Se o trânsito é a régua do caráter de uma cidade, em Campos estamos muito mal parados

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Por Douglas Barreto da Mata

Tenho acompanhado com interesse o intenso debate sobre as fiscalizações da Guarda Civil Municipal e da Secretaria Municipal de Segurança e Ordem Pública.  Trago as cicatrizes da violência no trânsito na memória.  Em 1977, minha irmã foi atropelada e morta em frente a nossa casa, na Rua Joaquim Suma, no Parque Leopoldina. Eu, com 07 anos, vi toda a cena, e nunca mais a esqueci. O condutor não portava uma Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Não dá para descrever esse sentimento, e como esse evento impactou a vida da minha família. Mas essa pequena passagem é para me colocar em um “lugar de fala”.

Tenho muita preocupação com o trânsito da nossa cidade, e não consigo entender como há pessoas capazes de se opor a fiscalização e a tentativa do Prefeito Wladimir Garotinho em dar algum ordenamento na mobilidade da cidade. O nível de risco a que pedestres, ciclistas, motociclistas e motoristas se submetem todos os dias é uma marca de nossa falha como cidadãos e cidadãs.

A presença de condutores não habilitados, de veículos irregulares e em condições inadequadas de trânsito deveria provocar nas pessoas uma demanda por repressão, e não o contrário.

Imaginei, no meio desse debate torto e falso, que o argumento de que “trabalhadores” não devem ser incomodados pela fiscalização é algo parecido com defender que trabalhadores do ramo de alimentação sirvam ou vendam seus produtos podres, ou sem condições de higiene, ou que um médico dê consultas com o CRM cancelado.  Ou seja, não faz sentido.

Pense na possibilidade de você comprar uma passagem na AutoViaçãop 1001, para a cidade do Rio de Janeiro, e descobrir que o motorista está sem sua CNH.  Será que alguém pediria ao policial rodoviário para “aliviar”?

Afirmo que não sou um condutor perfeito, nunca fui, porém defendo e apoio todas as formas de fiscalização, inclusive aquelas que possam me punir. Uma comunidade que deseja exercer suas atividades econômicas de forma ilegal não tem condições morais de exigir qualquer tipo de conduta de seus governantes. 

Enfim, em Campos dos Goytacazes o combustível que enche os tanques de carros e motos ilegais é a hipocrisia.

Tiros na noite e a crise da (in) segurança instalada no campus da Uenf

Uma questão que tem sido fortemente debatida pela comunidade universitária da Uenf é sobre o status da segurança interna do campus Leonel Brizola e de outras unidades que a universidade possui nas cidades de Campos, Macaé e Itaocara. Enquanto uns acreditam que a falta de pagamentos e a diminuição do contigente da empresa K-9 ameaçam a segurança interna, outros acham que o problema não é assim tão grave e que as atividades poderiam continuar normalmente após o final da greve.

Pois bem, na noite desta 5a. feira (21/07) uma perseguição policial que se iniciou do lado de fora e chegou ao prédio do Centro de Ciências do Homem (CCH) mostrou que a violência que acontece do lado de fora dos muros pode sim chegar bem perto de professores, servidores e estudantes, como mostra a reprodução de uma matéria publicada sobre o incidente pelo jornal Folha da Manhã (ver reprodução abaixo).

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Da leitura da matéria saltam aos olhos três questôes. O primeiro é que um cidadão que não portava uma Carteira Nacional de Habilitação (CNH) resolveu se evadir de uma viatura policial, ensejando uma perseguição para o interior do campus da Uenf.  Tudo já não estaria normal se neste processo, tiros não fossem disparados em direção a um prédio que, apesar da greve em curso, estava ocupada por pessoas que não tinham a ver com o início da perseguição. E o terceiro elemento tem a ver com a noticiada negação pelos policiais envolvidos na ação de que não dispararam os tiros que dezenas de testemunhas alegam ter ouvido.  O que levanta a questão imediata de porque algo que foi realizado publicamente está sendo negado, mesmo em face de inevitáveis testemunhas.

Afora os fatos que a matéria da Folha da Manhã já levanta, não há como deixar de observar que este pequeno incidente que não deixou, mas poderia ter deixado, vítimas fatais representa apenas uma micro-inserção no universo do modelo de (in) segurança pública em que vivemos, onde os mais pobres e habitantes das regiões periféricas comumente são alvos de perseguições e tiros, antes que se apure a razão de uma determinada ação, seja ela legal ou não. Além disso, esta situação revela , nas palavras dos seguranças patrimoniais que ainda atuam na Uenf apesar de 4 meses de salários atrasados, é a precariedade da segurança interna do campus Leonel Brizola como resultado do não cumprimento da obrigação básica do (des) governo do Rio de Janeiro de executar o orçamento aprovado para a Uenf trabalhar em 2016. 

De toda forma, o que eu espero é que não se fique apenas no alívio após o terror que muitos das testemunhas oculares sentiram. É preciso que a reitoria da Uenf e o Comando do 8o. Batalhão estabeleçam um diálogo urgente para impedir que os fatos da noite passada não se repitam. É que da próxima vez talvez o acaso não seja tão benévolo e algum inocente perca a sua vida.