Cientistas fazem expedição de bicicleta em defesa das águas do Cerrado

A edição 2023 do TransCerrado começa na segunda-feira (10) e percorre as nascentes ao redor da Chapada dos Veadeiros.

transcerrado

A quarta edição da expedição científica TransCerrado terá um trajeto de 420 km de estradas e trilhas. Três cientistas irão pedalar para chamar a atenção sobre a importância do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, declarado Patrimônio Natural da Humanidade pela UNESCO e berço das águas do país. Com largada marcada para segunda-feira (10), a aventura irá avaliar as riquezas naturais do bioma, seu potencial ecoturístico e de desenvolvimento sustentável, emoldurado por belezas naturais.

A expedição será realizada por Paulo Moutinho, pesquisador sênior do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia); Valderli Piontekowski, pesquisador e coordenador de Desenvolvimento e Inovação Tecnológica no instituto; e Márcio Bittencourt, coordenador do grupo de ciclistas Rebas do Cerrado e especialista em navegação.

“Uma boa parte dos desafios de proteção e valorização do Cerrado é, muitas vezes, a melhor compreensão da importância deste belo bioma para a vida das pessoas, principalmente daquelas que vivem nas grandes cidades. O que esperamos com o TransCerrado é, através de uma aventura científica, encorajar as pessoas a conhecerem melhor o bioma e vivê-lo através do esporte ao ar livre”, afirma Moutinho.

O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro do país – e possui a biodiversidade mais rica do mundo – mas já perdeu mais da metade de sua vegetação nativa. Apesar de ocupar 24% de todo o território nacional, apenas 1,7% do bioma está protegido por parques e áreas de conservação.

Segundo dados da última coleção MapBiomas Água, divulgado em fevereiro, a cobertura de água nas áreas protegidas do bioma diminui em 66% das regiões hidrográficas do bioma. Chama a atenção que 7 das 10 mais afetadas estão no Tocantins-Araguaia. O levantamento também aponta que o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros perdeu 87% de sua superfície de água nos últimos 38 anos.

O TransCerrado teve sua primeira edição em 2019, quando mais de 700 quilômetros foram percorridos de bicicleta, de Goiás Velho até o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Acompanhe as histórias e experiência da nova edição na página da expedição no Instagram e no site do projeto.

Após fracasso contra queimadas, Salles defende uso de retardantes químicos

Uso na Chapada dos Veadeiros (GO) expôs população e meio ambiente a riscos desconhecidos

incendio

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendeu hoje (13/10) na Comissão do Pantanal no Senado o uso de produtos químicos para retardar queimadas em áreas silvestres no Brasil. Dias antes, no sábado (10/10), ele teria ordenado o uso dessas substâncias na Chapada dos Veadeiros (GO) em uma área onde os incêndios já estavam praticamente controlados. Apesar da alegada segurança, essa aplicação está obrigando os moradores locais a não consumirem água, nem pescarem ou comerem vegetais expostos aos retardantes por impressionantes 40 dias.

Essa verdadeira quarentena justifica-se porque faltam estudos sobre o impacto dessas substâncias nas vegetações brasileiras. Também não há combatentes de fogo treinados para aplicar o produto, e sem uma regulamentação específica sobre o tema, o uso indiscriminado de retardantes químicos em áreas de floresta é proibido.

A informação sobre a falta de conhecimento sobre os impactos dos retardantes de chama nos biomas brasileiros está na nota técnica elaborada em 2018 pela Coordenação de Avaliação Ambiental de Substâncias e Produtos Perigosos do Ibama, único documento federal que trata do uso de retardantes químicos em áreas de mata no país. O laudo analisa produtos quanto à toxicidade e ao impacto ambiental e confirma a inexistência de lei para disciplinar o uso desses materiais em área de selva. O documento destaca, por fim, a necessidade de proteger cursos d’água durante aplicação, independentemente da composição do retardante. 

Na noite do feriado de 12 de outubro, o Ibama emitiu uma nota à imprensa em que diz não haver qualquer lei no país que proíba o uso desses produtos químicos. Como também não há legislação que regulamente as aplicações – e é o próprio Ibama o responsável por criar normas desse tipo – a falta de entendimento jurídico sobre o tema criou um embate entre o governo goiano e o MMA.

O Governo de Goiás disse hoje (13/10) em nota que “não há nenhuma regulamentação sobre o referido produto químico em Goiás; que não foi consultado sobre sua utilização; e que não é autorizado o uso do mesmo dentro da Área de Proteção Ambiental do Pouso Alto, de gestão sob responsabilidade do governo goiano.” No sábado, a população da região da Chapada dos Veadeiros protestou contra o uso de produtos químicos sem impactos conhecidos para combate aos incêndios na região.

O ministro se limitou a chamar os moradores que protestavam de “machonheiros” e disse que a opinião deles não tinha relevância. E rebateu o governo goiano nas redes sociais dizendo que, em Parques Nacionais, quem tem que autorizar esse tipo de ação é o ICMBio. De fato, a aplicação desse tipo de material em áreas protegidas depende de autorização expressa do ICMBio. Especula-se que a exoneração do coronel da Polícia Militar Ambiental de São Paulo, Homero de Giorge Cerqueira, do cargo de presidente do ICMBio no dia 21/8 estaria ligada a um desentendimento entre ele o ministro nesse tema. O real motivo da saída do coronel nunca foi confirmado pela pasta.

“Os retardantes de chama podem ser uma opção para o Brasil, mas não agora. Faltam estudos, protocolo e capacitação dos combatentes”, avalia o biólogo Carlos Henke, professor da Universidade de Brasília que conduz os principais estudos sobre o comportamento desses produtos nos biomas brasileiros. Para o pesquisador, estão tratando o tema como uma “bala de prata” contra as queimadas. “Não vai funcionar. Ninguém conhece o comportamento desses produtos nas florestas brasileiras.”]

Queimando dinheiro

A aplicação aérea dessas substâncias não é feita diretamente sobre o fogo, mas em área preparada previamente ao redor dos focos de incêndios – os chamados aceiros. Essa contenção varia de acordo com o tipo de vegetação. “O uso do retardante exige uma coordenação muito bem feita entre combatentes em solo, aviadores que despejarão o produto e o comando central da operação”, explica. “Não adianta só jogar o retardante sobre o incêndio. Assim que a aeronave solta o líquido na área onde foi preparado o aceiro, a equipe em solo deve entrar fazendo a contenção do fogo. Como essa articulação seria feita agora, se não houve nenhum treinamento desse tipo?”, indaga o pesquisador, que adverte sobre o perigo do despejo da aeronave atingir os brigadistas. 

Em áreas com árvores de copas altas e amplas, como na Amazônia, a pulverização por aviões teria mais dificuldade de fazer o retardante chegar ao solo e cercar o fogo. No Pantanal, nascentes, lagoas sazonais, mata ripária e outras zonas úmidas, tão abundantes na região, teriam que ser protegidas da aplicação, o que dificulta a ação no local. “Em vez de gastar recurso público comprando retardantes químicos que não sabemos como usar e que não têm seu uso regulamentado, seria melhor ter contratado mais combatentes antes da temporada do fogo começar”, avalia o biólogo. “Temos um contingente importante de profissionais preparados, que fizeram cursos e tiraram certificados para combate a incêndios florestais e que não foram convocados antes da temporada de queimadas. Se o governo queria combater os incêndios, porque não reforçou as equipes com antecedência?”

“Recebo com regularidade retardantes de chama de órgãos federais e estaduais de todo o país. As unidades fazem a compra, depois não sabem como usar. Quando a data de validade está próxima de expirar, mandam para mim porque sabem que eu estudo o tema”, conta Henke. “Fazer uma grande compra desse produto agora é jogar mais dinheiro público fora numa tentativa desesperada e atrasada de mostrar alguma ação contra os incêndios destruidores deste ano.”

Pressão

Uma parte dos retardantes de chama contém poluentes orgânicos persistentes (POP), que permanecem no ambiente por tempo indeterminado e geram impactos consideráveis sobre a biodiversidade. Outros, classificados como nitrogenados, são menos nocivos, mas os próprios fabricantes advertem que a aplicação deve ser longe de cursos d’água. Países que enfrentam grandes incêndios florestais regularmente, como EUA, Austrália, Espanha, Portugal e Chile, têm experiência no uso de retardantes, sobretudo os de composição menos poluente.

Henke afirma que vem sendo pressionado por órgãos federais e estaduais a apresentar um laudo ou nota técnica favorável ao uso de retardantes químicos. A busca por um respaldo científico para o uso dessas substâncias também é feita pelos fabricantes, que alegam que áreas enormes de floresta poderiam ser poupadas se esses produtos estivessem regulamentados para uso no Brasil. 

Apesar do limbo jurídico, retardantes de chama já foram usados pontualmente em incêndios no Brasil em 2008: na Terra Indígena Araribóia, no Maranhão; e na Chapada Diamantina, na Bahia. Nenhuma das aplicações foi acompanhada de estudos sobre impactos posteriores para a biodiversidade. Segundo Henke, também não houve qualquer evidência de que o uso dos produtos reduziu a duração dos incêndios no Maranhão e na Bahia. Em 2010, a compra sem licitação desses materiais e o uso naquelas localidades viraram alvo de um inquérito do próprio Ibama. Mais recentemente, o estado de Mato Grosso adquiriu retardantes de chama, sem especificar a quantidade e onde o produto foi usado.