A pedido do MPF, Justiça determina ao Incra que demarque o território da comunidade quilombola da Rasa, em Búzios (RJ)

O Instituto deve observar o prazo máximo de 24 meses para a conclusão de todas as etapas

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A partir de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal no Rio de Janeiro determinou ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que apresente, no prazo de 60 dias, cronograma de trabalho com a especificação das etapas pendentes e prazos para demarcação, desintrusão e titulação dos territórios quilombolas da comunidade da Rasa, em Armação dos Búzios (RJ). O Incra também deve observar o prazo máximo de 24 meses para a conclusão de todas as etapas.

A ação do MPF, ajuizada contra o Incra e a União em abril deste ano, tem origem em procedimento administrativo instaurado para acompanhar o processo de demarcação das terras da comunidade quilombola da Rasa, iniciado na década de 1990. A demarcação foi formalizada em 2004, por meio de procedimento administrativo do Incra, mas até hoje não foi concluída.

Demora na demarcação

 Segundo a ação, embora decorridos quase 20 anos, o processo administrativo do Incra ainda se encontra na fase de contraditório e análise das contestações apresentadas ao Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), sem a finalização da identificação e titulação do território da comunidade quilombola. Para o MPF, essa é uma clara afronta ao princípio constitucional da duração razoável do processo, que sujeita a comunidade à violação do direito constitucional fundamental de ter reconhecida a propriedade sobre as terras.

Na sua decisão, a 1ª Vara Federal de São Pedro da Aldeia destaca a demora de mais de 10 anos para a conclusão do RTID e a situação atual do processo administrativo, que se encontra na fase de contestações há seis anos, desde junho de 2017. Para a Justiça Federal, isso extrapola muito os prazos previstos na legislação, como na lei nº 9.784/99, que ordena o processo administrativo no âmbito da administração pública federal, no decreto nº 4.887/03, que trata especificamente do procedimento de titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, e na instrução normativa nº 57, de 20/10/09, do próprio Incra.

A Justiça também destaca em sua decisão que a União reconhece a gravidade da situação, tendo informado que, no âmbito da Agenda Nacional de Titulação, são considerados públicos prioritários as comunidades quilombolas como a da Rasa, por sofrerem violentamente com ações de especulação imobiliária, próprias do contexto regional em que estão inseridas. Essa situação as torna ainda mais vulneráveis, o que vem ao encontro do relato do MPF sobre a ocorrência de constantes invasões do seu território.

Determinações

Dessa forma, além da demarcação, desintrusão (retirada de quem não pertence à comunidade) e titulação dos territórios, foi determinado ao Incra que realize as etapas de identificação, reconhecimento, delimitação, e registro de propriedade do território quilombola. A Justiça também ordenou, ao Incra e à União, que, no prazo de 60 dias, comprovem a provisão de dotação orçamentária específica para o exercício atual e os subsequentes, além do aporte dos recursos que se mostrarem indispensáveis (financeiros, materiais e humanos) para a finalização do procedimento.

Lula: “Vamos legalizar o maior número possível de terras indígenas”

Presidente assina a homologação de seis terras indígenas durante participação no encerramento do Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília. Assembleia anual reúne povos de todo o país para debater demandas e direitos

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Em ato de encerramento do 19º Acampamento Terra Livre (ATL), no fim da manhã desta sexta-feira (28/4) em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reafirmou seu compromisso com os direitos dos povos originários, defendeu mais terras demarcadas e destacou a importância dos indígenas para a proteção ambiental.

“O que queremos é que, ao terminar nosso mandato, os indígenas brasileiros estejam sendo respeitados e tratados com toda a dignidade que todo ser humano merece. É importante ter consciência de que os indígenas não devem favor a nenhum outro povo”

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República

“Vamos legalizar o maior número possível de terras indígenas, não só porque é um direito, mas porque se quisermos chegar a desmatamento zero em 2030, vamos precisar de vocês”, disse, ressaltando a importância de recompor e valorizar os quadros das entidades que atuam na proteção dos direitos dos povos indígenas, como a Funai e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

Um ano depois de prometer no mesmo palco do ATL a criação de um ministério específico para cuidar dos interesses dos povos originários, o presidente Lula assinou ao lado da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, decretos de homologação de seis terras indígenas – TI Arara do Rio Amônia (AC), TI Kariri-Xocó (AL), TI Rio dos Índios (RS), TI Tremembé da Barra do Mundaú (CE), TI Uneiuxi (AM) e TI Avá-Canoeiro (GO).

“O que queremos é que, ao terminar nosso mandato, os indígenas brasileiros estejam sendo respeitados e tratados com toda a dignidade que todo ser humano merece. É importante ter consciência de que os indígenas não devem favor a nenhum outro povo”.

O presidente citou os retrocessos que o país viveu nos últimos anos, lamentou o fato de a fome ter voltado, chegando a 33 milhões de pessoas, e disse que um governo existe para atender os interesses do povo. “Tem muita coisa para consertar. Pegamos o país desmontado”, afirmou.

Lula afirmou, ainda, ser preciso discutir o direito indígena à terra, já que muitos acham que eles terem 14% das terras seria muito, sem levar em conta que eles eram donos de 100% de nosso território e que atuam de forma decisiva na preservação da biodiversidade.

“Eles precisam saber que vocês precisam de mais terra. É um compromisso que fiz na campanha e compromisso que vou cumprir”. Lula afirmou ainda que a expansão agrícola não precisa usar terras indígenas, já que há 30 milhões de hectares de terras degradadas que podem ser recuperadas e usadas pela agricultura.

Umas das principais lideranças da Articulação dos Povos Indígenas, a agora ministra Sônia Guajajara afirmou que os povos indígenas vão escrever uma nova história. Como ela diz, a luta do bem viver em favor de toda a humanidade. “Nunca mais haverá um Brasil sem nós”, disse a ministra.

“Nós representamos somente 5% da população mundial, mas protegemos 82% da biodiversidade do mundo. Então, eu quero junto com o presidente Lula reassumir e reafirmar o compromisso de avançarmos juntos nesse governo na demarcação e proteção dos povos indígenas”

Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas

Segundo ela, nos últimos anos os povos indígenas sofreram as consequências de uma política voltada à negação dos povos indígenas e de institucionalização do genocídio, com intensificação dos ataques, perseguição, criminalização de direitos e desmantelamento de estruturas da Funai e da Sesai, inviabilizando o acesso a serviços de saúde. Segundo ela, o resultado foi o aumento do número de invasões, ameaças, mortes, doenças e violências.

“Nós representamos somente 5% da população mundial, mas protegemos 82% da biodiversidade do mundo. Então, eu quero junto com o presidente Lula reassumir e reafirmar o compromisso de avançarmos juntos nesse governo na demarcação e proteção dos povos indígenas para mudar aquela realidade de destruição’.

Decretos

 Lula assinou também outros dois decretos para recriar o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e instituir o Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), com objetivo de promover e garantir a proteção, recuperação, conservação e o uso sustentável dos recursos naturais nos territórios indígenas.

O ministro Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome) assinou portaria liberando R$ 12,3 milhões à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para a aquisição de insumos, ferramentas e equipamentos para as casas de farinha, recuperando a capacidade produtiva de comunidades Yanomami.

Falando em sua língua original, o cacique Raoni também enfatizou a necessidade de homologação das terras e de fortalecimento da Funai e da Sesai. Coordenador da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste de Minas Gerais e Espírito Santo, Paulo Tupiniquim avalia que o governo Lula já registrou avanços importantes.

Ele cita o cumprimento da promessa de um ministério exclusivo e a presença de indígenas na gestão do ministério e em demais órgãos importantes, como Funai e Sesai, como exemplos do comprometimento do governo Lula com os povos originários. A ação do governo logo nos primeiros dias de gestão para conter a crise humanitária pela qual passavam os yanomamis é outro sinal de novos tempos, segundo ele.

“O governo passado abriu as portas para madeireiros e garimpeiros e colocou os Yanomami em uma crise humanitária. O compromisso desse governo começa a se desenhar a partir daí, com o reconhecimento da situação e com as ações para retirada de madeireiros e garimpeiros das terras Yanomami. Já estamos começando a avançar. Acredito que possamos avançar muito mais”.

Tupiniquim afirma ser preciso criar um plano fazer regularização fundiária com demarcação de mais terras indígenas como forma de conter a criminalização e a violência. “Só vai parar quando tiver território demarcado, homologado e protegidos”.


Este foi originalmente produzido Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República

Homologação de 14 terras indígenas guarda carbono equivalente a mais de quatro anos de emissões por processos industriais no Brasil, diz IPAM

Instituto avalia que, se concretizada, medida será passo no combate à emergência climática ao proteger estoque de 468 milhões de toneladas de CO2

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A homologação de 14 terras indígenas anunciada pela ministra dos Povos Indígenas Sonia Guajajara, se concretizada, será, também, um passo no combate à emergência climática global, na avaliação do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia). Os pesquisadores calculam que a medida deverá proteger um estoque de 468 milhões de toneladas de carbono, expresso em CO2, equivalente a mais de quatro anos de emissões brasileiras por processos industriais, ou a 20% de todas as emissões anuais do país.

“Essa decisão do governo federal expressa o respeito aos direitos constitucionais dos povos indígenas, mas também representa uma ação contundente de combate à crise climática pelo Brasil”, diz Paulo Moutinho, pesquisador sênior e cofundador do IPAM.

O Instituto publicou uma nota com os novos dados.

O cálculo tem como referência as 2,4 bilhões de toneladas de CO2 emitidas pelo Brasil em 2021, conforme relatório do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases do Efeito Estufa), e as 108 milhões de toneladas emitidas por processos industriais no mesmo ano. O carbono armazenado também corresponde a mais de dois anos de emissões por transportes no país, que chegaram a 204 milhões de toneladas no período.

“Reabrir o julgamento sobre a tese do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal, a pedido da ministra Sonia Guajajara, muda o prisma desse processo em um novo ambiente político. É preciso encerrar de vez a tentativa de usurpar os direitos originários dos povos indígenas. Não existe lógica constitucional que sustente tal tese: o usufruto do território independe da demarcação, pois essas áreas são ocupadas ancestral e tradicionalmente pelos povos indígenas. No entanto, com o cenário de ameaças e políticas anti-indígenas que se agravou nos últimos anos, a demarcação se faz, sim, um processo necessário para estabelecer e garantir, de vez, o direito à vida com saúde, segurança, dignidade e prosperidade nas terras indígenas”, acrescenta Martha Fellows, pesquisadora no IPAM e coordenadora do Núcleo de Estudos Indígenas da instituição.

As 14 terras indígenas ocupam uma área de ao menos 873 mil hectares, 780 mil hectares só no bioma Amazônia, indica o IPAM a partir de bases de dados da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas). Oficialmente, a homologação é a penúltima etapa da demarcação, que reconhece e confere, aos povos indígenas, o pleno direito ao uso exclusivo de suas terras, bem como o acesso às políticas públicas específicas. Em até trinta dias depois da homologação, o registro em cartório conclui o processo.

Na tabela abaixo está a relação de terras indígenas que deverão ser homologadas pelo governo federal e demarcadas ainda em 2023, com as respectivas etnias dos povos que nelas vivem, as unidades da federação em que se localizam, áreas ocupadas e estoque de carbono protegido.

Terra Indígena Etnia UF Área (ha) Estoque Protegido de Carbono (ton CO2)
Potiguara de Monte-Mor Potiguara PB 7.530 1.033.824
Kariri-Xocó Kariri – Xocó AL 699 50.143
Toldo Imbu Kaingang SC 1.960 135.011
Uneiuxi Tukano, Makú AM 554.730 338.248.207
Arara do Rio Amônia Arara do Acre AC 20.534 8.832.394
Cacique Fontoura Karajá MT 32.304 4.782.021
Aldeia Velha Pataxó BA 1.997 710.945
Xukuru-Kariri Xucuru – Kariri AL 7.020 964.142
Rio dos Índios Kaingang RS 711 37.896
Rio Gregório Katukina, Yawanawá AC 187.125 100.956.785
Acapuri de Cima Kokama AM 18.393 6.032.867
Morro dos Cavalos Guarani SC 1.983 1.217.823
Avá-Canoeiro Avá-Canoeiro GO 35.344 5.092.253
Tremembé da Barra do Mundaú Tremembé CE 3.582 571.402
Total 873.919 468.665.717

Fonte: IPAM a partir da base de dados da Funai.

Em áreas de vegetação viva e saudável, como são as terras indígenas, o carbono pode ficar armazenado por milênios. Ao proteger essas terras, a demarcação reduz tanto o risco às vidas humanas e da biodiversidade, quanto o risco de incêndios e desmatamentos que liberam gás carbônico e agravam o superaquecimento global.

“Demarcar todas as terras indígenas é uma questão de direito Constitucional e uma ação concreta do Brasil frente à crise climática que já ameaça a todos os brasileiros”, diz um trecho da nota do IPAM.

O compromisso de limitar o aumento da temperatura média do planeta a 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais foi firmado por 196 países no Acordo de Paris, em 2015. Reduzir as emissões por ação humana, que agravam o superaquecimento da Terra, é o caminho para alcançar esse objetivo comum, por meio da conservação e proteção de territórios, do investimento em práticas agropecuárias de baixo carbono e da transição energética. Segundo o SEEG, 73,8% das emissões brasileiras estão ligadas à agropecuária e ao setor de mudanças de uso da terra, que inclui desmatamento e fogo associado.