Trabalhadores do campo foram vítimas de grilagem na ditadura

Pesquisa relata 219 conflitos no campo no período de 1964 até 1988. Resultados apontam para 54 assassinatos

por Vinícius Lisboa, da Agência Brasil
CV / DIVULGAÇÃO / EBCcomissaodaverdade ebc

Trabalho servirá de subsídio para o relatório final da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro – Trabalhadores rurais do interior do Rio de Janeiro foram vítimas de grilagem, especulação imobiliária e perseguição política durante a ditadura civil-militar e nos anos que a antecederam. Com o golpe de 1964, a organização das associações trabalhistas desmoronou, dando origem a movimentos locais e sem articulação.

É o que revela estudo apresentado hoje (11) pela pesquisadora Leonilde Medeiros, durante o seminário “Construindo a Verdade: Pesquisas sobre a a Ditadura de 64 no Brasil”, organizado pela  Comissão da Verdade do Rio de Janeiro. Com o título “Conflitos de terra e repressão no campo no Estado do Rio de Janeiro (1946-1988)”, o trabalho ainda está em andamento e deve ser concluído no ano que vem.

A pesquisa registrou 219 conflitos no campo – no período de 1964 até 1988 – sendo a maior parte (94) na região metropolitana do Rio. Os conflitos resultaram em 54 assassinatos, 38 deles no entorno da capital, principalmente em municípios como Nova Iguaçu, Duque de Caxias e Cachoeira de Macacu. Houve também o registro de seis desaparecimentos, 18 episódios de tortura e 184 prisões.

“Havia a ideia de que estava sendo montado um foco de guerrilha rural no cinturão do Rio de Janeiro. A repressão sobre as pessoas comuns foi muito pesada”, disse Leonilde, que é professora do curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CDPA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

A pesquisadora chama a atenção para o caráter militar e privado da repressão, feita tanto por agentes oficiais como pelo poder privado. “Eram jagunços e pistoleiros que agiam com absoluta omissão do poder estatal, a mando de grileiros que usavam táticas como a falsificação de documentos de posse e a assinatura forçada de papéis em branco”. Segundo Leonilde, os jagunços expulsavam as famílias de suas terras. “As coisas se resolviam nas relações de força, e não legalmente”, afirmou.

No período anterior ao golpe de 1964, havia uma articulação de associações trabalhistas no campo com sindicatos da cidade, que foram intensamente reprimidas com a chegada dos militares ao poder. “Em 1º de abril, começam as invasões às casas de camponeses e prisões”, disse, revelando que militares arrombavam casas e reviravam cômodos, em busca de armas.

Para fazer o trabalho, Leonilde baseou-se em documentos oficiais de órgãos públicos e sindicatos, e 72 entrevistas feitas desde a década de 80, que revelaram que trabalhadores do campo enfrentaram a repressão de forças privadas na região metropolitana do Rio, frequentemente associadas à especulação imobiliária nos municípios. “Um traço característico é que os camponeses não se enfrentavam com grandes fazendeiros, mas com a especulação imobiliária, cujo objetivo era a transformação de terras agrícolas em loteamentos urbanos”.

De acordo com a pesquisadora, a construção da rodovia Rio-Santos desencadeou conflitos em Paraty e Angra dos Reis, levando à favelização nesses municípios. O investimento turístico no litoral do estado fez com que empreendedores privados e camponeses entrassem em conflito. “A omissão do Estado faz parte do processo de repressão e, em alguns casos, foi mais que omissão, foi colaboração”.

O trabalho deverá servir de subsídio para o relatório final da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, que será entregue em dezembro. O mandato da comissão termina em 13 de novembro deste ano.

FONTE: http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2015/08/trabalhadores-do-campo-foram-vitimas-de-grilagem-na-ditadura-diz-pesquisadora-1727.html

A insatisfação dos comandantes militares com a Comissão da Verdade é exagerada e despropositada

A mídia corporativa anda disseminando a informação de que o alto comando das forças armadas brasileiras anda insatisfeito com os trabalhos da chamada Comissão da Verdade que está para entregar seu relatório final (Aqui!). Essa insatisfação se for efetivamente existente é, afora os elementos democráticos sobre o lugar das forças armadas no Estado brasileiro, exagerada e despropositada.

É exagerada porque a Comissão da Verdade tem um mandato tão restrito que seria até espantoso se resultasse em algum tipo de indiciamento de quaisquer figuras militares envolvidas em crimes lesa-humanidade, apesar da história estar repleta de exemplos de que os mesmos ocorreram durante o período do regime de exceção que durou de 1964 a 1985. É despropositado porque dentro da ordem democrática vigente, as forças armadas não têm mandato para se colocar no caminho do que é legalmente estabelecido pelo Estado brasileiro. Qualquer tolerância com essas manifestações é, deste modo, inconstitucional. 

Agora, se os comandantes das forças armadas brasileiras dessem uma olhada à sua volta e vissem o que aconteceu com ditadores e agentes da repressão militar em países como Argentina, Chile e Uruguai veriam que o que foi feito nos nossos vizinhos foi muito mais agudo, com generais-ditadores morrendo na prisão que, aliás, era o melhor lugar para que isto acontecesse. 

Enquanto isso no Brasil convivemos com os resquícios da ditadura de 1964 e tendemos a perpetuar práticas que apenas nos distanciam de um futuro plenamente democrático e socialmente justo. Basta ver a persistência das práticas de tortura e corrupção, duas heranças malditas do regime de 1964. Em suma, se alguém tem de ficar insatisfeito com os resultados práticos dos trabalhos da Comissão da Verdade não os comandantes militares, mas a maioria do povo brasileiro que convive com os efeitos de uma experiência histórica que não teve a devida paga em tempos de regime democrático.