
Darcy Ribeiro idealizou uma escola de cinema na Uenf, mas a realidade se mostrou mais desafiadora do que seus planos
Por Douglas Barreto da Mata
Há alguns anos atrás conheci um grupo de promissores estudantes da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), todos vinculados ao Centro de Ciências do Homem. Parte desse grupo cumpriu a expectativa, e se consolidou como cientistas respeitáveis em suas áreas de estudo, mas acima de tudo, coerentes. A outra parte decidiu aprender o javanês, alguns tiveram aulas até com o maior especialista na língua de Java, e se tornaram discípulos do grande Roberto Mangabeira Unger, o erístico.
Para quem não sabe, vale a pena pesquisar no Google, e descobrir esse saboroso conto de Lima Barreto, onde ele, com ironia fina, desvenda um personagem típico. O homem que sabia javanês, em resumo, é uma fraude, que a todos engana com falsa erudição, palavreado rebuscado, modos janotas, e através desse engodo ascende socialmente.
Ao ler sobre a intenção da atual reitoria da Uenf, e de um grupo de homens e mulheres que sabem o javanês em promoverem a instalação de uma “escola de cinema” ou de uma disciplina na grade curricular da Uenf nesta área, eu pensei: Zeus, de onde vem essa gente?
Eu não vou abordar o tema pela ótica pessimista, pois amo cinema e seria um sonho realizado ter uma iniciativa bem sucedida desta natureza. Sou um entusiasta da ideia, mas sei a diferença entre o delírio e a possibilidade, por mais remota que seja.
Vamos pela realidade mesmo. Cinema é coisa cara, caríssima, e não à toa essa indústria é típica de países ricos, com raras exceções, como Argentina e Irã. Outros países, como a França, além de ricos, cobram severos impostos dos filmes dos EUA, e estabelecem cotas de exibição de produções nacionais nas salas de exibição, TV e etc. Com isso criaram um cinema francês.
Aqui, a menor menção de proteção a um mercado nacional cultural é uma heresia grave. Dizer que 70 salas de exibição no passado ou citar locações de novelas e filmes como pontos de partida para instauração de um polo de cinema local é bizarro. Acho que nem vale a pena comentar essa tolice, típica de gente que chora o fim de uma loja de livros escolares, chamada de livraria centenária, do tempo que só a elite sabia ler.
Mesma coisa com o famoso Teatro Trianon, símbolo da exclusão cultural de um povo pobre, cuja elite caipira se esperava em copiar jeitos e trejeitos daquilo que almejava ser, cosmopolita.
No atual estágio da indústria cinematográfica, o surgimento de um enclave de cinema aqui requer muita grana, muita mesmo, e não só de forma sazonal, mas perene, para que, talvez em dez ou vinte anos se estabeleça uma cadeia da atividade, que se constitui de técnicos, engenheiros, atores, diretores, roteiristas, produtores, etc.
Porém, não é só isso. Um projeto dessa magnitude não pode repetir o erro de manter as classes populares fora da iniciativa, restringindo a política de cultura aos de sempre: ricos e seus sabujos da classe média. Cabe ainda dizer que nenhum país ou região, que hoje são referências nesse setor, a indústria cinematográfica foi criada de forma instantânea, e sem contingentes históricos especiais e raríssimos.
Mesmo que chova dinheiro do BNDES, ou de investidores estrangeiros, ou que fizéssemos grandes festivais, mesmo assim isso não significa que faríamos cinema. Gramado é famosa por seu festival e pela premiação. Cannes idem. Nenhuma das duas cidades produz cinema.
É preciso honestidade, seriedade e, mais que tudo, sinceridade para iniciar um processo com esta escala. A Uenf mal consegue se manter de pé, como vai abraçar uma empreitada dessas? Será que o destino da universidade é institucionalizar aventuras?
Enfim, cabe perguntar, sem ofensas, mas por curiosidade: Se Darcy Ribeiro, com seu nome e contatos, com sua força intelectual e sua legitimidade, não conseguiu, serão os que sabem javanês que o farão? Fica aí a sugestão de primeiro roteiro, sai até de graça, porque a obra de Lima Barreto já é de domínio público: a universidade que ensina javanês.