Rio Morto: Ativistas ambientais, pesquisadores e atingidos pelo desastre de Mariana apresentam demandas à justiça capixaba

Formalização de demanda ao Ministério Público e à Defensoria Pública relativa à repercussões do desastre do rompimento da barragem de Fundão no ES

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Excelentíssimos(as) Representantes do Ministério Público Federal – MPF
Excelentíssimos(as) Representantes do Ministério Público do Estado do Espírito Santo – MPES
Excelentíssimos(as) Representantes da Defensoria Pública da União – DPU
Excelentíssimos(as) Representantes da Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo – DPES

Assunto: Solicitação de informações, transparência e inclusão das comunidades da foz do Rio Doce no processo de tomada de decisão sobre o manejo dos rejeitos de Fundão e acesso a estudos sobre contaminação de águas, sedimentos e alimentos.

Prezados(as),

Nós, organizações da sociedade civil, pesquisadores, comunidades tradicionais, pescadoras(es), quilombolas e demais moradores da região da foz do Rio Doce, dirigimo-nos a Vossas Excelências para expressar preocupação urgente e indignação crescente diante dos impactos que persistem após o rompimento da barragem de Fundão (2015) e, especialmente, da recente abertura de consulta pública visando à definição de Termo de Referência para estudos ambientais sobre o manejo dos rejeitos depositados na UHE Candonga.

Segundo nota oficial do IBAMA publicada em 21/01/2025, está aberta Consulta Pública para recebimento de subsídios técnicos ao Termo de Referência que orientará os estudos ambientais para o manejo dos rejeitos de Fundão retidos na Usina Hidrelétrica de Candonga, com prazo e procedimento definidos pelo órgão ambiental federal. (Fonte: IBAMA – “Consulta pública para subsídios ao Termo de Referência para estudos ambientais do manejo dos rejeitos depositados na UHE Candonga” – gov.br)
Link: https://www.gov.br/ibama/pt-br/assuntos/notas/2025/consulta-publica-subsidios-ao-termo-de-referencia-para-estudos-ambientais-do-manejo-dos-rejeitos-depositados-na-uhe-candonga

Tal informação causou espanto devido à ausência de comunicação e participação social e intensa preocupação entre as comunidades locais, uma vez que a situação dos rejeitos está diretamente relacionada à situação de presença de metais contaminantes ao longo da calha do Rio Doce o que implica diretamente na saúde e segurança alimentar de quem vive na foz, local que já enfrenta histórico de contaminação pós-desastre.

A apreensão é agravada pelo conteúdo do estudo divulgado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), que registrou elevada concentração de metais pesados em alimentos cultivados no estuário do Rio Doce, tais como mandioca, banana e cacau. De acordo com a pesquisa, foram identificados teores preocupantes de chumbo, cádmio, cobre, cromo e níquel, em níveis acima de padrões internacionais de segurança alimentar estabelecidos pela FAO e OMS. (Fonte: UFES – “Pesquisadores encontram elevada concentração de metais em alimentos cultivados no estuário”). Segundo observa-se “o estudo também reconhece que seria necessário ampliar a amostragem de áreas ao longo do Rio Doce para melhor compreender o potencial risco para a população atingida pelo desastre. Porém, os resultados oferecem um sinal de alerta, pois dependendo da quantidade de alimentos ricos em metais consumidos, assim como de fontes adicionais de contaminação (solo, ar e água), existe a possibilidade de risco para crianças.”
Link: https://www.ufes.br/conteudo/pesquisadores-encontram-elevada-concentracao-de-metais-em-alimentos-cultivados-no-estuario

Adicionalmente, reportagem investigativa independente publicada pela Mongabay Brasil (2025) reforça que, 10 anos após o rompimento de Mariana, famílias quilombolas do Rio Doce ainda convivem com água imprópria para consumo e pesca contaminada, afetando diretamente os modos de vida das comunidades de Degredo, Povoação e Regência. A matéria registra relatos de adoecimento, perda de sustento, insegurança alimentar e ausência de reparação efetiva. (Fonte: Mongabay Brasil – “Dez anos após Mariana, quilombolas do Rio Doce ainda sofrem com água contaminada”)
Link: https://brasil.mongabay.com/2025/11/dez-anos-apos-mariana-quilombolas-do-rio-doce-ainda-sofrem-com-agua-contaminada/?amp=1

Essas referências configuram um cenário crítico e epidemiologicamente sensível, indicando que qualquer decisão relacionada aos rejeitos de Candonga sem controle e participação social informada e qualificada pode aprofundar a injustiça socioambiental já instalada.

Nesse sentido, é absolutamente necessário que as Instituições de Justiça observem o risco que está colocado, inclusive às futuras gerações, garantindo que mesmo em tempos vindouros seja possível escrutinar o processo de tomada de decisão realizado hoje, atribuir responsabilidades e avaliar novos riscos em face às situações ainda desconhecidas.

Ressaltamos que o direito à proteção ambiental e à saúde no Brasil possui fundamento constitucional sólido e orientação expressa de responsabilidade intergeracional. O artigo 225 da Constituição Federal de 1988 estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo ao poder público e à coletividade o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações. De forma relacionada, está o artigo 196, que reconhece a saúde como direito universal e impõe políticas voltadas à redução de riscos ambientais. Tal fundamento é reforçado pela Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), que incorpora os princípios da prevenção e da reparação, responsabilizando o poluidor e estabelecendo instrumentos para controle da degradação; pela Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985), que permite a tutela judicial de direitos difusos e coletivos, incluindo danos ambientais de caráter continuado; e pela Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997), que reconhece a água como bem público finito a ser utilizado de forma sustentável entre gerações. Soma-se a isso a proteção prioritária conferida a crianças e adolescentes pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), garantindo-lhes direito ao desenvolvimento saudável e reforçando o dever estatal de assegurar condições ambientais seguras. Em âmbito internacional, o Princípio 3 da Declaração do Rio/92 consagra o dever de atender equitativamente às necessidades das gerações presentes e futuras e a Convenção 169 da OIT (Decreto nº 5.051/2004) assegura a consulta prévia, livre e informada de povos e comunidades tradicionais diante de ações que afetem seus territórios e modos de vida. Conjunto normativo que, articulado, consolida a proteção ambiental e sanitária como direito fundamental intergeracional, sobretudo em contextos de risco tóxico contínuo como o da bacia e foz do Rio Doce.

Diante disso, requeremos:

  1. Acesso público integral e simplificado a todos os documentos referentes ao processo de manejo dos rejeitos na UHE Candonga, incluindo Termo de Referência preliminar, pareceres técnicos, estudos de risco, alternativas tecnológicas avaliadas e plano operacional.
  2. Disponibilização de todos os estudos ambientais, hidrológicos e toxicológicos existentes sobre contaminação na bacia do Rio Doce, com recorte específico para o estuário e costa capixaba, incluindo o estudo da UFES aqui citado e outros que estejam em posse de órgãos públicos e empresas responsáveis.
  3. Informação detalhada e atualizada sobre medidas adotadas e previstas pelos responsáveis pela reparação, especialmente monitoramento de metais na água, pescado e alimentos, ações de saúde pública e planos de mitigação.
  4. Inclusão formal das comunidades quilombolas de Degredo, e das localidades de Povoação e Regência, e suas ATIs, no processo decisório, com consultas públicas presenciais, linguagem acessível e respeito ao direito de participação social livre e informada, conforme princípios da Convenção 169 da OIT e legislação ambiental brasileira.
  5. Criação de mecanismo permanente de diálogo e transparência, com canal institucional de acompanhamento comunitário, audiências públicas, acesso a dados e relatórios periódicos.
  6. Disponibilização de um plano de comunicação e divulgação científica que permita que as comunidades possam acompanhar e compreender os aspectos técnico-científicos envolvidos na questão de manejo de rejeitos e outros relacionados a contaminação do rio, mar, ou ligados a qualquer repercussão potencial ou conhecida nos usos do rio e mar.

Reiteramos que o manejo dos rejeitos de Fundão sem transparência, ciência acessível e participação dos povos atingidos não é aceitável. A vida e a saúde das comunidades precisam ser tratadas como prioridade absoluta.

Solicitamos que respostas formais sejam enviadas aos autores e signatários desta representação.

Colocamo-nos à disposição para diálogo e cooperação institucional.

Atenciosamente,
Associações, coletivos, comunidades, pesquisadores e pessoas signatárias

Laboratório de pesquisa em política ambiental e justiça – LAPAJ/UFES (coordenação da Profa. Cristiana Losekann)

Associação de Surf de Regência –

Movimento dos Atingidos por barragens –

40 anos do Parque dos Abrolhos: Estudo inédito levanta dados sobre biodiversidade da região

Levantamento realizado pela Conservação Internacional e Instituto Baleia Jubarte, analisou a distribuição de 635 espécies de peixes, corais, invertebrados, mamíferos, aves e tartarugas marinhas na Região dos Abrolhos

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Foto: Luciano Candisani/iLCP

Rio de Janeiro, 27 de abril de 2022 – Um levantamento inédito realizado na Região dos Abrolhos, no Extremo Sul da Bahia, apontou que uma em cada cinco espécies analisadas dentro do Parque Nacional Marinho (PARNAM) dos Abrolhos, encontra-se em alguma categoria de ameaça de extinção. No total, 635 espécies de peixes, corais, invertebrados, mamíferos, aves e tartarugas marinhas na Região dos Abrolhos foram analisadas no estudo realizado pela Conservação Internacional (CI-Brasil), Instituto Baleia Jubarte (IBJ) e pesquisadores do Instituto Coral Vivo e de universidades brasileiras.

“Desde 2005 que os dados sobre a biodiversidade da região dos Abrolhos não eram atualizados. Todos sabem que é a região com a maior biodiversidade marinha do Brasil, mas havia poucas informações detalhando a distribuição desta biodiversidade. O estudo atualiza os dados sobre os habitats e as espécies encontradas, e analisa as áreas onde essa biodiversidade está mais concentrada, contribuindo para o planejamento e priorização de ações de conservação na região” afirma Guilherme Dutra, diretor do Programa Marinho e Costeiro da CI-Brasil e um dos autores do estudo.

Com cerca de 88 mil hectares, o PARNAM dos Abrolhos protege pouco menos de 1% da Região dos Abrolhos. Apesar de pequeno comparado aos 9,5 milhões de hectares da região, a Unidade de Conservação é muito representativa para a biodiversidade. Das 635 espécies analisadas, 77% delas (491) são encontradas no parque. Só de espécies de peixes são cerca de 400, e outras 52 espécies do grupo dos corais. Essa riqueza torna a Região dos Abrolhos a mais biodiversa do oceano Atlântico Sul, com os maiores recifes de coral da costa brasileira e o maior banco de algas calcárias do mundo.

Mas Dutra destaca que apesar de sua importância, o parque dos Abrolhos não é suficiente para proteger a biodiversidade da região: “O Parque dos Abrolhos possui grande importância para a conservação de muitas espécies marinhas, mas nem todas as espécies que ocorrem no parque estão protegidas. Boa parte delas possui ampla distribuição, ou seja, transitam por toda a região ou pela costa brasileira. Se a espécie sofre ameaça na maior parte de sua área de ocorrência, uma pequena área de proteção, não será suficiente para sua recuperação.”

Eduardo Camargo, Diretor Executivo do Instituto Baleia Jubarte e co-autor do estudo complementa: “A ampliação do Parque de Abrolhos e a definição de sua Zona de Amortecimento, bem como a criação de novas áreas protegidas de uso sustentável abrangendo toda a Região dos Abrolhos são propostas há anos por ambientalistas e podem garantir a conservação e o uso sustentável das espécies marinhas da região.”

Para além das espécies, o PARNAM dos Abrolhos também é destaque quando o assunto são habitats marinhos. O estudo coletou dados sobre essas ocorrências. Os chapeirões – grandes recifes em forma de cogumelos, são uma formação recifal única da região e podem chegar a 20 metros de altura e 50 metros de diâmetro. Lá também são encontrados recifes em franja no entorno das ilhas, recifes rasos, recifes mesofóticos, bancos de gramas e algas marinhas, bancos de algas calcárias e fundos de areia. Essa diversidade de habitats ajuda a explicar a alta diversidade de espécies parque. 

Toda essa diversidade é constantemente ameaçada. Há pelo menos três décadas tentativas de explorar petróleo e gás natural e minerar o fundo marinho dos Abrolhos cercam a região. Desastres provenientes da ação humana, como o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana-MG, e o grande vazamento de óleo que atingiu a costa Brasileira em 2019 – com origem ainda hoje desconhecida, deixaram cicatrizes nos ambientes marinhos de Abrolhos. Da mesma forma, a sobrepesca ameaça as populações de organismos marinhos, muitas delas com risco de extinção, como mostra o estudo. A sociedade civil organizada se une em campanhas ambientais de conservação para tentar chamar atenção para os problems. As campanhas “Abram os Olhos”, “Adote Abrolhos” “Abrolhos sem Óleo” são exemplos.

40 anos do PARNAM Abrolhos
No dia 06 de abril de 2023, o PARNAM Abrolhos completou 40 anos de criação. Unidade de Conservação mais conhecida da região Extremo Sul da Bahia, o Parque é um dos principais destinos de mergulho do Brasil. Criado em 1983, o parque passou por muitas etapas de implementação, e hoje é um dos motores da economia na região. Parceiro da Futuri: Aliança pelo Turismo Regenerativo, a unidade vem atuando para além de suas fronteiras, por uma visão de desenvolvimento sustentável do turismo, que envolve cerca de 80 mil pessoas. O PARNAM é também uma importe área de procriação para muitas espécies marinhas, pescadas pelos mais de 20 mil pescadores artesanais de Abrolhos. 

“O Parque dos Abrolhos, após 40 anos, é parte da identidade e imaginário da região é uma área que tem uma relevância ambiental consolidada, mas, também passou ser relevante para cadeia do turismo regional, gerando ocupação e renda de forma direta e indireta e impulsionando outras cadeias econômicas. Muitas experiências de gestão estão consolidadas por quem nos antecedeu. Nossa equipe segue trabalhando com firmeza para a manutenção do legado conquistado e com um olhar no futuro buscando consolidar a implementação da unidade. Estamos muito felizes com o engajamento e por poder compartilhar este momento de comemoração com a comunidade local”, afirma Erismar Rocha, chefe do NGI ICMBio Abrolhos. 

Vice Media: Especialistas Especulam Sobre o Futuro de Mariana Pós-Desastre

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Por Débora Lopes, Repórter

A história de Minas Gerais mudou para sempre na quinta-feira passada (5), quando duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco se romperam e uma quantidade absurda de lama destruiu o subdistrito de Bento Rodrigues, localizado na cidade histórica de Mariana. De acordo com a Defesa Civil de Minas Gerais, seis pessoas morreram e 19 estão desaparecidas. Os executivos da Vale e da anglo-australiana HP Billiton, donos da Samarco, falaram publicamente pela primeira vez na quarta-feira (10), quase uma semana depois do acontecido.

Ontem (12), após sobrevoar a área afetada, a presidente Dilma Rousseff (PT) anunciou que a mineradora será multada em R$ 250 milhões.

A tragédia afetou a vida de centenas de moradores da região, abrigados temporariamente em hotéis. A lama percorreu mais de 300 km e chegou até o Espírito Santo, afetando diversas cidades que dependiam do Rio Doce para abastecimento de água. Pelo menos 800 mil pessoas ficaram sem água tratada nos últimos dias. Enquanto diferentes esferas do governo lidam com a questão, o Brasil permanece em choque, assistindo aos depoimentos e ao horror vivido pelas vítimas da tragédia. Depois do desastre, Mariana conseguirá se reerguer?

A VICE pediu que especialistas brasileiros de áreas diferentes vislumbrassem um futuro para a cidade histórica de Minas Gerais. Leia os depoimentos editados abaixo:

Marcos Pedlowski, graduado e mestre em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutor em Planejamento Regional pela Virginia Polytechnic Institute and State University (Estados Unidos) e professor na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF)

“O que aconteceu em Mariana não foi acidente, foi incidente. Era previsível. O dano ambiental naquela região é incalculável. Esses dejetos não são inertes, são extremamente tóxicos. Esse material tende a ficar parado no leito do rio e modificar sua forma. As minas eram uma fonte importante pra cidade. Para aquelas comunidades que perderam as casas e a agricultura, o cálculo geral é monstruoso em termos de perdas econômicas e sociais.

“Com R$ 250 milhões não se começa nem a resolver o problema da descontaminação e da retirada da lama”, afirma o geógrafo Marcos Pedlowski sobre o valor de multa que deverá ser pago pela Samarco

Minha preocupação agora é que esse assunto fique na escala da multa de R$ 250 milhões que a presidente anunciou ontem (12). Porque, com R$ 250 milhões, não se começa nem a resolver o problema da descontaminação e retirada da lama – que, fisicamente, vai ser um trabalho muito difícil. Não é uma estratégia só de prefeitura, porque a prefeitura de Mariana não tem capacidade pra reagir sozinha. Vai ter de ter uma articulação de diferentes esferas de governo e, principalmente, da BHP Billiton e da Vale, porque essa é uma responsabilidade das duas, que são as duas maiores mineradoras do mundo.

O impacto não é só em Mariana, mas também no litoral capixaba, que está a 600 km de trânsito desses dejetos. E a escala temporal de recuperação ambiental é de décadas, no mínimo. Mas nada disso aparece na mídia.”

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Foto: Corpo de Bombeiros de Minas Gerais

Dalce Ricas, cientista econômica, fundadora da AMDA (Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente)

“Medir a dimensão do impacto é até difícil. As consequências ambientais se dão no próprio relevo. Independentemente de ser tóxica ou não, a lama mata. Ela corta a possibilidade de fotossíntese. Ela representou, talvez, um dos últimos golpes de morte sobre o Rio Doce, que já está morrendo por causa do desmatamento, da erosão do solo, do esgoto e do lixo jogado pela população, pelas prefeituras.

Se foi negligência ou não, a Samarco é responsável por tudo o que aconteceu. E, se não foi negligência, significa que fatores não controláveis agiram.

A duração dos impactos será a memória viva de uma tragédia que não pode ser esquecida e que tem, obrigatoriamente, de ser um marco de mudanças ambientais em Minas Gerais e no país”, relata Dalce Ricas, fundadora da AMDA (Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente)

A duração dos impactos será a memória viva de uma tragédia que não pode ser esquecida e que tem, obrigatoriamente, de ser um marco de mudanças ambientais em Minas Gerais e no país. Não só no que se refere à atividade mineradora, mas no que se refere à construção de barramentos, inclusive para a exploração de água para irrigação, geração de energia elétrica e abastecimento doméstico. Todas elas estão sujeitas. De qualquer maneira, uma barragem, mesmo sendo de água limpa, pode arrebentar, matar e causa danos.

Considerando a topografia do Quadrilátero Ferrífero [maior região produtora de ferro em Minas Gerais], nós entendemos que a mineração com esse tipo de projeto, de destinação de resíduos em barragens tem de acabar. Têm de haver novas tecnologias pra destinar os rejeitos sem fazer barragem.”

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Foto: Corpo de Bombeiros de Minas Gerais

Bruno Milanez, graduado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em Engenharia Urbana pela Universidade de São Carlos (UFSCar), doutor em Política Ambiental pela Lincoln University (Nova Zelândia), professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e coordenador do grupo PoEMAS (Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade)

“O problema de Mariana, como boa parte das cidades mineradoras do Quadrilátero [Ferrífero], é que ela tem uma forte dependência da mineração. Então, provavelmente, o que será de Mariana em termos de continuidade de vida vai depender de quanto e quando a mineração vai ser retomada. Talvez haja um deslocamento de pessoas da Samarco pra outras mineradoras da Vale na região a curto prazo. Mas isso torna tudo mais complicado por conta da demanda pelo minério. Então, pode ser também que a Vale segure ainda mais a volta da produção pra esperar o mercado de minério voltar a se aquecer.

A questão das vidas das pessoas vai além do que a empresa vai poder fazer. O que foi perdido do ponto de vista histórico é irrecuperável. Na verdade, como boa parte dos impactos da mineração, é irreversível nesse aspecto. O que foi perdido, foi perdido.

O rejeito de minério de ferro é muito pobre do ponto de vista de nutriente e carbono. Então, apesar da natureza se recuperar, vamos botar aí séculos [para poder se recuperar]. Talvez alguns anos ou décadas – se houver um esforço, como a transferência de solo fértil de outras áreas pra cobrir aquela região. Será preciso começar um planejamento de recuperação da área com plantio de espécimes nativas e aí começar a recriar o sistema. O tempo que isso vai levar depende de quanto esforço vai ser feito. Com muito esforço, em 10, 20 anos. Isso pra ter mata nativa de novo. Com um esforço menor, esse tempo dobra ou triplica. Principalmente porque o solo é muito infértil. Isso compromete muito a capacidade de recuperação.

“Apesar de o Brasil ser o segundo maior exportador de minérios do mundo, o brasileiro não percebe o país como um país minerador”, relata Bruno Milanez, doutor em Política Ambiental pela Lincoln University (Nova Zelândia)

Em alguns estudos que fiz em outros países onde houve a criação de legislação que restringia a mineração de fato, um dos fatores que levaram a uma sensibilização maior foi uma sequência de eventos trágicos. Eles, aos poucos, construíram na sociedade a percepção de que a atividade minerária é uma atividade de risco e altamente impactante.

O Código Mineral está sendo debatido, e quase ninguém sabe disso. Diferentemente do Código Florestal, em que houve uma comoção. Apesar de o Brasil ser o segundo maior exportador de minérios do mundo, o brasileiro não percebe o país como um país minerador.”

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Foto: Corpo de Bombeiros de Minas Gerais

Cleuber Moraes Brito, graduado em Geografia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), mestre em Geofísica pela Universidade de São Paulo (USP), docente da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e consultor na área de mineração e meio ambiente

“Os rios por onde essa avalanche passou estão totalmente alterados. O leito já não é mais o mesmo. Provavelmente, até o percurso desse rio não é mais o mesmo. Teve vegetação e fauna soterradas, devastadas. Ou seja, há uma impactação imensa do ponto de vista físico e biótico – e com repercussões sociais.

O rio [Doce] perdeu, praticamente, toda sua capacidade biológica de peixes. Logicamente que já não era um rio de qualidade excelente, mas alguma vida ali dentro tinha. Há ainda uma instabilidade muito grande de taludes, margens, rios. Esses sedimentos que foram lançados são instáveis. Então, ainda vamos precisar de um tempo pra que isso esteja estabilizado. Será preciso levantar qual é a repercussão da vegetação: se é possível recuperá-la replantando, refazendo alguns nichos ecológicos que se tinha lá.

A lama é tóxica e prejudicial na medida em que aquilo é um resíduo de um processo. Essa lama fina carregada de óxido de ferro avançou nos terrenos. Você praticamente fecha os poros do solo, não tem mais essa dinâmica de um solo que respira, que infiltra água de chuva. Além disso, imagina quantas nascentes não foram soterradas? De um certo modo, a natureza vai assimilar isso. Mas eu não saberia dizer se em 5 ou 10 anos.

A questão é: como é que fica toda a repercussão da questão da bacia hidrográfica onde essa lama foi lançada? Como é que ficam as pessoas que tinham uma atividade nessa bacia? E as cidades que estão com dificuldades de abastecimento público? Como é que vai ser a própria reocupação dessa bacia? Porque agora existe um trauma de que não há segurança nessas barragens.

Temos que trabalhar sempre com a prevenção. Uma avalanche dessa não chega em segundos. Na hora em que arrebenta lá em cima, há algum tempo pra que você possa evacuar. Parece-me que isso não funcionou. Ou por falta de treinamento, ou por falta de um plano de contingência. Isso sem falar na própria avaliação técnica. Se essas barragens estavam seguras, se estavam bem construídas, se havia alguma situação anômala como, por exemplo, excesso de volume. Coisas que, até o momento, ninguém sabe.

“Algumas coisas são perdidas de vez, como por exemplo a memória. Tem gente que perdeu todas as fotografias da sua vida ou o que construiu ao longo do tempo. Está tudo soterrado hoje. Isso aí não tem volta”, diz Cleuber Moraes Brito, professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e consultor em mineração e meio ambiente

O que se espera é o seguinte: que a empresa faça todo o levantamento da dimensão do acidente; apresente um plano de recuperação de área degradada envolvendo o meio físico, biótico; como irá recuperar a fauna, a flora, a questão da estabilidade da bacia, toda uma questão de ordem geotécnica; e as repercussões sociais, ou seja, os atingidos. Durante um período em que a solução não chega, como essas pessoas serão atendidas? Como fica a renda delas? Algumas coisas são perdidas de vez como, por exemplo a memória. Tem gente que perdeu todas as fotografias da sua vida ou o que construiu ao longo do tempo. Está tudo soterrado hoje. Isso aí não tem volta. Nesse plano, as pessoas têm de ser contempladas.

E que isso sirva de exemplo pra que, talvez, o poder público, junto com os empresários, trabalhe em situações como essa pra que se diminua, elimine ou minimize ao máximo isso. Principalmente pras pessoas. Nesse momento, as pessoas são as mais importantes.

Não temos um histórico de casos similares pra que pudéssemos fazer uma estimativa de tempo de recuperação. A água, de um certo modo, vai depurando. Os materiais vão assentando. Talvez precisemos de uns dois, três anos pra que a água volte ao normal, sem traços de poluente. A fauna, depende. De repente, hoje, os répteis e os mamíferos se afastem porque mudou tudo. Mas, daqui a uns cinco anos, a floresta cresce de novo, a coisa fica estável e os bichos começam a voltar. Acho que vamos precisar de pelo menos cinco anos pra termos algo avançado e amadurecido da recuperação. Mas para a recuperação plena, uns dez anos.”

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Foto: Corpo de Bombeiros de Minas Gerais

Raquel Ferreira Pacheco, graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG) e em Gestão Pública pela Universidade de Minas Gerais (UEMG) e integrante do Grupo de Trabalho em Emergências e Desastres, do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CRP-MG)

“É importante observar e escutar as pessoas atingidas porque elas terão diversas reações agora, como pesadelos, não dormir bem, se sentirem inseguras o tempo inteiro, ter falta de concentração, alteração com qualquer ruído, qualquer barulho estranho – rememorando o momento das barragens vindo abaixo. Algumas podem querer ficar mais isoladas. Temos de ficar atentos com elas. Outros podem parecer indiferentes num primeiro momento.

“Tem de haver um trabalho de articulação para um atendimento a longo prazo. O que essas pessoas vivenciaram sobrepassa tudo que podemos imaginar”, informa Raquel Ferreira Pacheco, psicóloga integrante do Grupo de Trabalho em Emergências e Desastres do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais

No caso de Bento Rodrigues, eles não têm mais o local onde viveram, onde foram criados, os vínculos, os laços, a profissão. Muitos ali viviam do que produziam na terra. Portanto, o estresse pós-traumático é muito comum e não pode ser detectado de imediato. Essas famílias precisam, sim, ter uma orientação e atendimento. Tem de haver um trabalho de articulação para um atendimento a longo prazo. O que essas pessoas vivenciaram sobrepassa tudo que podemos imaginar.”

FONTE: http://www.vice.com/pt_br/read/especialistas-especulam-sobre-o-futuro-de-mariana-pos-desastre

Vídeo feito por morador mostra momento em que tsunami de rejeitos invade propriedade rural em Bento Rodrigues

Reproducao-TV-Globo

Recebi via o aplicativo Whatsapp um vídeo feito por um morador da localidade de Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana (MG), que mostra o momento em que o tsunami de rejeitos vindos das duas barragens  da Mineradora Samarco (Vale+ BHP Billiton).

Tenho apenas uma palavra para descrever o que mostra o vídeo: impressionante!

 

Marcelo Freixo participa de debate na UENF sob olhares atentos de fiscais do TRE

O deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) que hoje participa de uma rodada de debates em universidades na cidade de Campos dos Goytacazes,manteve um animado bate papo no início desta tarde na sede da ADUENF com membros dos três segmentos que compõe a comunidade universitária da UENF sobre o significado das mobilizações de junho de 2013. Freixo falou ainda da importância das universidades na construção de formas alternativas para superar os graves desafios que o modelo econômico dominante traz para o cotidiano da maioria da população do Rio de Janeiro. No caso específico do financiamento das universidades estaduais, Freixo falou da importância que as comunidades universitárias da UENF, UERJ e UEZO unifiquem a defesa da aplicação dos 6% da receita líquida corrente que foi aprovada pela ALERJ e vetada pelo (des) governador Luiz Fernando Pezão.

Além de Marcelo Freixo, também estiveram presentes uma série de ativistas sociais, incluindo a senhora Noêmia Magalhães, uma das principais lideranças da ASPRIM, que aproveitou a ocasião para falar do drama social vivido por centenas de famílias do V Distrito de São João da Barra que tiveram suas terras expropriadas pelo (des) governo Sérgio Cabral que as entregou para o conglomerado de empresas do ex-bilionário Eike Batista. A fala da Dona Noêmia foi saudada como Marcelo Freixo que exaltou a importância da resistência organizada pelos agricultores do V Distrito contra as injustiças que foram ali cometidas por Sérgio Cabral.

Uma nota peculiar foi a presença em todo o período em que o bate papo durou de dois fiscais do Tribunal Regional Eleitoral, que acompanharam de forma atenta as falas de todos que se manifestaram sobre a situação de crise em que a UENF está imersa neste momento.  Espero que eles tenham saído tão satisfeitos como os demais participantes do bate papo com Marcelo Freixo. Eu sei que eu sai!

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Sob a síndrome da naturalização dos problemas ambientais

Por Carlos Eduardo de Rezende*

Esta é uma visão geral do Canal do Quitingute. No final de 2012 este canal assim como várias áreas desta região sofreram um duro aporte de água salgada proveniente de um aterro hidráulico. Agora este mesmo canal passa por um evento de anoxia extrema com com níveis abaixo de 0,5 mg/L durante alguns dias e uma mortandade de peixes em período reprodutivo. Na realidade existe uma grande desinformação sobre o que aconteceu neste canal, mas algumas evidências demonstram claramente que houve um despejo de carga orgânica enriquecida de coliformes totais e fecais. Em um primeira medida encontramos 240.000±12.000UFC/100mL de Coliformes Totais e 25.500±1.980UFC/100mL de Coliformes Fecais (dia 21 de novembro de 2013); no dia 22 de novembro, encontramos 24.000±1.000UFC/100mL para Coliformes Totais e 450±80UFC/100mL para os Coliformes Fecais.

Os mais otimistas dirão, a situação melhorou e foi pontual, vejam, pontual foi a descarga, mas o problema não foi pontual, pois a área de anoxia persistiu e não houve um acompanhamento por quem deveria ter feito este tipo de serviço. Concluindo, hoje na região Norte Fluminense existe uma tendência a naturalização dos problemas ambientais e isto não pode persistir nesta região que hoje concentra o segundo pólo universitário do estado do Rio de Janeiro.

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Carlos Eduardo de Rezende é professor titular e chefe do Laboratório de Ciências Ambientais da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF)

No Canal de Quitingute, enquanto Eike Batista atordoa, o INEA esfola

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Acabo de voltar do Canal de Quitingute na altura da localidade de Água Preta onde fui acompanhar um técnico de campo do Laboratório de Ciências Ambientais da UENF que realizou coletas de amostras de águas que serão analisadas para determinar o que causou a mortandade de peixes que assustou e indignou os moradores daquela localidade.

Agora leio matéria publicada pelo site Campos 24 Horas (Aqui!) onde o superintendente  superintendente regional do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), Renê Justen, que teria informado que “os peixes morreram porque faltou oxigênio no trecho do Canal Quitingute perto de Água Preta. Isso se deu por conta de uma manobra operacional que fizemos na semana passada na comporta do canal de São Bento, que é a mesma que abastece o Quitingute. Abrimos uma comporta do Paraíba. A falta de oxigenação que matou os peixes decorre do lodo que se soltou do fundo do canal e se misturou com a água”.

Ai é que eu me pergunto: e ficamos assim? Quem vai arcar com os prejuízos sofridos pela população que depende do Canal de Quitingute para a captação de água e obtenção de pescado?

Além disso, se era sabido que havia a possibilidade desta manobra causar este processo de liberação de lodo e de mistura na coluna d`água, por que o INEA não tomou providências para minimizar o problema ou, pelo menos, notificar a população?

Ai é que eu digo: no caso do Canal de Quitingute enquanto Eike Batista atordou com a salinização “pontual”, o INEA esfola com a “manobra operacional” que libera lodo!

Mas com as coletas que foram feitas hoje pela UENF, poderemos pelo menos saber os efeitos desta “manobra” sobre o ecossistema do Quitingute. Em sumam, o tamanho do prejuízo ambiental. A ver!