Governo Lula cede à pressão dos lobby pró-veneno e suspende implantação do Programa Nacional de Rastreabilidade de Agrotóxicos e Afins

Conheça a máquina de lobby contra projetos de lei que proíbem pulverização  de agrotóxicos - De Olho nos Ruralistas

O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) decidiu adiar por 60 dias a implantação do Programa Nacional de Rastreabilidade de Agrotóxicos e Afins (PNRA), após forte pressão de entidades que representam os interesses de produtores e vendores de venenos agrícolas. A medida foi formalizada pela PortariaNº 817 de  21 de julho de 2025 e amplia o prazo para que empresas e produtores rurais se adequem às novas exigências previstas na Portaria nº 805, de 9 de junho de 2025, incluindo a definição do cronograma de adesão e dos padrões técnicos do programa.

Segundo o Mapa, a decisão também abre espaço para o envio de contribuições até o dia 31 de julho, com o objetivo de revisar aspectos técnicos da norma publicada no mês de junho. Entre os pontos mais criticados está a exigência do uso de etiquetas por radiofrequência (RFID) nas embalagens dos produtos, considerada pela indústria como onerosa e desnecessária para o setor.

Nesse cenário, algumas entidades que fazem lobby em prol da produção e venda de agrotóxicos, tais como a CropLife Brasil e o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) acabaram elogiando a decisão do governo e reforçaram a importância de um diálogo mais profundo sobre o tema. Ambas as entidades afirmam apoiar a rastreabilidade, mas defendem ajustes que evitem impactos econômicos negativos na cadeia produtiva. “A publicação desta portaria atende um anseio do setor privado e, com certeza, vamos colaborar na construção de uma proposta factível”, afirmouo Sindiveg em nota.

Além disso, a iniciativa do governo Lula ocorre em meio a críticas de parlamentares ligados à bancada ruralista e à apresentação de projetos que visam suspender o PNRA. Isso porque os opositores apontam a falta de consulta ao setor e alertam para o risco de aumento nos custos operacionais, especialmente para pequenos e médios produtores, que são maioria no país.

É sempre bom lembrar que, ao contrário do que afirmam as entidades do lobby pró-venonos agrícolas,  o grosso do uso de agrotóxicos no Brasil ocorre em latifúndios onde se concentra o plantio de monoculturas de exportação que incluem a soja, milho, cana de açúcar e algodão.

Chove veneno: estudo mostra que agrotóxicos cancerígenos são lançados por avião nas regiões canavieiras de São Paulo

Químicos associados ao câncer foram lançados de avião sobre os pólos da cana-de-açúcar no estado de São Paulo.  Substâncias potencialmente cancerígenas foram encontradas em 12 produtos. Em Barretos, câncer aumentou 63% em homens e 28% em mulheres 

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Por Hélen Freitas, Agência Pública/Repórter Brasil

Estudo inédito revela que 30% dos agrotóxicos aplicados de avião em plantações de cana-de-açúcar de São Paulo têm associação ao desenvolvimento de câncer. Para os pesquisadores, essa pode ser uma das explicações para o alto índice da doença nesses locais. Com uma área plantada superior ao estado da Paraíba, a cana paulista abastece os mercados nacional e internacional de açúcar e biodiesel.

Embora cruciais para a saúde da população, as informações sobre quais agrotóxicos são aplicados de avião não são abertas ao público e foram obtidas, pela primeira vez, pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Eles serviram de base para pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) sobre a relação entre as doenças que esses agrotóxicos podem causar e as enfermidades que ocorrem nas regiões onde foram aplicados. Chamou a atenção dos pesquisadores a prevalência de casos de câncer e a grande quantidade de pesticidas associados a essa doença.

Foram analisadas as aplicações feitas em 2019 em 63 cidades, todas nas regiões de Barretos, Batatais, Presidente Prudente, Ribeirão Preto e São Joaquim da Barra.

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Sete substâncias potencialmente cancerígenas foram encontradas em 12 produtos pulverizados nos canaviais. Em grande parte dos casos, o câncer só aparece depois de anos de exposição aos venenos, sendo difícil fazer a correlação direta entre a aplicação e a intoxicação. “Não posso afirmar que a pulverização está causando câncer nessas regiões, mas o que a nossa análise mostra é que esse é um fator de risco e que existe câncer acima da média nessas regiões”, afirma a engenheira química e professora aposentada da UFSC Sônia Hess, uma das responsáveis pela pesquisa.

A Basf é a fabricante do agrotóxico associado ao desenvolvimento de câncer mais aplicado sobre a área em questão. Com nome comercial de Opera, o epoxiconazol é proibido na União Europeia devido a evidências de que pode provocar câncer no fígado, problemas para o sistema reprodutivo e no desenvolvimento do feto. Desde 2020, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reavalia a permissão para uso desse agrotóxico no país devido aos seus riscos para a saúde. 

A empresa, entretanto, garante que seus produtos são seguros e que realiza testes e avaliações, além disso afirma que são aprovados pelas autoridades competentes. “Seguindo estas premissas, o epoxiconazol continua sendo usado com segurança desde 1993 em mais de 60 países e contribui com sucesso para manter o potencial produtivo dos cultivos recomendados”, destacou a Basf. Veja a resposta.

Outros agrotóxicos, como o glifosato e o 2,4-D, também aparecem na lista de químicos potencialmente carcinogênicos pulverizados no céu paulista. Classificados pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer como “provavelmente” e “possivelmente” cancerígenos, respectivamente, foram os agrotóxicos mais vendidos no Brasil em 2020, segundo o Ibama.

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Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que 10% das substâncias vendidas no Brasil são utilizadas na cana-de-açúcar, estando esse cultivo atrás somente da soja e do milho. A aplicação desses agrotóxicos acontece, prioritariamente, por meio aéreo.

 Alternativas mais seguras, como uso de tratores vedados, são descartadas pelo grupo que representa o setor da cana. “Seria absolutamente inviável a aplicação de defensivos agrícolas por meio manual, com equipamentos costais, ou mesmo por tratores com braços extensores, uma vez que o canavial é um extenso e denso maciço vegetativo, o que impede o acesso de pessoas e equipamentos agrícolas”, afirma a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) por meio de sua assessoria de imprensa. Confira aqui a resposta.

Aumento de câncer

Os casos de câncer nas cinco microrregiões têm crescido ao longo dos anos. Barretos é a que mais registrou mortes por câncer. De 2010 para 2019, houve um aumento de 63% dos casos entre os homens e de 28% entre as mulheres. Além disso, enquanto 120 homens a cada 100 mil habitantes morreram por câncer no Brasil em 2019, o número de óbitos salta para 214 nessa microrregião.

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O estudo aponta três fabricantes que detêm 41% dos produtos utilizados na pulverização aérea de cana nas regiões: Syngenta, Bayer e FMC, multinacionais europeias e norte-americana que têm o Brasil como um dos maiores compradores de pesticidas proibidos em seus países de origem.

A Anvisa questiona o critério usado pelos pesquisadores para classificar agrotóxicos associados ao câncer. A agência afirma que tanto o glifosato quanto o 2,4-D foram reavaliados recentemente e não foram encontradas evidências suficientes que associam essas substâncias ao desenvolvimento de câncer. Confira a resposta na íntegra.

O Ministério da Agricultura diz que “se forem atendidas as normas e recomendações constantes nas bulas dos produtos, as atividades aeroagrícolas são seguras para a população”.

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As empresas e sua principal representante, a CropLife, seguem a linha de argumentação da Anvisa e do Ministério da Agricultura. Segundo elas, seus produtos são seguros para a população e meio ambiente, caso a bula seja respeitada. Confira as respostas na íntegra,

Regras desrespeitadas

A pulverização aérea de agrotóxicos pode ser um risco para as pessoas e para o meio ambiente. Por isso o Ministério da Agricultura define regras que proíbem o uso de avião na aplicação de agrotóxicos em áreas a menos de 500 metros de distância de cidades, povoados e mananciais utilizados pela população, ou de 250 metros de moradias isoladas. Caso não seja possível respeitar essas distâncias, o aplicador é obrigado a comunicar previamente aos moradores da área e não pode passar por cima das casas.

Mas há diversas denúncias de descumprimento, afirma Diógenes Rabello, pesquisador da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e morador de assentamento na região de Presidente Prudente. Ele relata que as pessoas sentem o cheiro forte dos agrotóxicos e depois têm dores de cabeça e coceiras pelo corpo.

Estudo conduzido pela Unesp registrou ainda os impactos nas plantações dos assentamentos próximos. Dias após a pulverização aérea, é possível perceber o apodrecimento das frutas ainda no pé, um dos primeiros sinais de contaminação, segundo os pesquisadores. “É um trabalho de meses perdido”, afirma Rabello.

A mortandade de abelhas é outro sinal da contaminação. 17 produtos utilizados na cana possuem ingredientes tóxicos para esses insetos, de acordo com a análise da Defensoria Pública e UFSC. 

O Altacor foi o mais usado pelos produtores. Esse inseticida da FMC Química do Brasil é feito à base de clorantraniliprole, ingrediente classificado como “muito perigoso ao meio ambiente”. Estudos apontam efeitos de longa duração sobre a capacidade locomotora de abelhas, danos ao sistema imunológico e efeitos nocivos sobre o desenvolvimento de larvas. Questionada, a empresa afirmou que “este produto foi considerado apto para uso nos cultivos registrados, seguindo as recomendações da bula”, entretanto, não respondeu sobre a relação do agrotóxico produzido por ela com a mortandade de insetos.

Segundo a Unica, as empresas buscam constantemente atualizar sua base cartográfica para definição das zonas em que serão aplicados os agrotóxicos. A entidade afirma que a falta de formalização da apicultura impossibilita que “as usinas tenham conhecimento de sua existência e localização, portanto, impedindo que sejam determinadas como zonas de restrição no momento da aplicação”.  

Esta reportagem faz parte do projeto Por Trás do Alimento, uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para investigar o uso de Agrotóxicos no Brasil. A cobertura completa está no site do projeto.


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Este texto foi originalmente publicado pela Agência Pública [Aqui!].

Agrotóxicos: Governo ouviu fabricantes antes de instituir liberação automática

Representantes do Ministério da Agricultura e dos fabricantes de agrotóxicos se encontraram três vezes em um mês. No terceiro foi assinada a Portaria 43

pulverizador-agrotóxicosPortaria do Ministério da Agricultura equivale a um “cheque em branco” às multinacionais, para despejarem no Brasil todos os produtos para os quais os mercados estão sendo fechados em outras partes do mundo

Por Cida Oliveira para a Rede Brasil Atual (RBA)

São Paulo – O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) publicou nesta quinta-feira (27) mais uma dessas medidas que levaram o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) a recuar. Trata-se da Portaria 43, que na prática autoriza, de maneira automática, a comercialização de novos agrotóxicos e outros itens após 60 dias na fila de aprovação, independente de terem sido avaliados ou não.

Embora não faça menção à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ao Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que também participam do processo de liberação de agrotóxicos, e só entre em vigor em 1º de abril – permitindo muita pressão pela sua derrubada –, o fato é que a portaria sinaliza mais uma investida das indústrias, com aval do governo.

“O MAPA, sozinho, não pode liberar e eles sabem disso. Na verdade estão forçando a barra. E isso provoca uma pressão indevida, que faz parte da tática desse governo”, disse o professor e pesquisador da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), em Campos dos Goytacazes (RJ), Marcos Pedlowski.

O objetivo, segundo Pedlowski, é “escancarar as portas de entrada para agrotóxicos perigosos no Brasil”. “A portaria equivale a um cheque branco para que as multinacionais que produzem venenos agrícolas destinem ao Brasil todos os produtos para os quais os mercados estão sendo fechados em outras partes do mundo”, destacou.

Encontros

O que chama a atenção é que a publicação dessa portaria tenha se dado em meio a uma série de encontros entre representantes do Ministério da Agricultura e das indústrias de agrotóxicos.

A agenda do titular da Secretaria da Defesa Agropecuária, José Guilherme Tollstadius Leal, aponta pelo menos três reuniões no período de um mês que antecedeu a publicação.

Três dias antes de assinar a Portaria, Leal recebeu em seu gabinete o senador ruralista Luis Carlos Heinze (PP-RS), ferrenho defensor do Pacote do Veneno, e executivos da companhia indiana United Phosphorus Limited (UPL). Na pauta, o diálogo sobre melhores práticas em registros de produtos.

A empresa obteve liberação comercial de sete novos produtos só no governo de Bolsonaro, dos quais dois são classificados como extremamente tóxicos à saúde humana. E cinco como muito perigosos ao meio ambiente.

Duas semanas antes, no final de janeiro, representantes da CropLife Brasil também estiveram com o secretária. Trata-se e uma associação que reúne empresas que produzem agrotóxicos, transgênicos, produtos biológicos e outras tecnologias. São empresas como a Bayer, dona da Monsanto, a Basf, a Corteva, dona da Dow Química e DuPont, Syngenta e FMC Corporation. As principais empresas do setor em todo o mundo.

Na pauta oficial, a apresentação de uma “nova” entidade e de uma “agenda prioritária para o desenvolvimento das políticas de defesa vegetal”. A entidade, formada por empresas conhecidas, tem em sua agenda a defesa da revogação da atual lei brasileira de agrotóxicos.

Saiba como o ‘Pacote do Veneno’ pode piorar a sua vida

No mesmo dia em que assinou a Portaria, o secretário Leal voltou a se encontrar com representantes da CropLife Brasil. Desta vez para discutir, com participação do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), um projeto de capacitação de aplicadores. É de se supor que o governo pense em gastar dinheiro público para “ensinar” o trabalhador rural a “utilizar o produto com segurança” para aplicar doses maiores de agrotóxicos liberados sem parar desde janeiro do ano passado.

Convênio tira recursos dos estados e beneficia indústria dos agrotóxicos

Este material foi originalmente publicado pela Rede Brasil Atual [Aqui!].