MST completa 40 anos de lutas em defesa da Reforma Agrária nesta segunda-feira (22)

Estão previstas atividades comemorativas nas cinco regiões do país durante toda a semana

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Marcha Nacional 2005. Foto: Leonardo Prado

Por Wesley Lima, Da Página do MST

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) completa, nesta segunda-feira (22), 40 anos de existência, a partir da luta em defesa da terra, da reforma agrária e da transformação da sociedade. A data foi marcada pela realização do 1º Encontro Nacional, em Cascavel, no estado do Paraná, em 1984.

O Encontro contou com a presença de posseiros, atingidos por barragens, migrantes, meeiros, parceiros, pequenos agricultores, entre outros atores políticos. E foram eles que fundaram o Movimento, após a primeira ocupação de terra ocorrida no ano anterior na Encruzilhada Natalino.  

Para celebrar essa data, trabalhadores rurais Sem Terra de todo o Brasil estão mobilizados nas áreas de assentamentos e acampamentos realizando um conjunto de atividades, como o plantio de árvores, criação de bosques, atividades pedagógicas nas escolas do campo recuperando a memória e hisstória de luta, além de eventos festivos com música e mística.

De acordo com Rosmeri Witcel, da direção nacional do MST, a celebração das quatro décadas de existência tem o sentido de revisitar a memória, mas também de festejar e comemorar a existência, inclusive as lutas pela terra que antecedem o Movimento.

“Para nós é importante comemorar porque nesses 40 anos fomos aprendendo com nossa própria história, temos métodos de luta, princípios organizativos e buscamos o cultivo de valores humanistas. Celebrar nos traz ainda mais o desafio de continuarmos preservando a natureza, a terra e a diversidade como sinal da vida. Celebrar o aniversário tem o significado de estarmos vivos, cultivando a luta, valores humanistas e produzindo alimentos saudáveis para alimentar muitos povos”, afirma Witcel.

Marcha Nacional 2005. Foto: Leonardo Prado

Conquistas

A nível nacional, o MST constrói pelo menos 15 cadeias produtivas principais, onde mais de 1700 itens são comercializados em feiras, nos armazéns do campo, supermercados e distribuídos nas escolas públicas, hospitais e nas ações de solidariedade do Movimento.

No ponto de vista da solidariedade, que sempre foi um princípio para o Movimento desde a sua fundação, as ações começaram a ser contabilizadas de maneira organizada durante a pandemia da Covid-19. Desde 2020 o Movimento já doou 9,8 mil toneladas de alimentos e 2,7 milhões de marmitas em todo o país.

No âmbito da solidariedade internacionalista, ao longo dos últimos meses, o movimento já doou 13 toneladas de alimentos às vítimas da crise humanitária na Faixa de Gaza, e pretende enviar um total de 100 toneladas de alimentos.

Em resposta à crise ambiental sofrida no mundo, o Movimento lançou também em 2020 o Plano Nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis” com o objetivo de plantar 100 milhões de árvores em dez anos. Ao longo destes últimos quatro anos, o MST já realizou o plantio de 25 milhões de árvores e construiu um conjunto de ações em defesa do meio ambiente.

No marco dos 40 anos do MST, as milhares de árvores plantadas atuam na recuperação ambiental de 15 mil hectares de terra nos seis biomas brasileiros. A área plantada equivale a 22 mil campos de futebol.

A educação, desde o início do Movimento, tem atuado com centralidade. Por isso, que o MST já alfabetizou mais de 100 mil jovens e adultos no campo; ajudou a construir mais de 2 mil escolas públicas em acampamentos e assentamentos; garantiu que mais de 200 mil crianças, adolescentes, jovens e adultos com acessassem à educação; tem 2 mil estudantes em cursos técnicos e superiores; e organizou mais de 100 cursos de graduação em parceria com universidades públicas por todo o país, através do Programa Nacional de Educação nas Áreas de Reforma Agrária (Pronera).

*Editado por Fernanda Alcântara


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Este texto foi originalmente publicado na página oficial do MST [Aqui!].

Como as cooperativas fornecem alternativa humana e digna frente ao agronegócio

Em entrevista, Diego Moreira, do setor de produção do MST, fala sobre o aumento do trabalho análogo à escravidão e as saídas para extinguir o problema, a partir da Reforma Agrária Popular

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Por Fernanda Alcântara, Da Página do MST

Entre o fim de 2022 e o início de 2023, foram noticiados diversos casos de trabalhadores que viviam em regime de quase escravidão. Ainda neste mês de março, as denúncias vindas do Rio Grande do Sul trouxeram à tona esta prática ilegal e cruel que viola os direitos humanos mais básicos.

De acordo com dados do Ministério Público do Trabalho (MPT), em 2021, foram resgatados 942 trabalhadores em situação de trabalho escravo em todo o país. Esse número representa um aumento de 36% em relação ao ano anterior e indica que o problema persiste e continua a afetar muitas pessoas.

As condições de trabalho destas pessoas incluem condições precárias de alojamento, alimentação e higiene, sem acesso a água potável, sanitários adequados ou equipamentos de proteção individual. Além disso, muitas vezes são obrigados a trabalhar longas jornadas, sem descanso adequado, e não recebem salário justo ou sequer recebem pelos serviços prestados.

As denúncias de trabalho escravo são especialmente preocupantes porque afetam frequentemente pessoas em situação de vulnerabilidade social, como migrantes, trabalhadores rurais e indígenas. Pessoas sem-terra, não organizadas, e muitas vezes sem esperança, que se vêem exploradas por empregadores que se aproveitam de sua falta de conhecimento e/ou da falta de fiscalização adequada para submetê-los a condições de trabalho extremamente precárias.

O Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra (MST) tem lutado por quase 40 anos com a missão de propor uma nova forma de sociedade, que respeite a dignidade humana. O combate ao trabalho escravo é um dever coletivo, e para além dos movimentos sociais, o Estado tem o papel fundamental de proteger os direitos dos trabalhadores.

Por isso, ações como o relançamento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o fortalecimento dos mecanismos de fiscalização e punição de empresas envolvidas com o trabalho escravo são essenciais. E é neste sentido que o MST propõe construir nas áreas de Reforma Agrária as cooperativas e novas formas de relações com a natureza e os seres humanos, com “relações sociais, políticas e econômicas diferentes e que ajudem a emancipar o povo brasileiro”, como disse Diego Moreira, do setor de produção do MST.

Em entrevista, Diego Moreira comentou sobre as denúncias de trabalho escravo no país e como o Movimento trabalha em oposição a este sistema:



Como o MST vê as crescentes denúncias de trabalhos análogos à escravidão no campo? E por que estas denúncias fazem parte da luta contra o capitalismo predatório?

Estas notícias, em especial as deste ano, nos envergonham muito. Nosso país está batendo recorde de resgate de trabalhadores em condição análoga escravo, ou seja, trabalhadores e trabalhadoras, em pleno século XXI, sendo resgatado em vários estados do nosso país, em várias propriedades pertencentes ao agronegócio, em condição de escravo. E essas notícias nos envergonham porque essas relações são relações econômicas, sociais, ideológicas, culturais, que destroem humanamente o nosso povo e a nossa história de luta contra a escravidão.

Diego Moreira, do setor de produção do MST. Foto: Arquivo pessoal

Também nos envergonha ser parte de uma sociedade aonde há capitalistas, como chamamos, ” chamados “capitalistas predatórios”, que além de destruir o meio ambiente, além de envenenar e destruir populações originárias, indígenas, quilombolas, agem com violência brutal, exploram nesse nível trabalhadores e trabalhadoras nas suas propriedades.

Precisamos de justiça em relação a isso, para que possamos, o mais breve possível, virar de forma definitiva essa página da escravidão, assim como a página do racismo, que são faces do nosso Brasil, que nos envergonham e que nós queremos superar.

Negros são 84% dos resgatados em trabalho análogo à escravidão em 2022. Foto: MTP

Como a luta pela Reforma Agrária Popular está ligada à lógica das cooperativas na luta contra a fome no país, que hoje alcança números assustadores como herança do governo anterior?

Sabemos que essa situação é fruto das políticas desenvolvidas, em especial pelos últimos governos de Temer e Bolsonaro, que destruíram as instituições que eram capazes de investigar, identificar e punir os responsáveis por esse tipo de prática no campo, em especial, e com essa destruição desses mecanismos das instituições que tinham essa responsabilidade. Isso facilitou a vida e o modus operandi dessa elite agrária brasileira que, passado centenas de ano, ainda nos envergonham com essa política e com a prática de exploração ao extremo de trabalhadores e trabalhadoras.

O MST gostaria de convocar a sociedade brasileira para estarmos juntos nessa pauta. Propomos que essas áreas, em que foram resgatadas esses trabalhadores e trabalhadoras, possam também ser confiscada pela União, pelo Ministério do Trabalho, pelo Ministério Público Federal, pela Polícia Federal, para serem usadas para indenizar esses trabalhadores e trabalhadoras que tiveram a sua liberdade arrancada, o seu trabalho e a sua dignidade explorada ao extremo. Que possam ser indenizados, sabendo que isso jamais vai reparar o nível de humilhação que eles passaram.

[Propomos] que essas áreas também possam ser destinadas para reforma agrária, onde seja possível se construir assentamentos, cooperativas, trabalho cooperado, com relações sociais, políticas e econômicas diferentes e que ajudem a emancipar o povo brasileiro.

Hoje temos leis e regulamentações trabalhistas que podem ser fortalecidas para melhorar a proteção contra o trabalho escravo. Como o MST, a partir da Reforma Agrária Popular, faz valer estas leis e formas diferentes da lógica de exploração do trabalho?

Precisamos, sem dúvida nenhuma, continuar lutando enquanto movimentos sociais, enquanto sociedade brasileira. Contamos com o governo nessa batalha para superarmos o trabalho escravo, e por isso, precisamos construir uma cobrança coletiva para que de fato, a gente vire essa dolorosa página e possamos avançar nessa construção de um trabalho cooperado, de um trabalho digno que, além do trabalho, dê dignidade e geração de renda, que é muito importante. Sabemos o quanto o trabalho é importante para a construção da dignidade de um pai, de um jovem, de uma mãe de família, de uma pessoa que tem o trabalho como única alternativa para produzir a sua existência.

Mas o que o MST propões é que, além do trabalho cooperado digno, possamos também garantir que o nosso povo tenha acesso à educação, à saúde, ao lazer, à cultura, à moradia, que são dimensões importantes para que nós, de fato, consigamos ir construindo uma dignidade humana no nosso povo.

Foto: Brenda Baleiro

Quais são os maiores desafios enfrentados pelas cooperativas e pela produção do MST e como eles podem ser superados para se tornarem uma alternativa à exploração do trabalho?

Do ponto de vista da implementação da cooperação, nós temos desafios grandes. Primeiro precisamos garantir que o governo tenha políticas públicas que incentivem a criação de cooperativas e o fortalecimento do trabalho cooperado. Precisamos, de fato, que o governo federal estabeleça uma política nacional, respeitando a nossa diversidade e respeitando os biomas.

Mas uma política que de fato garanta o fomento de cooperativas na agroindústria, para agregar valor na produção dos trabalhadores e trabalhadoras da pequena agricultura e da Reforma Agrária Popular, que garanta um processo de capacitação da população do ponto de vista da gestão administrativa e política.

Precisamos da garantia de que essas populações tenham acesso a essas várias dimensões da vida. Assim, precisamos da política pública no sentido de fomentar a produção do alimento saudável, do alimento produzido de forma sustentável, respeitando a natureza e os seus ensinamentos. Precisamos de assistência técnica voltada para essa perspectiva, em especial da gestão, da capacitação.

Precisamos também de agroindústrias grandes, médias e pequenas; de políticas públicas que comprem essa produção das cooperativas para matar a fome dos mais de 33 milhões de brasileiros que passam fome. Ou seja, o governo precisa rapidamente enfrentar o trabalho escravo e anunciar um conjunto de políticas que vai estruturando a cooperação e o trabalho cooperado no meio rural brasileiro e, em especial, na pequena agricultura, média agricultura e nos assentamentos de reforma agrária.

*Editado por Solange Engelmann


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Este texto foi inicialmente publicado na página oficial do MST [Aqui!].

Grupos locais e desenvolvimento genuíno

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Por Ranulfo Vidigal

Em cada pleito local, grupos de interesse se digladiam em torno do controle sobre o fundo público representado pelos ativos, receitas e gastos das prefeituras. No tempo presente devemos entender a cidade como espaço de manifestação cultural, artística e educacional do povo brasileiro em disputa cotidiana pelo uso do espaço público.

É sabido que a máxima de nossas elites consiste na mercantilização das necessidades humanas mediante a submissão do direito à moradia e demais equipamentos urbanos à especulação financeira lastreados no endividamento das famílias.

Na verdade, todo esse movimento pode ser sintetizado no princípio do crescimento desigual e combinado, que resulta no empobrecimento da camada trabalhadora e sua  periferização habitacional, através de um processo ordenado de exclusão social.

É observável também que o conjunto dos trabalhadores não só se encontra nas grandes cidades, como também segue cada vez mais se deslocando rumo aos centros urbanos.

Esta realidade se alicerça no alto nível de mecanização das forças produtivas vinculadas ao trabalho no campo e aos altos índices de concentração de terras, que fazem da agroindústria um setor altamente rentável sempre associado à especulação financeira, embora incapaz de fomentar os índices necessários de geração de bons empregos.

Buscando provocar o debate necessário sobre os destinos de nossas cidades, diante de uma acelerada escassez de recursos fiscais as alternativas se encontram na ordem do dia.

Tempos de escassez de recursos fiscais são perfeitamente adequados para unir economias de recursos, com geração de oportunidades locais. Dentre as responsabilidades do poder público municipal destacaria a Limpeza Urbana – (Coleta, aterros sanitários, varrição de vias e áreas públicas, jardinagem, limpeza de bueiros) – Um serviço contínuo, como na limpeza de uma casa.

O atual sistema de contratos é formatado a partir da lógica da otimização dos ganhos privados, por vezes ineficaz do ponto de vista do interesse público. Empresas são remuneradas por tonelagem de lixo recolhido, desestimulando políticas de redução e reciclagem de resíduos.

Em sistemas de varrição e limpeza de vias públicas, a mesma falta de lógica, com grandes grupos de trabalhadores limpando um único local, como uma força-tarefa de limpeza, em que muita gente aparece em uma avenida, só para mostrar serviço e depois desaparecer por meses. Isso é totalmente ineficaz, vide a sujeira nas vias, poucos dias após o mutirão e as enchentes provocadas por bocas de lobo entupidas.

Os contratos de coleta podem que estimular a reciclagem e a redução de resíduos, assim como os contratos de limpeza tem que ter caráter comunitário, em que pequenos grupos de trabalhadores, contratados por cooperativas, mediante, por exemplo, o Fortalecimento de Cooperativas de Catadores – fornecimento de carrinhos de coleta com design adaptado para a função, motorizados ou com bicicleta; organização de dias diferentes para coleta de recicláveis (vidro, papel, metal, orgânicos/compostagem); oferecimento de Galpões para organização e limpeza dos recicláveis; suporte na organização de cooperativas por territórios.

É possível alcançar um mínimo de 50% de reciclagem no período de quatro anos, via cooperativa de catadores e reduzindo custos com o pagamento aos caros contratos da Limpeza Urbana – que na capital do açúcar monta R$ 75 milhões por ano.

Outra alternativa desejável seria a instituição de capacitação ao empreendedor local para um programa de compras públicas direcionadas para cooperativas e empreendimentos de economia solidária, micro, pequenas empresas. É tão claro, que os orçamentos municipais podem ser grandes impulsionadores das economias locais e regionais. Campos dos Goytacazes, com orçamento anual de quase 2 bilhões dispões de recursos públicos que, se bem distribuídos, se multiplicam em bem estar, oportunidades produtivas e prosperidade.

As compras concentradas só têm eficiência em casos muito específicos, tornando-se muitas vezes em fonte de desvios e ineficiências. Simplesmente, tudo que puder ser comprado das cooperativas e pequenas e médias empresas assim devem ser feito.

Há tecnologia para acompanhamento de preços e qualidade, bem como meios ágeis para compras, que devem prever redução de estoques e pulverização nas compras, melhor ser atendido por vários fornecedores, com equivalência em preço e qualidade, que por um oligopólio concentrador de preços altos.

*Ranulfo Vidigal é economista, Mestre em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Consultor.