Beirando o colapso: Nuvens de 2,4-D prejudicam produção de uvas, maçãs, azeitonas e hortaliças no RS

Lavouras sofrem com a deriva das pulverizações intensas sobre plantações de soja. A Justiça proibiu o agente químico, mas o governo Leite reverteu. MPF e diversos setores pedem o fim do registro do 2,4-D e derivados

Sabor, saúde e cultura: RS abastece indústria de vinhos e sucos. Foto: Fábio Ribeiro dos Santos/Embrapa

Por Cida de Oliveira* para o Blog do Pedlowski

Maior produtor brasileiro de uvas, com cerca de 90% do total nacional destinado à fabricação de sucos, vinhos e espumantes, o Rio Grande do Sul (RS) também se destaca na produção de frutas, azeite e hortaliças. Segundo a Radiografia da Agropecuária Gaúcha 2024, do governo estadual, mais de 88% da noz-pecã vem de pomares gaúchos, assim como mais de 70% dos pêssegos e 42% das maçãs brasileiras. E tem a maior área de cultivo de oliveiras, que produziu em 2023 mais de 193 mil litros de azeite.

Toda essa produção –que inclui ainda a erva-mate, fumo, mel, plantas e árvores nativas de várias espécies –vem sendo prejudicada por uma outra cultura importante. A soja, que representa 40% da produção agrícola gaúcha, com 18 milhões de toneladas na safra 2023/2024, segundo o governo. A terceira maior produção nacional, com 18,3 milhões de toneladas, colado ao Paraná, com 18,7 milhões de toneladas. O Mato Grosso é o primeiro, com 39,3 milhões de toneladas.

A área de soja mais que dobrou em 23 anos. Segundo o IBGE e a Companhia Brasileira de Abastecimento (Conab) houve um salto de 3,1 milhões de hectares em 2000 para mais de 6,6 milhões de hectares em 2023. O avanço ocorreu principalmente sobre regiões tradicionalmente voltadas à fruticultura, vitivinicultura, olericultura, olivicultura e até de pastagem no bioma Pampa.

Para dar conta, as vendas do 2,4-D também saltaram. O Ibama informa que em 2000 foram vendidas no estado 18.590 toneladas de agrotóxicos em geral. E no período de 2019 a 2023, foram 34.877 toneladas somente de 2,4-D. Em todos os anos do período, o RS ficou atrás apenas do Mato Grosso, protagonista na produção agrícola nacional, onde foram comercializadas 47.677 toneladas. E no ano com vendas mais aquecidas, 2021, foram 8.706 toneladas. Como destaca o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, esse mercado gigantesco se deve também ao uso em plantas transgênicas tolerantes ao agrotóxico. E ao aumento do número de plantas indesejáveis que criam resistência ao glifosato. Mas não é só: “Os agricultores estão percebendo o surgimento de mais plantas indesejáveis resistentes também ao herbicida 2,4-D. E por isso vão aumentando as dosagens usadas nas pulverizações. Uma combinação de novas áreas de cultivo de grãos com o aumento do uso nas áreas antigas resulta em maior consumo no total”, disse ao Blog do Pedlowski.

Parte de todo esse herbicida, porém, é desviada para bem além das lavouras alvo durante a pulverização –a chamada deriva, que está na raiz da queda da produtividade das diversas culturas que mencionamos na abertura desta reportagem. Isso porque esse desvio de gotículas e vapores pode alcançar longas distâncias, de até 40 quilômetros, atingindo plantações vizinhas ou distantes. Inclusive aquelas sensíveis ao produto. E podem também contaminar culturas orgânicas, agroecológicas, assentamentos e territórios de populações tradicionais.

Danos irreparáveis

Os danos da deriva dessas pulverizações “são irreparáveis”, afirmou ao Blog do Pedlowski Sérgio Poletto, que é presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Assalariados Rurais de Vacaria e Muitos Capões, que representa empregados de empresas da agropecuária e produtores na produção agrícola familiar.

“A toxicidade do 2,4-D danifica, impede o crescimento e causa a mortandade de inúmeras espécies vegetais da circunvizinhança e até mesmo em locais mais afastados da propriedade rural”, disse Poletto. “A gente tem perdas significativas no setor da uva, que é o maior impactado. Mas tem a questão da maçã, oliveiras, nozes pecã e as hortaliças. É toda essa conjuntura no estado, com perda significativa. Esses danos aumentando a cada ano, a cada safra aqui no RS. Existem produtores e cooperativas de vinho que estão fechando as portas; estão à beira do colapso”, disse a liderança, que percorre o estado dialogando com esses grupos e especialistas e ver de perto a situação.

Uma pesquisa recente da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) mostra que o herbicida presente na deriva, mesmo em baixa concentração, causa distúrbios fisiológicos significativos em mudas de nogueira-pecã e de oliveira. Isso leva à redução no crescimento, alteração na fotossíntese e danos celulares irreversíveis em culturas de alta imponência econômica e ecológica.

Outra pesquisa da mesma universidade constatou, após 30 dias de exposição, efeitos nefastos sobre o crescimento, na produção de compostos fenólicos e no desenvolvimento de brotações de videiras. E isso mesmo em simulação com níveis residuais e subletais de 2,4-D. Segundo a autora, “desde 2014 o plantio de novas mudas passou a ser inviabilizado, uma vez que, a partir da intensificação dos episódios de deriva de herbicidas hormonais na região, as mudas não conseguem mais se estabelecer e, em um período de até três anos, acabam morrendo”.

O Instituto Brasileiro de Olivicultura (Ibraoliva) também vem alertando sobre problemas e queda na produtividade do azeite gaúcho. Segundo a entidade , olivicultores esperavam produzir em torno de 1 milhão de litros de azeite na safra de 2023, mas conseguiram cerca de 600 mil litros. Em 2024 foi pior: 192 mil litros. Há relatos de produtores que pensam em desistir. E quem pretende entrar no setor tem preocupações com a soja.  

Apesar dos impactos nocivos da deriva do 2,4-D serem relados há décadas, o governo do Rio Grande do Sul publicou instruções normativas (nº 05/2019, 08/2019, 09/2019, 12/2022 e 13/2022) que são ineficazes. Produtores não preenchem declarações essenciais para o monitoramento e proteção da circunvizinhança. Foram também oferecidos cursos de boas práticas para aplicação, que foram alvos de críticas. “Claro que houve os cursos de formação e qualificação em todo o estado, mas o produtor de soja não segue essas regras. Ele não vai medir as condições de vento, temperatura e umidade. Aplica quando precisa e pronto. E o pior é que ninguém fiscaliza isso”, afirmou Sergio Poletto.

Essa realidade, segundo a liderança, expõe também a urgência de medidas para proteger a saúde dos trabalhadores expostos às pulverizações. “São eles que aplicam o veneno, que estão diretamente expostos à deriva, muitas vezes sem nenhum equipamento de proteção individual”, ressaltou. E lembrou que há estudos sobre o potencial da substância de causar problemas hormonais e reprodutivos, diversos tipos de câncer, linfoma não-Hodgkin, alterações genéticas e malformações congênitas. Segundo relatórios da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o 2,4-D pode ser categorizado como tóxico ao DNA das células, ao sistema reprodutivo e neurológico, além de desregulador do sistema endócrino. O agente ativo, aliás, é proibido na Dinamarca, Suécia e Noruega, e em alguns estados do Canadá e províncias da África do Sul.

Veneno chegou a ser proibido

No início de setembro, a Justiça concedeu limiar à ação civil pública movida pela Associação dos Vitivinicultores da Campanha Gaúcha e Associação Gaúcha de Produtores de Maçã e concedeu liminarmente a proibição do uso e comercialização do herbicida no estado. E determinou que o estado instale um sistema seguro de monitoramento e fiscalização e que apresente, em 120 dias, projeto de sistema de monitoramento e a delimitação das zonas de exclusão. Mas o governo de Eduardo Leite (PSD) recorreu. Alegou prejuízos econômicos e administrativos aos produtores de grãos que já compraram insumos para o início da safra 2025/2026. A Justiça acatou e derrubou a proibição, torando-se alvo de críticas e repúdio de diversas instituições. A ação segue em análise.

Em atenção à Justica, o governo anunciou no final de novembro que criaria, por decreto, zonas de exclusão para o uso do herbicida. E que, de início, seriam contempladas regiões na Fronteira Oeste, o Pampa e o entorno de Jaguari, as principais produtora de oliveiras. Mas há críticas. “Essas zonas de exclusão divulgadas não resolvem a raiz do problema, que é a deriva do herbicida, que continuam. Dependendo do vento, da umidade, do calor, pode chegar a 30, 40 quilômetros do ponto de aplicação. E até mais. Então se criam áreas de exclusão bem menores que o alcance da deriva, o que não vai resolver o problema dos produtores de orgânicos”, disse Poletto.

Na mesma época, o Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos divulgou nota em defesa da imediata suspensão da comercialização e uso do 2,4-D, do fim do registro da substância e seus derivados no país, políticas públicas de incentivo à agroecologia e o fortalecimento da fiscalização e do monitoramento de resíduos de agrotóxicos em alimentos e no meio ambiente, incluindo o 2,4-D e seus derivados. O Fórum é um espaço que reúne mais de 70 instituições, como órgãos públicos, conselhos, sociedade civil, sindicatos e universidades.

Em entrevista ao Blog do Pedlowski, a procuradora da República Ana Paula Carvalho de Medeiros, coordenadora adjunta do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (FGCIA), defendeu que o Estado tome medidas que aumentem a proteção à saúde e meio ambiente, como é de sua competência. “E não o contrário”, disse, referindo-se ao recurso do governo Leite contra a proibição. Ela citou o exemplo do governo do Ceará, que em 2019 proibiu a pulverização aérea de agrotóxicos em todo o estado. “A constitucionalidade da lei foi questionada, mas confirmada pelo Supremo Tribunal Federal em 2023”, lembrou. Uma manobra, no entanto, conseguiu autorizar o uso de drones no lugar de aviões agrícolas.

Ela lembrou que uma iniciativa legislativa no estado para proibir o 2,4-D foi apresentada em 2109 (Projeto de Lei 214/19), com apoio do Fórum. Apesar da importância, não prosperou e, conforme o Blog do Pedlowski apurou, se encontra atualmente arquivado.

O fórum gaúcho também é contrário aos incentivos tributários à indústria dos agrotóxicos. Levantamento de um grupo de pesquisa em justiça ambiental, alimentos, saberes e sustentabilidade da Universidade do Vale do Taquari (RS), calculou a renúncia de todos os estados e o Distrito Federal 2017. E atualizou os valores para 2023, com base no IPCA. O RS abriu mão de R$ 973,7 milhões em 2023 referente ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). É como se tivesse pagando para as indústrias causarem danos à saúde e meio ambiente.


*Cida de Oliveira é jornalista e colaboradora do Blog do Pedlowski

Decisão da EPA de dar sinal verde ao controverso herbicida dicamba gera indignação

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Por Carey Gillam para o “The New Lede” 

Na mais recente reversão das proteções ambientais dos EUA, os reguladores disseram esta semana que planejam aprovar um trio de novos produtos herbicidas feitos com dicamba, um produto químico controverso que causou estragos em áreas rurais, desencadeou anos de litígios e duas vezes proibições judiciais.

A Agência de Proteção Ambiental (EPA) divulgou uma proposta de decisão datada de 22 de julho afirmando que vê mais benefícios do que riscos em permitir que três produtos de dicamba feitos pelas gigantes da indústria agroquímica Bayer, Syngenta e BASF sejam usados por agricultores que cultivam algodão e soja geneticamente modificados para tolerar o dicamba.

Grupos de defesa da saúde pública e ambiental atacaram a decisão, dizendo que ela ignora evidências estabelecidas de que o dicamba tem tendência a se afastar do local onde é pulverizado, principalmente em temperaturas quentes, e que o potente herbicida danificou milhões de acres de plantações, pomares e paisagens onde nunca foi planejado que fosse aplicado.

Eles também dizem que a decisão cheira a favoritismo político, ocorrendo logo após um ex-lobista da indústria da soja ter sido nomeado administrador assistente adjunto para pesticidas no Escritório de Segurança Química e Prevenção da Poluição da EPA.

Mas a EPA afirmou que os produtores de algodão e soja estão tendo dificuldades para eliminar ervas daninhas que ameaçam a saúde de suas plantações, pois elas se tornaram resistentes a outros tipos de herbicidas. Os produtos Dicamba são necessários para proteger essas importantes indústrias, afirmou a EPA.

Em sua avaliação, a EPA observa que a indústria de algodão dos EUA “é responsável por mais de US$ 21 bilhões em produtos e serviços anualmente” e diz que a colheita anual de soja é avaliada em aproximadamente US$ 57,6 bilhões.

A EPA disse que estava trabalhando com a BASF, Syngenta e Bayer para incluir diversas restrições nos rótulos dos produtos visando reduzir os riscos, tanto para pessoas que pulverizam os produtos químicos e certas espécies ameaçadas e em perigo de extinção, quanto para “cultivos sensíveis e certas plantas a favor do vento”.

Ainda assim, os críticos protestaram contra a decisão.

“A EPA de Trump está atingindo novos patamares de absurdo ao planejar dar sinal verde para um agrotóxico que causou os maiores danos por deriva na história agrícola dos EUA e foi rejeitado duas vezes por tribunais federais”, disse Nathan Donley, diretor de ciências da saúde ambiental do Centro para a Diversidade Biológica, em um comunicado. “Isso é o que acontece quando a supervisão de pesticidas é controlada por lobistas da indústria. Os ricos corporativos recebem seu pagamento e todos os outros sofrem as consequências.”

Bill Freese, diretor científico do Centro de Segurança Alimentar, pediu aos funcionários da EPA que retirassem o plano.

“Se permitirmos que essas decisões propostas sejam aprovadas, fazendeiros e moradores de toda a área rural dos Estados Unidos verão novamente suas plantações, árvores e hortas dizimadas pela deriva do dicamba, e áreas naturais como refúgios de vida selvagem também sofrerão”, disse Freese em um comunicado.

O dicamba foi introduzido na agricultura americana em 1967, mas não era amplamente utilizado durante os meses quentes, pois se sabia que o produto químico podia se volatilizar e se mover por longas distâncias com o aumento das temperaturas. Isso mudou quando a Monsanto e a BASF desenvolveram culturas transgênicas tolerantes ao dicamba para uso com novos herbicidas de dicamba, após o uso generalizado do herbicida glifosato da Monsanto em culturas geneticamente modificadas tolerantes ao glifosato ter causado o desenvolvimento de resistência ao glifosato em milhões de acres de plantas daninhas.

No ano passado, um tribunal federal concluiu que a EPA violou a lei ao aprovar os três novos herbicidas de dicamba. Em 2020, um tribunal federal independente concluiu que a EPA havia apresentado análises falhas e “subestimado substancialmente” os riscos associados aos herbicidas de dicamba.

Documentos corporativos internos mostram que a Monsanto, comprada pela Bayer em 2018, e a BASF estavam cientes de que a combinação de suas culturas geneticamente modificadas tolerantes ao dicamba e herbicidas de dicamba provavelmente causaria danos a muitas fazendas dos EUA que não comprassem as culturas e produtos químicos especiais.

Os documentos também descrevem como a Monsanto se opôs aos testes de produtos de terceiros como forma de limitar dados que poderiam preocupar os reguladores.

A decisão sobre o dicamba é uma das muitas medidas tomadas desde que o presidente Donald Trump assumiu o cargo para anular ou desfazer dezenas de restrições ambientais. Até o momento, o governo Trump realizou mais de 140 ações para reverter as regras de proteção ambiental, de acordo com uma análise do The Guardian .

(Imagem em destaque de Karl Wiggers  no  Unsplash.)


Fonte: The New Lede

Dicamba: Bayer pede à EPA que aprove novamente herbicida duplamente banido

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Por Jonathan Hettinger para o “The New Lede” 

Depois de várias proibições ordenadas pelo tribunal, a Bayer AG está mais uma vez solicitando à Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) que aprove o controverso herbicida dicamba para uso em culturas geneticamente modificadas, anunciou a EPA esta semana.

Dicamba foi responsável por milhões de hectares de danos a plantações e áreas naturais desde que foi inicialmente aprovado para uso a partir de 2017 em plantações geneticamente modificadas (GM) alteradas para resistir à pulverização com o herbicida. Os agricultores cujas culturas não foram geneticamente modificadas sofreram os danos, em grande parte porque as novas utilizações do dicamba induziram os agricultores a aplicá-lo durante os meses de verão, quando o produto químico volatilizava facilmente e se afastava do local onde era aplicado.

Antes das novas aprovações de uso, o dicamba era usado principalmente antes da estação de cultivo devido à sua volatilidade. Mas depois de a EPA ter concordado com os pedidos da indústria para comercializar herbicidas dicamba aos agricultores para utilização durante os meses quentes nas culturas geneticamente modificadas especializadas, os agricultores que não plantaram culturas geneticamente modificadas tolerantes ao dicamba registaram milhares de queixas em vários estados agrícolas importantes sobre os danos causados ​​pelo dicamba.

No seu pedido de nova aprovação, a Bayer, o conglomerado alemão que herdou o dicamba na aquisição da Monsanto em 2018, pede agora à EPA mais limites para o herbicida. A Bayer está a propor, por exemplo, que o uso de dicamba não seja permitido depois de as culturas de soja terem emergido do solo ou depois de 12 de Junho. No entanto, a proposta da Bayer ainda permite que o algodão seja permitido durante todo o Verão. A proposta também limita a quantidade total de dicamba permitida para uso, em comparação com aprovações anteriores da EPA.

A EPA está pedindo a opinião pública sobre a proposta , o que ocorre apesar de um tribunal federal ter proibido o uso do herbicida pela segunda vez no início deste ano. A EPA disse que receberá comentários públicos sobre o assunto até 3 de junho.

“É como uma fachada. Eles têm algumas pequenas alterações propostas, mas nada terá um impacto mensurável na quantidade de danos causados ​​pelo dicamba”, disse Nathan Donley, diretor de ciências de saúde ambiental do Centro para Diversidade Biológica. O centro, bem como outras organizações sem fins lucrativos de conservação, processaram duas vezes com sucesso a EPA por aprovar ilegalmente o dicamba.  

Em fevereiro, o juiz do Tribunal Distrital dos EUA, David Bury, proibiu o dicamba, decidindo que a EPA aprovou ilegalmente o dicamba em 2020 porque não publicou adequadamente a proposta para comentário público. Bury escreveu em sua opinião que a EPA negou que milhares de agricultores e outras pessoas que foram prejudicadas comentassem, o que provavelmente teria impactado substancialmente a decisão da EPA de reaprovar o dicamba. Nem a EPA nem as empresas de pesticidas recorreram dessa decisão. 

A EPA permitiu o uso continuado de dicamba ao longo da época de cultivo de 2024, uma vez que os agricultores já adquiriram os seus sistemas de cultivo para o ano. 

polêmico herbicida também foi proibido em 2020 , depois que um tribunal federal decidiu que a EPA minimizou os riscos do dicamba. 

Antes das culturas geneticamente modificadas, o dicamba nunca foi amplamente utilizado durante os meses quentes porque era bem sabido que o produto químico pode volatilizar e percorrer longas distâncias quando as temperaturas sobem. A volatilização ocorre quando as partículas de dicamba passam de líquido para gás horas ou dias após a aplicação do herbicida, transformando-se efetivamente em nuvens de herbicida e causando danos à paisagem.

Dicamba também é propenso a ser levado pelo vento longe de onde é aplicado; além disso, pode mover-se para valas de drenagem e corpos d’água como escoamento durante chuvas. 

A Monsanto, juntamente com a gigante química BASF, introduziram novas formulações de herbicidas dicamba que, segundo eles, não seriam tão voláteis , e incentivaram os agricultores a comprar as recém-criadas culturas tolerantes ao dicamba da Monsanto. Os agricultores que comprassem as sementes especializadas poderiam pulverizar dicamba nos campos enquanto as culturas cresciam, matando as ervas daninhas, mas não os produtos preciosos. 

O sistema refletia o sistema “Roundup Ready” de herbicidas à base de glifosato que a Monsanto vendia há muito tempo aos agricultores para serem usados ​​em conjunto com milho, soja e outras culturas geneticamente modificadas tolerantes ao glifosato. À medida que o glifosato perdesse eficácia, os agricultores poderiam usar o dicamba para combater ervas daninhas teimosamente resistentes, prometeram as empresas.

Apesar disso, a Monsanto e a BASF previram que milhares de agricultores seriam prejudicados pela deriva do dicamba e pensaram que isso estimularia as vendas do sistema tolerante ao dicamba, de acordo com documentos internos provenientes de processos judiciais.

Culturas resistentes a Dicamba foram plantadas em até 65 milhões de acres, estimou a EPA, uma área maior que o estado de Oregon.


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Fonte: The New Lede

Pela segunda vez, tribunal dos EUA proíbe herbicidas dicamba e considera que a EPA violou a lei

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Plantios de uvas mortas por deriva de dicamba no Texas, EUA.

Por Johnathan Hettinger para o The New Lede

Desferindo um golpe em três das maiores empresas agroquímicas do mundo, um tribunal dos EUA proibiu esta semana três herbicidas amplamente utilizados na agricultura americana, concluindo que a Agência de Protecção Ambiental (EPA) violou a lei ao permitir a sua presença no mercado.

A decisão é específica para três herbicidas à base de dicamba fabricados pela Bayer, BASF e Syngenta, que foram responsabilizados por milhões de hectares de danos às colheitas e danos a espécies ameaçadas e áreas naturais no Centro-Oeste e no Sul dos EUA.

Esta é a segunda vez que um tribunal federal proíbe esses herbicidas desde que foram introduzidos na temporada de cultivo de 2017. Em 2020, o Tribunal de Apelações do Nono Circuito emitiu a sua própria proibição, mas meses depois a administração Trump reaprovou os produtos para matar ervas daninhas, apenas uma semana antes da eleição presidencial, numa conferência de imprensa no estado indeciso da Geórgia. 

Mas um juiz federal no Arizona decidiu na segunda-feira que a EPA cometeu um erro crucial ao reaprovar o dicamba, concluindo que a agência não o publicou para aviso público e comentários, conforme exigido por lei. O juiz distrital dos EUA, David Bury, escreveu numa decisão de 47 páginas que se trata de uma violação “muito grave” e que se a EPA tivesse feito uma análise completa, provavelmente não teria tomado a mesma decisão. 

Bury escreveu que a EPA não permitiu que muitas pessoas profundamente afetadas pelo herbicida – incluindo agricultores especializados, grupos conservacionistas e outros – comentassem. 

A ação foi movida por agricultores e grupos conservacionistas que afirmaram que a EPA violou duas leis em sua aprovação: a Lei Federal de Inseticidas, Fungicidas e Rodenticidas e a Lei de Espécies Ameaçadas. 

O porta-voz da EPA, Jeffrey Landis, disse que a agência ainda está revisando a decisão, mas se recusou a comentar mais.

“Repetidas vezes, as evidências mostram que o dicamba não pode ser usado sem causar danos massivos e sem precedentes às explorações agrícolas, bem como pôr em perigo plantas e polinizadores”, disse George Kimbrell, diretor jurídico do Centro de Segurança Alimentar, que litigou o caso.

Preocupações científicas

Os documentos apresentados no processo mostram que a EPA estava com pressa para aprovar o dicamba em outubro de 2020, com os cientistas reclamando que não tiveram tempo suficiente para fazer uma análise adequada, descobriu o The New Lede.

Um ano depois, a EPA emitiu um relatório em dezembro de 2021 que concluiu que, apesar das novas restrições, o dicamba ainda estava se afastando de onde era aplicado, e era duvidoso que o dicamba, usado em dezenas de milhões de acres de culturas de algodão e soja nos EUA , poderiam ser legalmente mantidos no mercado. 

Bury escreveu que se a EPA considerasse o relatório de 2021, os comentários das agências agrícolas estaduais, agricultores especializados e outros, provavelmente não reaprovaria o dicamba.

“Estamos aliviados que mais uma vez o tribunal tenha visto claramente as estratégias da EPA para forçar um produto que é perigoso demais para estar no mercado”, disse Lori Ann Burd, diretora do programa de saúde ambiental do Centro para Diversidade Biológica, que processou junto com outras organizações sem fins lucrativos a National Family Farm Coalition, Pesticide Action Network.

“Não importa até que ponto a EPA vá para se contorcer para fazer a vontade da indústria, ela simplesmente não consegue passar na avaliação legal. Esperamos que eles finalmente entendam a mensagem e parem de aprovar este produto incrivelmente perigoso.”

A decisão afeta o herbicida XtendiMax à base de dicamba da Bayer, que herdou quando adquiriu a Monsanto em 2018, bem como o herbicida Tavium da Syngenta e o herbicida Engenia da BASF. 

Em comunicado divulgado após a decisão, a Bayer disse que discorda da decisão judicial e está “avaliando” como responder. “Nossa principal prioridade é garantir que os produtores tenham os produtos aprovados e o apoio de que precisam para cultivar suas culturas com segurança e sucesso.”

A BASF também disse em comunicado que estava avaliando suas opções legais e aguardando orientação da EPA à luz da ordem. A Syngenta não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.

A notícia chega num momento particularmente ruim para a Bayer, que está se recuperando de outros problemas relacionados à Monsanto com produtos para matar ervas daninhas, principalmente litígios em massa sobre os herbicidas Roundup à base de glifosato da Monsanto, que até agora custaram bilhões à Bayer em veredictos e acordos de júri e corroeram os acionistas. confiança. Os demandantes alegam que o Roundup causa linfoma não-Hodgkin. 

A Syngenta também enfrenta litígios em todo o país devido ao seu herbicida paraquat, que milhares de demandantes afirmam causar a doença de Parkinson. 

Propenso a deriva

A decisão do tribunal observa que os agricultores têm outras opções além dos produtos dicamba afectados, incluindo o sistema de soja Enlist fabricado pela Corteva (anteriormente DowDupont) que utiliza o produto químico 2,4-D, para matar ervas daninhas entretanto. Este sistema é o principal concorrente do sistema baseado em dicamba da Bayer.

O dicamba foi introduzido na agricultura americana em 1967, mas nunca foi amplamente utilizado durante os meses quentes porque era bem sabido que o produto químico pode volatilizar e percorrer longas distâncias quando as temperaturas sobem. A volatilização ocorre quando as partículas de dicamba passam de líquido para gás horas ou dias após a aplicação do herbicida, transformando-se efetivamente em nuvens de herbicida e causando danos à paisagem.

Dicamba também é propenso a ser levado pelo vento longe de onde é aplicado; além disso, pode mover-se para valas de drenagem e corpos d’água como escoamento durante chuvas. 

A Monsanto, juntamente com a gigante química BASF, introduziram novas formulações de herbicidas dicamba que, segundo eles, não seriam tão voláteis, e incentivaram os agricultores a comprar as recém-criadas culturas tolerantes ao dicamba da Monsanto. Os agricultores que comprassem as sementes especializadas poderiam pulverizar dicamba nos campos enquanto as culturas cresciam, matando as ervas daninhas, mas não os produtos preciosos. O sistema refletia o sistema “Roundup Ready” de herbicidas à base de glifosato que a Monsanto vendia há muito tempo aos agricultores para serem usados ​​em conjunto com milho, soja e outras culturas geneticamente modificadas tolerantes ao glifosato. À medida que o glifosato perdesse eficácia, os agricultores poderiam usar o dicamba para combater ervas daninhas teimosamente resistentes, prometeram as empresas.

Culturas resistentes a Dicamba foram plantadas em até 65 milhões de acres, estimou a EPA, uma área maior que o estado de Oregon.

As primeiras versões aprovadas pela EPA do dicamba foram consideradas menos propensas a sair da meta feita pela Monsanto e pela BASF para a temporada de cultivo de 2017. Desde então, o dicamba causou danos às colheitas em milhões de hectares e tem sido objeto de vários processos judiciais. Documentos de descoberta apresentados no litígio mostraram que as empresas sabiam que seus herbicidas dicamba provavelmente causariam danos às colheitas fora do alvo. 

Durante anos, a Bayer e a BASF culparam outros factores, para além dos seus herbicidas, incluindo a utilização ilegal de produtos químicos mais antigos, pelos danos. A cada ano, a EPA e os estados impõem novas restrições, mas elas não estão funcionando, escreveu o juiz. 

“Embora a EPA esteja altamente confiante de que as medidas de controle eliminariam qualquer risco desse tipo com apenas um efeito mínimo, os relatórios de incidentes apresentados ano após ano reclamando do movimento externo de dicamba OTT refletem o contrário”, escreveu Bury. 

Em fevereiro de 2020, um júri federal no Missouri concedeu ao maior produtor de pêssegos do estado US$ 265 milhões pelos danos à sua fazenda, embora esse total tenha sido posteriormente reduzido por um juiz federal. A BASF e a Bayer dividiram os US$ 15 milhões em indenizações compensatórias, e a Bayer e Bader acertaram indenizações punitivas por um valor confidencial, mostram os registros judiciais. Em junho de 2020, a Bayer anunciou um acordo de US$ 400 milhões com produtores de soja que foram prejudicados pela deriva não-alvo. 

Um painel de três juízes do Tribunal de Apelações do 9º Circuito anulou a aprovação de 2018 , concluindo que a EPA havia realizado análises falhas e “subestimado substancialmente” os riscos associados aos herbicidas dicamba vendidos pela Monsanto e BASF, tornando a aprovação da EPA ilegal. Além disso, um exame da aprovação de 2018 pelo Gabinete do Inspector Geral (OIG) da EPA concluiu que os nomeados políticos que trabalham na gestão da EPA violaram a política de integridade científica da agência, alterando as análises e conclusões dos cientistas.

(A imagem em destaque é de uma lesão de dicamba. Foto de Amit Jhala via Universidade de Nebraska-Lincoln.)

(Uma versão desta história foi co-publicada pelo The Guardian.)


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Este texto escrito originalmente em inglês foi publicado pelo “The New Lede” [Aqui! ].

Tribunal dos EUA revoga aprovação do Dicamba em ‘vitória arrebatadora’ para agricultores e o meio ambiente

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Por Sustinable Pulse

Em uma  vitória arrebatadora para os agricultores familiares e para dezenas de plantas e animais ameaçados de extinção, na terça-feira um tribunal federal dos EUA revogou a aprovação do pesticida dicamba, notoriamente volátil e eliminador de ervas daninhas.

O herbicida propenso à deriva já danificou milhões de hectares de plantações e plantas selvagens todos os anos desde que a Agência de Proteção Ambiental (EPA) o aprovou pela primeira vez em 2017 para pulverização em plantações de algodão e soja geneticamente modificadas pela Monsanto (agora Bayer) para sobreviver ao que de outra forma seria ser uma dose mortal. A decisão de hoje do Tribunal Distrital do Arizona, em Tucson, anula a  reaprovação do agrotóxico pela EPA em 2020  , que incluía restrições de aplicação adicionais que, no entanto, não conseguiram evitar os danos contínuos causados ​​pela deriva.

“Esta é uma vitória vital para os agricultores e para o meio ambiente”, disse George Kimbrell, diretor jurídico e advogado do Centro de Segurança Alimentar (CFS) no caso. “Repetidas vezes, as evidências mostram que o dicamba não pode ser usado sem causar danos massivos e sem precedentes às explorações agrícolas, bem como pôr em perigo plantas e polinizadores. O Tribunal reafirmou hoje de forma retumbante o que sempre defendemos: as alegações da EPA e da Monsanto sobre a segurança do dicamba eram irresponsáveis ​​e ilegais.”

Desde que o dicamba foi aprovado para pulverização “over-the-top”, a sua utilização aumentou  vinte vezes . A EPA estima que 65 milhões de acres ( dois terços da soja e três quartos do algodão ) são resistentes ao dicamba, com cerca de metade dessa área pulverizada com dicamba, uma área quase do tamanho do Alabama. Muitas das culturas não pulverizadas são  plantadas “defensivamente  pelos agricultores para evitar danos causados ​​pela deriva do dicamba.

Na decisão de terça-feira, o tribunal cancelou o uso exagerado do dicamba, considerando que a EPA violou a exigência de contribuição pública da FIFRA antes da aprovação. Esta violação é “muito grave”, segundo o tribunal, especialmente porque o Nono Circuito anteriormente detido pela EPA não considerou os riscos graves de dicamba exagerada na emissão do registo prévio. O tribunal descreveu os enormes danos às partes interessadas que foram privadas da oportunidade de comentar, como os produtores que não usam dicamba de forma exagerada e sofreram perdas financeiras significativas e estados que relataram repetidamente danos ao nível da paisagem ainda, na mesma decisão de 2020, perderam a capacidade de impor restrições maiores do que aquelas impostas pelo governo federal sem processos legislativos e/ou normativos formais. Como resultado, o tribunal concluiu que “é improvável que a EPA emita os mesmos registros” novamente depois de ter em conta as preocupações destas partes interessadas.

O tribunal também criticou a avaliação da EPA sobre os danos generalizados dos registros de 2020. A Monsanto e a EPA alegaram que este novo uso “exagerado” de dicamba não causaria danos devido às suas novas restrições de uso. Mas o tribunal concluiu que a “abordagem circular da EPA para avaliar o risco, baseada na sua elevada confiança de que as medidas de controlo irão praticamente eliminar o movimento fora do local, [levou] à sua correspondente falha na avaliação dos custos do movimento fora do local”. E, em vez disso, tal como tinham alertado investigadores independentes, as restrições falharam e o dicamba continuou a vaporizar-se e a flutuar.

“Espero que a rejeição enfática do tribunal à aprovação imprudente do dicamba pela EPA estimule a agência a finalmente parar de ignorar os danos de longo alcance causados ​​por este perigoso agrotóxico”, disse Nathan Donley, diretor de ciências de saúde ambiental do Centro para Diversidade Biológica. As populações de borboletas e abelhas ameaçadas continuarão a diminuir se a EPA continuar a transformar-se num pretzel para aprovar este produto apenas para apaziguar a indústria de agrotóxicos.”

“Estamos gratos por o tribunal ter responsabilizado a EPA e a Monsanto pelos enormes danos causados ​​pelo dicamba aos agricultores, aos trabalhadores rurais e ao ambiente, e ter interrompido a sua utilização”, disse Lisa Griffith da National Family Farm Coalition. “O sistema de agrotóxicos que a Monsanto vende não deve ser pulverizado porque isso não pode ser  feito com segurança.”

“Todos os verões, desde a aprovação do dicamba, a nossa fazenda tem sofrido danos significativos em uma vasta gama de culturas vegetais”, disse Rob Faux, agricultor e gestor de comunicações da Pesticide Action Network. “A decisão de hoje proporciona a tão necessária e esperada proteção aos agricultores e ao meio ambiente.”

Fundo

Esta é a segunda vez que um tribunal federal conclui que a EPA aprovou ilegalmente o dicamba. Um  processo anterior  resultou em um tribunal de apelações anulando a aprovação prévia do dicamba pela agência. A EPA reaprovou os mesmos usos do pesticida em 2020, levando ao  processo atual .

A decisão de hoje proíbe a pulverização de produtos de dicamba sobre culturas emergentes de soja e algodão que são geneticamente modificadas para resistir à sua pulverização. Desde 2017, o dicamba tem causado  danos causados ​​pela deriva em milhões de hectares  de soja não geneticamente modificada, bem como em pomares, jardins,  árvores  e outras plantas, em uma escala  sem precedentes na história da agricultura dos EUA .

Dezenas de espécies ameaçadas, incluindo polinizadores como as borboletas-monarca e os zangões enferrujados, também estão ameaçados pelo pesticida.

A EPA admitiu em  relatório publicado em 2021  que as restrições à sua aplicação para limitar os danos do dicamba falharam e que o agrotóxico continuava a causar danos massivos às culturas devido à deriva.

O Departamento de Agricultura dos EUA estima que até  7 milhões de hectares de soja  foram danificados pela deriva do dicamba. Apicultores  em  vários estados  relataram quedas acentuadas na produção de mel devido à deriva do dicamba, suprimindo as plantas com flores que suas abelhas precisam para seu sustento.

Os demandantes são a National Family Farm Coalition, a Pesticide Action Network, o Center for Food Safety e o Center for Biological Diversity. Estas organizações são representadas por consultores jurídicos do Centro de Segurança Alimentar e do Centro de Diversidade Biológica.


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Este texto escrito originalmente em inglês foi publicado pelo Sustainable Pulse [Aqui!].

Documentos revelam que EPA foi apressada ao renovar autorização do dicamba em 2020

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Por Jonathan Hettinger 

Em Dezembro de 2021, uma pequena equipe de cientistas que trabalhava para a Agência de Protecção Ambiental dos EUA (EPA) publicou um relatório contundente sobre um controverso herbicida que tinha sido objeto de reclamações de agricultores e ambientalistas durante anos.

Apesar das novas restrições, os cientistas do governo confirmaram que os danos causados ​​pelo herbicida conhecido como dicamba eram quase impossíveis de conter; uma vez pulverizado em campos agrícolas específicos, onde culturas geneticamente modificadas foram projetadas para resistir ao produto químico, o dicamba então se movia fácil e frequentemente para longe do alvo, prejudicando milhões de hectares de outras culturas e espécies ameaçadas de extinção. Os cientistas da EPA concluíram que, devido a estes riscos amplos, era duvidoso que o dicamba, utilizado em dezenas de milhões de hectares de culturas de algodão e soja nos EUA, pudesse ser legalmente mantido no mercado. 

“A EPA tem motivos para acreditar que o número de incidentes relatados subestima significativamente o número real de incidentes relacionados ao uso de dicamba”, disse a agência na época. 

Apesar do reconhecimento público dos problemas colocados pelo dicamba, a EPA tomou poucas medidas nos últimos dois anos para restringir a sua utilização. E agora, à medida que os agricultores dos EUA se preparam para mais uma época de cultivo, espera-se que a pulverização de dicamba provoque danos dispendiosos nas colheitas em explorações agrícolas em todo o Centro-Oeste dos EUA e nos estados agrícolas do sul, tal como aconteceu em anos anteriores. 

Documentos obtidos através de um processo em curso contra a EPA sobre a aprovação do dicamba mostram que a falta de ação da agência para lidar com os danos documentados do dicamba contrasta fortemente com a pressa da agência em renovar a aprovação do produto químico em 2020.

E, nomeadamente, os documentos também mostram que a urgência da EPA em conceder a renovação de 2020 surgiu no meio de inúmeras reuniões com executivos da Bayer, a empresa alemã que comprou a Monsanto em 2018, herdando o portefólio de produtos para matar ervas daninhas da Monsanto que incluía marcas de dicamba. 

Mesmo quando a Bayer atrasou a apresentação dos dados científicos necessários à EPA, a agência manteve o seu processo de aprovação avançando a alta velocidade para cumprir a meta de aprovação de Outubro de 2020, mostram os registos. 

“Nossos funcionários seniores não têm ideia do que estão nos pedindo para fazer”, escreveu Jan Matuszko, diretor da Divisão de Destino e Efeitos Ambientais (EFED) da EPA, aos cientistas de sua divisão em 14 de agosto de 2020, durante uma reunião com a Bayer . “Precisamos focar no produto que eles querem registrar. Também não podemos revisar todos os dados, por isso precisamos priorizar.”

“É realmente uma decisão sobre quanto dano podemos aceitar”, escreveu Matuszko mais tarde aos colegas durante outra reunião com a Bayer em 2 de setembro 

Os registros mostram que o nível de envolvimento da Bayer no processo foi considerado incomum por um cientista.

“Este é o maior envolvimento científico de uma empresa que já testemunhei no registo de um produto”, escreveu Frank Farruggia, consultor científico sénior da EPA, num e-mail de 14 de agosto a colegas durante uma reunião com a Bayer.

A questão de saber se o dicamba pode ser usado legalmente está agora nas mãos de um juiz federal no Arizona num caso movido por grupos conservacionistas e agrícolas, incluindo o Centro para a Diversidade Biológica, o Centro para a Segurança Alimentar e a Coligação Nacional de Agricultores Familiares. Uma decisão é esperada nas próximas semanas ou meses. 

A EPA continua avaliando o dicamba, disse o porta-voz da EPA, Jeffrey Landis. A agência deverá tomar uma decisão no próximo ano sobre o novo registro do herbicida.

Dicamba: Resumo Pronto 2

O dicamba foi introduzido na agricultura americana em 1967, mas nunca foi amplamente utilizado durante os meses quentes porque era bem sabido que o produto químico pode volatilizar e percorrer longas distâncias quando as temperaturas sobem. A volatilização ocorre quando as partículas de dicamba passam de líquido para gás horas ou dias após a aplicação do herbicida, transformando-se efetivamente em nuvens de herbicida e causando danos ao nível da paisagem.

EPA Silent As Dicamba Drift Rages On | Pesticide Action Network (PAN)

Dicamba também é propenso a ser levado pelo vento longe de onde é aplicado; além disso, pode mover-se para valas de drenagem e corpos d’água como escoamento durante chuvas. 

A Monsanto, juntamente com a gigante química BASF, introduziram novas formulações de herbicidas dicamba que, segundo eles, não seriam tão voláteis, e incentivaram os agricultores a comprar as culturas recentemente criadas da Monsanto, tolerantes ao dicamba. Os agricultores que comprassem as sementes especializadas poderiam pulverizar dicamba nos campos enquanto as culturas cresciam, matando as ervas daninhas, mas não os produtos preciosos. O sistema refletia o sistema “Roundup Ready” de herbicidas à base de glifosato que a Monsanto vendia há muito tempo aos agricultores para serem usados ​​em conjunto com milho, soja e outras culturas geneticamente modificadas tolerantes ao glifosato. À medida que o glifosato perdesse eficácia, os agricultores poderiam usar o dicamba para combater ervas daninhas teimosamente resistentes, prometeram as empresas.

As primeiras versões aprovadas pela EPA do dicamba foram consideradas menos propensas a sair da meta feita pela Monsanto e pela BASF para a temporada de cultivo de 2017. Desde então, o dicamba causou danos às colheitas em milhões de hectares e tem sido objeto de vários processos judiciais. Documentos de descoberta apresentados no litígio mostraram que as empresas sabiam que seus herbicidas dicamba provavelmente causariam danos às colheitas fora do alvo. 

Durante anos, a Bayer e a BASF culparam outros fatores, para além dos seus herbicidas, incluindo produtos químicos mais antigos, pelos danos.

Em fevereiro de 2020, um júri federal no Missouri concedeu ao maior produtor de pêssegos do estado US$ 265 milhões pelos danos à sua fazenda, embora esse total tenha sido posteriormente reduzido por um juiz federal. A BASF e a Bayer dividiram os US$ 15 milhões em indenizações compensatórias, e a Bayer e Bader acertaram indenizações punitivas por um valor confidencial, mostram os registros judiciais. Em junho de 2020, a Bayer anunciou um acordo de US$ 400 milhões com produtores de soja que foram prejudicados pela deriva não-alvo de dicamba. 

A EPA regulamenta o dicamba e outros agrotóxicos usando a Lei Federal de Inseticidas, Fungicidas e Rodenticidas. A lei exige que a agência determine se um produto químico representa algum risco excessivo para as pessoas ou para o ambiente, tendo em conta os custos e benefícios económicos, sociais e ambientais da utilização de qualquer pesticida.

A EPA também deve cumprir a Lei de Espécies Ameaçadas, que exige que a agência garanta que os pesticidas não prejudiquem plantas ou animais protegidos. 

Grupos conservacionistas e agrícolas alegam que a EPA violou ambas as leis ao aprovar o dicamba. Mas a EPA afirmou repetidamente o seu apoio ao dicamba, emitindo as aprovações mais recentes em 2018 e novamente, com restrições adicionais, em 2020.

Um painel de três juízes do Tribunal de Apelações do 9º Circuito anulou a aprovação de 2018 , concluindo que a EPA havia realizado análises falhas e “subestimado substancialmente” os riscos associados aos herbicidas dicamba vendidos pela Monsanto e BASF, tornando a aprovação da EPA ilegal. Além disso, um exame da aprovação de 2018 pelo Gabinete do Inspector Geral (OIG) da EPA concluiu que os nomeados políticos que trabalham na gestão da EPA violaram a política de integridade científica da agência, alterando as análises e conclusões dos cientistas.

A administração Biden disse que a sua decisão de reaprovação do dicamba em 2020 – ao contrário da decisão de 2018 – não teve motivação política e é adequada dadas as suas restrições adicionais, tais como datas limite após as quais a utilização é proibida e zonas tampão alargadas em torno dos campos onde o dicamba é pulverizado.

Mas os documentos divulgados no litígio mostram que a influência potencialmente indevida da gestão sénior da EPA continuou na aprovação mais recente. Os e-mails mostram que os cientistas da agência discutiram, por exemplo, o envolvimento prático de Alexandra Dunn, administradora assistente do Escritório de Segurança Química e Prevenção da Poluição da EPA.

Os registros mostram que Dunn se encontrou pessoalmente com dirigentes da Bayer sobre a reaprovação em 2020 . E mostram que quando os cientistas da agência questionaram a necessidade de muitas reuniões com a Bayer, Matuszko disse-lhes que era importante para a gestão superior que o fizessem e que trabalhassem com a indústria.

“Estamos nos reunindo novamente porque nosso pessoal sênior nos disse para fazê-lo”, escreveu Matuszko . “A melhor coisa que podemos fazer é direcionar a conversa para o caminho que desejamos.” 

George Kimbrell, diretor jurídico do Centro de Segurança Alimentar, disse não compreender como a administração Biden continuou a defender a decisão de 2020 como apolítica, quando foi tomada pelos mesmos responsáveis ​​que tomaram a decisão de 2018.

“A decisão de 2020 foi tomada pelo mesmo regime, pela mesma administração”, disse Kimbrell.

Logo abaixo do fio

À medida que se aproximava o prazo de outubro de 2020 da administração para renovar a aprovação do dicamba, a Bayer alertou a EPA que a empresa não seria capaz de apresentar os estudos necessários até pouco antes da decisão da EPA, mostram os documentos.

“Então eles querem nos fornecer estudos de campo, estudos complexos de toxicidade, estudos de deriva, etc… algumas semanas antes da decisão ser tomada?” escreveu Brian Anderson, vice-diretor de divisão da EFED.

Uma das razões pelas quais o Nono Circuito proibiu o dicamba foi porque o rótulo do dicamba era muito difícil de seguir no mundo real, mas os e-mails mostram que os cientistas da EPA sabiam que o problema não foi resolvido pela decisão de 2020.

“Parece que esses rótulos estão ficando mais complicados”, escreveu Matuszko em bate-papo com outros colegas durante reunião com a Bayer.

“Sim”, respondeu Charles Peck, um cientista sênior.

“Isso não tornará as coisas menos complicadas”, disse Farruggia.

“E ganhar mais dinheiro para eles… parece um monopólio”, disse Peck.

Os funcionários da EPA também discutiram em e-mails que o não cumprimento do rótulo continuaria, levando a mais danos no mundo real.

“Observação: há estados dizendo que os incidentes ocorrerão DEPOIS (2 a 3 semanas após) as datas limite. As pessoas ainda não estão cumprindo. Talvez os incidentes diminuam, mas provavelmente haverá alguns, independentemente das datas limite”, escreveu Kelly Tindall, consultora científica sênior da EPA, aos colegas em 14 de julho de 2020.

A pressão continuou até que o então administrador da EPA, Andrew Wheeler, anunciou a aprovação no final de outubro de 2020. 

Os documentos mostram que a EPA estava fazendo as revisões finais do rótulo na sexta-feira, 23 de outubro, bem depois do horário comercial, em preparação para o anúncio da mudança por Wheeler na semana seguinte. Os funcionários trocavam e-mails o dia todo. Multiple disse que ficou sem tempo para realizar uma revisão completa. A EPA finalmente enviou o rótulo para a Bayer às 20h45 e para a BASF às 20h47. 

Dois dias após o anúncio de Wheeler, a Bayer notou um erro na aprovação final. A EPA disse que o registro de cinco anos expiraria em 2020, não em 2025. A Bayer pediu à EPA que corrigisse o erro de digitação.

Scott Garrison, advogado da EPA que revisou o documento, disse a um colega que cometeu o erro para não se preocupar com isso.

“Nestas circunstâncias, nenhum de nós deveria se sentir mal pelos erros. Fizemos o que pudemos – na verdade, mais do que deveríamos. Pedimos mais tempo e fomos recusados, então eles conseguiram o que conseguiram”, disse Garrison. “Mas mesmo ao revisá-lo, eu sabia que também ficaria envergonhado com o texto e a organização dele.”


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Este texto escrito originalmente em inglês foi publicado pelo “The New Lede” [Aqui!].

No crespúsculo de 2023, deriva de agrotóxicos exterminou milhões de abelhas no Paraná

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A notícia publicada pelo Portal G1 é nova, mas parece velha já que trata de um problema recorrente nas regiões produtoras de mel no sul do Brasil, qual seja, o extermínio de milhões de abelhas por causa da deriva de agrotóxicos em Arapoti, município campeão na produção de mel no Paraná. O principal suspeito de ser o causador de mais esse extermínio de abelhas é o inseticida Fipronil, um velho conhecido dos apicultores brasileiros que estão perdendo sua fonte de renda em passos cada vez maiores.

A liberação de dezenas de formulações de Fipronil, que começou no governo Bolsonaro e continuou no governo Lula, é uma espécie de morta anunciada de abelhas e outros polinizadores que não são em tese alvo da aplicação de agrotóxicos. Entretanto, dada a ocorrência praticamente inevitável do processo de de deriva, o extermínio de polinizadores é uma consequência costumeira do uso de venenos agrícolas que são letais para todo tipo de insetos, e não apenas aqueles que são considerados pragas agrícolas.

A diminuição das populações de abelhas representa uma grave ameaça não apenas para os apicultores, mas para a agricultura em geral. A dependência da maioria das culturas da ação mecanica realizada pelos insetos na distribuição do pólen torna as abelhas elementos essenciais na produção agrícola. No entanto, dentro da lógica do “ogronegócio” que vende hoje o que poderá colher no futuro, o sacríficio do médio e longo prazo, curiosamente, é desprezado em nome da continuidade de um modelo viciado em agrotóxicos.

Como demonstrado na matéria do G1, a ação das agências ambientais é basicamente inócua dado que a força das entidades que representam ruralistas e os fabricantes de agrotóxicos continua sendo exercida diretamente dentro do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), bem como na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). A recente promulgação do Pacote do Veneno pelo presidente Lula deverá agravar ainda mais essa interferência, dada a fragilização que ocorreu no marco regulatório dos agrotóxicos.

A saída para apicultores e agricultores que praticam sistemas não venenosos será tornar a questão de agrotóxicos um elemento central da luta política visando mobilizar a população que deseja ter acesso a alimentos saudáveis contra a hegemonia dos agrotóxicos na agricultura brasileira. Do contrário, em pouco tempo não haverá mais abelhas para polinizar nossos campos e produzir mel.