Beirando o colapso: Nuvens de 2,4-D prejudicam produção de uvas, maçãs, azeitonas e hortaliças no RS

Lavouras sofrem com a deriva das pulverizações intensas sobre plantações de soja. A Justiça proibiu o agente químico, mas o governo Leite reverteu. MPF e diversos setores pedem o fim do registro do 2,4-D e derivados

Sabor, saúde e cultura: RS abastece indústria de vinhos e sucos. Foto: Fábio Ribeiro dos Santos/Embrapa

Por Cida de Oliveira* para o Blog do Pedlowski

Maior produtor brasileiro de uvas, com cerca de 90% do total nacional destinado à fabricação de sucos, vinhos e espumantes, o Rio Grande do Sul (RS) também se destaca na produção de frutas, azeite e hortaliças. Segundo a Radiografia da Agropecuária Gaúcha 2024, do governo estadual, mais de 88% da noz-pecã vem de pomares gaúchos, assim como mais de 70% dos pêssegos e 42% das maçãs brasileiras. E tem a maior área de cultivo de oliveiras, que produziu em 2023 mais de 193 mil litros de azeite.

Toda essa produção –que inclui ainda a erva-mate, fumo, mel, plantas e árvores nativas de várias espécies –vem sendo prejudicada por uma outra cultura importante. A soja, que representa 40% da produção agrícola gaúcha, com 18 milhões de toneladas na safra 2023/2024, segundo o governo. A terceira maior produção nacional, com 18,3 milhões de toneladas, colado ao Paraná, com 18,7 milhões de toneladas. O Mato Grosso é o primeiro, com 39,3 milhões de toneladas.

A área de soja mais que dobrou em 23 anos. Segundo o IBGE e a Companhia Brasileira de Abastecimento (Conab) houve um salto de 3,1 milhões de hectares em 2000 para mais de 6,6 milhões de hectares em 2023. O avanço ocorreu principalmente sobre regiões tradicionalmente voltadas à fruticultura, vitivinicultura, olericultura, olivicultura e até de pastagem no bioma Pampa.

Para dar conta, as vendas do 2,4-D também saltaram. O Ibama informa que em 2000 foram vendidas no estado 18.590 toneladas de agrotóxicos em geral. E no período de 2019 a 2023, foram 34.877 toneladas somente de 2,4-D. Em todos os anos do período, o RS ficou atrás apenas do Mato Grosso, protagonista na produção agrícola nacional, onde foram comercializadas 47.677 toneladas. E no ano com vendas mais aquecidas, 2021, foram 8.706 toneladas. Como destaca o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, esse mercado gigantesco se deve também ao uso em plantas transgênicas tolerantes ao agrotóxico. E ao aumento do número de plantas indesejáveis que criam resistência ao glifosato. Mas não é só: “Os agricultores estão percebendo o surgimento de mais plantas indesejáveis resistentes também ao herbicida 2,4-D. E por isso vão aumentando as dosagens usadas nas pulverizações. Uma combinação de novas áreas de cultivo de grãos com o aumento do uso nas áreas antigas resulta em maior consumo no total”, disse ao Blog do Pedlowski.

Parte de todo esse herbicida, porém, é desviada para bem além das lavouras alvo durante a pulverização –a chamada deriva, que está na raiz da queda da produtividade das diversas culturas que mencionamos na abertura desta reportagem. Isso porque esse desvio de gotículas e vapores pode alcançar longas distâncias, de até 40 quilômetros, atingindo plantações vizinhas ou distantes. Inclusive aquelas sensíveis ao produto. E podem também contaminar culturas orgânicas, agroecológicas, assentamentos e territórios de populações tradicionais.

Danos irreparáveis

Os danos da deriva dessas pulverizações “são irreparáveis”, afirmou ao Blog do Pedlowski Sérgio Poletto, que é presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Assalariados Rurais de Vacaria e Muitos Capões, que representa empregados de empresas da agropecuária e produtores na produção agrícola familiar.

“A toxicidade do 2,4-D danifica, impede o crescimento e causa a mortandade de inúmeras espécies vegetais da circunvizinhança e até mesmo em locais mais afastados da propriedade rural”, disse Poletto. “A gente tem perdas significativas no setor da uva, que é o maior impactado. Mas tem a questão da maçã, oliveiras, nozes pecã e as hortaliças. É toda essa conjuntura no estado, com perda significativa. Esses danos aumentando a cada ano, a cada safra aqui no RS. Existem produtores e cooperativas de vinho que estão fechando as portas; estão à beira do colapso”, disse a liderança, que percorre o estado dialogando com esses grupos e especialistas e ver de perto a situação.

Uma pesquisa recente da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) mostra que o herbicida presente na deriva, mesmo em baixa concentração, causa distúrbios fisiológicos significativos em mudas de nogueira-pecã e de oliveira. Isso leva à redução no crescimento, alteração na fotossíntese e danos celulares irreversíveis em culturas de alta imponência econômica e ecológica.

Outra pesquisa da mesma universidade constatou, após 30 dias de exposição, efeitos nefastos sobre o crescimento, na produção de compostos fenólicos e no desenvolvimento de brotações de videiras. E isso mesmo em simulação com níveis residuais e subletais de 2,4-D. Segundo a autora, “desde 2014 o plantio de novas mudas passou a ser inviabilizado, uma vez que, a partir da intensificação dos episódios de deriva de herbicidas hormonais na região, as mudas não conseguem mais se estabelecer e, em um período de até três anos, acabam morrendo”.

O Instituto Brasileiro de Olivicultura (Ibraoliva) também vem alertando sobre problemas e queda na produtividade do azeite gaúcho. Segundo a entidade , olivicultores esperavam produzir em torno de 1 milhão de litros de azeite na safra de 2023, mas conseguiram cerca de 600 mil litros. Em 2024 foi pior: 192 mil litros. Há relatos de produtores que pensam em desistir. E quem pretende entrar no setor tem preocupações com a soja.  

Apesar dos impactos nocivos da deriva do 2,4-D serem relados há décadas, o governo do Rio Grande do Sul publicou instruções normativas (nº 05/2019, 08/2019, 09/2019, 12/2022 e 13/2022) que são ineficazes. Produtores não preenchem declarações essenciais para o monitoramento e proteção da circunvizinhança. Foram também oferecidos cursos de boas práticas para aplicação, que foram alvos de críticas. “Claro que houve os cursos de formação e qualificação em todo o estado, mas o produtor de soja não segue essas regras. Ele não vai medir as condições de vento, temperatura e umidade. Aplica quando precisa e pronto. E o pior é que ninguém fiscaliza isso”, afirmou Sergio Poletto.

Essa realidade, segundo a liderança, expõe também a urgência de medidas para proteger a saúde dos trabalhadores expostos às pulverizações. “São eles que aplicam o veneno, que estão diretamente expostos à deriva, muitas vezes sem nenhum equipamento de proteção individual”, ressaltou. E lembrou que há estudos sobre o potencial da substância de causar problemas hormonais e reprodutivos, diversos tipos de câncer, linfoma não-Hodgkin, alterações genéticas e malformações congênitas. Segundo relatórios da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o 2,4-D pode ser categorizado como tóxico ao DNA das células, ao sistema reprodutivo e neurológico, além de desregulador do sistema endócrino. O agente ativo, aliás, é proibido na Dinamarca, Suécia e Noruega, e em alguns estados do Canadá e províncias da África do Sul.

Veneno chegou a ser proibido

No início de setembro, a Justiça concedeu limiar à ação civil pública movida pela Associação dos Vitivinicultores da Campanha Gaúcha e Associação Gaúcha de Produtores de Maçã e concedeu liminarmente a proibição do uso e comercialização do herbicida no estado. E determinou que o estado instale um sistema seguro de monitoramento e fiscalização e que apresente, em 120 dias, projeto de sistema de monitoramento e a delimitação das zonas de exclusão. Mas o governo de Eduardo Leite (PSD) recorreu. Alegou prejuízos econômicos e administrativos aos produtores de grãos que já compraram insumos para o início da safra 2025/2026. A Justiça acatou e derrubou a proibição, torando-se alvo de críticas e repúdio de diversas instituições. A ação segue em análise.

Em atenção à Justica, o governo anunciou no final de novembro que criaria, por decreto, zonas de exclusão para o uso do herbicida. E que, de início, seriam contempladas regiões na Fronteira Oeste, o Pampa e o entorno de Jaguari, as principais produtora de oliveiras. Mas há críticas. “Essas zonas de exclusão divulgadas não resolvem a raiz do problema, que é a deriva do herbicida, que continuam. Dependendo do vento, da umidade, do calor, pode chegar a 30, 40 quilômetros do ponto de aplicação. E até mais. Então se criam áreas de exclusão bem menores que o alcance da deriva, o que não vai resolver o problema dos produtores de orgânicos”, disse Poletto.

Na mesma época, o Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos divulgou nota em defesa da imediata suspensão da comercialização e uso do 2,4-D, do fim do registro da substância e seus derivados no país, políticas públicas de incentivo à agroecologia e o fortalecimento da fiscalização e do monitoramento de resíduos de agrotóxicos em alimentos e no meio ambiente, incluindo o 2,4-D e seus derivados. O Fórum é um espaço que reúne mais de 70 instituições, como órgãos públicos, conselhos, sociedade civil, sindicatos e universidades.

Em entrevista ao Blog do Pedlowski, a procuradora da República Ana Paula Carvalho de Medeiros, coordenadora adjunta do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (FGCIA), defendeu que o Estado tome medidas que aumentem a proteção à saúde e meio ambiente, como é de sua competência. “E não o contrário”, disse, referindo-se ao recurso do governo Leite contra a proibição. Ela citou o exemplo do governo do Ceará, que em 2019 proibiu a pulverização aérea de agrotóxicos em todo o estado. “A constitucionalidade da lei foi questionada, mas confirmada pelo Supremo Tribunal Federal em 2023”, lembrou. Uma manobra, no entanto, conseguiu autorizar o uso de drones no lugar de aviões agrícolas.

Ela lembrou que uma iniciativa legislativa no estado para proibir o 2,4-D foi apresentada em 2109 (Projeto de Lei 214/19), com apoio do Fórum. Apesar da importância, não prosperou e, conforme o Blog do Pedlowski apurou, se encontra atualmente arquivado.

O fórum gaúcho também é contrário aos incentivos tributários à indústria dos agrotóxicos. Levantamento de um grupo de pesquisa em justiça ambiental, alimentos, saberes e sustentabilidade da Universidade do Vale do Taquari (RS), calculou a renúncia de todos os estados e o Distrito Federal 2017. E atualizou os valores para 2023, com base no IPCA. O RS abriu mão de R$ 973,7 milhões em 2023 referente ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). É como se tivesse pagando para as indústrias causarem danos à saúde e meio ambiente.


*Cida de Oliveira é jornalista e colaboradora do Blog do Pedlowski

País da COP30: Vítimas das pulverizações de agrotóxicos enfrentam obstáculos nos tribunais brasileiros

Pesquisa mostra tendências processuais seletivas, que pesam em decisões e barram reparação na Justiça comum e do Trabalho. Há até aquelas que consideram as pessoas culpadas por terem “baixa tolerância” aos agrotóxicos

Pulverização próxima a moradias no Mato Grosso. Foto: Arquivo Brasileducom

Por Cida de Oliveira*

Resultados preliminares de uma pesquisa em andamento na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) indicam que os tribunais impõem dificuldades para que as pessoas expostas às pulverizações de agrotóxicos obtenham reparação. E a outra parte, diretamente envolvida na prática agrícola com potencial de causar impactos à saúde humana e ao meio ambiente, geralmente acaba levando a melhor.

Para se ter uma ideia, em um conjunto de 27 acórdãos (resultados de julgamento) proferidos em tribunais regionais do Trabalho de segunda instância em todo o país, 10 processos contém o chamado rigor ou viés processual, com seletividade da prova (35% do total). Ou seja, foi alegada uma suposta insuficiência de provas, que normalmente o trabalhador tem dificuldade de juntar.

“Em alguns casos colocam em dúvida filmes e fotos apresentados. É um contexto de dificuldades para o trabalhador comprovar o nexo causal em seus pedidos individuais. Em geral, o desafio é comprovar que os problemas de saúde foram causados pela exposição aos agrotóxicos. Uma das principais estratégias de defesa da indústria é justamente colocar em xeque o nexo causal, atribuindo outras causas às eventuais doenças”, disse o procurador do Trabalho Leomar Daroncho, que pesquisa o tema na Fiocruz de Brasília, onde faz mestrado em políticas públicas em saúde. Integrante do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, ele participou de debate no final da tarde desta quinta (13), na Casa Sustentabilidade Brasil. O espaço de discussão de iniciativas voltadas à ciência, inovação e ação climática foi instalado em Belém para atividades durante a COP30. Embora poucos se deem conta, os agrotóxicos estão entre as causas das mudanças climáticas principalmente devido ao seu processo produtivo, conforme este Blog já havia informado.

Como resumido no quadro a seguir, Daroncho identificou também quatro casos nos quais pesou contra as vítimas a alegada falta de frequência nas pulverizações de agrotóxicos. “Relativiza-se, então, o dano sofrido, alegando que não era algo tão frequente assim. Em três processos, o trabalhador foi responsabilizado por ter uma resistência muito baixa aos produtos, que não resistiria aos agrotóxicos. Ou seja, o problema seria do trabalhador, e não do agrotóxico”, disse.

Justiça comum

O levantamento encontrou ainda 9 acórdãos sobre o tema na justiça comum (Tribunal Regional Federal). Neles, as decisões foram motivadas por referências que desprotegem as vítimas, conforme mais adiante. É o caso da exigência de que o avião usado na pulverização deveria ter sobrevoado estritamente a propriedade afetada. E que não fosse ocasional nem intermitente. O magistrado não levou em conta a deriva, quando o vento leva partículas dos agrotóxicos para até 40 quilômetros do ponto de aplicação.

Mas não é só. “Tem outro que invoca a parcimônia no princípio da precaução, para não inviabilizar a atividade econômica. Um clássico do senso comum”, disse. “Ou seja, nós não podemos exigir demais porque não podemos inviabilizar a atividade econômica”. Ou seja, em nome do lucro de uns, a doença e morte de outros.

Isonomia do mal

“Chega a ser tragicamente engraçado o caso de uma propriedade vizinha de onde se fazia a pulverização aérea. O pedido foi negado com o argumento de que, como outros também pulverizavam, o réu seria prejudicado em relação aos demais proprietários, que poderiam continuar pulverizando. Então é a isonomia do mal. Já que um faz errado, por que o outro não pode fazer? Embora seja um acordão só, cheio de referências à relevância da vida, do meio ambiente, ainda nega a liminar com argumento bastante problemático”, criticou.

Segundo o procurador, a pesquisa não detectou nessas decisões de segundo grau o princípio da vedação ao retrocesso socioambiental-sanitário. “De forma compreensível ele normalmente é invocado para fazer frente a inovações normativas, para se evitar que se legisle ou se normatize de forma a retroceder àquela norma existente anteriormente. É mais provável encontrar esses princípios em decisões do STF”, disse. Tal princípio é um conceito jurídico que impede o Poder Público (Legislativo, Executivo e Judiciário) de abolir ou reduzir, de forma injustificada, o nível de proteção e concretização de direitos fundamentais já alcançados. Entre eles o direito à vida e ao meio ambiente equilibrado.

Mesmo assim, a avaliação é que os acórdãos selecionados pela pesquisa demonstram que há decisões em harmonia com o entendimento precaucionista do Supremo Tribunal Federal (STF). E que dessa maneira assumem a relevância dos princípios do direito ambiental, da prevenção e da precaução, como instrumentos de vigilância sanitária e proteção do direito à saúde no tema da pulverização de agrotóxicos. “Tanto é que o reconhecimento de risco, danos ou sequelas decorrentes da exposição às pulverizações está em mais de um terço das referências protetivas que motivaram a decisão em 27 acórdãos dos tribunais regionais do Trabalho”.

Tais conclusões foram permitidas pela análise do conteúdo de acórdãos que discutem a pulverização a partir da perspectiva precaucionista. E não aqueles que discutem exclusivamente o pecuniário, como disputa por adicional de insalubridade ou questões previdenciárias, que ocorrem com frequência na Justiça Federal. “Pesquisamos aqueles com busca do direito à saúde, de não ser exposto às pulverizações. E não a ressarcimento pecuniário, que no caso de adicional de insalubridade é muito baixo, e cuja base de cálculo faz com que o valor seja quase irrisório”, explicou Daroncho.

Ainda no debate, ele destacou que a dificuldade dos trabalhadores na Justiça é fortalecida também pelo afrouxamento do regime jurídico. A Lei nº 14.785 / 2023, mais conhecida como Pacote do Veneno, concentrou na Agricultura a decisão sobre agrotóxicos. A Saúde, por meio da Anvisa, e o Meio Ambiente, por meio do Ibama, que tinham voz quanto aos pedidos das indústrias, passaram a ter função secundária, “podendo vir a ser consultados”. Além disso, o critério do perigo, que vedava a análise de produtos causadores de câncer, aborto, malformação e desregulação hormonal, foi substituído pelo impreciso conceito de “risco inaceitável”.  “Qual seria o percentual aceitável para malformação em crianças? Ou para o câncer?”, questionou o procurador.

Além disso, medidas protetivas aos trabalhadores também foram flexibilizadas com a adoção da Nova Norma Regulamentadora 31. E com a Lei nº 14.515 / 2022, do autocontrole dos agentes privados da defesa agropecuária.

Desigualdade jurídica

Enquanto as vítimas da exposição às pulverizações têm dificuldades na Justiça brasileira, a gigante do setor de agrotóxicos Bayer é alvo de 160 mil ações sobre o glifosato só nos Estados Unidos. No Brasil são apenas seis, segundo a organização Repórter Brasil. Por lá, a empresa de origem alemã, que comprou a Monsanto, já pagou US$ 11 bi, equivalente a R$ 59 bilhões, para colocar fim a cerca de 100 mil processos. Outras 61 mil ações aguardam julgamento.

A exposição às pulverizações no Brasil, que é o maior mercado consumidor mundial de agrotóxicos, é uma questão grave. Isso porque está associada ao desenvolvimento de diversas doenças, como câncer, linfomas, leucemia, hipotireoidismo, Parkinson e depressão, especialmente entre trabalhadores. E também à infertilidade, impotência, abortos, malformações congênitas, neurotoxicidade, neuropatia, desregulação hormonal e outros transtornos mentais. Não por acaso o Ministério da Saúde baixou portaria em novembro de 2024, atualizando a lista de doenças relacionadas ao trabalho para incluir males dos venenos agrícolas.

Para Leomar Daroncho, as pulverizações confrontam a defesa da Agenda 2030 da ONU, que remete à ideia da Terra como casa comum. “Isso está muito presente em agrotóxicos e muito mais em pulverização aérea, que não respeita limite, não respeita limite geográfico, administrativo. Tem casos inclusive passando de um país para outro, que virou contencioso internacional”, ressaltou. Em 2008, o Equador apresentou petição à Corte Internacional de Justiça contra as pulverizações da Colômbia em locais próximos à fronteira entre ambos os países. A queixa, motivada por sérios danos à saúde das pessoas, às plantações, animais e ao meio ambiente no lado equatoriano, foi retirada em 2013, após um acordo entre ambos fora do tribunal.

Embora o STF tenha declarado a constitucionalidade da lei estadual que proibiu a pulverização no Ceará, em maio de 2023, há ainda espaço para o aprimoramento dos processos decisórios, na busca por maior sintonia com o entendimento precaucionista do Supremo. Isso porque “reverencia e dá concretude aos princípios do direito ambiental”. “Essa evolução haverá por que o STF tem decido com firmeza nesse sentido. E o nosso papel, nós que atuamos no meio jurídico, na academia, cientistas, é acelerar esse processo, sintonizar as instâncias inferiores da Justiça com entendimento do STF.”

Passividade social

Mas não quer dizer que o Judiciário deve ter de resolver tudo. Estão no STF diversos questionamentos, como o do Pacote do Veneno, do uso de drones da agricultura, dos incentivos fiscais, do uso de venenos nas margens dos rios. Tem ainda a defesa da democracia, a pauta moral. “O STF fica muito pressionado. Há um problema, que é acharmos que o Supremo é o salvador da pátria, mas não é”, disse o procurador do Trabalho.

Para ele, é preocupante a passividade dos brasileiros diante da grave situação dos agrotóxicos no país. “A gente, como sociedade, aguarda tudo do STF. Como se pode permitir a contaminação da água potável por agrotóxicos? Não conheço se existe norma que determine percentual limite para agrotóxicos no leite materno. O fato é que, com ou sem uma norma sobre isso, é um absurdo pensar que o leite materno contenha resíduo de agrotóxico”. E mais: “A gente tem lei que registra agrotóxicos apesar de seu percentual de possibilidade para malformações em crianças e de casos de câncer. E mesmo assim autoriza o produto. A sociedade assiste a tudo passivamente, esperando tudo do STF, que por definição é lento porque tem de ser provocado, tem o contraditório; não é ‘just in time’. Mas sou otimista porque que já vi muitas batalhas e vitórias”.

Para assistir à integra, clique aqui.


*Cida de Oliveira é jornalista

OMS vai propor um limite até 2030 para que os países eliminem o mercúrio em tratamentos dentários

Formalização do apoio à agenda e do auxílio aos países para a transição do amálgama para alternativas mais seguras e sustentáveis é aguardada para a conferência das partes (COP6), que começa no próximo dia 3, em Genebra. Também serão avaliadas metas de eliminação do metal em outros produtos

Os vapores do mercúrio extremamente tóxico usado em obturações metálicas são fonte de contaminação para pacientes, profissionais e o meio ambiente como um todo. Foto: Tine Steiss / Wikimedia Commons

Por Cida de Oliveira* 

A tão aguardada agenda para o banimento do mercúrio na odontologia deverá ser estabelecida nesta sexta reunião da Conferência das Partes da Convenção de Minamata sobre Mercúrio, a COP6 de Minamata, que será realizada em Genebra, de 3 a 7 deste mês de novembro. Em evento pré-conferência realizado recentemente, Benoit Verenne, responsável pelo programa de saúde bucal da Organização Mundial da Saúde (OMS), afirmou que o órgão “vai apoiar a agenda para 2030. E também ações para que os países façam a transição do amálgama para materiais seguros e sustentáveis com a colaboração da indústria, pesquisadores, sociedade civil e governos”.

Varenne reforçou que a insegurança do mercúrio em restaurações já está estabelecida, sendo, portanto, uma questão superada. E assim a prioridade para a organização é eliminar o metal extremamente tóxico. “Já temos materiais substitutos de qualidade, menos invasivos. O amálgama é um material ultrapassado. Se acumula no organismo, desencadeando diversos problemas de saúde e é um grande passivo ambiental”. E reforçou: “A transição para alternativas seguras e sustentáveis é essencial para proteger a saúde humana e o meio ambiente. Uma saúde bucal livre de mercúrio é possível. Basta boa vontade política e compromisso. Agora é hora de responsabilidade coletiva para apoiar os países a acelerar a transição para alternativas sem mercúrio no cuidado da saúde bucal”, reforçou.

Preocupação urgente

O coordenador da Aliança Mundial para a Odontologia Livre de Mercúrio no Brasil, Jeffer Castelo Branco, fez coro ao diretor da OMS, ressaltando que o mercúrio contido nessas restaurações é uma preocupação urgente. “Já existem evidências científicas de que há materiais para substituir o amálgama. Não há mais justificativas para o seu uso quando há alternativas disponíveis; não há motivo para continuar introduzindo nas restaurações odontológicas o metal tóxico, perigoso que ameaça a saúde humana e o meio ambiente. Ou seja, já chegou o momento de acelerar o fim do mercúrio no tratamento dentário das pessoas”, disse.

Castello Branco considera que o prazo apontado pelo diretor da OMS para finalizar a transição para o fim do mercúrio na odontologia vai ao encontro do defendido pela delegação de países africanos, que na conferência anterior propôs a agenda para 2030. “Desta forma, a sociedade civil engajada para o fim do mercúrio no tratamento dentário espera que o lobby do mercúrio, muito forte em Minamata, perca força e uma data para o fim seja, finalmente, estabelecida, protegendo a saúde e o meio ambiente dos amálgamas de mercúrio”, disse ao Blog do Pedlowski. E citou uma frase marcante de Benoit Verenne: “É uma questão de ‘responsabilidade coletiva’. Esperamos não menos que isso, nesse encontro dos países parte da Convenção de Minamata”.

Realizada no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a conferência da Convenção de Minamata, da qual o Brasil é signatário, acompanha o cumprimento das metas para a proteção da saúde humana e do meio ambiente em relação aos prejuízos causados pela ação do mercúrio em todas as atividades. É o caso do uso na fabricação de cloro cloro e soda (células eletrolíticas de mercúrio), que deverá ser zerado neste ano. Desde 2017, quando a convenção entrou em vigor, seu objetivo é controlar o ciclo de vida do metal altamente tóxico, desde a mineração até o descarte final, passando pela eliminação de minas, do uso no garimpo de ouro e diversos produtos e o controle das emissões à atmosfera, às águas e ao solo. 

Amálgama banido na União Europeia

Quanto ao uso odontológico, na conferência de 2023 foram estabelecidas medidas para a proteção de crianças, gestantes e lactantes do uso de amálgama. A União Europeia se antecipou e já proibiu totalmente em 1º de janeiro deste ano. Em 2019, o Brasil proibiu a manipulação de mercúrio para liga de amálgama não encapsulados, o que não resolve o problema, segundo pesquisas. Houve também iniciativas legislativas, como aprovação de lei no sentido de proibição no estado de São Paulo, e também no município de Peruíbe, no litoral sul paulista. 

Tragédia no Japão

A Convenção de Minamata tem como objetivo evitar uma repetição da tragédia socioambiental causada em Minamata, no Japão, pela indústria química Chisso. Por mais de 30 anos, partir de 1932, a empresa despejou no mar, sem tratamento, toneladas de resíduos contendo mercúrio. Peixes foram contaminados, assim como as pessoas e animais na cadeia alimentar. Foram se tornando mais comuns pessoas com convulsões, deformações, paralisia, coma e morte. Em 1956, houve 40 pessoas diagnosticadas com a intoxicação, das quais 14 morreram. Uma taxa de mortalidade de 35%, considerada alarmante, o que sugere que o número de mortos tenha sido bem maior do que 2.265 reconhecidos em 2021, conforme dados do governo japonês. Ao todo, mais de 10 mil receberam indenização financeira da empresa após disputas na Justiça, em torno de US$ 86 milhões pagos em 2004, ano em que a Chisso foi condenada a descontaminar a baía.

Apesar dos efeitos nocivos conhecidos, o combate tem sido prejudicado pelo forte lobby do mercúrio. Exemplo disso é veto da lei estadual paulista com calendário de eliminação nos consultórios, com alcance maior naqueles do SUS. Em outubro de 2024, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) desprezou apelos de cientistas, especialistas, movimentos e entidades e ouviu apenas argumentos frágeis e negacionistas de autarquias responsáveis por supervisionar a ética profissional, normatizar e fiscalizar o exercício da profissão em todo o Brasil. Deixou de lado o compromisso assinado pelo Brasil em Minamata e mais: a proteção imediata de gestantes, lactantes e menores de 15 anos que recorrem aos serviços públicos de saúde. Na rede privada, praticamente não se faz mais restaurações de mercúrio.

Lobby e racismo estrutural

O lobby que tem entre outros o recorte de classe social, vai permitindo a exposição de usuários e de profissionais do SUS aos efeitos nefastos do mercúrio, que compõe uma das substâncias químicas mais perigosas que existem. E que, uma vez lançada no meio ambiente, não se tem como controlar, com riscos a todos. “Isso porque pode se autotransportar pela atmosfera e se biotransformar em compostos químicos ainda mais perigosos, podendo atingir diversos animais como os de corte, as aves e os peixes, incluindo o próprio ser humano no topo da cadeia alimentar”, explica Jeffer Castelo Branco, que é doutor em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com longa experiência em meio ambiente e avaliação de risco à saúde humana.

“Pela nossa visão, não há sentido em defender a continuidade do amálgama em um país que usa somente 2% de restaurações dentárias com amálgama de mercúrio, como o Brasil, que provavelmente já usa somente nos chamados ‘casos de exceção’. Observamos em nossas pesquisas, em artigos, escritos e em comentários de profissionais, porém, que nessas exceções são pessoas pobres, negras, moradoras de áreas periféricas, com algum tipo de deficiência. Ou seja, aquelas que seriam consideradas ‘pouco colaborativas(!)’ durante o tratamento.”

O especialista avalia também que o uso do obsoleto e perigoso mercúrio no âmbito da saúde pública, que desvaloriza o serviço, ainda se configurar como racismo estrutural. “Somado ao fato de mostrarem ignorar que pessoas com doenças ou deficiências, sobretudo aquelas atingidas por transtornos neurológicos ou neurodegenerativos, deveriam ter um tratamento dentário diferenciado, completamente livre de mercúrio, tóxico para os neurônios e neurodegenerativo.”

E que, em vez desse processo de desvalorização, o atendimento público deve usar materiais seguros e sustentáveis. “O Brasil Sorridente, o maior programa de saúde bucal do mundo, uma conquista grande para nossa população, merece ser livre de mercúrio. Assim, nessa sua proposta de expansão de tratamento dentário, com tecnologias modernas, não pode levar mercúrio do amálgama dentário por todo o país”.

O banimento do metal, no entanto, pode trazer efeitos colaterais. O coordenador da Aliança Mundial pela Odontologia Livre de Mercúrio teme que, com o fim do uso do amálgama na União Europeia, haja pressão da indústria para escoar esse mercúrio tóxico para outros países. Isso devido à velha prática do duplo padrão, que empurra a sucata, o obsoleto, o tóxico para os países menos desenvolvidos, a exemplo do que acontece no mercado de agrotóxicos.

“Em 2022, após duas indústrias decidirem encerrar a fabricação do amálgama de mercúrio, uma das maiores fornecedoras australianas desse produto para o Brasil anunciou um aumento de vendas em moeda local de cerca de 60% para o nosso país”, lembra.

E tudo isso em meio à impossibilidade de controle efetivo dos resíduos de amálgama gerado em consultórios. Ou seja, o quanto está indo para a atmosfera, para a rede de esgotos e terminando em rios e mares. “Por outro lado, não se sabe ao certo se ele está sendo desviado para outros destinos, como o garimpo, por exemplo. Por isso, é imprescindível acabar com todas as fontes de mercúrio, por ele ser tóxico, um poluente ambiental e fonte contínua de produção desse metal perigoso”.

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Opção pelo mercúrio em restaurações dentárias expõe descaso com a saúde pública e o ambiente


*Cida de Oliveira é jornalista 

 

Por que 70% dos agrotóxicos largamente usados no Brasil foram banidos na União Europeia?

As autoridades de lá consideram alertas científicos da relação dessas substâncias com o câncer, malformações fetais, danos à reprodução, rins e fígado, autismo, Parkinson, Alzheimer, contaminação da água e muito mais

Tecnologia avançada para aplicar aqui venenos proibidos em outros países. Foto: ANAC

Cida de Oliveira* 

Atentas aos alertas da ciência sobre os riscos que os agrotóxicos representam para a saúde pública e o equilíbrio dos ecossistemas – e, claro, à pressão dos consumidores – autoridades da União Europeia já baniram 223 ingredientes ativos químicos desde 2001. Pesou na decisão a relação desses produtos com a alarmante lista do início desta reportagem, que vai bem além. Ou seja, foram proibidas as substâncias que foram utilizadas até que a efetividade e a segurança foram questionadas por estudos mais modernos e abrangentes. Portanto, deixaram de ser aceitáveis perante os novos conhecimentos científicos.

Já o Brasil, em sentido oposto, segue autorizando esses produtos por aqui. Tanto que esses 223 correspondem a 52% dos 429 ingredientes químicos permitidos no país pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). São matérias primas usadas na formulação de uma infinidade de herbicidas, fungicidas, inseticidas, acaricidas e reguladores do crescimento das plantas, que compõem as milhares de toneladas vendidas todo ano no Brasil, o maior mercado consumidor desses venenos.

Para piorar, desses agentes banidos pelos europeus, 7 estão na lista dos 10 mais vendidos no Brasil em 2023, segundo dados do Ibama divulgados no início do ano. No final da reportagem, você poderá conferir um recorte a partir do parecer publicado nesta terça (28) aqui no Blog do Pedlowski. Trata-se de um documento produzido e divulgado de maneira voluntária pela professora juntamente com Leonardo Melgarejo, coordenador adjunto do Fórum Gaúcho de Combate aos Efeitos dos Agrotóxicos, para respaldar organizações e setores do governo e legislativo na discussão de possibilidades relacionadas ao Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara).

 “São moléculas banidas há muito tempo porque são velhas, mais tóxicas. E aqui se usa já há muitos anos, desde 1985. Isso impede a entrada de outras mais novas, menos tóxicas e melhor testadas”, disse ao Blog a engenheira química Sonia Corina Hess, professora aposentada da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coautora de um parecer técnico detalhando dados sobre esses produtos banidos na União Europeia. “Não é por falta de opção que a gente está usando essas moléculas velhas. E sim porque são despejadas aqui devido ao preço mais baixo desse lixo em relação a moléculas novas. É por isso que entre os mais vendidos estão 7 banidos. A gente vai cumprindo assim esse papel de lixeira mesmo”.

De acordo com ela, que se dedica arduamente ao estudo desse caldeirão de venenos, a situação é bem complexa. Entre suas causas principais está o poder das transnacionais fabricantes, com seu lobby sobre os poderes da República. “A indústria química foca muito no Brasil porque é o maior mercado de agrotóxicos do mundo. Vale muito dinheiro. Há forte pressão até para impedir o banimento. Por isso a gente está com esse cenário tão trágico para o povo brasileiro, que praticamente não tem defesa diante desse poder das indústrias multinacionais”.

Regulação frágil

Esse lobby onipresente, aliás, explica em parte a fragilidade da regulação brasileira quando comparada à do bloco europeu. Lá o conjunto de países observa vários pontos no processo de análise de pedido de registro e de sua validade. “Na União Europeia a reavaliação dos produtos é periódica. Trata-se de um trabalho extenso, que pode levar 6 anos ou até mais; um processo bem bacana, em que um país assume a liderança desses estudos. Depois é feito um parecer que é apresentado para os demais países. Entra então em consulta pública. Se aparece algum ponto que pode sinalizar para o banimento, eles convocam a indústria para justificativas. É bem sério”, disse.

“Já no Brasil a validade é eterna, não tem prazo. Uma vez aprovado, não há regras definindo datas para reavaliação. Por isso a gente tem moléculas que são vendidas no Brasil desde 1985. Para conseguir banir é um processo muito complicado; é no varejo e não no atacado, como na Europa. Como lá cada substância tem uma validade e se naquele prazo não se justificar a manutenção, eles vão banir. Existe uma organização, uma sistemática de reavaliação que não tem no Brasil”, disse. “Isso é que falta aqui. E cada vez que tem reavaliação de agrotóxicos no Brasil é aquele drama, um ‘Deus nos acuda’, com o lobby todo contrário pressionando. E ninguém leva em consideração a saúde pública, o gasto no SUS, a tragédia que é o adoecimento das pessoas. Uma tragédia brasileira diante desse poderio das multinacionais.”

Sonia Hess lembra ainda o processo de enfraquecimento da legislação do setor. “A lei dos agrotóxicos, em vez de mais rigorosa, ficou mais branda, dificultando o banimento. Mas os números da saúde pública estão aí. A incidência de câncer em pessoas mais jovens está aumentando. Autismo, desregulação endócrina. São muitas doenças que provêm de contaminação ambiental e os agrotóxicos têm papel muito decisivo nisso”, disse a especialista, que se vê particularmente preocupada com a qualidade da água de abastecimento. “Cada vez que a gente analisa a água encontra uma série de substâncias perigosas, inclusive agrotóxicos.”

Interesses em conflito

O engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, com extenso currículo envolvendo o tema, acrescenta outro fator agravante: o poder do agro no poder, inclusive sobre o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), por trás da liberação dos agrotóxicos. “O MAPA afirma que precisamos usar no Brasil venenos desnecessários na União Europeia por conta de nosso clima tropical. Oculta com isso um fato simples: aqueles produtos hoje proibidos na União Europeia já foram utilizados lá; eram necessários para a agricultura até que se comprovaram perigosos demais para a saúde humana e ambiental. Mas como a agricultura européia se mantém, sem eles? Utilizando outras formulações”, apontou.

“O fato é que estas outras formulações são mais caras, enquanto o lixo tóxico, que não pode ser comercializado lá é desviado para cá, a preços baixos. Lixo tem preço baixo”, disse, fazendo coro a Sonia Hess. Na sua análise, trata-se tambem de uma questão de contabilidade, onde os gastos com saúde são desprezados por aqueles só enxergam os resultados da lavoura, a cada safra, desprezando o horizonte de uso de seus próprios territórios. “Estão acabando com a microvida e a fertilidade dos solos, envenenando a água, multiplicando tragédias familiares e justificam isso com base em argumentações falaciosas”, completou.

Após uma década de espera pelos movimentos e organizações da sociedade civil, em junho deste ano o governo federal instituiu, por decreto, o Pronara. A política visa a redução gradual e contínua do uso de agrotóxicos, principalmente os altamente perigosos ao meio ambiente e extremamente tóxicos para a saúde. 

Mensagem de repúdio ao Pacote do Veneno projetado em edifício. Foto @projetemos

atribui ao mesmo MAPA, entre outras coisas, priorizar o registro de agrotóxicos de baixa toxicidade e de bioinsumos. Ou seja, uma incumbência que destoa dos horizontes do poderoso comando da pasta. Para Melgarejo, o nó dessa improvável convergência de interesses só pode ser desatado pela sociedade. E isso quando estiver plenamente consciente da situação.

“As pessoas que residem nas ‘zonas de sacrifício’ não estão cientes de que seus parentes estão sofrendo doenças incuráveis que poderiam ser evitadas, que gestações estão sendo perdidas, que se multiplicam casos de oncologia infantil e distúrbios nos sistemas endócrinos, nervoso e reprodutivo porque a água está sendo envenenada. E se soubessem que isso tudo poderia ser evitado com mudanças nas regras de financiamento, isenção de impostos e autorização de uso, aqui, de venenos que são PROIBIDOS em outros países, não reagiriam?”, pondera, lembrando que “zonas de sacrifício” são áreas nas quais os índices de mortalidade, afecções cancerígenas, gestações perdidas e casos de autismo e infertilidade superam as médias nacionais.

 Nessa perspectiva, Melgarejo defende que a sociedade seja informada sobre a gravidade da situação em que vive. “As pessoas estão sendo enganada a respeito dos agrotóxicos. E o Pacote do Veneno é um instrumento criminoso a serviço de interesses econômicos, cego aos direitos humanos fundamentais, antiético e contrário à civilidade”, disse. “Os números e fatos relatados no parecer demonstram isso. A sociedade precisa ser informada para avaliar aqueles seus representantes que vêm sendo escolhidos para ocupar espaços no poder legislativo. A maioria deles, como demostram as decisões envolvendo o pacote do veneno e as dificuldades para discussão de um modelo de desenvolvimento amistoso à natureza, zombam da saúde de seus eleitores”, diz.

Ele defende também que esta disseminação de informações sobre o tema dê o devido espaço para os avanços das práticas agroecologias, “um sistema de produção mais coerente com as necessidades de soberania alimentar e de enfrentamento ao aquecimento global, está sendo bloqueado pelo estímulo ao uso de lixo tóxico entre nós”. “Precisamos de proteção para as regiões onde a agroecologia se expande, que sejam estabelecidas áreas livres de agrotóxicos e os avanços possam ser multiplicados.

Mas não é só. Como tudo isso depende de políticas públicas, a importância de esclarecimento da sociedade ganha ainda mais relevância. “Até mesmo para o ganho de força na correlação que levou o agro ecocida a dominar o estado”, diz Melgarejo. “Eles estão no legislativo e ocupam postos chave no executivo, em todos os governos. Ocuparam o estado, que precisa se aproximar mais das necessidades da população e se afastar dos mecanismos que nos subordinam a interesses ofensivos à saúde humana e ambiental.”

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Confira a seguir


Cida Oliveira é jornalista e colaboradora regularmente com o Blog do Pedlowski.

Lixeira química: “É uma vergonha o Brasil comprar agrotóxicos perigosos, banidos em outros países, e que aqui nem pagam impostos”, alerta especialista

Professora aposentada da UFSC referência em estudos sobre o tema, Sonia Corina Hess defende tributação, com os recursos destinados a descontaminação e políticas de saúde 

Por Cida de Oliveira*

Nuvem de agrotóxicos em lavoura no Mato Grosso. Foto: Documentário Juruena Rastros do Veneno

As liberações desenfreadas de agrotóxicos no Brasil, que é o maior consumidor mundial, e as isenções tributárias que beneficiam seus fabricantes multibilionários voltaram a ser criticadas pela engenheira química Sonia Corina Hess. Professora aposentada da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a engenheira química que se dedica a estudar esses produtos e seus impactos à saúde e meio ambiente, reitera críticas à opção dos governos pela importação de substâncias altamente tóxicas para satisfazer o agronegócio. “Hoje o Brasil é a maior lixeira química do mundo. A gente paga caro em agrotóxicos que foram banidos na União Europeia e em outros países porque os consideram um lixo”, afirma, em vídeo de alerta sobre a gravidade da situação, que você pode conferir ao longo da reportagem.

Sonia Hess destaca que, da lista dos 10 princípios ativos mais vendidos no Brasil, 7 foram proibidos na União Europeia ou que nem chegaram a ser registrados por lá. Segundo dados mais recentes do Ibama, de 2023, os 10 campeões de venda são, pela ordem: Glifosato, Mancozebe, 2,4 -D, Acefato, Clorotalonil, Atrazina, S-Metolacloro, Glufosinato de Amônio, Malationa e Dibrometo de Diquate. Os grafados em vermelho são os banidos.

“O Mancozebe, uma molécula perigosa, é o segundo mais vendido no Brasil. Mais de 50 mil toneladas foram jogadas aqui. O Acefato, banido em 2003, uma molécula velha, uma substância perigosíssima. A Atrazina, uma porcaria que se acumula na água. Intoxica populações de maneira crônica, causando uma série de problemas de saúde, vários tipos de câncer, infertilidade, e continua sendo vendida no Brasil mesmo tendo sido banida na Europa em 2004. É grande a lista das substâncias que foram banidas e que aqui continuam a ser vendidas a preço de ouro”, alerta.

Em seu recado contundente e necessário, a professora lembra ainda outro absurdo: os benefícios tributários concedidos há décadas. “Não pagam impostos, não pagam. Agora está em discussão no STF (Supremo Tribunal Federal) se obriga ou não os agrotóxicos a pagar imposto. Além de a gente ter de lutar para banir aqui essas substâncias banidas em outros lugares, temos de lutar para que pelo menos paguem impostos para diminuir o dano financeiro ao país”, diz, com indignação. “É uma vergonha a gente pagar caro por esse lixo que não paga imposto”.

Professora Sonia Corina Hess faz mais um alerta sobre a farra dos agrotóxicos no Brasil

Indústrias nadam de braçada no oceano de benefícios fiscais

A professora se refere a subsídios tributários a esses produtos concedidos há quase 30 anos. A inconstitucionalidade de dispositivos legais que garantem enormes descontos no ICMS, principal fonte de arrecadação dos estados, está sendo questionada no Supremo há quase 10 anos. O plenário da Corte deve retomar hoje (22) o julgamento de ações que questionam a legalidade de benefícios concedidos à comercialização. Em seu voto, o ministro relator Edson Fachin reconheceu que a isenção fiscal dos agrotóxicos é inconstitucional.  Já o ministro Gilmar Mendes acolheu argumentos de representantes do agronegócio e votou pela manutenção dos benefícios. Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli seguiram Gilmar. 

Em reportagem do Blog do  Pedlowski publicada em agosto, fica claro que o buraco de recursos públicos é mais embaixo. E não se limita a isenções e redução de alíquotas do ICMS. Os fabricantes de agrotóxicos se beneficiam também das isenções em impostos e contribuições federais, que foram sendo concedidas a partir da década de 1990: o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto de Importação (II), Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e as Contribuição Social dos Programas de Integração Social (PIS) e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep). A alíquota zero dessas contribuições, aliás, impediram os cofres públicos de arrecadar R$ 8,9 bilhões de 2010 a 2017, conforme um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU).

Segundo dados divulgados pela Receita Federal com base em informações declaradas pelas empresas sobre créditos tributários decorrentes de benefícios fiscais, de janeiro a agosto de 2024 os agrotóxicos deixaram de pagar mais de R$ 10,7 bilhões em impostos federais. A Syngenta deixou de recolher R$ 4 bilhões, a Bayer R$ 2,11 bilhões e a Basf, R$ 1,87 bi. Se nada for feito, as benesses terão continuidade mesmo com a entrada em vigor da reforma tributária, graças ao lobby onipresente e onipotente do agronegócio.

Câncer, malformações fetais, autismo, Alzheimer, Parkinson…..

Os impactos à saúde e meio ambiente dessa festa que essas empresas fazem no Brasil, com as bênçãos dos poderes, estão na pesquisa à qual Sonia Hess se dedica atualmente. Trata-se de um trabalho meticuloso, que o Blog do Pedlowski divulgou em primeira mão neste domingo (19). O objetivo é catalogar pesquisas científicas sobre os efeitos toxicológicos dos princípios ativos banidos lá fora e recebidos no Brasil como salvadores da lavoura. O trabalho em andamento já reúne dados alarmantes. Dos 570 ingredientes ativos registrados na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), 429 são ativos químicos, dos quais 228 (53%) foram banidos ou não têm registro na União Europeia.

A professora já levantou estudos toxicológicos referentes a 48 deles desses ingredientes ativos presentes nos agrotóxicos. Os dados, parciais, apontam para a relação da exposição crônica a esses agentes com uma infinidade de problemas de saúde graves, incapacitantes e letais. São pelo menos 10 tipos de câncer associados, malformações congênitas, alterações no sistema hormonal, infertilidade e muitos outros distúrbios.

Câncerígenos (próstata, ovário, estômago, tireóide, linfoma não-Hodgkin, cérebro, colorretal, leucemia, sarcoma de tecidos moles e fígado). Segundo o levantamento, estão associados ao Acefato, Ametrina, Atrazina, Clorpirifós, Propiconazol, Epoxiconazol, Imazetapir, Mancozebe e Simazina.

Genotóxicos – causam danos ao material genético das células, como o DNA e os cromossomos, capazes de desenvolver câncer e até mesmo doenças hereditárias. Acefato, Alfa-cipermetrina, Bifentrina, Clotianidina, Imadacloprido, Permetrina e Sulfentrazona.

Desreguladores endócrinos – alteraram a produção, função e ação de hormônios. Entre eles estão o Profenofós, Propamil e Tibutiurom.

Teratogênicos – causam malformações congênitas, atraso no crescimento fetal, disfunções funcionais e até mesmo a morte. Atrazina, Clorpirifós, Cumatetradil e Flocumafeno.

Danos ao sistema imunológico de bebês expostos durante a gestação: Alfa-cipermetrina, Bendiocarbe, Bifentrina, Clotianidina, Fenitrotiona, Imidacloprido, Permetrina, Praletrina, Propanil, Sulfometurom-Metílico, Temefós e Tiodicarbe.

Danos metabólicos – ou seja, às reações químicas que envolvem o funcionamento das células: Alfa-cipermetrina, Bifentrina, Clotianidina, Fenitrotiona, Imidacloprido, Permetrina, Praletrina e Temefós.

Rins – danos ao órgão estão relacionados ao Dibrometo de Diquate, Tiodicarbe e Triflumurom.

Fígado – Alterações em células hepáticas humanas e no órgão em ratos podem ser causadas pelo Tidiocarbe e Triflumurom.

Parkinson – Atrazina, Clorpirifós, Metomil e Simazina.

Alzheimer – Clorpirifós e Metomil.

Autismo – Clorpirifós, Imidacloprido e Permetrina.

Desordem do Déficit de Atenção – Clorpirifós e Imidacloprido.

Infertilidade e baixa qualidade do sêmen – Atrazina e Clorpirifós.

Tóxico para abelhas – Atrazina, Bifentrina, Flubendiamida, Novalurom, Diafenturom, Dinotefurono, Flubendiamida, Imidacloprido, Picoxistrobina e Tiametoxam.

Tóxico para peixes – Ametrina, Diafenturom, Diurom, Hexazinona, Imizapique, Imazapir, Metomil, Tibutiurom e Tidiocarbe.


*Cida de Oliveira é jornalista

Observatório dos Agrotóxicos: Governo Lula continua chuva de liberações de agrotóxicos proibidos na Europa

No dia de ontem, o Blog do Pedlowski publicou uma lista compilada pela professora Sonia Corina Hess com centenas de agrotóxicos proibidos na Europa e vendidos legalmente no Brasil. Eis que hoje, o Diário Oficial da União publicou o Ato Nº 50,  de 17 de outubro de 2025 que traz a liberação de mais 33 agrotóxicos para comercialização no território brasileiro.

Para confirmar o que a professora Sonia Hess já havia observado em sua lista, esse novo ato adiciona diversas novas formulações contendo ingridientes ativos proibidos na União Europeia. Com isso, os que têm acompanhado desde 2019 as publicações do Obsevatório dos Agrotóxicos do Blog do Pedlowski poderão verificar quais agrotóxicos liberados hoje estão proibidos na União Europeia e quais são as principais consequências deletérias que eles trazem para diversos organismos vivos, incluindo seres humanos.

Posso adiantar que neste ato foram liberados agrotóxicos cujos ingridientes ativos que a literatura científica já apontou serem, entre outras coisas,  neurotóxicos, desreguladores endócrinos, tóxicos para abelhas, causadores de danos ao sistema imunológico de recém nascidos, causadores de danos nos rins, genotóxicos, além de estarem associados danos metabólicos e serem indutores de diabetes. 

A questão é que essa não é a primeira vez que o Blog do Pedlowski traz informações sobre a liberação de agrotóxicos proibidos na Europa, já que recentemente uma reportagem assinada pela jornalista Cida de Oliveira havia mostrado a mesma situação em relação ao Ato Nº 46,  de  29  de setembro de 2025. Estamos assim diante de uma prática regular de liberar no Brasil, os agrotóxicos que agricultores europeus não podem mais usar por causa da sua alta periculosidade ambiental e para a saúde humana.

Esta situação é grave demais para ser ignorada, pois não podemos aceitar que o Brasil seja transformada na lixeira química das multinacionais europeias que continuam colocando os seus lucros acima da segurança dos trabalhadores rurais e de quem consome os alimentos contendo resíduos de seus agrotóxicos ultraperigosos.

Apesar do discurso conservacionista, Brasil segue liberando agrotóxicos altamente tóxicos e se consolida como lixeira química do mundo

Semana passada o governo Lula anunciou registro para mais 27 produtos obtidos a partir de 13 princípios ativos. Em sua maioria são muito perigosos aos ecossistemas e 6 deles foram banidos no bloco europeu

Pulverização aérea de agrotóxicos: mais venenos na agricultura da potência ambiental.  Foto: Arquivo EBC

Por Cida de Oliveira* 

O Brasil tem se apresentado como candidato a líder ambiental global. Nesse sentido vai sediar em novembro, em Belém, a conferência mundial da ONU sobre o clima, a COP30. A pretensão, no entanto, não coaduna com os sinais de desprezo pelo meio ambiente e a saúde pública ao reforçar a defesa dos interesses do setor de agrotóxicos. Na última quinta-feira (2) o Ministério da Agricultura publicou uma nova lista de registros, desta vez com 27 ingredientes ativos concentrados (produtos técnicos), que as indústrias utilizam para fabricar tantos outros produtos aplicados principalmente nos latifúndios do agronegócio exportador.

Esse conjunto de ingredientes tem em sua composição 13 substâncias. Seis são classificadas como muito perigosas ao meio ambiente, uma é altamente perigosa e seis, perigosas. Quanto à toxicidade à saúde, 12 são categorizadas como “improvável de causar danos agudos” devido à exposição. E uma está entre aquelas “sem classificação” porque não haveria dados toxicológicos suficientes para determinar seu nível e tipo de toxicidade.

Os ingredientes ativos glufosinato de amônio, tidiazurom e trifloxistrobina são os mais prevalentes. Cada um corresponde a quatro dos novos registros, conforme a tabela a seguir.

Venenos e transgênicos

O herbicida glufosinato de amônio foi banido na União Europeia em 2009. Um dos substitutos do paraquate, proibido no Brasil em 2020, a substância se supera em vendas desde então. Em 2021 foram 6.627,19 toneladas vendidas, mais de 2,5 vezes que as 2.628,74 toneladas no ano anterior. Vendeu 11.321,06 toneladas em 2022 e 9.580,15 em 2023. Em 2017 a comercialização era de 1.137,65 toneladas, segundo o Ibama.

Aplicado em lavouras de soja, milho, cana, citros e eucalipto, entre outras, tende a vender muito mais com o trigo transgênico resistente ao agrotóxico. Em março de 2023, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) autorizou o plantio e a venda do cereal geneticamente modificado no país, contrariando apelos de cientistas, consumidores e até fabricantes do setor. A presença de resíduos do agrotóxico no pão de cada dia, no macarrão, pizza, biscoitos e tantos outros produtos assusta e desagrada o consumidor. O herbicida é prejudicial a organismos aquáticos e do solo devido a seus efeitos tóxicos, desequilibrando assim as comunidades microbianas e os ecossistemas interligados.

Há indícios fortes de prejuízos à saúde, como mutações no DNA das células, levando ao desenvolvimento de doenças como o câncer. A professora Sonia Hess, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), menciona, entre outros, os resultados de uma pesquisa da Universidade Agrícola da China publicada em 2019. Os autores constataram efeitos tóxicos sobre o fígado e o sistema reprodutivo, com danos aos testículos, de lagartos machos expostos a solo contaminado com glufosinato de amônio.

Já o pesquisador argentino Eduardo Martin Rossi, da organização Naturaleza de Derechos, compilou trabalhos científicos sobre as intoxicações agudas e crônicas causadas pelo glufosinato (acesse aqui). Entre eles, danos ao sistema nervoso, respiratório, coração e músculos. E mais: Alterações na memória, autismo e um desequilíbrio da flora intestinal, que por sua vez prejudica a absorção dos nutrientes.

Tidiazurom 

O princípio ativo do herbicida está em quatro produtos registrados no Brasil em 2024, após 16 anos que a substância perdeu seu registro na União Europeia. Após avaliação, uma comissão sobre agroquímicos do bloco considerou o produto obsoleto e decidiu pelo fim do registro em 2008. A substância se mostrou ultrapassada quando comparada com outros de tecnologia mais avançada. Conforme autoridades ambientais, a substância é muito tóxica para a vida aquática, com efeitos duradouros.

Trifloxistrobina

O fungicida está na mira de autoridades dos Estados Unidos e União Europeia devido a indícios de danos aos ecossistemas aquáticos. Estudos mostram acúmulo de resíduos altamente tóxicos para peixes e outros invertebrados. E Também para a saúde do solo, já que afeta a ação de comunidades microbianas sobre nutrientes e atividades enzimáticas, prejudicando o processo de sequestro de carbono pela vegetação.

Segundo autoridades ambientais, o princípio ativo representa prejuízos à reprodução. Estudos mostram que ratos de laboratório expostos à trifloxistrobina tiveram redução nos níveis de testosterona, o que sugere a possibilidade de problemas na reprodução masculina. Foi observada também a redução de bactérias intestinais associadas ao bom funcionamento de hormônios. Há ainda outros estudos que levantam a suspeita de desregulação endócrina.

Agentes mais tóxicos

A lista do Ministério da Agricultura inclui o herbicida lambda-cialotrina, classificado como altamente perigoso ao meio ambiente. Quanto à toxicidade à saúde, vai do extremamente tóxico ao improvável de causar dano agudo, dependendo da formulação. O perigo da substância às abelhas foi constatado em estudos realizados em vários países. As abelhas têm papel importante na reprodução vegetal, já que participam da reprodução da maior parte das espécies vegetais. Portanto, sem elas a produção de alimentos e as florestas correm ainda mais riscos. Há ainda pesquisas que alertam para a correlação da substância com danos às células do fígado e à toxidade no sistema nervoso de ratos.

Alta contaminação em águas subterrâneas

O herbicida S-Metolacloro teve suas vendas ampliadas no Brasil, segundo dados do Ibama. Passou de 7.238 toneladas, em 2020, para 9.374 toneladas, 11.599,70 toneladas e 13.327,58 toneladas nos anos subsequentes. Porém está proibido no mercado europeu desde o ano passado. Autorizações para produtos derivados da substância também foram retiradas e há um prazo para o descarte e o uso dos estoques existentes. A rejeição foi justificada pela alta concentração do ingrediente em águas subterrâneas. Durante o processo, a agência europeia para produtos químicos considerou tamém estudos que demonstraram potencial riscos de tumores hepáticos em ratos expostos à substância.

Atualmente o S-Metolacloro está sendo reavaliado no Canadá. Autoridades consideram os impactos ambientais e à saúde. A agência reguladora do setor abriu recentemente consulta pública e aguarda manifestações que podem levar a uma possível proibição.

O herbicida Dicamba está no centro de debates na União Europeia, Estados Unidos e Canadá, que avaliam medidas contra os efeitos nocivos da sua alta volatização. O produto tem atingido e destruído plantações vizinhas, que não são alvo da ação herbicida. A Justiça dos Estados Unidos proibiu o uso em lavouras de soja e algodão transgênicos em 2020 e 2024. A medida incluiu a suspensão da pulverização excessiva.

Consulta pública e possível proibição

Agora em setembro o governo do Canadá abriu consulta pública visando à reavaliação especial do registro do agente ativo e seus derivados. Autoridades canadenses estão preocupadas com esse mesmo risco às plantas vizinhas. Estão sendo cogitadas mudanças para reduzi-lo, com atualização das zonas de proteção de deriva de pulverização e adoção de medidas de mitigação para volatilidade. A proibição não é descartada.

Já em relação à toxicidade à saúde, evidências científicas sugerem que o dicamba seja um disruptor endócrino, podendo interferir na ação de hormônios e, por tabela, no funcionamento normal de organismos e na reprodução. Há também estudos apontando que usuários do produto têm risco aumentado de câncer, e outros que relacionam a exposição ao aumento do risco de hipotireoidismo.

Outros proibidos

O inseticida tiamexam é um neonicotinóide que, segundo pesquisas, afeta o sistema nervoso central das abelhas, causa desorientação, o que as impede até mesmo de retornar às suas colmeias. Há também trabalhos científicos que apontam danos ao sistema digestivo, reprodutivo e imunológico desses polinizadores, que em muitos casos levam à morte. Por essa razão o produto tem sido banido em vários países. A União Europeia baniu em 2009. O impacto para as abelhas tem levado também a restrições do uso, como no Brasil. Após reavaliação ambiental, no início de 2024 o Ibama limitou esses agrotóxicos, proibindo a pulverização aérea ou com tratores sobre lavouras de cana, soja, trigo algodão, eucalipto e milho, entre outros.

O herbicida diclosulam é outro que não tem registro no bloco europeu para fins agrícolas. O pedido para renovação do registro foi rejeitado devido a potenciais riscos ambientais. Em sua decisão, a autoridade europeia para a segurança dos alimentos considerou a toxicidade para aves e organismos aquáticos. E ainda o risco potencial de contaminação generalizada e duradoura das águas subterrâneas.

O fungicida picoxistrobina perdeu seu registro na União Europeia e no Reino Unido em 2018, após reavaliação. Preocupações com os altos riscos à vida aquática, minhocas, mamíferos e abelhas justificaram a decisão. Diversos estudos chamam atenção para o risco potencial de danos a esses polinizadores.

O herbicida Sulfentrazona é outro banido em 2009 na União Europeia devido à potencial toxicidade para o desenvolvimento e a reprodução animal. Isso inclui redução do peso corporal fetal e redução/atraso na ossificação esquelética observados em estudos em camundongos, ratos e cães. Nos Estados Unidos a substância tem uso controlado devido aos riscos ambientais quanto a lixiviação para águas subterrâneas. E também danos à vida aquática. Por isso não pode ser aplicado perto de corpos d’água e em áreas com águas subterrâneas rasas ou solos arenosos para evitar contaminação.

Os “menos” perigosos

O inseticida metoxifenozida tem degradação ambiental lenta, com potencial de persistência, podendo contaminar águas subterrâneas e intoxicar a vida aquática. Águas superficiais de solos permeáveis, como aqueles de plantio de arroz irrigado, também podem ser afetados. Por essas razões o inseticida é considerado altamente tóxico para a vida aquática. Atualmente o produto é alvo de medidas de controle na União Europeia.

Autoridades para segurança dos alimentos no bloco reduziram recentemente o limite máximo de resíduos permitidos em algumas hortaliças. A adequação terá de ser cumprido até janeiro do próximo ano. Em 2014, um processo de reavaliação encontrou dados de ensaios de resíduos incompletos para a berinjela, por exemplo. E os fornecidos a partir de então apontaram para a necessidade de redução desses limites  para aumentar a segurança quanto à presença de resíduos.

O herbicida flumioxazim apresenta riscos ao meio ambiente por ser altamente tóxico para plantas aquáticas e invertebrados. E moderadamente tóxico para peixes, com potencial de prejudicar plantas não alvo durante a deriva da aplicação. Pesquisas mostram que o produto é tóxico ao desenvolvimento em mamíferos, incluindo ratos. Isso porque interfere em funções bioquímicas importantes.

O uso do produto enfrenta oposição na União Europeia, onde o potencial de toxicidade para o meio ambiente e a reprodução está no centro de debates. As autoridades do setor o classificam como candidato à substituição. A Comissão Europeia chegou a propor que sua autorização seja estendida, mas enfrentou objeções do Parlamento Europeu e de diversas organizações de saúde e meio ambiente.

E por fim, o fungicida protioconazol também tem sua regulação em discussão no bloco europeu. O processo de avaliação de renovação de registro já recebeu pleitos para restrições em sua utilização. E também para a segurança do aplicador e a proteção de organismos aquáticos, aves e pequenos mamíferos.

Novos produtos velhos

Como deu para perceber, esses registros recentes não são de novos, melhores e nem mais seguros, conforme o lobby do agronegócio para mudar leis e garantir isenções tributárias. O problema se agrava quanto mais desses produtos são registrados sem parar.  Incansável, a professora Sonia Hess catalogou dados de agrotóxicos aprovados no Brasil, com base em publicações oficiais da coordenação geral de agrotóxicos e afins do Ministério da Agricultura. Um recorte dessas informações, ao qual a reportagem teve acesso, dá uma ideia do volume de autorizações para esses produtos “novos” a partir de 2019: São mais de 500, conforme a tabela.

Lixeira química

Em meio a tantos dados relativos a quantidades e à toxicidade ao meio ambiente e à saúde aqui descritos, é de se questionar os motivos para esses produtos terem no Brasil o selo de “improváveis de causar danos”. Essa contradição foi estabelecida em 2019, em uma espécie de maquiagem promovida pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no primeiro ano do então governo de Jair Bolsonaro (PL). Embora o mandato tenha acabado, o que veio na sequência ainda mantém a classificação, apesar de duramente criticada por especialistas e movimentos.

Para lembrar, a medida em questão reclassificou mais de 1.900 agrotóxicos, retirando 600 produtos da categoria de alta toxicidade à saúde. Nessa espécie de passe de mágica, o glifosato, presente em quase 130 produtos para uso na soja, café, feijão e frutas, deixou de ser classificado como extremamente tóxico. E entrou na categoria dos improváveis de causar danos, apesar de que a substância mantém a mesma composição química. Seja como for, a reclassificação brasileira também não altera as evidências científicas de forte relação do glifosato com diversos tipos de câncer, infertilidade e problemas neurodegenerativos, como Alzheimer e Parkinson e até mesmo depressão e autismo.

Celeiro do mundo ou lixeira tóxica?

Sob o slogan de “Brasil celeiro do mundo”, o país torma-se lixeira química do mundo. Enquanto isso, indústrias com sede na União Europeia aproveitam para limpar seus estoques. Segundo artigo publicado semana passada pelas organizações Unearthed e Public Eye, essas empresas desovaram 75 produtos em outros países, somente em 2024. Praticamente o dobro do número das exportações em 2018. E isso apesar de a fabricação e exportação dessas substâncias serem proibidas. “A maioria dos pesticidas proibidos atualmente exportados foram recentemente proibidos. Entre eles, estão produtos químicos como o mancozeb, um fungicida proibido no final de 2020 após ser considerado “tóxico para a reprodução” – o que significa que pode prejudicar a fertilidade e os bebês no útero. No ano passado, empresas da UE emitiram notificações para a exportação de mais de 8.500 toneladas de produtos à base de mancozeb para 59 países”, diz trecho do artigo publicado no último dia 22 de setembro pelo Greenpeace do Reino Unido.

O texto lembra que a União Europeia continua exportando milhares de toneladas de neonicotinoides, os inseticidas “matadores de abelhas” envolvidos no declínio dos polinizadores em todo o mundo. Seu uso em campos europeus está proibido desde 2019 devido aos riscos “inaceitáveis” para as abelhas. O próprio bloco considera que essas substâncias representam grave ameaça à biodiversidade e à segurança alimentar global. No entanto, continua a exportar grandes quantidades. E o Brasil segue comprando.

*Cida de Oliveira é jornalista

Agrotóxicos: Perto de completar 30 anos, farra tributária do ICMS terá R$ 1,93 bi de isenção somente em SP 

Valor previsto na lei orçamentária para 2026 é semelhante ao repasse anunciado pelo governo Tarcísio à saúde de 645 municípios paulistas

Pulverização aérea de agrotóxicos em fazenda no interior paulista. Foto: reprodução vídeo YouTube

Cida de Oliveira 

Passou quase despercebida a prorrogação, em julho, do convênio que desde 1997 garante aos fabricantes de agrotóxicos isenção ou descontos de 60% no ICMS. Principal fonte de recursos dos estados, o imposto incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias e prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. A renovação garante ao setor a continuidade de lucros exorbitantes em todo o Brasil até 31 de dezembro de 2027, quando a mamata tributária completará 30 anos. É difícil calcular a perda de arrecadação dos estados brasileiros em todo esse tempo, mas dá para ter uma ideia. Um estudo do grupo de pesquisa em justiça ambiental, alimentos, saberes e sustentabilidade da Universidade do Vale do Taquari (RS), calculou soma da renúncia de todos os estado e Distrito Federal 2017. E atualizou para valores de 2023 com base no IPCA, encontrando perda de R$ 7,05 bilhões.

Em novembro do ano passado, o lobby do veneno agradeceu ao governador de São Paulo, o bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos) por se antecipar em defesa da manutenção do convênio e pedir ao legislativo paulista providências nesse sentido. Foi mais uma ação generosa do gestor aliado ao agro e defensor da manutenção dos privilégios dos seus barões.

Um dos 26 estados, incluindo o Distrito Federal, que isentaram os agrotóxicos de recolher o imposto em operações internas, além da redução de 60% na alíquota de 18% nas operações interestaduais, SP ocupa o segundo estado no ranking do consumo nacional de agrotóxicos. Faz a festa das fábricas, que venderam 98,2 milhões de toneladas desses produtos em 2023, conforme relatório do Ibama. Perdeu apenas para o Mato Grosso, com 165,6 milhões. Com tanto agrotóxico comprado para despejar sobre lavouras de cana, soja e outras, não chega a causar surpresa a presença de 14 tipos deles na chuva em cidades do interior e da capital. A constatação veio de pesquisa da Unicamp divulgada em março, em uma publicação científica estrangeira. Entre os venenos encontrados estava a atrazina, proibida em diversos países justamente devido aos seus efeitos altamente tóxicos.

Pelas contas da equipe econômica de Tarcísio, a perda paulista com agrotóxicos estará próxima dos R$ 2 bilhões no ano que vem. Mais precisamente R$ 1,93 bi, segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias 2026, aprovada em 1º de julho. Desse total, R$ 1,81 bi vem da redução de 60% na base de cálculo. E R$ 121,8 milhões da isenção total do imposto. O total da renúncia com os agrotóxicos está próximo dos R$ 2 bilhões que Tarcísio repassou em junho último à área da saúde dos 645 municípios paulistas desde que tomou posse, em janeiro de 2023. Entre os quais certamente muitos carentes de recursos para tratar intoxicações e doenças causadas por esses produtos à sua população.

Benefícios a perder de vista

Mas há também previsão de perdas com outros setores do agro que elegeu Tarcísio. A lei prevê mais R$ 1,13 milhão para o setor que inclui agricultura e pecuária”. E ainda R$ 902,5 milhões para “agricultura, pecuária e serviços relacionados”. Com isso o estado fica sem arrecadar R$ 3,92 bilhões. Um montante três vezes maior que o R$ 1,3 bi que o mesmo governo repassou neste ano a 145 instituições conveniadas ao SUS na região Metropolitana de São Paulo.

Enquanto fabricantes como Syngenta, Bayer, Basf e outras fazem a festa nos estados, para desespero de muitos governadores, o da Califórnia aprovou mudanças significativas nas leis que afetam essas indústrias, com aumento na alíquota sobre a venda de agrotóxicos e prazos para a reavaliação. E também reforçar a regulamentação dos produtos, programas de segurança e melhorar a eficiência e a transparência do processo de registro.

O ralo de recursos públicos não se limita a isenções e redução de alíquotas do ICMS. Os fabricantes de agrotóxicos se beneficiam também das isenções em impostos e contribuições federais, que foram sendo concedidas a partir da década de 1990: o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto de Importação (II), Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e as Contribuição Social dos Programas de Integração Social (PIS) e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep). A alíquota zero dessas contribuições, aliás, impediram os cofres públicos de arrecadar R$ 8,9 bilhões de 2010 a 2017, conforme um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU). Segundo dados divulgados pela Receita Federal com base em informações declaradas pelas empresas sobre créditos tributários decorrentes de benefícios fiscais, de janeiro a agosto de 2024 os agrotóxicos deixaram de pagar mais de R$ 10,7 bilhões em impostos federais. A Syngenta deixou de recolher R$ 4 bilhões, a Bayer R$ 2,11 bilhões e a Basf, R$ 1,87 bi.

Introduzidos a partir da década de 1990, os incentivos fiscais a esses produtos foram sendo ampliados nos anos seguintes. Inclusive nos governos progressistas, com o mesmo argumento dos fabricantes. Ou seja, de que contribuiriam para tornar os alimentos mais baratos. A falácia, aliás, tenta endossar outra balela do setor: o princípio da seletividade e da essencialidade tributária que justificariam todas essas isenções e benefícios.

Distorções

No entanto, a assessora jurídica da organização Terra de Direitos, Jaqueline Andrade, disse ao Blog do Pedlowski que há, na verdade, uma distorção. “São classificados como produtos essenciais, apesar de serem cientificamente e comprovadamente danosos à saúde e ao meio ambiente”, afirma. “Essa classificação é política, tanto que privilegia determinadas parcelas de grupos econômicos e produtivos do país. Especialmente setores do agronegócio extensivo, com um altíssimo custo à coletividade e à população brasileira, ao patrimônio e ao erário público.”

Como exemplo, ela menciona resultado de estudo dos pesquisadores Marcelo Firpo Porto, da Fiocruz, e Wagner Soares, do IBGE, sobre os impactos negativos à economia da saúde: para cada US$ 1 gasto na compra de agrotóxicos, é gerado um custo de até US$ 1,28 com o tratamento apenas das intoxicações agudas causadas por agrotóxicos.

A organização é amicus curiae na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.553, que tramita desde 2016 no Supremo Tribunal Federal (STF). Apresentada pelo Partido Solidariedade e Liberdade (Psol), a petição questiona a legalidade de pontos do convênio ICMS 100/97 e da legislação do IPI ao beneficiar agrotóxicos. Segundo a advogada, os argumentos para a criação e renovação do convênio já se provaram insustentáveis e falsos. “O censo agropecuário de 2017 mostra que as pequenas propriedades, de até 100 hectares, as maiores em número no Brasil, cultivadas majoritariamente pela agricultura familiar, afirmam gastar até 4,9% das despesas de produção com agrotóxicos. Por outro lado, as grandes propriedades, com mais de 500 hectares, que representam menos propriedades no Brasil, afirmam gastar mais com agrotóxicos”, ponderou.

Comida, commodities e golpismo

O fato de o Brasil ter 71,2 milhões de hectares plantados, dos quais a soja representa 42%, o milho, 21% e a cana, 13%, conforme estudos da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), é outro aspecto para o qual Jaqueline chama atenção.  “Juntos, estes três cultivos representaram 76% de toda a área plantada do Brasil e foram os que mais consumiram agrotóxicos, correspondendo a 82% de todo o consumo do país em 2015. Paralelamente são as culturas majoritariamente exportadas. Assim, o uso intensivo de agrotóxicos é direcionado para a produção de commodities, não de alimentos”, ressalta.

Em contraposição, como lembra, a produção de alimentos é a menor dependente desses produtos. “O Censo Agropecuário de 2017 mostra que a maioria dos alimentos vem da agricultura familiar. São estes estabelecimentos da agricultura familiar que produzem 69,6% do feijão, 83% da mandioca, 45,6% do milho em grão, 21% do trigo e 38% do café, os quais permanecem no mercado brasileiro para consumo interno da população brasileira. Assim, a tributação dos agrotóxicos impacta quase que de forma insignificante na produção massiva de alimentos no país e no repasse ao consumidor. Impactará grandes proprietários rurais que destinam a produção para exportação e que já são beneficiados por outros incentivos e benefícios no sistema tributário nacional, como é o caso das desonerações para exportações e do financiamento por bancos públicos. É uma escolha que premia poucos, mas impacta muitos.”

Aplicação de agrotóxicos em lavoura de cana, principal cultura do Estado de SP. Foto: Reprodução YouTube

Para além da questão agrícola, a advogada considera os aspectos políticos e ideológicos dos beneficiados pelas isenções aos setores do agronegócio. No caso, a estreita ligação do setor com os financiadores da logística dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. “A relatora Eliziane Gama apontou, por exemplo, o sojicultor Argino Bedin e a Aprosoja — que teve R$ 20 milhões bloqueados — como financiadores de caravanas de caminhões e protestos em Brasília”, lembrou. “Delações, como a de Mauro Cid, também confirmaram que o general Braga Netto buscou recursos junto ao ‘pessoal do agro’ para viabilizar a tentativa de golpe, no custeio de transporte, alimentação e estrutura de acampamentos. Nos resta então perguntar: por que o estado brasileiro beneficiar o agronegócio, ao passo que esse recurso é o mesmo utilizado para a articulação e execução de ações antidemocráticas?”

Justiça social tributária

Advogada e membro do coletivo jurídico Zé Maria do Tomé e da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares, Geovana Patrício acompanha de perto a tramitação da ADI 5.553. Para ela trata-se de uma ação que busca efetivar o princípio da capacidade contributiva e justiça social tributária, segundo a qual quem tem maior capacidade econômica, paga mais. Ou, no caso, paga a tributação regular, tanto que o provimento da ação sequer implica em sobretaxação aos agrotóxicos.

O relator, ministro Edson Fachin, havia marcado julgamento para junho. Mas o cenário inicial não era bom, segundo Geovana Patrício. “Tinha o voto favorável do relator pela procedência, Carmen Lúcia acompanhou, o ministro Gilmar Mendes abriu divergência, pela total improcedência da ação. E foi acompanhado pelo Cristiano Zanin, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes”, lembrou. “André Mendonça abriu uma segunda divergência, reconhecendo, de maneira parcial, a inconstitucionalidade da isenção fiscal. E determinou que União e estados avaliem o benefício e apresentem estudos que justifiquem a continuidade da política. Na opinião dele, os agrotóxicos são danosos e é necessária uma taxação conforme o nível de toxicidade”.

De acordo com a advogada, os assessores jurídicos que assinam a petição do Psol solicitaram a realização de uma audiência pública para aprofundar o debate, o que ocorreu em novembro. (Clique aqui e aqui para conferir a íntegra). O Ministério da Saúde e do Meio Ambiente se manifestaram pela procedência da ação, ao contrário da Agricultura. O que falta, segundo Geovana, é o relator marcar novo julgamento, muito embora o governo federal ainda não tenha apresentado os dados solicitados.

Argumentos e reforma tributária

“A nossa expectativa é que o voto do relator Fachin seja seguido diante de todos os argumentos que foram apresentados em audiência. E que a isenção seja considerada inconstitucional, até porque vai ter um novo debate ano que vem, quando entra em vigor a reforma tributária que colocou na Constituição a redução da alíquota em 60%. A gente considera que isso não é compatível com os preceitos constitucionais. Penso que o relator está avaliando como vai ficar essa questão”.

Em janeiro de 2026 terá início a transição do sistema tributário com vistas à implementação escalonada da reforma, que deverá ser concluída em 2033. Até lá, impostos estaduais, municipais e federais (ICMS,ISS, PIS, COFINS e IPI) deverão ser substituídos pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e o IS (Imposto Seletivo), com incidência sobre produtos considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. É o caso de cigarros, bebidas alcoólicas e os agrotóxicos. Entretanto, foram novamente agraciados. Vão gozar da redução de 60% na alíquota do IBS. E enquanto isso o governo sanciona, com 11 anos de atraso, o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos. Parece piada.

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Cida de Oliveira é jornalista

Boiada: Projeto de expansão do complexo Butantan avança sobre floresta tombada

Sem licenciamento ambiental nem transparência, projeto com aval da prefeitura paulistana já cortou quase 600 árvores, a maioria nativas

Prédio símbolo do Butantan em meio à floresta urbana protegida, porém sob ataque. Foto: Acervo Butantan

Por Cida de Oliveira 

O incremento da produção nacional de vacinas, com a fabricação propriamente dita, que vai além do envase e distribuição de formulações importadas, tem o apoio de todas as pessoas preocupadas com a saúde pública e a soberania brasileira no setor. No entanto, a direção do Complexo Butantan tem se agarrado a esse argumento para justificar seu projeto de ampliação à custa da derrubada de 6.629 árvores da floresta urbana na qual o instituto está inserido há 120 anos. Bem como da construção de novas fábricas, algumas já em curso, em áreas devastadas com o corte de quase 700 árvores, a maioria nativas, sem o devido licenciamento ambiental. Se fosse pouco, moradores de bairros densamente povoados no entorno enfrentam a possibilidade de alto risco biológico, inclusive a comunidade universitária da vizinha USP. Estão no horizonte também prejuízos socioambientais à cidade de São Paulo como um todo, com impacto não calculado.

“É preciso subir obra para produzir vacinas, para ampliar a capacidade de produção e atender necessidades”, defende o médico infectologista Esper Kallás, diretor do Instituto Butantan. O especialista indicado para o cargo pelo governador de São Paulo, o bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos), voltou a repetir a cantilena em uma audiência pública nesta terça (5), na Câmara dos Vereadores de São Paulo. Após uma introdução enaltecendo a trajetória do instituto e sua importância para a saúde da população e o SUS, Kallás minimizou os efeitos nocivos do processo em curso. E chegou a afirmar que, antes dele ser alçado ao comando do instituto, o projeto era cortar mais de 10 mil árvores. A mudança, segundo ele, foi devido a uma revisão do plano diretor.

Segundo seus auxiliares, o que há na instituição é um “projeto de restauração ecológica” em consonância com o marco legal da Mata Atlântica, que prevê o plantio de aproximadamente 9 mil árvores nativas. O objetivo seria compensar o corte previsto com uma certa vantagem ambiental, segundo eles. Isso porque, entre as árvores na mira da motosserra, estão muitas exóticas, que representariam “riscos ecológicos e provocariam degradação do solo”, entre outros problemas. “O Butantan quer devolver vegetação nativa”, afirmaram.

Proteção ao patrimônio ambiental

Os argumentos do gestor do Butantan e seus auxiliares, entretanto, não convencem representantes da sociedade civil reunidos no movimento SOS Butantan. “A redução do número, do volume de corte de árvores, [não tem impacto] no tempo de crescimento de outras. E por mais que sejam árvores exóticas, não deixa de ser um prejuízo. Em tempos de crise climática que nós vivemos isso é um problema; não é uma coisa qualquer cortar árvores na cidade de São Paulo”, refutou o ativista Ernesto Maeda.

Do mesmo grupo, Andrea Caetano destacou que a mata ameaçada do Butantan está imune de corte. “É área de preservação, protegida por lei e deve ser preservada. Somos contra o desmatamento de qualquer árvore que seja”, afirmou.

De fato, o Instituto Butantan teve seu patrimônio arquitetônico e paisagístico tombado em 1981 pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo). E, em 1981, pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo). Entre um tombamento e outro, o então governador paulista Orestes Quércia (1938-2010) assinou o Decreto n° 30.443, de 20 de setembro de 1989, que considera as árvores do Butantan, nativas ou não, patrimônio ambiental e por isso imunes de corte. Quercia levou em conta, entre outras coisas, o dever do poder público de preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, incluindo a proteção da fauna e da flora. E vedou práticas que põem em risco a função ecológica e que provoquem a extinção de espécies. Em suma, o decreto visa contribuir com a preservação dos exemplares arbóreos urbanos, especialmente aqueles situados em áreas de grande densidade populacional a exemplo da capital paulista.

Falta de participação da sociedade

Apesar disso, o Complexo Butantan – formado pelo instituto centenário, responsável pela pesquisa científica que respalda a produção, e a Fundação Butantan, ente privado criado para gerir o instituto administrativa e financeiramente – segue seu projeto. Sem ouvir a população, atua junto à esfera pública para incluir mudanças de seu interesse na legislação. E também para obter autorizações em conselhos de preservação do patrimônio.

Sem nenhuma audiência pública, a Câmara aprovou no último dia 25 de junho, em primeiro turno, o PL 691/2025, de autoria do Executivo municipal. Foi apertado, com 33 votos favoráveis, seis contrários e oito abstenções. Falta passar em segunda votação, ainda sem data.

Em seu texto, o prefeito Nunes estabelece uma Zona de Ocupação Especial (ZOE) em que insere a área do Instituto Butantan. A iniciativa, se aprovada em segundo turno, permitirá edificações com até 48 metros de gabarito. Ou seja, com a mesma altura de 16 andares, bem no meio da cobertura vegetal tombada. A legislação atual permite no máximo 18 metros, equivalente a 6 andares.

O prefeito atende assim a pedido da direção do Butantan, que quer adequar a legislação municipal aos seus interesses. “As alterações promovidas [conforme o projeto apresentado] derivam de pedido formal apresentado pelo Instituto Butantan, para melhor compatibilização do Plano de Intervenção Urbana do Arco Pinheiros (PIU-ACP) com suas atividades, que são essenciais para o desenvolvimento e para a saúde em âmbito nacional”, argumenta.

Trata-se de instalações para a produção de vacinas, como da Dengue, Chikungunya e HPV, além de soros e medicamentos monoclonais. Segundo Nunes, há recursos do Ministério da Saúde, BNDES, Governo do Estado de São Paulo e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o BID, totalizando investimento de aproximadamente R$ 1,2 bilhões.

Vista grossa a irregularidades

Ainda para justificar seu projeto, Nunes destaca que o mesmo plano diretor que prevê a ampliação do parque produtivo e a devastação florestal foi aprovado pelo Conpresp e o Condephaat. No entanto o plano, chamado oficialmente de Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI), não estava assim nos conformes. O Conpresp aprovou sua revisão em 2024, após dois anos da apresentação.

O órgão fez vista grossa a aspectos graves apontados em análise técnica do Departamento de Patrimônio Histórico da Prefeitura de São Paulo: redução da cobertura vegetal e da área permeável, da geração de processo erosivo, alteração no escoamento das águas pluviais, perda de habitats da fauna e mudanças microclimáticas. O mesmo para os impactos causados pela ampliação da atividade industrial. É o caso da poluição sonora e atmosférica, aumento do consumo de água e da produção de efluentes líquidos e resíduos sólidos.

E aprovou o plano do Butantan reduzindo levemente a altura do gabarito máximo para novas obras. Em vez dos 60 metros pleiteados pelo complexo, baixou para 48 metros, ainda assim mais alto que os 28 metros autorizados para a Zona de Ocupação Especial (ZOE) na qual atualmente estão inseridos o Instituto Butantan e a Cidade Universitária da USP. Essa zona, aliás, é desmembrada no projeto de Nunes em análise na Câmara dos Vereadores.

Imagem aérea dá uma ideia da cobertura florestal tombada, porém seriamente ameaçada de destruição

Conflito de interesse e improbidade

Já no Condephaat a aprovação do PDDI do Butantan resultou de uma relação que revela sinais aparentes de promiscuidade. Em 2018 a direção contratou o escritório privado de Carlos Augusto Mattei Faggin para elaborar o plano, pagando mais de R$ 1 milhão. Só que havia conflito de interesses, já que Faggin era o presidente do órgão de defesa da preservação desde 2017.

Além disso, o autor do plano tem biografia manchada por condenação por improbidade administrativa. Em novembro de 2024 a Justiça o condenou novamente após cancelamento de decisão anterior. Trata-se da emissão, em 2010, de um parecer técnico em que Faggin se manifestou contrário ao tombamento de um casarão em Guarulhos, importante para a preservação da história da imigração italiana no município. Para ele, que já atuava no Condephaat, o imóvel não tinha relevância suficiente. Acabou demolido para dar lugar a vagas de estacionamento de um shopping.

Segundo Faggin informou por escrito aos conselheiros do Condephaat, sua consultoria ao Instituto Butantan envolveu três contratos. O primeiro entre 2018 e 2019, o segundo em 2021 e o terceiro entre maio de 2022 e fevereiro de 2023. Segundo ele, o trabalho de elaboração do PDDI se estendeu por doze anos até ser aprovado no órgão. Mas que não houve, no período, sua participação nas discussões, deliberações e nas votações da matéria.

Ruptura ecológica

Arquiteta e ativista, a vereadora paulistana Renata Falzoni (PSB) tem muitas críticas e argumentos contra o projeto de expansaão. Deixando claro que o que está em discussão não é a importância da vacina ou do Butantan, e sim o uso do solo, cobrou o debate na Câmara sobre preservação ambiental e aprovação de projeto que prevê a supressão de 6.629 árvores. “A gente tem de começar a discutir aqui esse marco legal que permite esse tipo de coisa. Como pode permitir a extinção de uma floresta urbana? Fala-se que vai ter compensação. Quando? Onde? Como saber que depois de 20 anos essas novas árvores vão contribuir para o ambiente da cidade da mesma forma que as atuais [na mira da derrubada]?”, questiona.

A parlamentar lembra ainda que o PL do prefeito Nunes, sob encomenda do Butantan, embute uma “ruptura ecológica e urbanista”. “Isso tem de ser levado em consideração porque compromete a continuidade de ecossistemas vinculados à floresta urbana. A gente vai ter fragmentação dos corredores ecológicos, com impacto na fauna silvestre urbana que usa esses corredores para se deslocar”.

Outro alerta é que a construção de prédios mais altos prevista no projeto, cujas sombras serão projetadas sobre a cobertura vegetal, terá efeito nefasto sobre essa floresta. E questiona: “Será que não tem mesmo alternativa? Não é possível ocupar galpões vazios localizados em outras regiões mais distantes da cidade?”. Ela lembra que a Fiocruz, em seu processo de expansão, transferiu-se para bairros distantes do Rio de Janeiro, como Santa Cruz, por atender demandas pensadas e estruturadas de forma ecológica. A gente não pode mais suprimir árvore alguma”.

A vereadora Luana Alves (Psol) cobra do Instituto Butantan seu compromisso com a preservação ambiental enquanto instituição pública. E se queixa da falta de justificativa plausível e detalhada da alegada inviabilidade de construção de fábricas em uma grande área do instituto no município de Araçariguama, na região de Sorocaba, entre as rodovias Castelo Branco e Raposo Tavares.

Alternativas locacionais e outros mistérios

Segundo ela, seu mandato vai pedir oficialmente ao Butantan que apresente a discriminação de dados e valores que demonstrem essa inviabilidade. “Será que o custo será mesmo maior do que ter fábricas em área densamente povoada, com impactos ambientais? Precisamos avaliar”, pondera.

A apresentação de alternativas locacionais ao projeto foi questionada também pelo vereador Nabil Bonduki (PT). Urbanista, o parlamentar cobrou informações sobre possíveis negociações conduzidas pelo Estado em busca de outras áreas. E também em relação à possibilidade de uso do patrimônio federal na região do Jaguaré. 

Em 2022, o Movimento Defenda São Paulo ingressou com representação no Ministério Público estadual para investigar o plano diretor. A princípio acolhida, a demanda por investigação não prosperou. Para o movimento SOS Butantan, muitas questões relativas a indícios de vícios ou irregularidades envolvendo o plano de ampliação seguem sem resposta, apesar dos esforços para obtenção de esclarecimentos. Confira algumas delas:

Como é possível defender a implantação de uma indústria de vacinas, do porte proposto pelo PDDI, com classificação de nível de risco biológico 3 em escala de 0 a 4, em área densamente povoada como é o bairro do Butantã?

Onde estão os relatórios básicos (EIA/RIMA), alvarás e certidões exigidos pela legislação municipal?

Onde e quando o Instituto Butantan protocolou o EIA/RIMA para a expansão pretendida, já que os indícios regulatórios apontam fortemente para essa exigência, em razão do porte industrial e da complexidade do PDDI?

Como a Cetesb pôde licenciar o projeto sem a apresentação do EIA/RIMA?

Por que as alternativas locacionais, previstas em lei, não foram apresentadas aos órgãos competentes?

Por que a obrigatoriedade de audiências públicas durante o licenciamento foi descumprida?

Por que a blindagem do processo de análise do PDDI pelo MP? O prazo de quatro meses aventado pela Fundação Butantan para solucionar o problema da poluição sonora ininterrupta, que inferniza os moradores da região, configura “caráter de urgência”?

Como se deu a mudança brusca de pareceres do MP, de favorável à demanda da Rede Butantã, com sólido parecer dado em 2022, para “denúncia inconsistente”?


Cida de Oliveira é jornalista

Agrotóxico amplia vendas em até 2.672,8% e escancara farsa dos transgênicos no Brasil

Pulverização de agrotóxicos em lavoura em Mato Grosso: dos produtos mais vendidos no Brasil, metade foi banida na EU devido à alta toxicidade.  Foto extraída de Juruena – Rastros de Veneno

Por Cida de Oliveira*

Não é a toa que o Brasil caminha para consolidar sua posição de maior lixeira química do mundo. O modelo agrícola hegemônico, baseado no monocultivo em grandes extensões de terra banhadas em agrotóxicos, o levou para a liderança mundial do consumo desses produtos. Dianteira essa que pode ser traduzida também pela explosão nas vendas de toneladas e toneladas de herbicidas no período de 2010 a 2020. Nesses onze anos saltaram de 157.512 para 329.697. Em números absolutos, um aumento de 128% na comercialização, conforme levantamento da Embrapa Meio  Ambiente em conjunto com a Universidade de Rio Verde a partir de dados disponibilizados pelo Ibama.

Publicado na revista científica Agriculture, o estudo mostra números astronômicos que compõem o aumento do mercado dos herbicidas, categoria que responde por mais de 60% de todos os agroquímicos. O destaque ficou com o cletodim, que aumentou suas vendas em 2.672,8%. O produto usado na soja e algodão, entre outras culturas, passou de 244,5 toneladas vendidas em 2010 para 6.779,6 em 2020.

Princípio ativo de 46 produtos registrados no país para combater as chamadas plantas invasoras segundo o banco de dados Agrofit, o cletodim enfrenta barreiras na União Europeia (EU). Detém o registro de um único produto, com validade limitada a 15 dos 27 países-membros.

Outro que alavancou seu mercado no Brasil foi o haloxifope-metil, com aumento de 896,9%. Princípio ativo de 27 produtos registrados para soja, cana, citros e algodão, partiu de 111,3 toneladas para 1.109,8 ao longo dos 11 anos. Na EU, porém, enfrenta processo de restrições. Foi banido da canola, com efeitos sobre a produção australiana, grande fornecedor que está tendo de se adequar. Seu uso em cenouras, leguminosas, pastagens, soja e beterraba soja e beterraba poderá ser afetado. A Agência Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) estabeleceu agenda para reduzir os limites máximos de resíduos ao mínimo.

 Preocupação com segurança

Outro princípio ativo que cujos fabricantes faturaram mais é o triclopir. Saltou de 228 toneladas em 2010 para 2.405 toneladas em 2020, aumento de 953,5%. A molécula presente em 40 produtos aprovados no Brasil para soja e outras culturas passou por avaliação recente pela autoridade europeia do setor na Polônia. Os testes fazem parte do processo de renovação do registro pedido pela Corteva. A empresa formada com a fusão da DuPont com a Dow Chemical procura ganhar tempo em uma UE cada vez mais exigente quanto aos agrotóxicos. A revisão se concentrou no uso do herbicida em pastagens e analisou seus limites máximos de resíduos em arroz. Apesar dos parâmetros considerados confiáveis para avaliação de risco para fins de regulação, a falta de informações mais apuradas levantou preocupações sobre sua segurança e eficácia.

Sucesso no Brasil, barrado na União Europeia

O diclosulam é outra molécula que aumentou bem seu mercado. Presente em seis produtos aprovados no Brasil para uso na soja, viu sua comercialização ampliada em 561,3% em onze anos. Sucesso no Brasil, o agente ativo sequer chegou a ser registrado na UE, segundo levantamento dos professores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Sônia Hess e Rubens Nodari publicado na revista Ambientes em Movimento e na mais recente edição do Dossiê Abrasco.

A flumioxazina, substância ativa de 48 produtos aprovados no Brasil para soja, cana e eucalipto, entre outros, teve aumento de 531,6% na comercialização. Na avaliação dos autores do estudo na Embrapa e Universidade de Rio Verde, o incremento nas vendas se deu com a ampliação dos produtos, o que permitiu menores preços em comparação a outros herbicidas.

Banido da Europa em 2009, o glufosinato de amônio também foi bem, aumentando as vendas em 290%. Princípio ativo de 65 formulações registradas no Brasil, passou a ganhar espaço a partir de 2017, com a aprovação de mais produtos formulados à base da molécula. E deverá ganhar mais espaço caso vinguem novos transgênicos aprovados, resistentes à substância. É o caso o trigo e uma nova soja.

Glifosato ainda na dianteira

Essa explosão nas vendas desses produtos, no entanto, não os coloca no ranking dos mais vendidos no Brasil. Presente em 31 formulações, o glifosato teve aumento de 106,5% de 2010 a 2020, segundo levantamento da Embrapa. Mesmo assim, vendeu 246.017 toneladas em 2020, mantendo-se na já antiga liderança das vendas no país, como também mostra levantamento dos professores da UFSC.

Do mesmo modo, o 2,4-D mantém a vice liderança. Princípio ativo de 52 produtos com registro no Brasil, viu suas vendas aumentar em 233,8% entre 2010 e 2020, passando de 15.323 toneladas em 2010 para 51.149 toneladas em 2020, segundo a Embrapa. Uma pequena diferença quanto ao apurado pela USFC, que aponta 57.597,6 toneladas. Mesmo assim, segue na vice-liderança, para indignação de setores da sociedade civil e científica que lutam pelo seu banimento no país. Em julho de 2022 a Anvisa desprezou manifestações e decidiu manter o produto no mercado.

Pacote do Veneno

Integrante da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) pela terceira vez, representando agora o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, o geneticista e professor da UFSC, Rubens Nodari, não poupa críticas ao modelo agrícola hegemônico no país. E principalmente às políticas em diversos governos que alimentam, sustentam e pioram a situação. É o caso da aprovação do chamado Pacote do Veneno, em janeiro de 2023, que limitou o papel da Anvisa e do Ibama de questões relativas a agrotóxicos e transgênicos. E da liberdade conferida a essas indústrias poderosas por meio da permissividade da Lei de Biossegurança.

Voto vencido nas decisões da CTNBio, que aprova sem muito questionamentos os pedidos para liberação de novos organismos geneticamente modificados, Nodari avalia que a comissão deixa de cumprir seu papel ao ignorar que “evidência de ausência é diferente de ausência de evidência”. “Quando aprovaram lá o primeiro transgênico, alegaram que havia ausência de evidências. Ora, porque não investigaram para achar; quem procura, acha”, disse, ressaltando que não é contrário a novas tecnologias. “Mas quero que tudo seja analisado com rigor”.

Promessa descumprida

“O aumento de vendas desses produtos todos, que choca e muito, tem tudo a ver com o aumento das plantações transgênicas no Brasil. Primeiro vieram com pretexto de resistir a herbicidas e produzir mais. Mas não foi o que aconteceu”, critica. Todo esse crescimento nas vendas de agrotóxicos, aliás, não foi acompanhado pelo aumento na área plantada, conforme mostra o levantamento da Embrapa.

Em entrevista ao Blog, Nodari disse que o modelo de produção transgênica, com monocultura em grandes extensões de terra e uso de venenos não tem mesmo como dar certo. Isso porque o sucesso da produção agrícola depende da diversidade. “Quando a genética é uniforme em grandes áreas, com plantas iguais, a resistência é menor. Já a diversidade de plantas proporciona variedade genética. E cada planta diferente torna-se um obstáculo para inoculação e disseminação de fungos, por exemplo. É assim nos sistemas agroflorestais, que otimizam o uso da terra combinado com produção agrícola e animal”, comparou.

Segundo ele, a agroecologia é uma tecnologia capaz de aumentar a produção de alimentos sem venenos e enfrentar a crise ambiental. “Mas não é a saída escolhida no país. Prova disso é todos os governos colocaram somente gente do agronegócio para comandar seus ministérios da Agricultura”, disse, lembrando que propostas no sentido contrário ao setor de agrotóxicos praticamente são esquecidas.

Oceano de produtos perigosos

Falar sobre aumento nas vendas de agrotóxicos, que faz a alegria apenas dos fabricantes e daqueles que se beneficiam, é também uma oportunidade de reforçar o alerta sobre o oceano de agrotóxicos perigosos no qual o Brasil está mergulhado. Ou seja, se nada for feito para reverter, em questão de tempo os negócios hoje lucrativos passarão a perder mercado externo.

Dos 14 herbicidas que venderam, sozinhos, mais de 3.000 toneladas no Brasil em 2020, a metade (7) já foi banida na União Europeia. Trata-se de atrazina, acefato, dicloreto de paraquate, diurom, dibrometo de diquate, tebutiurom e ametrina. Ou seja, a proibição ocorre devido aos efeitos nocivos aos humanos e ao meio ambiente devido à exposição a componentes químicos que comprovadamente têm efeitos tóxicos.

No Brasil, ao contrário, há concessão de autorizações para novos produtos por prazo indefinido, com base em processos de avaliação questionados pela boa ciência. Seja pelo baixo rigor científico e aprovação de estudos com falhas metodológicas, apresentados somente pela parte interessada na aprovação. E também pela ausência de participação pública na tomada de decisão.

Exemplo é o rebaixamento da classificação toxicológica de 1924 agrotóxicos no início de agosto de 2019. Com a mudança, o glifosato, por exemplo, recebeu a faixa 4, “produto pouco tóxico”. Na prática, deixou de ser reconhecido como produto capaz de causar câncer em humanos, conforme classificação da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC). Nesse “passe de mágica”, produtos com explosão nas vendas de 2010 a 2020, como o cletodim, triclopir, 2,4-D, atrazina e ametrina, entre outros, foram transformados em substâncias pouco tóxicas. Suas bulas, porém, mantêm o termo muito perigosos ao meio ambiente.

Essa seletividade do perigo de acordo com a conveniência é um escândalo, segundo avaliação do engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo. “Venenos destinados a matar plantas continuam afetando redes ecossistêmicas, mesmo não matando os ratos de teste. E os inseticidas que afetam o sistema nervoso e reprodutivo de insetos afetam insetos não alvo de maneira bem clara, coisa que nos animais é mais difícil de perceber”, ponderou ao Blog.

Melgarejo, que integra o Movimento da Ciência Cidadã, chamou atenção também para o que chama de obsessão pelas análises de risco envolvendo um novo produto e um alvo no laboratório. E a compara com a complexidade da vida real. “Lembra do Einstein dizendo que se os polinizadores acabarem a humanidade regredirá à idade da luta por comida? Pois então… como um veneno pode ser mortal para polinizadores e inócuo para humanos?”, questiona. “As relações, as conexões, as redes, ficam de fora nestas análises de risco que isolam um agente e um alvo. Estes estudos, que simulam uma condição irreal, são reducionistas demais, de um cientificismo pobre, que ocultam danos reais. Não dão conta da complexidade”.


*Cida de Oliveira é jornalista