que ao deixar o país em uma forma de renúncia não dita, Bolsonaro propiciou a inovação de que pessoas da população entregassem a faixa presidencial a Lula, em uma inovação que possibilita ao novo governo começar com uma marca de mudança que não estava assegurada pela engenharia política que foi posta para distribuir ministérios.

subida rampa

A festa da posse coloriu as ruas de Brasília com a cor vermelha e mostrou que o Brasil é definitivamente um país que hoje se encontra em transição. Já se sabe que Lula tomou várias decisões que atingirão em cheio o processo de desregulamentação imposto pelo governo anterior, o qual rendeu, entre outras coisas, números explosivos de desmatamento, invasão de terras indígenas, aumento exponencial de armas nas mãos de civis, e a aprovação recorde de agrotóxicos. 

Porém os desafios do novo governo serão imensos, na medida em que em muitas áreas não se terá sequer os dados que permitiriam a tomada de decisões básicas sobre o que fazer em áreas estratégicas, a começar pela social. Entretanto, os problemas vão muito além da desorganização estatística, pois, ao contrário de 2003, Lula assume em meio a um cenário internacional de grandes incertezas, e com uma recessão econômica global anunciada pelo Fundo Monetário Internacional. Com isso, haverá uma imensa disputa no momento da alocação de recursos orçamentários, o que poderá impedir que até promessas básicas sejam cumpridas rapidamente. 

E uma coisa que este governo não terá é tempo, pois se de um lado a base social que elegeu Lula vai querer ações rápidas para minimizar a grave crise social e econômica, por outro, a base radicalizada de Jair Bolsonaro continuará insistindo no confronto e na continuidade das ações ilegais que foram amplamente toleradas nos últimos 4 anos, especialmente nos estados da Amazônia. É em meio a essa tensão que se dá o início do novo mandato do ex-metalúrgico.

Ainda que seja notória a capacidade de Lula de agir para destravar pontos de estrangulamento e ampliar alianças, este início de governo certamente vai requerer que ele seja ágil e certeiro. Mas pelo menos uma boa notícia já está posta que é o fim do horrível cercadinho onde Jair Bolsonaro reunia seus apoiadores para disseminar sua visão distópica de governar. Parece que é pouco, mas não é. 

Se intenção dos atos bolsonaristas deste 7 de Setembro era mostrar força, terminaram por revelar isolamento e fragilidade

brasil hoje

Salvo algum acontecimento trágico ao longo deste 7 de Setembro, os atos promovidos preparados pelos segmentos que orbitam em torno do presidente Jair Bolsonaro foram desenhados para mostrar força e disposição para enfrentar um quadro político extremamente negativo, mas, em minha opinião, terminam por revelar isolamento e fragilidade. As cenas caóticas ocorridas na noite de ontem na entrada da Esplanada dos Ministérios (ver vídeo abaixo) são mais uma demonstração de permissividade da Polícia Militar e do governador do Distrito Federal (que teria ido passar o feriado no seu estado natal do Piauí)  do que força da militância bolsonarista. É que se fossem professores fazendo o que os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, a resposta teria sido, digamos, mais firme.

Mas o que efetivamente Jair Bolsonaro sai ganhando se o que tivermos hoje em Brasília e em outras capitais brasileiras for a presença de pessoas brancas (uma grande parte composta por idosos) e que só mostram valentia porque sabem que não serão duramente reprimidas pelas forças policiais?

Aliás, há que se lembrar que o militante bolsonarista típico está acostumado a que o Estado exerça a violência em seu nome, de modo a garantir a persistência de um padrão de forte desigualdade econômica e social.  Assim, se essa for a base social com que Jair Bolsonaro pretende se manter no poder, se o jogo que vivemos fosse de pôquer, a mão dele seria claramente fraca.

Além disso, ainda que sejamos quase que um simulacro de regime democrático, esses atos não vão aumentar o apoio político dentro do congresso nacional ou, tampouco, vão parar as investigações policiais que estão cada vez mais próximas dos filhos de Jair Bolsonaro.

A mídia corporativa já até noticiou que entidades representativas de caminhoneiros entrarão com processos judiciais contra o presidente Jair Bolsonaro por buscar associar a categoria aos seus devaneios antidemocráticos, demonstrando a diminuição de sua base política.  Mas no caso dos caminhoneiros, esta falta de apoio já estava evidente após a entrada de um poucos caminhões estalando de novos na região da Esplanada dos Ministérios na noite de ontem.

Por outro lado, as análises aqui postas podem se mostrar precoces, caso algum tipo de invasão ocorra nas dependências do Congresso Nacional ou do Supremo Tribunal Federal. É que uma invasão acontecer, a situação política vai assumir outro ritmo, sem que isso signifique nada de bom para Jair Bolsonaro.

Atos pró-governo Bolsonaro encolhem e dependem cada vez mais de ângulos fechados para criar multidões

tamanhos ilusóriosMesmo ato pró-governo Bolsonaro em Brasília com dois ângulos completamente distintos: qual é afinal o tamanho da multidão?

Os últimos atos realizados por militantes pró-governo Bolsonaro (muitos deles detentores de cargos comissionados na esplanada dos ministérios em Brasília) estão mostrando um claro encolhimento em número de participantes. A saída para tentar passar a imagem de uma força política inexistente tem sido o uso amplo de imagens com ângulos fechados no presidente Jair Bolsonaro. Esse é um truque manjado que qualquer cinegrafista ou fotógrafo recorre para não deixar quem paga pelas imagens em maus lençóis.

Vejamos por exemplo o ato que foi realizado hoje em Brasília para que o presidente Jair Bolsonaro possa fazer aquele costumeiro passeio onde ele vai de encontro a todas as regras sanitárias definidas pelo próprio Ministério da Saúde.  As informações que chegam pela mídia corporativa são um tanto vagas, pois não fica claro qual teria sido o número de aficionados que decidiram desconhecer o risco causado pelo coronavírus para ir fazer a costumeira pregação contra o congresso nacional e o Supremo Tribunal Federal.

O problema para aqueles que querem gerar imagens fechadas é que hoje existem os drones que podem gerar imagens aéreas que acabam jogando por terra essa tática.  Uma boa demonstração disso é o vídeo abaixo que mostra duas perspectivas acerca do tamanho da “multidão” que teria ido hoje apoiar o presidente Jair Bolsonaro.

Erro
Este vídeo não existe

Como se vê no vídeo, dependendo do ângulo utilizado o tamanho imaginado da multidão varia bastante, indo de uma multidão expressiva a um bando de gato pingados.  O psicólogo estadunidense Albert Ellis dizia que “o que importa não são os fatos, mas o significado que esses fatos têm para cada pessoa” Melhor ainda é quando se tem uma máquina de propaganda para se criar multidões ilusórias. 

Mas com a existência dos drones e das tomadas aéreas até isso tem o seu limite. E pensando bem, viva os drones!