Governo Castro concede licença à Petrobras, ignorando descumprimento de condicionantes no ex-Comperj (Gaslub)

Autorização vale para empresa fornecer vapor à refinaria de gás no antigo Comperj. Obrigações da licença prévia previam reflorestamento de áreas com impacto direto do empreendimento

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Autorização do governo Castro ignora descumprimento de condicionantes pela Petrobras

Por José Alberto Gonçalves Pereira para o “Oeco” 

Apesar do descumprimento de duas condicionantes da licença prévia (LP) do Comperj pela Petrobras e pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), a Comissão Estadual de Controle Ambiental (CECA) concedeu a licença de operação e recuperação (LOR) para as unidades de utilidades do Gaslub (ex-Comperj) na reunião do colegiado realizada na terça-feira (dia 6). Nas unidades de utilidades, serão gerados insumos como água tratada, vapor e energia elétrica para a refinaria de gás natural do megaempreendimento da Petrobras, localizado em Itaboraí, no leste fluminense.

A reportagem solicitou a relação de quem votou a favor e contra a aprovação da licença na Ceca à assessoria de imprensa da Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade do Rio de Janeiro (Seas-RJ), mas o pedido não foi atendido. Segundo a Seas-RJ, ainda não há previsão para a votação do pedido de concessão da licença de operação que permitirá o funcionamento da UPGN.

Como ((o))eco revelou em reportagens publicadas nos últimos dias 25 de março 18 31 de julho, ainda não foram cumpridas duas condicionantes vitais para a proteção de quase metade dos manguezais do estado do Rio de Janeiro e dos mananciais que abastecem de água potável por volta de 2 milhões de pessoas no leste fluminense. O parecer técnico do Inea que ratificou o pedido de concessão da LOR das unidades de utilidades ignorou o descumprimento das condicionantes 30.1 e 30.2 da LP do Comperj.

Não foram restauradas, por exemplo, as matas ciliares das sub-bacias dos rios Caceribu e Guapi-Macacu, como obriga a condicionante 30.1 da LP FE013990/2008, emitida em março de 2008 pela Ceca. A LP teve de incorporar as determinações da Autorização Ibama nº 001/2008, visto que o Comperj (agora Gaslub) impacta direta e indiretamente os manguezais existentes em duas unidades de conservação federais – a Área de Proteção Ambiental (APA) Guapi-Mirim e a Estação Ecológica (Esec) Guanabara.

O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) 1 do Comperj autorizou a empresa a monetizar a obrigação de restaurar 5.005 hectares, incluindo as matas ciliares previstas na condicionante 30.1. Entre 2019 e 2020, a petroleira depositou R$ 396 milhões no Fundo da Mata Atlântica (FMA-RJ), vinculado ao Inea), relativos à quitação da determinação de restaurar 5.005 hectares bacia hidrográfica onde se localiza o Gaslub.

No entanto, o programa Florestas do Amanhã (FDA), criado pela Seas-RJ para implementar projetos com os recursos do TAC 1, só havia iniciado a restauração de 314 hectares, ou 6,3% dos 5.005 hectares previstos no acordo entre Petrobras, Seas-RJ, Inea e Ministério Público Estadual (MPRJ). A área sob restauração até aquele momento havia demandado a liberação de R$ 8 milhões do recurso do TAC 1, ou 2% do montante total transferido pela empresa ao FMA-RJ. Ainda assim, o pouco sob restauração não corresponde às faixas marginais dos rios das bacias do Caceribu e Guapi-Macacu na região a montante do Gaslub, incluindo as nascentes.

Já a condicionante 30.2 da LP tem sido vítima de um jogo de empurra entre Petrobras, Inea e prefeitura de Guapimirim, cidade vizinha a Itaboraí. Inicialmente, a estatal descumpriu a 30.2, que lhe obrigava a comprar, reflorestar e promover a manutenção de uma área de 2.525 hectares para servir de zona tampão, mitigando (atenuando) os impactos ambientais negativos do Comperj sobre a APA Guapi-Mirim e a Esec Guanabara.

Em vez de tomar providências administrativas e judiciais e negar a concessão da licença de instalação (LI) à Petrobras, o Inea transformou a obrigação original ao averbar a LI IN001540/2009 em março de 2012 para incluir a condicionante 35, que afrouxou a obrigação original da petroleira. A condicionante 35 mudou radicalmente o compromisso descumprido da 30.2 ao prever apenas um genérico apoio financeiro e técnico ao poder público na implantação e manutenção da zona tampão (Parque Natural Municipal Águas de Guapimirim). Não há até hoje esclarecimento público da Seas-RJ e do Inea para tal modificação.

A Petrobras foi novamente favorecida pelo Inea no termo de compromisso assinado em dezembro de 2013. O documento definiu em R$ 4 milhões o valor do apoio financeiro da empresa. Mais uma vez o governo fluminense não apresentou os critérios técnicos que utilizou para fixar um valor anos-luz distante do mínimo necessário para desapropriar, implantar e restaurar o parque, que se encontra totalmente desmatado por causa das pastagens lá existentes. Estima-se que o custo para desapropriar a área não fique abaixo de R$ 30 milhões. Sua restauração pode ultrapassar R$ 200 milhões, se considerarmos uma conta  proporcional à usada para monetizar as obrigações de restauração florestal da empresa no TAC 1 do Comperj.

O parecer do Inea favorável à aprovação da LOR da unidade de utilidades da UPGN preferiu tratar apenas da condicionante 35 da LI IN001540/2009, resumindo-se a atestar o depósito de R$ 4 milhões feito pela Petrobras numa conta do FMA-RJ entre 2014 e 2015. Informa que o Inea ainda não efetuou a quitação do termo de compromisso firmado em 2013 com a empresa, visando ao cumprimento das condicionantes 30.2 da LP e 35 da LI IN001540/2009.


Fonte: Oeco

O que é mais dispendioso, cumprir condicionantes ou remediar catástrofes?

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“A lama de rejeito é, resumidamente, uma composição de resto de solo com todo o material químico utilizado para segregar o produto final.” / Maria Júlia Andrade – MAM

Por Marcela Rodrigues para o jornal Brasil de Fato

Para acompanhar o desastre ocorrido em Brumadinho, primeiro é preciso entender o básico do processo de uma atividade de mineração. A obtenção do minério compreende as etapas de lavra – que é o processo de retirada do minério da jazida – e beneficiamento, que consiste no tratamento para preparar, concentrar ou purificar minérios, visando extrair o material de interesse econômico, ou seja, o produto final da atividade mineradora. 

A lama de rejeito é, resumidamente, uma composição de resto de solo com todo o material químico utilizado para segregar o produto final, portanto, tóxica, tanto pela sua composição quanto pela concentração e volume dos compostos químicos presentes. 

Em segundo lugar, há de se diferenciar a barragem de rejeitos de uma barragem hidráulica. As barragens constituídas com rejeitos se comportam basicamente como aterros hidráulicos (aterro de material fluido) e não para reter cursos d’água. 

O objetivo final da barragem de rejeitos é sedimentar, compactar ou simplesmente endurecer o fluido dentro de um espaço impermeável para que não haja infiltração e contaminação do solo e dos corpos hídricos (subterrâneos ou superficiais), tornando aquele pedaço de chão inócuo porém seguramente isolado. É exatamente o inverso disso que ocorre com o rompimento da barragem. Essa sedimentação passará a ocorrer no leito do rio, afinal, o rejeito é mais denso e pesado do que a água, que não poderá simplesmente dissolvê-lo. 

Existem vários tipos de Barragens de Rejeito. A maioria delas no Brasil são as que utilizam o método de alteamento para montante do dique de lançamento, que são mais suscetíveis a rompimentos do que à jusante. O rompimento pode ser por danos no dique, quebra de talude, ou simplesmente por piping (estouro dos canos de drenagem). 

Todos os rompimentos anteriores foram em estrutura desse tipo. Assim, após a tragédia em Mariana, o Estado de Minas Gerais, através do Decreto Nº 46.993 de 2016, determinou a suspensão de licenciamento ambiental de novas ou ampliação de antigas barragens de contenção de rejeitos nas quais se pretenda utilizar o método de alteamento para montante; exceto os trâmites que existiam antes do decreto mediante a realização de Auditoria Técnica Extraordinária de Segurança de Barragem.

Questionamentos surgem diante de situações trágicas como as que estamos vivendo. Diante do encerramento do depósito de rejeitos e instalação do reuso de material depositado, a Auditoria Técnica foi realizada na barragem que se rompeu em Brumadinho? Se sim, como as causas da ruptura não foram identificadas? O Licenciamento Ambiental é o grande inimigo do desenvolvimento econômico nacional? Se tivesse sido cumprido à risca, ao menos o alarme teria soado e salvado centenas de vidas? O que é mais dispendioso, cumprir condicionantes ou remediar catástrofes? 

O Presidente da República, Jair Bolsonaro, desde a campanha eleitoral, preconizou o Licenciamento Ambiental como um problema a ser resolvido de forma equivocada e perigosa. 

O novo governo já propõe revogar vários decretos que tratam do tema, assim como retirou a atribuição do licenciamento do Ministério do Meio Ambiente. O novo ministro fala em redução de prazos, mas não menciona o fim do arrocho e cortes na área, novas contratações e melhoria de equipamentos e infraestrutura. 

Infelizmente, o discurso nacionalista pouco se vê implementado nessa área. Em vez de tratar nossas barragens hidrelétricas e de rejeitos como questão de segurança nacional, criminalizar servidores, os taxando de ideológicos e ineficientes e afrouxar regulamentações para destravar licenças parecem ser o caminho que o governo escolheu. 

Sistemas à jusante são de mais fácil operação e mais seguros, porém levam mais tempo para serem construídos por motivos técnicos que não vem ao caso. Para uma operação de extração mineral que dura séculos, tempo não é bem um fator limitante. Mas existe um fator de vantagem da montante em relação à jusante, alinhada com a política ambiental do novo governo: menos investimentos, ou vulgarmente conhecido como mais lucro imediato.

*Marcela Rodrigues é Engenheira Ambiental e mestranda em Ciências Mecânicas pela UnB.

Edição: Daniela Stefano

Artigo originalmente publicado pelo jornal Brasil de Fato [Aqui!]