Bagaço de cana é usado para descontaminação de água

bagazo-cana-1-996x567Os rejeitos de minas contaminam as águas com metais pesados ​​que geralmente são difíceis de remover com tecnologias convencionais. Crédito da imagem: Carol Stoker, NASA , imagem em domínio público.

O aparelho, feito com bagaço de cana, é acoplado ao cano ou filtro de cerâmica ou argila, fazendo a ligação entre o encanamento e o dispositivo de filtragem da casa.

Em Ouro Preto, a mineração, que remonta ao século XVII, deixou um rastro de águas subterrâneas contaminadas com chumbo , ferro, manganês e arsênico. Um risco para a vida da maioria dos seus cerca de 75 mil habitantes. O arsênico, por exemplo, é extremamente tóxico e difícil de ser retido com carvão ativado, tecnologia convencional utilizada pelas estações de tratamento.

“São populações em situação de vulnerabilidade , que ainda captam água sem tratamento de poços artesanais ou torneiras públicas históricas, e que podem estar expostas a águas contaminadas”, diz o químico e engenheiro ambiental Leandro Vinícius Alves Gurgel, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). ).

Para dar uma solução alternativa ao problema da poluição, desde 2018 ele e sua equipe visitam residências cuja água, extraída de fontes alternativas, é suspeita de estar contaminada ou conter contaminantes identificados.

“São populações em situação de vulnerabilidade, que ainda recolhem água não tratada em poços artesanais ou torneiras públicas históricas, e que podem estar expostas a água contaminada.”

Leandro Vinícius Alves Gurgel, químico e engenheiro ambiental da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)

Para analisar as amostras de água coletadas , os pesquisadores medem 24 parâmetros, entre componentes biológicos e químicos, como cádmio, cobre, chumbo e arsênico.

Para potencializar a ação do bagaço de cana como adsorvente – ou seja, sua capacidade de reter partículas –, os cientistas fizeram modificações em sua estrutura, fixando moléculas orgânicas que possuem afinidade química com o poluente a ser eliminado.

“Fixadas em um material sólido, no caso o bagaço, essas moléculas retêm o contaminante”, explica o químico.

Além dos contaminantes que queriam eliminar, o laboratório também controlava os componentes que poderiam alterar o funcionamento da tecnologia . Ao medir a presença de cálcio e magnésio, por exemplo, descobriram que a quantidade desses componentes não interferia na adsorção de cádmio e cobre.

Foi assim que eles conseguiram o dispositivo. Depois de verificar a sua eficácia com as análises correspondentes – eliminação de 95 por cento de arsénico por 20-40 microgramas de água – os investigadores regressaram às casas das famílias envolvidas para instalá-lo.

O aparelho já está em nível de transferência de tecnologia e escala comercial. Para transferir tecnologia entre a universidade e as empresas interessadas, criaram a startup Aquaouro. Enquanto isso, farão algo inusitado no Brasil: esperam produzir entre 50 e 200 unidades do aparelho por mês na própria universidade.

Os pesquisadores optaram por não patentear o produto. Segundo eles, a tecnologia é um segredo comercial, “uma forma mais atrativa de atrair um parceiro que queira produzi-la em escala”, diz Gurgel.

Os pesquisadores esperam que o valor final do aparelho não ultrapasse R$ 100,00-150,00 por unidade (equivalente a US$ 20 – US$ 25), para que seja acessível ao maior número de famílias que dele necessitem, mas que seja acessível. dependerá, em última análise, do modelo de negócio adotado.

Carlos Eduardo de Rezende, pesquisador do Laboratório de Ciências Ambientais da Universidade Estadual do Norte Fluminense (LCA/UENF), que não faz parte do projeto da UFOP, considera a iniciativa relevante, dada a capacidade de filtragem de metais do aparelho e sua contribuição para a melhoria da qualidade da água que a população utiliza para seu consumo.

Porém, ele afirma que é importante que os pesquisadores estabeleçam a destinação do material filtrante após o uso, para não gerar outra fonte de contaminação.

“Embora seja biodegradável, por concentrar compostos indesejáveis, estes devem ter um destino para serem segregados adequadamente”, diz ao SciDev.Net o especialista em Ecologia Aplicada, Gestão e Conservação Ambiental de Recursos Naturais .

Leandro Gurgel explica que o arsênico removido será enviado para empresas fabricantes de concreto mecanizado, solução reconhecidamente segura, na sua opinião.

“Ao final de sua vida útil, quando o aparelho não consegue mais remover o arsênico, ele pode ser queimado para gerar energia, caso não contenha mais arsênico em sua composição. Se ainda sobrar resíduo, ele deverá ir para um aterro fiscalizado”, afirma.

Disputas pela água

A água de Ouro Preto deixou de ser gratuita, distribuída pela Prefeitura, para ser paga há quase cinco anos.

Vista panorâmica da cidade de Ouro Preto, no estado brasileiro de Minas Gerais. A mineração que remonta ao século XVII deixou um rastro de águas subterrâneas contaminadas. Crédito da imagem: Rosino/Flickr , licenciado sob Creative Commons CC BY-SA 2.0 Deed .

Desde que iniciou a sua actividade, em 2019, a Saneouro – concessionária responsável pelo abastecimento de água – encerrou o escoamento de água das minas próximas e passou a captar água de nascentes. No entanto, o serviço ainda não chegou a algumas áreas. As solicitações do SciDev.Net para saber o percentual de cobertura não foram atendidas pela empresa até o fechamento desta informação.

A privatização gerou disputas acirradas entre a população e a concessionária. Um grande número de moradores exige a remunicipalização do saneamento básico, para que o serviço volte a ser gratuito. Atualmente, em média, as contas variam entre R$ 300 a 1.400 por mês (aproximadamente US$ 50 a 250).

“Não sabemos que água estamos bebendo. A promessa de abastecimento universal ainda está pendente. Além disso, a água ainda não atende às necessidades de consumo e, mesmo assim, querem nos cobrar preços altos por um serviço de baixa qualidade”, aposentou Luiz Carlos Teixeira, 60 anos, coordenador da Federação das

A poluição por metais é complexa porque tem efeitos a longo prazo na saúde , podendo causar danos ao fígado, rins e pele, bem como alterações neurológicas. Não há números oficiais de vítimas dessas contaminações, mas relatos de moradores sugerem uma suposta correlação.

“Há duas semanas houve um surto de diarreia no bairro Pocinho e os vizinhos suspeitam que foi por causa da água”, relata Angelo Lucas Sobrinho, 33 anos, morador da região central da cidade. “Mas isso pode ser um vírus, não relacionado à água.”

Nascido no Espírito Santo, Angelo Sobrinho chegou à cidade há quatro anos para fazer doutorado na UFOP e é a favor da privatização do abastecimento e de soluções alternativas para o problema da poluição. Mas ele ressalta que ainda é preciso informar melhor a população local. “É preciso conscientizar as pessoas sobre as vantagens de uma água de qualidade”, acrescenta.

Carlos Eduardo de Rezende, da UENF, explica que a privatização dos sistemas de tratamento e abastecimento de água passa por uma grave crise de desconfiança pública devido à falta de transparência sobre a qualidade química da água.

“ As empresas devem disponibilizar uma base de dados sólida da água captada, bem como da água fornecida à população, e todo o processo deve ser rigorosamente fiscalizado pelos órgãos públicos competentes”, conclui.


Fonte:  SciDev.Net