De um montante de R$ 22 bi, apenas R$ 8 mil foram direcionados à pesca artesanal
A economia marítima brasileira, chamada de Economia Azul, é frequentemente apresentada como uma oportunidade para conciliar crescimento econômico e sustentabilidade. Porém, ela tem se desenvolvido de forma desigual, pois ignora os povos do mar e comunidades pesqueiras tradicionais, que são afastadas da distribuição dos benefícios oceânicos.
Publicadoem 4 de setembro na revista Desenvolvimento e Meio Ambiente, o trabalho mostra que os investimentos nacionais priorizam o potencial de grandes empreendimentos econômicos e setores como petróleo e gás, indústria naval, portuária, transporte marítimo, turismo, biotecnologia marinha e mineração em mar profundo.
Os pesquisadores analisaram as interações entre a pesca artesanal e as políticas de Economia Azul no Brasil entre 2012 e 2020. Para isto, revisaram literatura acadêmica e relatórios técnicos, analisaram dados de cinco plataformas nacionais e internacionais sobre conflitos socioambientais e levantaram informações sobre investimentos de cinco bancos e agências internacionais. Dos 1.459 projetos identificados no Brasil no período, 81 foram classificados como ligados à Economia Azul – com investimentos de US$ 4 bi (cerca de R$ 22 bi). Porém, apenas um deles, com valor de US$ 1.500 (cerca de R$ 8 mil), foi diretamente voltado à pesca e aquicultura, indicando baixa prioridade para o setor.
O artigo identificou, no período, 133 casos de conflitos envolvendo pesca artesanal no país. Eles estão ligados a desenvolvimento costeiro, mudanças no uso do território (como degradação ambiental, especulação imobiliária e restrições de acesso) e atividades do setor energético, especialmente no Sudeste e Nordeste, como exploração de petróleo, energia eólica e usinas.
Iniciativas rotuladas como Economia Azul podem ser vistas como “projetos de morte” para essas comunidades, ameaçando seus territórios, causando degradação ambiental, perda de acesso a recursos e violação de direitos humanos, sem consulta prévia, livre e informada, conforme define uma das lideranças do setor da pesca entrevistadas pela pesquisa. A pesquisadora Deborah Prado, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e uma das autoras do artigo, comenta: “O que nos surpreendeu foi a clareza com que o cruzamento dos dados sobre conflitos e injustiças vivenciadas pelas comunidades a partir de uma série de base de dados revelou-se alinhado ao baixo investimento no setor, evidenciando um cenário mais crítico do que imaginávamos”.
Para fortalecer as comunidades pesqueiras e ribeirinhas e garantir uma Economia Azul mais justa — uma “Justiça Azul” –, os pesquisadores sugerem políticas que garantam a proteção dos territórios tradicionais de pesca, os “maretórios”, assegurando o acesso seguro ao espaço marinho e aos recursos; e a implementação de regulamentações e legislações específicas que considerem as particularidades e a diversidade da pesca artesanal. “Valorizar a cadeia produtiva do pescado artesanal significa fortalecer a resiliência dessas populações, preservar conhecimentos ecológicos tradicionais e contribuir para um modelo de Economia Azul mais inclusivo e sustentável”, explica Deborah Prado.
O grupo de pesquisa pretende dar continuidade aos estudos sobre o tema, visto que as análises do artigo abrangem dados até o ano de 2020. As futuras pesquisas buscarão avaliar a participação social das comunidades pesqueiras nesse processo e como avançar em arranjos de governança costeira e marinha que sejam mais equitativos.
Análise recomenda a participação paritária de povos e comunidades tradicionais em espaços de decisão e acesso a benefícios por proteção ambiental
Iniciativas pela redução de emissões devem conter mecanismos de proteção aos direitos de povos indígenas e de comunidades tradicionais, recomenda um documento voltado a tomadores de decisão [policy brief, em inglês] lançado nesta quarta-feira, 7, pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
O foco da análise está em iniciativas de REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) no bioma Amazônia.
“A intenção é evidenciar os principais obstáculos ao cumprimento das salvaguardas socioambientais de REDD+ na perspectiva dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, bem como oferecer sugestões para que os gestores estaduais consigam resolver esses obstáculos quando estiverem implementando seus sistemas jurisdicionais”, diz Raissa Guerra, pesquisadora do IPAM e principal autora do estudo.
Intitulado “Salvaguardas Socioambientais e a Garantia dos Direitos dos Povos da Floresta”, o documento identifica desafios e propõe soluções para o cumprimento das salvaguardas socioambientais – como são chamadas as medidas que podem garantir a inclusão equitativa dessas populações nas estruturas de governança e, assim, reduzir os riscos associados a projetos de compensação de emissões.
“O ano de 2023 bateu recordes de secas extremas, altas temperaturas e enchentes. Essa crise afeta de maneira mais intensa os povos indígenas, evidenciando a injustiça climática sentida por eles. Reverter esse cenário é urgente e, para isso, respeitar as salvaguardas socioambientais é o primeiro passo”, avalia Martha Fellows, coordenadora do núcleo de estudos indígenas do IPAM, também autora.
Os desafios mais citados pelos povos da floresta, quanto à construção dos sistemas de REDD+ estaduais, são apresentados em cinco categorias: participação social; protocolos de consulta; repartição de benefícios; proteção e direito aos territórios; e conflitos internos. Para chegar a esse resultado, as pesquisadoras realizaram oficinas sobre mudanças climáticas e REDD+ nos nove Estados da Amazônia Legal, algumas em parceria com a COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira).
“Durante as oficinas, nós observamos que povos indígenas, quilombolas, extrativistas e outras populações locais querem mais participação e maior poder decisório na construção e implementação dos sistemas de REDD+. As salvaguardas de Cancun são um primeiro passo, mas mecanismos de proteção mais específicos e adaptados à realidade local precisam ser construídos em conjunto com os grupos envolvidos para a efetiva garantia de direitos e proteção dos territórios e modos de vida tradicionais”, comenta Ariane Rodrigues, pesquisadora do núcleo de estudos indígenas do IPAM e autora.
As salvaguardas de Cancun, citadas por Rodrigues, foram definidas em 2011 no âmbito da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) para garantir o compromisso de iniciativas de REDD+ com povos indígenas e comunidades tradicionais.
Entre as recomendações das pesquisadoras, a partir dos desafios identificados, está a criação de comitês de povos da floresta, com participação paritária, inclusive de gênero, em instâncias consultivas e deliberativas dos sistemas de REDD+ jurisdicionais, bem como a repartição justa dos benefícios econômicos da conservação. O fortalecimento do CIMC (Comitê Indígena de Mudanças Climáticas) e a garantia de acesso aos recursos naturais dos territórios pelos povos e comunidades também estão entre as sugestões.
Este policy brief reforça que sem o cumprimento das salvaguardas socioambientais e sem os povos da floresta, nenhuma política de REDD+ funciona, seja nos projetos privados, seja nos jurisdicionais. É importante que tomadores de decisão consigam estruturar seus Estados para incluir essas pessoas no mecanismo de REDD+. Elas precisam ser informadas, consultadas, e de espaços de governança que garantam a sua participação. Precisam estar inseridas nas discussões sobre repartição de benefícios e indicar como os recursos devem ser distribuídos”, acrescenta Guerra.
O mercado de carbono, por ser mais amplo, inclui atividades realizadas em diversos outros setores, como a indústria, energia e transporte. No mecanismo do REDD+, é atribuído um valor monetário à redução do desmatamento e à proteção e manutenção das florestas vivas, especialmente as mais ameaçadas. Isso é negociado em créditos de carbono, por reconhecer a contribuição e o valor econômico dos serviços ambientais prestados pela vegetação para a remoção de gás carbônico da atmosfera.
“Sabemos que a implementação de uma política de REDD+ se depara com um conjunto de desafios, como a falta de recursos, a grande extensão territorial a ser monitorada, além da dificuldade logística para realizar os processos de consulta. Mas é preciso superar essas questões”, conclui a primeira autora.
Por Natalie Hornos e Luís Indriunas para o “De Olho nos Ruralistas”
— Eu estou ameaçado desde 2016. Você ser ameaçado é pior coisa do mundo, porque você pode sair de casa, mas não sabe se volta.
Uma das líderes ameaçadas entrevistadas no documentário SOS Maranhão. (Foto: Manoel Marques Neto/De Olho nos Ruralistas)
O depoimento é de José, nome fictício para uma das 114 pessoas ameaçadas de morte no Maranhão, o estado mais violento no campo brasileiro. José é líder de uma comunidade quilombola. Entre 2011 e 2020, o Maranhão foi o estado com mais conflitos no campo: 1.772 ocorrências, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Quarenta e quatro camponeses, 34 quilombolas, 19 indígenas, 11 ambientalistas e cinco pescadores estão no Programa Estadual de Proteção a Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, envolvidos em 37 casos, todos relacionados a conflitos no campo.
Entre 2020 e 2022, 21 líderes foram assassinados e mais de 30 mil pessoas ameaçadas.
De Olho nos Ruralistas ouviu seis dessas pessoas no documentário “SOS Maranhão”, produzido com apoio da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese), organização ecumênica que atua na defesa de direitos humanos no Brasil há 50 anos. O filme foi lançado no dia 19 noYouTube e integra a editoria De Olho na Resistência:
Matopiba protagoniza a expulsão das pessoas do campo e a invasão dos territórios
Maranhão é peça central do complexo agroexportador brasileiro. (Imagem: Porto do Itaqui)
Na última década, o Matopiba — fronteira agrícola que reúne 337 municípios do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia — tem sido palco de invasões violentas do agronegócio e de grandes projetos de infraestrutura aos territórios das comunidades tradicionais.
“O Matopiba se aproxima onde estão as comunidades”, explica Ivo Fonseca, cofundador da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq). “É onde está a água, onde está a preservação, onde está o rio. Para os latifundiários, essas áreas são estratégicas”.
“O avanço do Matopiba está acabando com os mananciais em nome das commodities“, aponta a quebradeira de coco babaçu Ana (nome fictício), uma das mulheres que integram a lista de ameaçados do Maranhão. “Essas commodities geram dólares para quem?”, questiona.
De janeiro de 2019 a julho de 2023, o Maranhão perdeu 767.328,2 hectares de vegetação para o desmatamento, o equivalente a 13 vezes o tamanho da sua capital, de acordo com dados da plataforma Mapbiomas Alerta.
Terra com isolados registra mortes e invasões
Paulo Paulino Guajajara foi morto em 2019. (Foto: Sarah Shenker/Survival International)
Com 413 mil hectares, a Terra Indígena Arariboia, cuja maior parte está em Amarante do Maranhão, além de outros seis municípios, viu 25 mil hectares de sua área (6%) serem desmatados por madeireiros, sojeiros e pecuaristas.
As propriedades pressionam a fronteira do território, onde vivem mais de 5 mil Guajajara e isolados Awá-Guajá. “[O agronegócio] está impactando em todos os nossos costumes, principalmente na cultura e nos nossos rios, aonde está sendo diretamente desmatada a cabeceira, jogando agrotóxico, acabando com nossos açaís e com nossos peixes”, conta a líder Jacirene Guajajara.
Entre 2003 a 2021, 21 indígenas Guajajara foram mortos. Muitos deles eram parte do grupo Guardiões da Floresta, que vigia o território para combater invasores e madeireiros. Em 2019, ano em que Jair Bolsonaro assumiu a presidência, um dos principais líderes dos guardiões foi morto por grileiros: Paulo Paulino Guajajara, com 26 anos, cuja luta foi detalhada em um episódio do De Olho na História. Apesar da repercussão internacional do caso, a violência continuou: seis indígenas da TI Arariboia foram assassinados entre 2022 e 2023.
Cerca de 25 mil hectares foram desmatados por madeireiros e fazendeiros na TI Arariboia. (Cartografia: Eduardo Carlini/De Olho nos Ruralistas)
Indígenas Gamella tiveram mãos decepadas
Indígena Gamella teve as mãos decepadas durante ataque de fazendeiros em 2017. (Foto: Ana Mendes/Cimi)
Frequentemente os Gamella são surpreendidos com tiros em direção às suas comunidades, principalmente aos finais de semana. É o que conta Cawcree Akroá Gamella, um dos líderes do território, retomado em Viana (MA) durante 2014. Em abril de 2017, um grupo de 30 jagunços, contratados por fazendeiros da região, atacou a comunidade num episódio de horror, deixando 22 feridos, sendo que dois indígenas tiveram as mãos decepadas.
O ataque aconteceu após a “Marcha pela Paz”, onde políticos locais como o deputado federal Aloisio Mendes (Republicanos-MA) incentivaram a violência. “Gente ordeira, que trabalha há mais de 90 anos, e nunca viu índio aqui”, disse o integrante da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) no carro de som.
Os primeiros ataques aos Gamella aconteceram na década de 1960. O povo chegou a ser considerado extinto. Hoje, toda a comunidade Gamella está inscrita no Programa Estadual de Proteção a Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, enquanto retomam o manejo de agrofloresta em parte do seu território.
Na entrevista, Cawcree alerta que, além do gado e da especulação imobiliária, os indígenas sofrem com a violência institucional. “A própria Justiça, ao negar nossos direitos, é uma ameaça”.
Em 2021, 16 indígenas foram presos após protestarem contra a construção de dois linhões de energia, pertencentes aos grupos Eletronorte e Equatorial.
Sem consulta prévia, porto e rodovia violam territórios
“Quando os grandes empreendimentos chegam, eles já colocam a máquina e começam a trabalhar”, relata Leleco, líder do Quilombo Santa Rosa dos Pretos, em Itapecuru-Mirim.
Duplicação da BR-135 beneficia o agronegócio e impacta a vida dos quilombolas. (Foto: GovBr)
A cerca de 100 quilômetros dali, a comunidade de pescadores do Cajueiro, em São Luís, sofre a mesma pressão pela ampliação da infraestrutura logística. Os dois locais estão na rota das obras de duplicação da BR-135, cujo projeto pretende ampliar o escoamento da produção do Matopiba. Iniciada em 2017, a obra foi paralisada após um recurso das organizações quilombolas, em ação impetrada pelo Ministério Público Federal. Em 2020, a Justiça Federal suspendeu a construção até que o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) fizesse os ajustes e propusesse uma contrapartida para as comunidades. Mesmo sem acordo fechado, em junho deste ano, o juiz federal Ricardo Felipe Rodrigues Macieira autorizou a retomada das obras da da BR-135. Poucas semanas após a liberação, o ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB-AL),anunciouinvestimento federal na duplicação entre os km 95,6 a 127,75, exatamente onde estão os quilombos.
O Cajueiro enfrenta também as ameaças vindas da expansão do Porto de São Luís. Em agosto de 2019, policiaisderrubaram22 casas, sem mandado judicial. A comunidade é compreendida por cinco núcleos (Parnauaçu, Andirobal, Guarimanduba, Morro do Egito e Cajueiro), onde vivem cerca de 500 famílias, entre pescadores, agricultores e extrativistas.
No local, está prevista a duplicação do porto, que visa atender as indústrias sojeira e sucroalcooleira, além de beneficiar a Vale, que já duplicou a Ferrovia Carajás para escoar, não só sua produção, mas também transportar grãos de fazendas do Pará e Maranhão.
Na região do porto, fica o Terreiro do Egito, o mais antigo do Maranhão. Considerado um local sagrado para as religiões de matriz africana, o terreiro abriga um enorme patrimônio arqueológico. Em 2019, a Defensoria Pública da União no Maranhão (DPU-MA) entrou com uma ação contra o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a empresa WPR São Luís Gestão de Portos — formada, na época, pela construtora paulista WTorre e pela China Communications Construction Company (CCCC). A empresa foi comprada em 2022 pela gigante Cosan, que prometeu recomeçar as obras em 2024.
“O Estado se omitiu a tomar uma decisão e investigar de fato as questões”, afirma o líder comunitário Clóvis Amorim. “O que a gente quer é que o Estado não só nos respeite, mas que ele tome medidas. Ele próprio, contra as empresas e contra o Judiciário que não investiga e também participa. Não é para ele ser conivente”.
| Natalie Hornos é produtora do De Olho nos Ruralistas e uma das diretoras do documentário. |
|| Luís Indriunas é roteirista e editor do observatório. ||
Foto principal (Reprodução): documentário mostra a história de pessoas ameaçadas por lutar pela preservação de seus territórios.
Este foi originalmente publicado pelo “De olhos nos ruralistas” [Aqui!].
Contribuições dos Povos Indígenas, Comunidades Locais, Sociedade Civil, Comunidades de Fé e Redes para uma Pan-Amazônia unida, próspera, justa, inclusiva e sustentável
As organizações sociais e coletivas dos países amazônicos de Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, após oito diálogos participativos e inclusivos, definiram prioridades comuns para uma Pan-Amazônia unida, próspera, justa, inclusiva e sustentável. Considerando que a Pan-Amazônia como um todo é um sistema único, integral e interdependente, é importante combater os impactos globais das mudanças do clima, como um estoque e sumidouro de carbono, como produtor de água e chuva, como garantia de segurança alimentar e saúde, pela biodiversidade e serviços que seus ecossistemas abrigam;
Considerando o papel dos povos indígenas, comunidades tradicionais e quilombolas, associações de produtores, coletivos e redes da Pan-Amazônia, na proteção e gestão dos recursos naturais que geram benefícios ambientais, econômicos e sociais em nível global;
Considerando a necessidade de fortalecimento da autonomia de mulheres, jovens, população LGBTQIA+ e demais grupos vulneráveis no processo de decisão e de escuta ativa na elaboração e construção de projetos e políticas públicas;
Considerando que nossas organizações têm demonstrado vocação para o diálogo, alta capacidade de articulação e pactuação na busca de soluções comuns, e enfatizando o que nos fortalece como a diversidade natural e cultural e que a governança deve ser integral sob um propósito e uma esperança compartilhada;
Considerando a Cúpula dos Chefes de Estado de Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru, Suriname,Guiana e Venezuela como uma oportunidade para fortalecer os laços de colaboração entre nossas organizações e governos, solicitamos:
1. Fortalecer a Governança Pan-Amazônica: Criar, dentro da estrutura da OTCA, um Conselho Consultivo que permita a efetiva participação social dos povos indígenas, comunidades tradicionais e quilombolas, redes e sociedade civil.
2. Proteger os Defensores do Meio Ambiente: Exigir dos governos pan-amazônicos a implementação da proteção individual e coletiva, material e imaterial, com base em políticas públicas construídas de forma participativa, com orçamentos suficientes e espaços vinculantes em nível nacional e regional. Pedimos aos países que ainda não ratificaram o Acordo de Escazú que o façam o quanto antes.
3. Garantir a segurança jurídica dos territórios: Assegurar a intangibilidade das reservas territoriais dos povos indígenas isolados; garantir a titulação dos territórios dos povos indígenas, comunidades tradicionais e quilombolas; a gestão efetiva de áreas naturais protegidas e áreas conservadas, rejeitando conjuntamente propostas legislativas que ameacem sua integridade, bem como combatendo frontalmente o avanço de economias ilegais.
4. Garantir a consulta prévia, livre e informada: Garantir a consulta prévia, livre e informada na preparação e implementação de planos de desenvolvimento, adaptação e mitigação das mudanças do clima, bem como nos mecanismos financeiros, incluindo projetos de carbono. Assim como a regulamentação da Convenção 169 para sua implementação obrigatória nos países que ainda não o fizeram.
5. Promover a bioeconomia amazônica: Garantir que as propostas de bioeconomia não reproduzam modelos de agronegócio convencional ou economia mercantil. A bioeconomia amazônica deve ser baseada na vida e no bem-estar social, de forma circular e integral, em que se desenvolvam cadeias de valor priorizando equidade, inclusão, capacitação, inovação, pesquisa, mercados justos e rastreabilidade.
6. Investir na transição econômica e energética: Criar um programa regional com metas ambiciosas de transição para uma economia de baixo carbono e uma transição energética justa e inclusiva com a obrigatoriedade da participação efetiva dos povos indígenas, comunidades tradicionais e quilombolas, sociedade civil organizada e governos subnacionais.
7. Investir na conectividade amazônica sustentável: Priorizar a acessibilidade à conectividade de internet, comunicações e transporte sustentável, como meio básico para educação, saúde, acesso a mercados internos, dentro e entre nossos países, bem como internacionalmente.
8. Assegurar saúde e educação integral: Assegurar um sistema diferenciado de saúde (física e emocional) e educação para os povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, considerando as necessidades e especificidades de atenção em seus territórios e no contexto urbano.
9. Evitar o ponto sem retorno: Garantir pelo menos 80% de proteção territorial efetiva para evitar o ponto sem retorno. Como mecanismo fundamental, deve-se garantir uma gestão integral do território dentro das terras indígenas, comunidades tradicionais e quilombolas, áreas naturais protegidas e outras medidas efetivas de conservação e cidades, priorizando incentivos para as comunidades que o conserva.
10. Fortalecer os sistemas de monitoramento regional: Fortalecer o Observatório Regional da Amazônia (ORA) da OTCA, gerando um sistema de indicadores-chave, com acesso público à informação e transparência nas fontes de dados, incluindo aqueles fornecidos por governos subnacionais, sociedade civil organizada, povos indígenas, comunidades tradicionais e quilombolas, para apoiar o planejamento, a tomada de decisões e o desenvolvimento de políticas públicas.
Assinam essa carta
Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (SDSN Amazônia), Fundação Amazônia Sustentável (FAS), Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS), Coordenação de Organizações Indígenas da Amazonía Brasilera (COIAB), Coordenação Nacional de Articulação de Quilombolas (CONAQ), Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (FBOMS),Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), Red Nacional de Conservación Voluntaria y Comunal Amazonía Que Late (AQL), Asociación Amazónicos por la Amazonía (AMPA), Coalición para la Producción Sostenible (CPS), Derecho, Ambiente y Recursos Naturales (DAR), Asociación Interétnica de Desarrollo de la Selva Peruana (AIDESEP), Fundación para la Conservación y el Desarrollo Sostenible (FCDS), Alianzas para el Desarrollo Sostenible (ALISOS), PROVITA, Fundación Natura Bolivia (Natura Bolivia), GAIA Amazonas, EcoCiencia, Iniciativa Interreligiosa por los Bosques Tropicales (IRI), Governors’ Climate and Forests Task Force (GCF Task Force), International Union for Conservation of Nature Sur (IUCN Sur), Alianza por los Océanos Sostenibles (SOA), Alianza Nor Amazónica (ANA), Concertação pela Amazônia, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), entre outras organizações
A Campanha Nacional em Defesa do Cerrado lançou hoje, 30/05, a publicação “Vivendo em territórios contaminados: Um dossiê sobre agrotóxicos nas águas do Cerrado”. O material apresenta os resultados da “pesquisa-ação” implementada, entre 2021 e 2022, em sete territórios do Cerrado e que realizou análises toxicológicas e ambientais sobre a qualidade das águas em comunidades dessas localidades. Na maioria dos casos, as amostras de águas coletadas e analisadas pela pesquisa são oriundas de nascentes, córregos e rios que abastecem as comunidades, sendo utilizadas para a irrigação de plantações, consumo animal e, em algumas situações, também para o consumo humano. As comunidades que fizeram parte da pesquisa situam-se nos estados do Tocantins, Goiás, Maranhão, Piauí, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Bahia, em regiões do Cerrado e de zonas de transição com a Amazônia e o Pantanal.
A publicação é uma iniciativa da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado e da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A pesquisa em campo contou com o apoio de agentes da CPT de Tocantins, Goiás, Maranhão, Piauí e Mato Grosso do Sul, da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) no Mato Grosso e da Agência 10envolvimento, na Bahia.
Os resultados da investigação foram apresentados na manhã de hoje durante evento presencial em Brasília. Participaram da atividade membros das comunidades que participaram da pesquisa, reprepresentantes da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, da CPT, da Fiocruz, além de representantes do sistema de Justiça, como o defensor público estadual Pedro Alexandre Gonçalves, do Tocantins, o promotor do Ministério Público Estadual (MPE) no Mato Grosso do Sul Marco Antonio Delfino, a promotora do MPE na Bahia Luciana Khoury, Marina Mignot Rocha, do GT de Garantia à Segurança Alimentar e Nutricional da DPU (Defensoria Pública da União), e Sandra Maria da Silva Andrade, representando a CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos) e CNDH (Conselho Nacional dos Direitos Humanos).
Durante a exposição dos resultados, alguns dados mereceram destaque:
O glifosato foi detectado em todos os estados no qual a pesquisa-ação foi realizada. Essa substância foi proibida pela Autoridade Europeia para Segurança dos Alimentos (EFSA) devido à ausência de evidências suficientes para estabelecer limites de segurança para exposição crônica, mas segue autorizada no Brasil;
O metolacloro, um dos agrotóxicos encontrados na pesquisa, além de ser proibido na União Europeia, é suspeito de ser desregulador endócrino e sua exposição está associada ao aumento da incidência de tumores, em particular hepáticos, aqueles associados ao fígado, além de ser considerado perigoso para o meio ambiente;
O fipronil, também encontrado nas pesquisas, tem como alvos primários o sistema nervoso, a tireoide e o fígado, e foi classificado pela USEPA como um possível carcinógeno humano devido à ocorrência de tumores na tireoide. Esse Ingrediente Ativo também está associado a milhares de casos de intoxicação em humanos, incluindo graves, que evoluíram para óbito;
O terceiro agrotóxico mais detectado nas análises foi a atrazina, presente em todos os estados em ao menos um ciclo, à exceção do Mato Grosso. No Maranhão, os níveis de atrazina detectados na comunidade de Cocalinho foram mais de 2 vezes superiores ao valor máximo permitido segundo as normativas brasileiras.
Dos oito agrotóxicos identificados e quantificados durante a pesquisa-ação, quatro estão entre os 10 mais comercializados no Brasil em 2021. O glifosato ocupa a primeira posição, sendo seguido do 2,4-D (2a posição), da atrazina (5a posição) e do metolacloro (10a posição).
Mariana Pontes, assessora da Campanha e uma das organizadoras da publicação, explica que o dossiê combina diferentes movimentos metodológicos. “Foram realizadas a revisão de literatura especializada sobre agrotóxicos e as análises laboratoriais, além da contribuição dos conhecimentos tradicionais das comunidades que estão, cotidianamente, enfrentando os impactos dos agrotóxicos que poluem às suas águas e envenenam os seus roçados”, explica.
Os resultados apresentados no dossiê são alarmantes, aponta Mariana. “Mais de 10 tipos de agrotóxicos foram identificados nas análises de coleta de água, um dado que não nos surpreende, mas preocupa muito, uma vez que milhares de pessoas, das sete comunidades que participaram da construção da pesquisa, possuem suas vidas diretamente impactadas por estes produtos que são extremamente tóxicos para a saúde humana”, destaca a assessora.
Para Aline do Monte Gurgel, da Fiocruz, uma das autoras da pesquisa, é preciso desnaturalizar a ideia de que existe um nível tolerável de agrotóxicos que podemos consumir nas águas e nos alimentos. “Se eu colocar uma gota de veneno em um copo d’água, quem vai querer beber essa água? A gente precisa partir do pressuposto de que o nível aceitável de agrotóxico nas águas é zero, então qualquer número maior que zero já indica contaminação. Na Europa, há agrotóxicos cujo limite máximo permitido nas águas é 30 vezes menor do que o limite máximo permitido no Brasil. Isso significa que nosso corpo é mais forte que o do europeu? Não. Significa que nossa legislação é menos protetiva”, alertou a pesquisadora.
Comunidades
As comunidades participantes da pesquisa foram definidas a partir de diálogos coletivos envolvendo as organizações participantes da Campanha Cerrado e que atuam com o tema dos agrotóxicos. Fizeram parte do estudo o Território Tradicional da Serra do Centro, em Campos Lindos, no Tocantins; Comunidades Tradicionais Geraizeiras de Formosa do Rio Preto, na Bahia; a Comunidade Barra da Lagoa, em Santa Filomena, no Piauí; o Acampamento Leonir Orback, em Santa Helena, Goiás; o Território Quilombola Cocalinho, em Parnarama, no Maranhão; o Assentamento El Dourado II, em Sidrolândia, Mato Grosso do Sul; e a Comunidade de Cumbaru, Nossa Senhora do Livramento, no Mato Grosso.
Os pontos de coleta foram definidos de acordo com sua importância para as comunidades, sendo em águas utilizadas para irrigação de roças e quintais, na pesca, na dessedentação animal, nas brincadeiras e recreação das comunidades, no uso doméstico, como a lavagem de roupas e louças, e na alimentação, seja para beber ou cozinhar. Foram coletadas amostras nos seguintes tipos de fonte: rio/riacho/córrego, nascente, lagoa, brejo, açude/represa, cacimba/poço e águas das residências das comunidades
Durante o lançamento, representantes das comunidades do Maranhão, Mato Grosso do Sul, Piauí e Bahia revelaram as violências sofridas diariamente pelas mãos de empresários do agronegócio que despejam agrotóxico sobre seus corpos e territórios diariamente. Foram relatos de graves alergias na pele, perda de produção da agricultura familiar, doências respiratórias crônicas, contaminação de rios e poços de água e ocorrência cada vez maior de casos de câncer – e mortes por câncer – nas comunidades. “Tive uma alergia muito forte, com bolhas na pele. Quando fui ao médico pedir pra fazer exame e ver se era por conta do agrotóxico, o médico logo disse que não era, disse que aquilo era escabiose (sarna)”, relatou uma liderança quilombola do Maranhão. O remédio receitado pelo médico não funcionu. No depoimento de outro representante de comunidades, o relato sobre o aparecimento de bolhas se repetiu, assim como o “diagnóstico” de escabiose por médico do hospital público local. “É claro que os médicos não vão falar que tem a ver com o veneno, porque eles também têm negócios no agro da nossa cidade, eles são do agronegócio também”, revelou agricultor.
Vivendo em territórios contaminados
Mais de 1.800 agrotóxicos foram liberados para uso nos últimos quatro anos (entre 2019 e 2022) no Brasil. Cerca de metade destes agroquímicos não são permitidos na Europa por oferecerem riscos à saúde humana e ao meio ambiente. Hoje esses produtos, comumente combinados com a utilização de sementes transgênicas, são utilizados ostensivamente nas lavouras do país, via pulverização terrestre e aérea, impactando não somente o ar, as plantações, as águas, a terra e a biodiversidade, mas povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.
Todos esses povos – que resistem em seus territórios há séculos – lutam para sobreviver em uma verdadeira guerra química promovida pelo agronegócio e pelos grandes latifúndios de monoculturas de produção de commodities para exportação. No Cerrado, este cenário é ainda mais violento: mais de 70% dos agrotóxicos utilizados no país são consumidos na região, de acordo com o estudo “Ecocídio nos Cerrados: agronegócio, espoliação das águas e contaminação por agrotóxicos”, publicado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Este texto foi inicialmente publicado pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida! [Aqui!].
Estou finalmente podendo disponibilizar para conhecimento e leitura a tese de doutoramento do meu ex-orientando e agora Doutor em Ecologia e Rccursos Naturais, José Luiz Pontes Silva Junior, que foi defendida no âmbito do Programa Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais (PGERN) da Universidade Estadual do Norte Fluminense.
O estudo intitulado “Megaestruturas portuárias e ausência de governança costeira na ruptura da resiliência socioecológica: o caso do Porto do Açu” representa um esforço de analisar de forma compreensiva os efeitos socioecológicos resultantes da implantação de um megaempreendimento portuário em uma região de alto interesse ecológico e habitado secularmente por agricultores familiares que ali estabeleceram sistemas agrícolas bastante adptados às condições ambientais existentes.
Como orientador deste trabalho de doutoramento, considero que o mesmo produziu uma quantidade impressionante de dados, os quais foram analisados de forma objetiva com o uso de teorias científicas consolidadas e aceitas pela comunidade científica. Noto ainda que o agora doutor José Luiz Pontes Silva Junior realizou um exaustivo trabalho de campo no V Distrito de São João da Barra onde levantou uma gama impressionante de informações que agora estão sendo disponibilizadas na forma de uma tese de doutorado.
Dentre os resultados mais importantes deste trabalho, destaco que de forma bastante objetiva se chegou a diversas conclusões. A primeira delas é que como outros megaempreendimentos, o Porto do Açu tem prós e contras para a sua área hóspede (no caso o V Distrito de São João da Barra.. Entretanto, os resultados da pesquisa mostram benefícios propagados pelos gestores do Porto do Açu não condizem com a realidade. Na verdade, a pesquisa constatou que uma amplitude dos impactos negativos socioambientais e econômicos ocasionados no decorrer da construção e operação portuária é superior aos benefícios trazidos para o município e seus cidadãos, especialmente os agricultores familiares.
Há que destacar ainda que a perda de terras devido às desapropriações, a salinização das águas, a diminuição de renda e o aumento no arrendamento de terras foram identificadas como sendo as principais transformações socioecológicas dos agricultores familiares no período posterior ao Porto do Açu.
Diante deste cenário, o estudo concluiu que o problema não é o Porto do Açu em si, mas a forma célere e sem o devido planejamento com que este megaempreendimento foi projetado, licenciado, autorizado e inserido no território sanjoanense. Além disso, a ausência de Governança Costeira neste recorte territorial teria influenciado negativamente no ordenamento territorial, na proteção dos recursos naturais e na qualidade de vida da população local.
Em outras palavras, nem todo o “Greenwashing” ou o “Corporate Washing” que tem sido executado para dar uma imagem positiva ao Porto do Açu consegue anular as evidências de que o empreendimento tem tido efeitos desastrosos para a população do V Distrito e para os ecossistemas naturais com as quais ela havia estabelecido mecanismos de co-existência.
Quem visualizar o arquivo contendo a tese de doutorado de José Luiz Pontes Silva Junior, basta clicar [Aqui!]. Quem desejar o arquivo completo, basta enviar uma mensagem para o endereço eletrônico do “Blog do Pedlowski” que eu farei o envio do mesmo.
Fora dos mapas oficiais, comunidades utilizam o Tô no Mapa na luta por direitos territoriais; conflitos pela terra são uma das principais ameaças enfrentadas, aponta relatório.
Mais de cinco mil famílias de povos e comunidades tradicionais e de pequenos agricultores – ainda não reconhecidas nos mapas oficiais do Brasil – utilizaram o aplicativoTô no Mapapara realizar o automapeamento de seus territórios. É o que mostra o primeiro relatório de povoamento da ferramenta divulgado no início de julho, pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e pelo ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza), com o apoio da Rede Cerrado e do Instituto Cerrados.
São quilombolas, indígenas, ribeirinhos, pescadores artesanais, extrativistas, quebradeiras de coco-babaçu, entre tantos outros, que acessaram o aplicativo para demarcar os limites de suas terras. Dados do IPAM e do ISPN, produzidos por meio de um levantamento em parte do Cerrado, mostram que existem 3,5 vezes mais comunidades tradicionais no bioma do que realmente foi computado por órgãos governamentais responsáveis. A lacuna torna o Tô no Mapa uma ferramenta essencial para retratar a realidade dessas populações.
O Tô no Mapa foi lançado em outubro de 2020 pelo IPAM e pelo ISPN, em parceria com a Rede Cerrado, a partir de oficinas e do diálogo com comunidades da região do Matopiba. No aplicativo, é possível inserir as características e locais de uso do solo, bem como focos de conflito. A proposta é construir um mapa com informações sobre as comunidades e povos tradicionais e rurais de todo o Brasil.
Até o momento, 53 comunidades de 23 estados brasileiros mapearam seus territórios no aplicativo. O maior número de cadastros se encontra no bioma Cerrado em Goiás (25%), Mato Grosso do Sul (23%), Tocantins (19%) e Maranhão (17%). A soma de todos os territórios mapeados é de 290 mil hectares.
Para a coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga do ISPN, Isabel Figueiredo, mapas são ferramentas políticas. “Por meio dessa iniciativa queremos disponibilizar uma ferramenta para que as comunidades se apropriem e possam elas mesmas definir os seus territórios e contribuir, assim, para a garantia de seus territórios”, avalia.
Durante o processo de cadastramento, as famílias relataram problemas por disputa territorial e invasão das terras – situação que representa 53% dos conflitos informados no aplicativo, segundo o relatório. O não reconhecimento dos territórios tradicionais e a falta de regularização contribuem para que os povos e comunidades tradicionais fiquem desprotegidos diante das ameaças. O automapeamento é um primeiro passo para que as comunidades passem, de alguma forma, a ser consideradas na elaboração de políticas públicas e de ações protetivas.
Guardiões da natureza
Se a invisibilização dos povos e comunidades tradicionais representa um risco à vida dessas pessoas, de suas culturas e de suas tradições seculares, também põe em xeque a sobrevivência do meio ambiente.
“O mapeamento pretende dar visibilidade a uma série de atores que são fundamentais para a conservação do Cerrado e dos demais biomas”, explica a pesquisadora e coordenadora de projetos do IPAM, Isabel Castro.
A produção agroecológica, a roça e a criação de pequenos animais definem as atividades de 70% das famílias que se cadastraram no aplicativo. Muitas vezes, com o uso comum do solo, povos e comunidades tradicionais adotam práticas sustentáveis para a conservação de nascentes e da biodiversidade da fauna e da flora ao redor.
Impacto da pandemia
A pandemia da covid-19 impossibilitou a continuidade de oficinas presenciais que, desde 2018, percorriam locais prioritários na região do Matopiba para conversar sobre o mapeamento. O formato adaptado foi o virtual, mas a instabilidade do sinal de internet e de telefone nas comunidades impactou as possibilidades de participação.
O risco de contágio com o novo coronavírus também dificultou o registro das comunidades no Tô no Mapa, uma vez que um dos requisitos para o cadastro é a realização de uma reunião entre os membros da comunidade, a fim de garantir um processo coletivo e participativo.
Entre os próximos passos está o aprimoramento do aplicativo e a reunião de mais organizações e comunidades interessadas no tema dos direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais.
As organizações pretendem, também, integrar o Tô no Mapa à plataforma de povos e comunidades tradicionais do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e do Ministério Público Federal (MPF).
O Tô no Mapa teve apoio do Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (CEPF), uma iniciativa conjunta da Agência Francesa de Desenvolvimento, da Conservação Internacional, União Europeia, do Fundo Global para o Meio Ambiente, do governo do Japão e do Banco Mundial. Uma meta fundamental é garantir que a sociedade civil esteja envolvida com a conservação da biodiversidade.