Chacina do Jacarezinho: aos trabalhadores é negado até o direito à memória

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Por Heitor Silva*

 No dia 11 de maio de 2022 foi destruído o memorial em homenagem aos 28 mortos na chacina realizada pelos agentes policiais há um ano (6 de maio de 2021). A justificativa para este procedimento foi que a mulher do policial que foi morto neste dia não queria o nome dele no Memorial. Evidente que se os movimentos do Jacarezinho recebessem esta informação a placa com o nome do policial seria retirada em respeito a viúva.

wp-1652406559958Memorial as 29 vítimas do massacre do Jacarezinho. Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

Alguns dirão que o memorial era um acinte porque os mortos eram todos traficantes

É impossível, mesmo para quem não estava lá na ocasião, acreditar uma operação que mata 28 pessoas em uma manhã identificou, localizou, estabeleceu confronto e todos reagiram a abordagem policial. Nenhuma polícia do mundo tem este grau de acerto, nem de letalidade.

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Destruição do Memorial. Foto: Reprodução / Redes Sociais

Outros episódios de destruição da memória de massacres

Também em maio só que no ano de 1989 foi destruído o monumento aos três operários mortos pelo Exército na invasão da CSN em greve.

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Destruição do Memorial aos operários mortos na CSN

Destruição de Canudos

Canudos foi um arraial formado por pobres sem terras em torno da liderança mística de Antônio Conselheiro que rechaçou inacreditavelmente três expedições militares e só sucumbiu em outubro de 1897 à quarta, composta por um exército de mais de 4.000 homens, com canhões e metralhadoras, vindos de todos os Estados do Brasil. Por volta de 1910 Canudos ressurge, construída sobre as ruínas da anterior. No início dos anos 50 o Governo brasileiro construiu uma represa que a cobriu por inteiro. Isso fica claro no depoimento de Yamilson Mendes, um guia turístico no Lago sobre Canudos e bisneto de uma sobrevivente da guerra: “Nem o fogo nem a água conseguiram apagar nossa história. Minha bisavó, que visitou o cemitério pouco antes de ficar submerso para sempre, dizia que seus mortos iam morrer duas vezes.” Fonte: El País. Canudos, a cidade do fim do mundo.

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Igreja em Canudos destruída a tiros de canhões, havia sido construída pelos sem-terra

Os três atos mostram que os séculos passam mas as forças de segurança continuam orientadas a negar o direito a memória seja de sem-terras, operários ou moradores de favelas, em síntese dos mais pobres.

Por que aos trabalhadores é negado o direito a memória?

A reflexão sobre a forma como as forças de segurança agem neste país, mostrará que a classe trabalhadora sempre foi vítima de um terrorismo de estado que visava atemorizar e deixar sem reação os trabalhadores, sendo assim um perigo para os que comandam o Brasil. Imaginem os sem terras do Brasil saberem que 35 mil deserdados da terra (população de Canudos, um pouco menor do que o Jacarezinho) resistiram com sucesso a três expedições militares. Imaginem os operários saberem que nem uma ocupação militar com assassinato de operários dobrou o movimento sindical na CSN. Imaginem os jovens do Jacarezinho saberem que em um dia de fúria a polícia matou 28 e que o massacre foi interrompido pela atuação de líderes comunitários. São estes exemplos que aqueles que mantêm nosso povo amordaçado não podem aceitar.

É papel de todos aqueles que querem construir um Brasil para os brasileiros, e não para meia dúzia de magnatas, relembrar estes fatos e suas implicações, mas lembrar não basta, se faz necessário organizar a indignação do nosso povo.

Referências

Para quem quiser conhecer a epopeia de Canudos, livros importantes.

CUNHA, Euclides da (1902). Os Sertões 1 ed. Rio de Janeiro: Laemmert.

Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000091.pdf

MONIZ, Edmundo (2001). Canudos A Luta Pela Terra. [S.l.]: Gaia/Global

_________ (1978). A Guerra Social de Canudos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira

VARGAS Llosa, Mario (1981). A guerra do fim do mundo. Barcelona: Objetiva.


*Heitor Silva é professor e economista