Sufocado por agrotóxicos perigosos, Brasil tem de avançar na transição agroecológica

País que já era líder no consumo desses produtos recebeu de Bolsonaro a liberação de mais 2.030, 34% proibidos na Europa. Para pequenos agricultores, agroecologia é a salvação, mas requer investimentos

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A maioria dos 2030 “novos” agrotóxicos são destinados ao agronegócio exportador, que lucra e deixa o passivo ambiental, doenças e mortes

Por Cida de Oliveira, da RBA

São Paulo – Líder no consumo de agrotóxicos, o Brasil tem como um dos legados de Jair Bolsonaro (PL) a liberação de 2.030 “novos” produtos. Segundo os ruralistas, que têm interesse econômico nesse processo e que por isso o apoia, trata-se de insumos mais modernos. E que a agricultura brasileira depende deles para ser ainda mais produtiva e dar conta e “alimentar o mundo”.

No entanto, esses agrotóxicos não têm nada de novo nem de moderno. São moléculas antigas, muitas delas lançadas há mais de 40 anos, e que nos países da União Europeia nem sequer chegaram a ser liberados. E os que foram, acabaram banidos depois, justamente pela alta toxicidade à saúde e ao meio ambiente.

São substâncias capazes de causar diversos tipos de câncer, malformações fetais, alterações no sistema endocrinológico que, por sua vez, causam outros problemas sérios no organismo. Há ainda mudanças até no sistema reprodutivo, adiantando a fase reprodutiva, segundo estudos. Sem contar as intoxicações agudas e crônicas, que afetam sobretudo os trabalhadores rurais. E populações expostas às nuvens de veneno das pulverizações aéreas que se espalham por quilômetros a partir da aplicação.

Observatório dos agrotóxicos

O professor e pesquisador Marcos Pedlowski, da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), acompanha essas liberações desde 2019, no início do governo Bolsonaro. Até o final de 2022, sempre sob a batuta da então ministra da Agricultura e Pecuária, Tereza Cristina, a “musa do veneno”. Seu atento trabalho de monitoramento resultou no Observatório dos Agrotóxicos. Clique aqui para acessar a base completa.

Pedlowski compilou dados sobre as formulações, fabricantes, aplicação e posição quanto à liberação em outros países. Além disso, o observatório organiza os atos promulgados pela pasta de Tereza Cristina. Tudo para informar a população e pesquisadores da economia política dos agrotóxicos em nível global e no Brasil. E principalmente, de seus efeitos sobre a saúde humana e o meio ambiente.

Segundo o observatório, 34% desse total de produtos liberados são proibidos na União Europeia. Ou seja, 705 não têm registro ou foram banidos. Há ainda 58 “novos” agrotóxicos compostos por um mix de substâncias, em que parte são autorizadas pelos europeus e parte não, o que elevaria esse percentual.

Classificação da toxicidade é obscura no Brasil

Na avaliação de Pedlowski, esse quesito é de suma importância. E não só porque tal fato se tornaria um problema para a agricultura brasileira. É um tiro no pé dos próprios ruralistas, já que certamente será um entrave futuro para muitas exportações para esses e outros países, já que em sua ampla maioria, os mais de 2 mil venenos aprovados são destinados ao latifúndio exportador de soja e milho, entre outras commodities. Mas há a questão do perigo à saúde e meio ambiente. E isso está camuflado segundo os dados oficiais nos quais o pesquisador se baseou.

Para entender melhor: pela tabela do observatório, a partir de dados oficiais, 141 seriam classificados como “extremamente tóxicos” e 93 como “altamente tóxico”. Na classe “moderadamente tóxico” estariam 279. Entre os “pouco tóxico”, 282. E entre os “improváveis de causar danos”, 554. O restante, segundo o observatórios, seriam aqueles sem classificação ou com o chamado perfil equivalente ao produto de referência.

“Embora a União Europeia também sofra pressões da indústria, a aprovação dos produtos por lá ainda é um parâmetro para analisar as liberações de Bolsonaro, das quais mais de 30% são proibidos lá. Seria um critério mais correto para ter uma ideia da toxicidade do que avaliar pela classificação que a Anvisa passou a adotar. A toxicidade mesmo deixou de ser lida por esse padrão da legislação brasileira, adotada de forma errada em relação ao padrão que dizem que estão adotando”, diz Marcos Pedlowski à RBA, referindo-se à medida do governo brasileiro que, na lei, “rebaixou” a periculosidade dos venenos agrícolas. Ou seja, a “passada de pano” para a lucrativa indústria do setor.

Critérios para periculosidade foram afrouxados

Segundo o professor da Uenf, após a flexibilização da legislação, a classificação ficou ainda mais obscura, o que explicaria a grande quantidade de produtos aprovados na categoria “não classificados”. “Nela eles incluem os produtos que consideram pouco tóxico. Não quer dizer que não tenha sido analisado. Além disso há informações incompletas, como “equivalente ao produto técnico de referência”. Mas qual é esse produto? Não aparece. Qual é a toxicidade do produto de referencia? O que eles fizeram foi uma esperteza contra a população, para não sabermos afinal qual a toxicidade desses produtos técnicos”, critica.

Enquanto o Brasil afrouxa os níveis de exigência para os critérios de toxicidade de um produto usado na produção de alimentos, e capaz de contaminar rios e aquíferos, a União Europeia vai no sentido oposto. Conforme Pedlowski, os órgãos reguladores europeus estão constantemente ajustando padrões de segurança e observando datas limites de permissão de determinados agrotóxicos. Isso significa que alguns habilitados para o uso poderão ser proibidos.

“O agronegócio exportador fica com os lucros e benesses. Agrotóxicos são isentos de agrotóxicos. Na exportação, há incentivos, sem pagamento de impostos devido à Lei Kandir. Para a população fica a contaminação da comida, da água, do meio ambiente, do solo, a intoxicação pela exposição e doenças crônicas”, observa.

Embora haja entre as liberações 292 produtos para controle biológico, ele avalia como insuficiente. “Não modifica o modelo. Para resolver a grave situação é preciso implementar o modelo agroecológico, com reforma agrária. Sem isso é só mudar um pouco a ‘cara da química’ usada no país.”

Mudança requer soluções além das palavras de ordem

A transição do atual modelo de produção agrícola brasileiro para a agroecologia, aliás, é uma das estratégias para desenvenenar o Brasil defendidas pelo Movimento do Pequenos Agricultores (MPA). Para a agricultura familiar, que verdadeiramente coloca a comida no prato do brasileiro, é preciso acabar com a monocultura em latifúndio banhada em agrotóxicos. Mas isso depende de mudanças além de discursos e palavras de ordem.

O coordenador do MPA Frei Sérgio Görgen diz que são três as estratégias básicas: promover políticas para a transição agroecológica, aprovar e implementar legislação que controle o uso de agrotóxicos em todo o país e estimular os bioinsumos. “O agronegócio enfrenta problemas sérios com os agrotóxicos. Há resistência dos insetos, das plantas, enfim, de todos os alvos desses produtos. As fábricas não conseguem novas moléculas. Por isso estão trazendo de volta muitos produtos, para usar em outras culturas, com outras finalidades. É o caso do 2-4, D, um dos mais antigos”, disse Frei Sérgio, referindo-se ao produto que entrava na composição de uma arma química chamada “agente laranja”, usada na Guerra do Vietnã. E que hoje tem indicação para plantações de arroz, cana de açúcar, milho, café e pastagens entre outras.

Ingrediente de arma química do Vietnã agora em lavouras

Esse “agente laranja” constitui um veneno considerado o pior existente, a dioxina TCDD. De grande atividade biológica, é reconhecidamente cancerígeno para humanos conforme a Agência Internacional de Pesquisas do Câncer (IARC, da sigla em inglês International Agency for Research on Cancer) e pelo Departamento de Saúde dos Estados Unidos.

Além disso, é teratogênico, capaz de produzir alterações embrionárias e anomalias no desenvolvimento fetal. E também mutagênico, podendo danificar o DNA das células, o que não é reparado no momento da replicação celular e é transmitido para as próximas gerações. Para complicar, é de difícil degradação ambiental. Pode persistir no ambiente por mais de 100 anos.

Conforme a liderança, por princípio a agricultura familiar é contrária ao uso dos agroquímicos. Mas se vê no dilema de, em muitas situações, necessitar de algum insumo agrícola. E não ter à disposição alternativas biológicas.

Embrapa e universidades têm de criar alternativas limpas

“Então como pedir para o pequeno produtor não usar nada se ainda não temos uma alternativa biológica? A Embrapa e as universidades têm de intensificar estudos para avançar nessa tecnologia e ampliar o acesso a ela. Já existem alguns, mas não em escala suficiente para todos. Só a denúncia não resolve. É preciso apresentar alternativas de soluções”, afirma Frei Sérgio.

Segundo ele, uma delas está no Projeto de Lei (PL) 3.668/2021, apresentado pelo senador Jaques Wagner (PT-BA). Estabelece regras para a produção, o registro, comercialização, uso, destino final dos resíduos e embalagens, o registro, inspeção e fiscalização, a pesquisa e experimentação, e incentivos à produção de bioinsumos para a agricultura.

Estão na categoria dos bioinsumos todo produto, processo ou tecnologia de origem vegetal, animal ou microbiana destinados ao uso na produção, no armazenamento e no beneficiamento de produtos agropecuários, nos sistemas de produção agrícolas, pecuários, aquícolas e florestais, que interfiram positivamente no crescimento, no desenvolvimento e no mecanismo de resposta de animais, plantas, microrganismos e de substâncias derivadas.

Veneno chega na frente

Entre eles, promotores de crescimento de plantas, biofertilizantes, produtos para nutrição vegetal e animal, extratos vegetais, defensivos produzidos a partir de microrganismos benéficos para o controle de pragas, parasitas e doenças, entre outros.

O coordenador do MPA critica o fato de que medidas em prol da redução do uso de agrotóxicos se arrastem. É o caso da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pnara), cujo PL 6.670/2016 está pronto para votação desde 2018. E que outras, em sentido oposto, caminhem em passos mais largos, como o Pacote do Veneno. Aprovado no final do ano em comissão especial no Senado, está pronto para votação em plenário.

Para ele, as forças do agronegócio no Ministério da Agricultura deverão pressionar pela aprovação, embora o próprio presidente Luiz Inácio Lula a Silva seja contrário. E haverá pressão do Congresso, ainda mais conservador que antes. “Não dá para aceitar que sejam aprovados agrotóxicos sem a tríplice avaliação. A aprovação não é uma simples questão agronômica, para que somente o Ministério da Agricultura decida sozinha. Com tantas implicações, a Anvisa e o Ibama não podem ficar de fora, como pretende o texto do Pacote do Veneno.”


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Este texto foi inicialmente publicado pela Rede Brasil Atual [Aqui!].

O lucro acima da vida. Barragem sendo construída em Pedreira (SP) é uma espécie de morte anunciada

Relatório aponta 2.088 imóveis sob risco com barragem em construção em Pedreira. Grande barragem a dois quilômetros do centro de cidade na região de Campinas põe em risco creches, escolas, postos de saúde, bancos, fábricas, residências e o movimentado comércio de porcelanas

area-autossalvamento1Um dos mapas do plano de ação emergencial mostra os imóveis (pontos pretos) que seriam atingidos na hipótese de rompimento da barragem de alto risco

Por Cida de Oliveira, da RBA

São Paulo – Em construção a dois quilômetros do centro da cidade e a 800 metros do bairro do Ricci, a barragem de Pedreira, no interior paulista, representa um grande risco para pelo menos 2.088 imóveis na região central do município localizado na região de Campinas. Essas quase 2,1 mil edificações e tudo o que estiver dentro, inclusive pessoas, poderão ser varridos pelos 38 bilhões de litros de água armazenados, caso o futuro reservatório de terra batida tenha uma ruptura em sua estrutura de 52 metros de altura. Apenas o vertedouro será de concreto.

A hipótese está prevista no Plano de Ação Emergencial (PAE) do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), vinculado à Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente de São Paulo, ao qual a reportagem da RBA teve acesso. Responsável pelo projeto considerado de alto risco para a população, conforme padrões da Agência Nacional de Águas (ANA), a autarquia foi obrigada a apresentar o relatório à Justiça Federal da 3ª Região, em Campinas, onde tramita desde 2019 uma ação civil pública que pede a paralisação das obras da barragem justamente pelo perigo aos moradores de Pedreira.

Essas edificações estão localizadas na chamada Zona de Autossalvamento (ZAS), definição da ANA para aquelas áreas do vale a jusante da barragem, em que não há tempo suficiente para uma intervenção das autoridades competentes em situações de emergência, ou seja, rompimento da estrutura com extravazamento do conteúdo do reservatório. Em outras palavras, mais um indicador de que o empreendimento está sendo construído perto demais do centro da cidade de 48 mil habitantes segundo o IBGE.

Creches, escolas, postos de saúde, casas

Entre essas construções estão atualmente três creches, duas delas localizadas a apenas um quilômetro da barragem, quatro escolas, dois postos de saúde, parte de um hospital, setores da prefeitura, o escritório do serviço de água e esgoto do município, agências bancárias, clubes, agência dos Correios, dois postos de combustíveis, museu, indústrias de porcelana, dois supermercados. O restante são residências, lanchonetes, restaurantes e o comércio local, com centenas de lojas de louças, porcelanas e artigos de decoração, que atraem semanalmente à “capital da porcelana” cerca de 20 mil visitantes, segundo a administração municipal.

A prefeitura informou à RBA que o seu Departamento de Tributação e Imóveis está realizando levantamento correto da número de imóveis localizados na área de autossalvamento da barragem que está sendo construída no município.

“Não se sabe ao certo quantas pessoas podem estar em cada um desses 2.088 imóveis. Se fossem só casas, com cinco pessoas, seriam 10.440 vítimas. O DAEE precisa ver que sabemos fazer cálculos desse impacto negativo da obra que quer esconder. Não é somente mostrar o número de pessoas que supostamente serão beneficiadas. É preciso mostrar a que preço estamos pagando com essa obra assassina”, disse Paschoal Aparecido Loner, presidente do grupo ambientalista Proteção Ambiental “Mingo Orlandi” e Reflorestamento (P.Amor), de Pedreira, que atua contra a barragem pela segurança da cidade desde 2013, quando o projeto foi anunciado.

Nos estudos de rompimento da Barragem Pedreira apresentados pelo DAEE à Justiça Federal foram identificadas também 1.695 edificações espalhadas pelos municípios vizinhos de Campinas, Jaguariúna, Paulínia, Cosmópolis e Americana.

Reprodução
Barragem é construída a 800 metros do bairro do Ricci e a dois quilômetros do centro de Pedreira, na região de Campinas

Entre outras informações trazidas no Plano de Ação Emergencial está a recomendação de monitoramento sismológico do futuro reservatório de Pedreira antes, durante e após seu enchimento. Isso porque a região está inserida em um contexto de risco sísmico, integrando à Zona Sismogênica de Pinhal. Foi nela que ocorreu o maior abalo em território paulista, em 1922, em Mogi-Guaçu, a aproximadamente 31,5 quilômetros do canteiro de obras.

O PAE fala também em processos causadores de instabilidades nas encostas às margens do reservatório em construção, como escorregamentos em solos residuais, em afloramentos rochosos, bem como queda de blocos condicionados pelas estruturas do maciço rochoso. Podem ainda ocorrer nas encostas processos que levam à erosão e que podem, localmente, evoluir para feições tipo voçoroca (formação de grandes buracos), além de solapamento e desbarrancamento nas margens do reservatório em obras.

A reportagem perguntou ao DAEE quando a população que convive com o medo deverá ser informada oficialmente sobre o conteúdo do PAE, que reivindica há anos. A autarquia respondeu que segue determinações da Agência Nacional de Águas (ANA) que estabelecem os Planos de Segurança de Barragem (PSB) e de Ação de Emergência (PAE) e devem ser finalizados antes do início do primeiro enchimento dos reservatórios. E que os planos de segurança e de Ação de Emergência para a barragem de Pedreira, assim como a de Duas Pontes, estão finalizados. Informou ainda “que o plano de comunicação dos PSBs e PAEs está em elaboração para posterior divulgação para população e demais interessados”.

A presidenta da Subcomissão da Água da Assembleia Legislativa de São Paulo, deputada Monica Seixas (Psol), realizou audiências públicas e concluiu que a construção da barragem representa um risco eminente à população de Pedreira. A parlamentar criticou a falta de transparência e de dados abertos sobre a segurança da barragem à população. E também o fato de o projeto não prever adutoras para abastecer o município. Com isso, Pedreira fica de fora da segurança hídrica, argumento do governo paulista e do Ministério Público de São Paulo, por meio do núcleo PCJ do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), para justificar a construção. Por isso seu mandato propõe uma CPI para discutir a fundo a questão.

“Encaminhei denúncia ao Ministério Público para auditar a obra. A gente nota, em depoimento de populares da cidade, a total falta de transparência. Há também uma grande preocupação com a questão ambiental. Quando se fala em licenciamento ambiental, há mais perguntas que respostas. Restam muitas dúvidas quanto aos interesses por trás da obra”, disse a parlamentar.

Crime ambiental envolvendo a barragem

Monica Seixas está atuando na esfera legislativa e também judiciária, buscando o desarquivamento de ações, processos e representações. É o caso de um um processo movido contra o ex-prefeito de Campinas Jonas Donizette, acusado de crime ambiental por ter alterado, sem consultar o conselho gestor, a lei da Área de Proteção Ambiental de Campinas para permitir o corte de árvores. Acabou arquivado. A parlamentar considera também encomendar um novo Estudo de Impacto Ambiental.

“Uma obra que pode entregar água para as pessoas não pode trazer água de má qualidade ou matar pessoas”, disse, referindo-se à outra barragem do DAEE na região, em Amparo, que pretende represar água poluída.

A barragem de Pedreira começou a ser construída em meados de 2018, com previsão de término e início do enchimento do reservatório neste ano. No entanto, diversos problemas técnicos inesperados, que levaram a mudanças no projeto original, atrasaram as obras. A justificativa do governo paulista é garantir segurança hídrica à população da região de Campinas, mas os críticos apontam a baixa vazão do rio Jaguari e o custo ambiental da obra. Além da destruição de sítios arqueológicos catalogados e do assoreamento do rio Jaguari, há a destruição de parte da Área de Proteção Ambiental (APA) de Campinas e a destruição de boa parte da fauna da região.

Segurança das pessoas não foi considerada

“O risco é gigantesco”, disse a advogada Daiane Mardegan, autora da ação, em audiência à deputada Monica Seixas (assista no final da reportagem). “O aspecto segurança da população não está entre os critérios levados em consideração na escolha do local para construção. Se a segurança e proximidade com núcleos urbanos tivesse sido colocado nesse eixo, não teria sido aprovado. Esse é o nosso principal argumento: a principal questão, de segurança das pessoas, não foi considerada.”

Em 5 de fevereiro de 2019, 11 dias após o rompimento da barragem da mineradora Vale em Brumadinho, que matou 272 pessoas, o então prefeito de Pedreira, Hamilton Bernardes (PSB), foi pressionado pela população a pedir o embargo da construção. A administração alegou que o governo do Estado, por meio do DAEE, não apresentou Plano de Ação de Emergência em caso de desastre, nem estudo prévio de impactos sociais e na infraestrutura. Além disso, não havia sido concedida uma licença municipal. Porém, em 8 de maio do mesmo ano, a juíza Deyse Lemos de Oliveira, da 2ª Vara de Pedreira, indeferiu o pedido de paralisação da construção no Rio Jaguari.

Em nota enviada à RBA, a prefeitura afirma que todo o processo em relação à barragem foi feito à “revelia”, sem o conhecimento, sem qualquer comunicação ao órgão municipal, chegando a caracterizar “litigância de má-fé, por alterar as verdades do fato”, conforme escreveu a magistrada em seu despacho. Mas que a juíza entendeu que o município informou não ter lei de uso e ocupação do solo e nem corpo técnico para o licenciamento ambiental, que ficou a cargo a Cetesb. A gestão recorreu e perdeu de novo.

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Feijão deverá ter muito mais agrotóxicos do que já tem atualmente

Dos 1.033 novos produtos liberados pelo governo Bolsonaro desde 2019, pelo menos 114 são usados nas plantações de feijão

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Por Cida de Oliveira, da RBA

O feijão está na feijoada, na dobradinha, no baião de dois, no tutu, no virado à paulista e, assim, ao lado do arroz, forma a base do cardápio típico, e quase que diário, do povo brasileiro. Mas se o feijão é agro e é pop, é também carregado de agrotóxicos. A situação é tão séria que os empacotadores passaram a fazer testes rápidos no feijão ainda na carreta, para detectar os níveis de resíduos de agrotóxicos. As cargas com resíduos acima do permitido já são devolvidas no ato para os produtores. Segundo o Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe), a devolução de carretas e carretas está deixando esses agricultores “irados com a situação atual”.

O procedimento que tem desagradado agricultores exagerados no uso de agrotóxicos foi a saída encontrada pelos empacotadores para evitar multas pesadas, aplicadas pelo Ministério da Agricultura. Muitas delas chegam a R$ 490 mil por carreta.

Rastreabilidade do feijão

“Infelizmente ainda há um grande número de produtores que não se importam em produzir um feijão que eles próprios não consumiriam”, disse à RBA o presidente do Ibrafe, Marcelo Lüders. Essas multas, segundo ele, são uma forma de o ministério pressionar o setor a acelerar o processo de rastreabilidade da cadeia do feijão. Na prática, isso significa a adoção de tecnologias que concentrem todas as informações do produto desde a escolha da semente e preparação do solo até a chegada na prateleira dos supermercados.

Ou seja, um banco de dados que informe onde aquele feijão foi cultivado, que agrotóxicos foram usados e em quais quantidades, entre outras coisas. Boa prática para o consumidor, que pode finalmente saber o que está comendo, a rastreabilidade valoriza e fortalece a cadeia produtiva, aumenta a produtividade e abre portas para o mercado externo. Afinal, o Brasil é um dos maiores produtores mundiais de feijão. Mas exporta apenas 8% de sua produção devido ao alto consumo interno.

Feijão para o futuro

“O feijão será uma das principais fontes de proteína no futuro. Isso porque é crescente o número de pessoas que deixam de comer carne, aumentando a demanda por nutrição vegetal. Além das mudanças no perfil de consumo, há também a necessidade de produção mais sustentável, com menor uso de água e baixa emissão de carbono”, disse Lüders. Sem contar o preço mais acessível, apesar das altas e baixas de preços ao consumidor. Um prato de feijão custa cerca de US$ 0,20 atualmente.

É nessa produção de qualidade superior mirando o mercado externo, mais exigente e intolerante com os agrotóxicos, que repousam as esperanças de que esse alimento básico seja mais saudável para todos.

Os empacotadores não informaram quais são os princípios ativos mais encontrados nas carretas devolvidas. Mas há algumas pistas espalhadas que ajudam a dar uma ideia de que venenos estão no prato junto com o feijão nosso de cada dia.

Resíduos de agrotóxicos

O último monitoramento da presença de agrotóxicos no feijão no âmbito do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos (Para) corresponde ao período de 2013 a 2015. Na época o programa coordenado pela Anvisa em conjunto com órgãos estaduais e municipais de vigilância sanitária analisou 709 amostras da leguminosa.

O agrotóxico mais encontrado foi o fungicida Carbendazim, em 457 amostras. Em oito havia concentrações acima do limite máximo permitido das substâncias fempropatrina, flutriafol, imidacloprido, permetrina, pimimifós-metílico, procimidona e tiametoxam.

Em 48 foram detectados resíduos de agrotóxicos não autorizados para uso no cultivo do feijão, entre eles o pirimifós-metílico, detectado irregularmente em 2,4% das amostras monitoradas em 2015. Dois anos antes, a Anvisa excluiu o feijão das culturas alvo do produto.

Proibido na União Europeia, o carbendazim está sendo reavaliado pela Anvisa desde janeiro de 2020. Segundo a Anvisa, há fortes indícios de que cause câncer e que faça alterações no DNA das células. Esse dano pode levar ao aparecimento de diversos tipos de câncer, entre outras doenças, além de prejudicar o sistema reprodutivo e o desenvolvimento.

Efeitos nocivos

Entretanto, pesquisas recentes relacionam o produto a consequências ainda mais complexas e nefastas. “O carbendazim tem a capacidade de atravessar a placenta, atingindo o embrião ou feto e causando diversas alterações e malformações. Está associado também à infertilidade, a disfunções nas células do fígado, do sangue e à desregulação no sistema endocrinológico. Ou seja, prejudica as glândulas que secretam os hormônios que controlam funções vitais. Sem contar efeitos nocivos ao meio ambiente”, disse o professor e pesquisador Marcos Pedlowski, da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf).

Pedlowski criou uma espécie de observatório das liberações de agrotóxicos pelo governo Jair Bolsonaro. Conforme a fonte de dados, dos 1.033 liberados desde sua chegada à presidência, em janeiro de 2019, 114 são indicados para as lavouras de feijão.

Desse total, 43 são proibidos na União Europeia. É o caso do fungicida Mancozebe. A ficha de informações de segurança do produto de nome comercial Dithane, da Dow Agrosciences, um dos fabricantes, informa que a exposição crônica trouxe danos ao fígado e à tiróide de ratos de laboratório. E ainda causou câncer em caso de exposição a doses elevadas. Cobaias fêmeas expostas tiveram crias com defeitos congênitos, já que o produto é tóxico para o feto.

O ingrediente ativo será banido a partir de junho na União Europeia. Isso porque uma reavaliação da Agência Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA) apontou o produto como causador de alterações endocrinológicas. Nos Estados Unidos, a Agência de Proteção Ambiental (EPA) o avalia como provável cancerígeno.

Tumor maligno

Fungicida mais vendido no Brasil segundo a associação de fabricantes de agrotóxicos genéricos, a Aenda, o Mancozebe é classificado pela Anvisa como medianamente tóxico. No entanto, o Insituto Nacional de Câncer (Inca), vinculado ao Ministério da Saúde, o fungicida está associado ao desenvolvimento de linfoma não-Hodgkin. Esse tumor maligno, que ataca o sistema imunológico, tem levado pessoas doentes dos Estados Unidos a processar a Bayer, fabricante do glifosato, outro princípio ativo relacionado à grave doença.

Outro agrotóxico perigoso à saúde na lista é o inseticida Clorpirifós, classificado como altamente tóxico. Segundo o Inca, está relacionado a leucemias, linfomas não-Hodgkin e de pâncreas. Pesquisas como as da pesquisadora Barbara Demeneix, do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, aponta que o princípio ativo causa danos como distúrbios hormonais, deficiência mental irreversível nos fetos e diminuição de até 2,5 pontos de QI (quociente de inteligência) das crianças.

Mas não se pode esquecer os produtos letais às colmeias de abelhas em todo o mundo, como os inseticidas fipronil e o tiametoxam, banidos da União Europeia em 2017.

Ameaça à saúde

Outra evidência gritante do envenenamento do feijão brasileiro é o limite máximo de resíduos para o inseticida malationa no Brasil, que é de 8 miligramas por quilo (mg/kg), o que significa uma tolerância 400 vezes maior do que a da União Europeia, que é de 0,02 mg/kg. A discrepância é mostrada no Atlas Geográfico do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, de autoria da professora e pesquisadora do Departamento de Geografia da USP Larissa Mies Bombardi.

Se nenhuma medida efetiva for tomada em relação a um problema tão grave, os empacotadores deverão devolver ainda muitas e muitas carretas aos produtores. E o feijão se tornará uma ameaça à saúde.

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Este texto foi publicamente inicialmente pela Rede Brasil Atual [Aqui!].

Quanto custa um câncer? Bayer faz ‘conta de padaria’: lucro com glifosato compensa custo de processos por danos à saúde

Empresa gasta US$ 12 bilhões em indenizações, mas continua fabricando – e vendendo muito – o agrotóxico. “É a prova cabal de que não existe, nem de longe, possibilidade de qualquer tipo de ética no sistema capitalista”, afirma analista

Manifestação de mulheres camponesas em frente à sede nacional da Bayer, em São Paulo
Por Cida de Oliveira, da RBA

São Paulo – A Bayer não fala em lucros com a venda do herbicida glifosato, o mais vendido do mundo. Mas certamente é gigantesco, já que é suficiente para cobrir, com sobra, os acordos bilionários que tem proposto à Justiça nos Estados Unidos para pagar milhares de indenizações a doentes de câncer expostos ao RoundUp, produto a base de glifosato.

A companhia alemã que comprou a Monsanto – desenvolvedora do glifosato –, desembolsou em 2020 US$ 10 bilhões (cerca de R$ 54 bilhões) para liquidar 95 mil processos por efeitos danosos do agrotóxico. Restaram ainda 30 mil ações. Na semana passada propôs outro acordo, no valor de US$ 2 bilhões (R$ 10,8 bilhões), para cobrir futuros pedidos de indenização de pessoas que, por exposição ao glifosato, desenvolveram linfoma não Hodgkin, um tipo de câncer que atinge o sistema imunológico. O teto de indenização e cobertura de assistência à saúde será de até US$ 200 mil. A homologação da oferta depende de decisão do juiz Vince Chabbria, da Corte Distrital de São Francisco.

“Os acordos de US$ 10 bilhões do ano passado, somado aos U$2 bi de agora, superam o faturamento total da indústria de agrotóxicos no Brasil no ano passado. São cifras, portanto, astronômicas, mesmo para transnacionais do porte da Bayer”, diz o engenheiro Alan Tygel, coordenador da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida.

Segundo ele, quando a Bayer concluiu a compra da Monsanto em 2018, por US$ 63 bilhões, já sabia que herdaria milhares de processos e teria de desembolsar bilhões de dólares em pedidos de indenização contra o RoundUp. Mesmo assim a empresa decidiu comprar a Monsanto e seguirá vendendo o produto.

Bayer e câncer

“É a prova cabal de que não existe, nem de longe, possibilidade de qualquer tipo de ética no sistema capitalista. Fizeram a conta de padaria: quanto temos de receita, quanto custa cada câncer causado pelo produto, e chegaram à conclusão de que mesmo assim dá lucro”, disse Tygel.

Para ele, os acordos já firmados e o agora proposto não terão influência no cenário brasileiro. Apesar da gravidade dos danos, a agenda em favor da indústria de agrotóxicos por parte da Anvisa e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) seguirão. “Esperamos, porém, que pelo menos processos judiciais semelhantes possam prosperar e reparar, ainda que de forma meramente financeira, a dor e o sofrimento das famílias vitimadas pelas intoxicações por agrotóxicos.

Embora a proposta possa sugerir que a Bayer esteja finalmente admitindo o potencial carcinogênico da substância que produz, a empresa está protegendo seu caixa. É o que acredita o professor e pesquisador da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) Marcos Pedlowski. “A Bayer não está reconhecendo que o glifosato faz mal, mas implicitamente está se protegendo ao propor limite de dois bilhões de dólares para futuros casos. Ou seja, para pessoas que ainda não constituíram advogado para entrar com ação.”

Ruralistas na contramão

Estudioso dos agrotóxicos, Pedlowski concorda com Tygel. O “hiper domínio da bancada ruralista” está atrasando o Brasil no debate sobre o glifosato. E o latifúndio e a economia brasileira podem tomar prejuízo em médio prazo.

“A Nestlé barrou o café do Espírito Santo pelo excesso de glifosato. No início de 2019, a Rússia sinalizou que faria o mesmo com a soja, caso o Brasil não reduzisse o uso de agrotóxico. A Europa já não compra soja para uso humano, só para alimentar animais. E há um grande movimento nos países escandinavos e na Alemanha contra a soja brasileira. Cedo ou tarde, o Brasil pode tomar uma moratória sanitária. Os ruralistas contam com a dependência mundial da soja nacional. Mas esquecem de que chineses e latifundiários brasileiros estão plantando soja em Moçambique”, alertou.

Em dezembro, a Anvisa concluiu a reavaliação toxicológica do glifosato. Manteve a permissão do uso, mas com restrições. Entre elas, adoção de tecnologia para reduzir a deriva (espalhamento das gotículas para além da área pulverizada. No mesmo mês, o governo de López Obrador determinou que até o final de 2024 o produto será banido no México.

Argentina, Uruguai e Costa Rica aprovaram medidas de redução de uso. A Alemanha quer banir até 2023. Em julho, a Áustria decidiu proibir o uso do produto por considerar cada vez mais robustas as evidências do potencial carcinogênico da substância. A França está em vias de aprovar nova legislação para redução seguida de banimento até 2023. Outros países, como Itália, Holanda e República Tcheca também têm restrições ao uso de herbicidas com o glifosato como princípio ativo.

Sinal verde

O produto tem sinal verde também do Ministério da Agricultura. Em janeiro, quando o governo de Jair Bolsonaro completou dois anos, sob seu mandato já haviam sido liberados 1.033 novos agrotóxicos, segundo levantamento de Pedlowski. Desse total, foram autorizados 22 pedidos para fabricação de novos produtos à base de glifosato. O princípio ativo só ficou atrás do fungicida Mancozebe, com 24 pedidos.

O agrotóxico mais usado no Brasil tende a ganhar ainda mais espaço. No último dia 5, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança atendeu pedido do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) para fazer experiências em campo com uma cana de açúcar desenvolvida geneticamente para resistir a pulverizações intensas de glifosato. Os testes serão feitos nos municípios paulistas de Piracicaba, Barrinha e Valparaiso. A cana é hoje a terceira cultura em termos de consumo de pesticidas (11%), ficando atrás da soja (48%) e do milho (13%).   

Hipocrisia da Bayer

Professor de Ecotoxicologia, Agroecologia e Cooperativismo no campus Viamão do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), o agrônomo Cláudio Fioreze considera “hipócrita” a oferta de tais acordos pela Bayer. “Pelo valor que eles pagaram na Monsanto (US$ 63 bilhões) o pelo que lucram com a venda do agrotóxico mais vendido no mundo, é uma hipocrisia fazer esse tipo de acordo, em que se reconhece haver o dano, quando se trata de um dano incalculável a longo prazo, um dano ecossistêmico”.

Entretanto, enxerga disputas com a justiça dos Estados Unidos um ponto de partida para mudanças. “Foram longas batalhas judiciais que levaram a legislações bastante restritivas aos cigarros. Antes se fumava dentro de todo lugar, na sala de aula, no taxi, no hotel. E hoje há propagandas expondo os males do tabagismo”, comparou.

Nesse sentido, defende, deveria ser adotada uma espécie de certificação negativa da produção de alimentos. “Hoje em dia, o ônus da certificação é de quem produz alimento ecológico, orgânico, limpo. Então os alimentos produzidos no modelo de agronegócio convencional, muitas vezes com uso de substâncias proibidas em outros países, teriam de trazer aviso na embalagem. Algo como esse produto foi produzido com agrotóxico X, que pode causar câncer, danos ao sistema nervoso”.

Edição: Fábio M Michel

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Este texto foi originalmente publicado pela Rede Brasil Atual [Aqui!].

Pedidos de registro de agrotóxicos aumentam 82% no governo Bolsonaro

De janeiro a abril foi pedido registro para 266 novos produtos. Em igual período de 2018, para 146. Aguardam na fila da Anvisa 2.906 solicitações

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Em meio à retração na economia brasileira, a indústria de agrotóxicos vai de vento em popa: novos produtos autorizados e empresários falando em expansão.

Por Cida de Oliveira para a RBA

São Paulo – Se há um setor industrial animado com o governo de Jair Bolsonaro (PSL) é o dos agrotóxicos. Até a conclusão desta reportagem, havia 2.906 petições aguardando análise para registro na fila da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Desse total, 266 foram protocoladas do início de janeiro ao final de abril. O número é 80% maior que os 146 apresentadas do mesmo período de 2018.

O aumento no número de solicitações tem sido acompanhado pela velocidade de liberações de registro. Antes de completar 100 dias, o governo Bolsonaro já havia concedido 152 novos registros. Se seguir nesse ritmo, até o final do ano serão algo em torno de 555. No ano passado foram 450 registros.

A ministra ruralista do Meio Ambiente, Tereza Cristina (DEM-MS) – a “musa do veneno” –, nega que haja sob seu comando a aceleração de registros desses  produtos. No entanto, desde que tomou posse e praticamente assumiu o controle do setor de agrotóxicos, os registros dispararam.

Quando deputada, Tereza Cristina presidiu a comissão especial que deixou pronto para votação no plenário da Câmara o substitutivo para um conjunto de projetos que alteram a atual legislação desses produtos no Brasil, o Pacote do Veneno. O objetivo é facilitar ainda mais a importação, produção, comercialização e utilização.

A aprovação do pacote na comissão, em maio, estimulou os fabricantes. Até aquele mês, havia 130 pedidos de registro. Dali até o final do ano foram protocolados outros 508.

Um dos argumentos mais usados pelos defensores do Pacote é que o tempo de espera pela liberação é de mais de dez anos. No entanto, dos 2.906 pedidos na fila, há apenas um de 2008, sete de 2009, 34 de 2010 e 65 de 2011.

Mais registros significa mais produtos no catálogo das empresas, mais vendas e mas lucros. Desde 2018, o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos. Em 2017, o setor movimentou aproximadamente US$ 8,8 bilhões, conforme o sindicato da indústria (Sindiveg).

Com base em dados oficiais e da própria indústria de agrotóxicos, analistas do setor estimam que o país deixou de arrecadar R$ 2,07 bilhões com isenções fiscais concedidas à comercialização desses produtos. Em 2018, as desonerações aos insumos agrícolas cresceram 32% na comparação com o ano anterior, quando a renúncia fiscal foi de R$ 1,57 bilhão. Entre 2015 e 2018, as isenções acumularam R$ 7,1 bilhões.

Expansão

Com 33 itens em seu portfólio, a Nortox é o maior fabricante nacional do setor de agrotóxicos. E pretende crescer mais. Em abril, anunciou sua nova estratégia de expansão dos negócios para a América Latina: o lançamento de novos produtos. Quando iniciou suas atividades, há 65 anos, estava mais focada na produção de agroquímicos para lavouras de café. Com o passar do tempo, passou a produzir também para o algodão e, mais recentemente, tornou-se fornecedora de herbicidas, inseticidas e fungicidas para o plantio de soja.

Em entrevista ao Agrolink, um executivo de marketing da empresa disse que em 2018 foram colocados no mercado quatro novos “defensivos” e no primeiro trimestre de 2019, mais quatro, com formulações e registros diferenciados, a atuação esteja centrada no segmento de venenos genéricos.

Apesar da crise econômica, a companhia vem crescendo. Em 2015, ocupava a 617ª posição entre s maiores empresa segundo o ranking As 1.000 Maiores do jornal Valor Econômico. No ano seguinte, subiu para 544ª, e em 2017, para 521ª. Naquele ano, seu lucro líquido foi de R$ 103,2 bilhões.

Com o início do governo Bolsonaro, obteve o registro para dez produtos. São cinco herbicidas, três fungicidas e dois inseticidas, sendo que cinco deles são considerados produtos técnicos. Ou seja, matérias-primas para a fabricação de outros produtos. Do total liberado, cinco são extremamente tóxicos, um é altamente tóxicos e quatro são medianamente tóxicos.

Bolsonaro ruralista

Fazenda em Goiatuba, Goiás: A expressão da aliança entre os ruralistas e o então candidato

A indústria sediada em Arapongas (PR), que recentemente abriu filial em Rondonópolis (MT), tem participação na Nutrinova Holdings, que por sua vez participa do quadro societário da Cropchem, empresa que registrou seis produtos desde que Bolsonaro assumiu

A Nortox é dirigida pela família Amaral. Em junho de 2015, o conselheiro de administração, Humberto Amaral, foi denunciado pelo Ministério Público do Paraná por envolvimento em uma organização criminosa, que atuava na Receita Estadual em Londrina.

De acordo com o MP-PR, Amaral e outros empresários pagavam propina em troca de benefícios fiscais. Conforme a denúncia, auditores fiscais faziam vistas grossas para aliviar multas e irregularidades.

Falácia

Professor e pesquisador da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) e colaborador do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais da Universidade de Lisboa, Marcos Pedlowski publicou recentemente estudo que aponta a contaminação por agrotóxicos da água consumida por assentados da reforma agrária em Campos dos Goytacazes (RJ).

Estudioso do tema, Pedlowski chama atenção para a gravidade da escalada dos agrotóxicos de janeiro para cá, que desmonta uma falácia da indústria, do comércio, dos ruralistas e dos defensores dos agroquímicos. “Esses produtos não são menos tóxicos do que os anteriores. E apesar de ainda não tê-los analisado em profundidade, posso constatar a presença de agrotóxicos banidos em outras partes do mundo justamente por causa da ligação com doenças graves e danos ambientais”, afirma. É o caso do Imazetapir, da Abamectina, Atrazina, Sulfentrazone e Clorpirifós, proibidos em diversos países.

Pedlowski chama atenção ainda para o fato de a China ter papel central no que se poderia chamar de economia política dos agrotóxicos, fazendo a ponte com alguns fabricantes brasileiros. E o mais preocupante: a possibilidade de muitos desses agrotóxicos que estão na fila virem a ser liberados ainda este ano.

“Boa parte do que está sendo liberado é para soja, algodão, milho e cana. Essas são justamente as culturas que aparecem como causadoras do desmatamento na Amazônia. Um aspecto curioso entre as liberações é que a maioria dos produtos nacionais são para controle biológico de pragas, com menor nível de toxicidade para humanos e o meio ambiente”.

Segundo ele, tamanha pressa nada mais é do que a submissão aos interesses da indústria. “A pressão na Europa está aumentando para que não se aprovem nem vendam os agrotóxicos que estão proibidos lá. A indústria quer vender tudo o que for possível antes que lá acabem com a mamata aqui”, afirma.

Pacote do Veneno

Essa velocidade no trabalho dos órgãos responsáveis pelo registro desses produtos, no entanto, não pode ser entendida como a antecipação do Pacote do Veneno. Para o agrônomo Ruy Muricy, que integra os fóruns baiano e nacional de combate aos impactos dos agrotóxicos e transgênicos, a aprovação do Pacote pioraria muito mais a situação.

“O chamado Pacote desmonta, de forma estrutural, o arcabouço legal construído ao longo de 30 anos. A começar pela perda das prerrogativas do Ministério da Saúde e do Meio Ambiente no poder de veto do registro de agrotóxicos. Traz ainda mudança nos critérios para o banimento de produtos e permite o registro mesmo de produtos com características de causar câncer, mutações genéticas, malformações e desregulação no sistema endocrinológico. E ainda impede que estados, Distrito Federal e municípios editem leis mais rigorosas que a União”, afirma.

Muricy pondera que, ainda que nesses primeiros 100 dias de governo Bolsonaro alguns ritos legais tenham sido atropelados, há o caminho da Justiça. “Pode-se arguir pelos atos contrários à lei. Com o Pacote do Veneno, isso se tornará extremamente difícil”.

Na avaliação do coordenador da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, Alan Tygel, os registros que estão sendo concedidos resultam de um maior empenho do Ministério da Agricultura em liberar os agrotóxicos que estava na fila, já aprovados pela Anvisa e Ibama.

“Nós sempre denunciamos inclusive que os três órgãos possuíam muito poucos servidores para dar conta do trabalho com qualidade. No entanto, parece que agora a Ministra Teresa Cristina alocou funcionários de outras áreas para agilizar a liberação destes agrotóxicos. Mas tudo ainda dentro do marco legal vigente”, afirma.

Em caso de aprovação do Pacote, conforme acredita, a sociedade civil ficará de mãos atadas. “As definições vagas sobre ‘risco inaceitável’, por exemplo, dificultariam inclusive um pedido de reavaliação. Além disso, ao tirar a Anvisa e o Ibama do processo de análise para registro, o volume de liberações de agrotóxicos mais perigosos do que os já existentes deve aumentar.”

É sempre bom lembrar que, quanto mais produtos liberados, maior o assédio da indústria sobre os produtores e agricultores, maior a utilização e, por consequência, maior a contaminação das águas, do solo, dos alimentos, trazendo mais adoecimento e morte.

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Este artigo foi originalmente publicado pela Rede Brasil Atual [Aqui!].

Agrotóxicos contaminam água da chuva e de poços artesianos no Mato Grosso

Pesquisa da Universidade Federal do MT realizada em Campo Novo do Parecis, Sapezal e Campos de Júlio encontrou substâncias altamente tóxicas em poços localizados em escolas do campo e da cidade

Por Cida de Oliveira para a Rede Brasil Atual

 

REPRODUÇÃO/YOUTUBE

rio juruena no rastro dos agrotóxicosEm 2012, o Brasil despejou sobre suas lavouras 1,05 bilhão de litros de herbicidas, inseticidas e fungicidas. Só em Mato Grosso foram 140 milhões de litros, segundo o relatório de consumo de agrotóxicos em Mato Grosso.

 

São Paulo – Agrotóxicos considerados altamente tóxicos, como a trifluralina, e cancerígenos, como a atrazina, metolacloro e metribuzim, contaminam a água da chuva e de poços artesianos de escolasrurais e urbanas nos municípios de Campo Novo do Parecis, Sapezal e Campos de Júlio, na bacia do rio Juruena, no Mato Grosso.

Em quatro de seis amostras de poços foram detectados resíduos dos herbicidas atrazina e metolacloro. Mais da metade (55%) das amostras de chuva continham resíduos de pelo menos um tipo de agrotóxico entre os detectados (metolacloro, atrazina, trifluralina, malationa e metribuzim). O metolacloro foi o mais frequente, detectado em 86% das amostras contaminadas.

A conclusão é de uma pesquisa conduzida por Lucimara Beserra para seu mestrado em saúde coletiva, sob orientação de Wanderlei Antonio Pignati, professor e pesquisador do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Alunos e professores de três escolas rurais e três urbanas desses municípios participaram do estudo, coletando amostras da água da chuva e do poço em cada unidade escolar, como mostra o vídeo no final desta reportagem.

Exceto o poço da escola urbana de Sapezal, localizada no meio da cidade, os demais tinham no entorno plantações de soja, milho, algodão e girassol, em um raio de distância variando de 50 a 1.000 metros. 

A maioria de todas essas amostras contaminadas foi coletada em maio de 2015 e fevereiro de 2016, meses do período chuvoso, que favorece a infiltração de diversas substâncias no solo e nos lençóis freáticos. Maio coincide com o fim da safra agrícola de milho e de algodão, na qual ainda há pulverização de diversos agrotóxicos.

E fevereiro, com o início da colheita da soja e o plantio/colheita da safra de milho e o plantio de algodão, com intensas pulverizações de agrotóxicos. Agosto corresponde à entressafra da soja, período entre uma safra e outra, com descanso e preparação do solo, com pouca ou nenhuma pulverização. E a localização dos poços artesianos foi escolhida próxima a áreas de lavouras com uso desses produtos.

O estado é o maior consumidor brasileiro de agrotóxicos, e o Brasil, o maior consumidor mundial. Em  2012, o Brasil despejou sobre suas lavouras 1,05 bilhão de litros de herbicidas, inseticidas e fungicidas. Só em Mato Grosso foram 140 milhões de litros, segundo o relatório de consumo de agrotóxicos em Mato Grosso, de 2005 a 2012, do Instituto de Defesa Agropecuária (Indea) de Mato Grosso. 

Nuvem

Ao comparar a contaminação conforme a localização das áreas, Lucimara Beserra constatou que a escola rural de Campo Novo do Parecis apresentou um número maior de amostras contaminadas (76,9%) em relação as demais escolas.

Mas isso não quer dizer que a área rural seja a mais contaminada. Uma nuvem de chuva pode ser deslocada pelo vento do seu local inicial de formação, e os agrotóxicos depois de suspensos no ar também podem sofrer deslocamento pelo vento, podendo contaminar outros lugares nos quais não houve a utilização desses produtos. Há pesquisas mostrando, por exemplo, contaminação por agrotóxicos em regiões do Ártico e da Antártica – onde não há atividade agrícola.

Independente do local, a contaminação depende da persistência de cada agrotóxico. O herbicida metolacloro, princípio ativo que teve maior frequência de detecção nas amostras de chuva, também encontrado nas amostras de água de poços artesianos, é uma substância de alta persistência, além de ser considerado muito perigoso ao ambiente (risco ambiental II).

O tempo de meia-vida do metolacloro na água é de 365 dias e no solo, 90 dias. Tais características, somadas ao alto consumo de agrotóxicos nos municípios, indica os motivos da detecção das substâncias nas três amostras do poço da escola urbana de Campo Novo do Parecis e na alta frequência de detecção nas amostras de chuva contaminadas dos três municípios.

A persistência da atrazina no ambiente é menor, bem como seu índice de solubilidade e volatilidade são menores se comparados ao metolacloro. Entretanto ainda possui potencial de contaminação de águas subterrâneas e chuva, sendo encontrado na água de quatro poços artesianos. Foi o segundo agrotóxico mais detectado nas amostras de chuva. O inseticida malationa, que teve maior concentração detectada nas amostras de chuva, também possui alta volatilidade e é considerado perigoso ao ambiente (risco ambiental III).

O projeto de pesquisa integrado sobre agrotóxicos, saúde, trabalho e ambiente na bacia do rio Juruena foi realizado em parceria com pesquisadores do Departamento de Química e da Faculdade de Nutrição da UFMT, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), com apoio financeiro do Ministério Público do Trabalho de Mato Grosso (MPT-MT), por meio da Procuradoria Regional da 23ª Região.

A pesquisa atende assim à demanda do MPT por uma avaliação dos impactos do uso desses produtos à saúde e ambiente nessa região de alto número de ocorrências de violações aos direitos trabalhistas relacionadas ao agronegócio e agrotóxicos.

Para Lucimara Beserra, a contaminação da água da chuva e de poços artesianos expõem relações e processos que tornam a população e o meio ambiente vulneráveis, o que exige atenção e atuação da Vigilância em Saúde nesses territórios.


Este artigo foi originalmente publicado pela Rede Brasil Atual [Aqui!]

Ricardo Salles, o “muy relevante”, aprovou EIA/RIMA que omitiu riscos de barragens

barragem

Riscos e destruição ambiental: Moradores de Pedreira, Campinas, Amparo e Jaguariúna em mais uma atividade contra a construção de duas grandes barragens na região. Fonte: Rede Brasil Atual

A jornalista Cida Oliveira, da Rede Brasil Atual, publicou hoje uma matéria revelando que o ainda ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, teve papel decisivo na aprovação de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) referente à construção de duas barragens pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAAE) na região de Campinas, apesar de suas evidentes falhas.

Tive acesso à documentação relativa a esse EIA, onde pude constatar ausências importantes em questões cruciais como plano de emergência em caso de rompimento das barragens, desapropriações de terras, bem como a ausência de informações objetivas sobre os impactos que ocorrerão sobre a fauna e a flora.

A matéria mostra que, quando pressionado a dar respostas objetivas sobre os impactos que ocorreriam com a construção destas duas barragens, Ricardo Salles preferiu optar pelo que eu chamo de “saída à Leão da Montanha” e desconversou. 

Diante das revelações trazidas por essa reportagem, não consigo deixar de achar que o “muy relevante” Ricardo Salles é a pessoa certa para ser o ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro. E salve-se quem puder!

Quem desejar ler a reportagem de  Cida de Oliveira, basta clicar [Aqui!]