A Uenf e o Porto do Açu: um acordo de cooperação que só servirá aos donos do enclave

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Enquanto agricultores que tiveram suas terras tomadas aguardam pelas indevidas devidas há mais de uma década, a Uenf serve para dar credibilidade às fantasias de ESG do Porto do Açu

Graças a uma iniciativa singular de um colega, pude revisitar brevemente a criação da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) como um daqueles produtos benignos do fim do ciclo militar inaugurado com o golpe de estado de 1964.   O fato é que foi graças à mobilização popular ocorrida em Campos dos Goytacazes e à eleição de um líder político exilado pelo regime militar, no caso Leonel Brizola, que a Uenf foi criada. E se sublinhe, com um desenho institucional altamente inovador, pois Brizola entregou a um intelectual militante, Darcy Ribeiro, a tarefa de desenvolver um modelo institucional que estivesse à altura dos desafios impostos pela realidade socialmente injusta que existia (e persiste) na região Norte Fluminense.

Passadas mais de três décadas da criação da Uenf, sua gênese nas lutas populares está majoritariamente esquecida, e na instituição fundada por exigência do povo pobre de Campos dos Goytacazes está instalada uma visão empresarial (que nada tem de empreendedora) que não apenas ignora os objetivos fundacionais da instituição, mas dá passos largos para apagá-los.

Um exemplo disso é um termo de cooperação em vias de ser assinado com o Porto do Açu, empreendimento que não passa de um enclave geográfico que está posto na paisagem do V Distrito como um elemento estranho para sugar tudo o que puder, deixando um rastro de destruição social e ambiental. Nas palavras de um respeitado pesquisador aqui da região “o Porto só quer tirar e só se importa com o que é bom para ele”.

 O fato é que para o Porto do Açu e seus proprietários alojados no fundo de “private equity“, o EIG Global Partners, acordos com instituições universitárias públicas como a Uenf (mas também a UFF-Campos e o IFF) são muito interessantes porque garantem mais uma meia página (ou uma, quando muito) nos relatórios anuais de governança corporativa. Isso acaba valendo milhões de dólares para os acionistas secretos de fundos de private equity, pois no mercado da governança sócio-corporativa (ESG), este tipo de acordo serve para acomodar preocupações dos seus investidores. Já para a Uenf (e UFF e IFF), o que fica é uma enorme mancha na imagem de que são instituições realmente voltadas para contribuir para um processo de desenvolvimento social e ambientalmente justo, e não para perpetuar um modelo que é social e ambientalmente desagregador e segregador.

Tenho que frisar aqui o estudo recentemente completado pela minha orientanda Jesa Mariano no Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais que mostrou que os programas de ESG do Porto do Açu não mudaram em nada a vida dos habitantes do V Distrito de São João da Barra, especialmente agricultores familiares e pescadores artesanais, que receberam e recebem as piores consequências da instalação desse enclave geográfico.

Aliás, como alguém que vem realizando pesquisas no V Distrito de São João da Barra desde antes do início da instalação do Porto do Açu, posso dizer que as questões que valem a pena de serem pesquisadas ocorrem fora das cercas que demarcam o território desse enclave internacional. Tanto é verdade que já desses estudos já saíram dissertações de Mestrado e teses de doutorado que resultaram em capítulos de livros e incontáveis artigos científicos. 

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Agricultores protestam na Barra do Açu contra a tomada de suas terras para implantação do Porto do Açu

O inconveniente para o Porto do Açu e seus proprietários é que esses trabalhos realizados sem a chancela oficial de acordos de cooperação como o que está para ser assinado com a Uenf mostram os graves efeitos ambientais e sociais que o enclave vem causando em São João da Barra. A começar pelo fato de que as centenas de propriedades forçosamente tomadas, muitas vezes com o uso de violência extrema, pelo governo do Rio de Janeiro de seus legítimos proprietários agora se encontram sob controle de fato do Porto do Açu, sem que seus proprietários, agricultores pobres, tenham sequer a perspectiva de que um dia serão ressarcidos pela perda de suas terras. 

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Agricultor mostrando seu plantio de abacaxi afetando pela salinização causada pelo Porto do Açu

Mas estudos realizados pelos meus orientandos no Setor de Estudos sobre Sociedade e Meio Ambiente (Sesma) do Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico (LEEA) também já identificaram a ocorrência de um processo erosão costeira e de salinização de águas continentais, fatos que complicam ainda mais a existência daqueles que se recusam a abandonar um território forte e negativamente impactado pela implantação do Porto do Açu.

Apesar da eventual assinatura de um termo de cooperação entre Uenf e Porto do Açu, uma coisa é certa: os estudos que documentam os malfeitos do enclave geográfico vão continuar, pois na instituição criada por Brizola e Darcy ainda há quem queira cumprir os objetivos fundacionais do que deveria ser uma Universidade do Terceiro Milênio comprometida com a felicidade do povo e não de quem o faz sofrer. E mais importante, enquanto os atingidos não forem ressarcidos e os danos ambientais continuarem avançando, o que não faltará é objeto de pesquisa. E no que depender de mim e dos meu grupo de pesquisa, o compromisso sempre será com os atingidos, compromisso esse que nunca caberá em acordos que só beneficiarão os donos do enclave.

O Porto do Açu como eterna miragem

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O jornal Terceira Via traz hoje uma matéria assinada pelo competente Ocinei Trindade cujo mote é apresentar o Porto do Açu como uma espécie de Eldorado para empresas localizadas em Campos dos Goytacazes. Pelo que pude notar nas diferentes falas elencadas na matéria, o Eldorado ainda não chegou porque os empresários campistas ainda não se prepararam suficientemente. Para superar isso, fomos informados que haverá um evento no campus da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) no próximo dia 8.

O problema para o cumprimento do chegada ao Eldorado é que, por sua natureza de enclave multinacional, o Porto do Açu não necessita da capilaridade que poderia beneficiar os negócios de base local. Basta ver o que a matéria lista como sendo as necessidades listadas no Plano de Desenvolvimento do Porto do Açu.  Nessa lista se vê coisas como “materiais elétricos e para obras em geral; equipamentos de proteção individual e coletiva; serviços de manutenção industrial e reparos; locação de equipamentos; fornecimento de uniformes; serviços de frete, logística e administrativos; materiais de escritório; serviços gráficos e de alimentação“.

Como morador da cidade há 25 anos e consumidor de parte dos itens listados enquanto professor do maior empreendimento de educação da região Norte Fluminense, sei que hoje é muito mais barato comprar fora daqui e, por vezes, com maior qualidade do que é oferecido. E isso não se dá por um problema de incompetência do empresariado local, mas porque a economia de escala dita isso, especialmente para produtos que portem ou requeiram maior agregação de tecnologia na sua produção.

O fato é que Porto do Açu não precisa nem pode depender de fornecedores locais para alcançar o nível de eficiência que seus porta-vozes dizem pretender. A capilarização que se enuncia para até 30 anos é só uma forma de vender o Porto do Açu como algo além de um enclave que, convenhamos, no plano só causou degradação ambiental e prejuízos sociais. Essa manobra de se parecer importante para o desenvolvimento local é uma das muitas facetas da chamada “governança social corporativa” (GSC) que tem sido utilizada para dar uma fachada de responsabilidade às práticas empresariais de corporações financeiras como é o caso do fundo que detém a propriedade do Porto do Açu, o EIG Global Partners. Para quem quiser saber mais sobre a GSC sugiro a leitura do livro Racionalidade Coreográfica“.

Trocado em miúdos, a ideia do Porto do Açu seria uma espécie de Eldorado parece ser mais uma daquelas que estão sendo vendidas desde 2009 quando Eike Batista convenceu o ex-governador Sérgio Cabral a comprar as ideias que ele vendia em suas famosas apresentações de Powerpoint.  O problema é que o Porto do Açu, ao menos para quem acredita que é possível existir um modelo de desenvolvimento local, não passa de uma imensa miragem onde há sempre muito mais espuma do que chope.

Finalmente, sob pena de parecer cansativo, bom seria se o Porto do Açu resolvesse pagar (e pelo o preço correto de mercado) os agricultores do V Distrito de São João da Barra que tiveram suas terras tomadas por Sérgio Cabral e entregues a Eike Batista que as repassou de graça quando o Grupo EBX foi a pique.

Depois de tomar terras de agricultores, Porto do Açu agora cria conselho para estimular “desenvolvimento local responsável”

Confesso que ando ocupado com tarefas associadas à imposição de trabalho remoto e, por isso, perdi a oportunidade de comentar anteriormente a incrível criação pelos gestores do Porto do Açu de um tal “conselho de desenvolvimento local” que tem entre seus eixos temáticos, estimular “o desenvolvimento responsável de pequenos negócios, com um foco inicial no setor agrícola”.

porto do açu conselho

Que o uso de táticas de “greenwashing” e “social washing” por parte das grandes corporações econômicas não seja nenhuma novidade, o caso do Porto do Açu deveria merecer uma medalha de ouro no quesito “carapaudurice”. É que, como já está amplamente demonstrado pela mídia nacional e internacional, mas também pela comunidade científica, o Porto do Açu é um dos casos mais emblemáticos da violação de direitos dos moradores tradicionais e de danos ambientais em dado território. 

Sempre lembro que este blog foi criado em 2011 para melhor documentar as expropriações violentas que foram promovidas pela Companhia de Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro (Codin) em prol do conglomerado de empresas pré-operacionais do ex-bilionário Eike Batista que, no momento que seus projeto megalômanos naufragaram, repassou gratuitamente terras que não eram suas para a EIG Global Partners, controladora da Prumo Logística Global que, por sua vez, se tornou a controladora do Porto do Açu.

Enquanto bilhões de recursos públicos foram e continuam sendo injetados no Porto do Açu, centenas de famílias continuam sofrendo o que eu já defini em publicação científica como uma forma ampliada de grilagem estatal. A maioria dessas famílias, que perdeu suas terras para a construção de um natimorto distrito industrial, continua vendo os processos judiciais se arrastando na justiça sanjoanense, enquanto a Prumo Logística aluga parte das terras expropriadas a preço de ouro.

Por isso, é que esse tal conselho de desenvolvimento local não passa de uma força mal disfarçada de “social washing”, o que torna surpreendente que instituições públicas como a UFF, a UENF e o IFF se disponham a oferecer seus selos de garantia para um empreendimento que, convenhamos, deveria apenas continuar sendo alvo de estudos que pudessem auxiliar os agricultores do V Distrito de São João da Barra a finalmente ter pagas as indenizações que lhes são devidas ou, simplesmente, terem suas terras devolvidas.

Porto do Açu é alvo de série de reportagens na Bélgica: primeira reportagem conta o drama das desapropriações

Dois veículos da mídia belga (Apache e Médor) fizeram uma parceria para contar a história do Porto do Açu em seus mínimos detalhes. A primeira matéria da série acaba de ser publicada e começa a narrativa dos acontecimentos contando como o “sonho megalomaníaco do bilionário brasileiro condenado por suborno, Eike Batista, selou o destino de dezenas de famílias de agricultores” no V Distrito de São João da Barra.

A reportagem que abre a série aborda o rumoroso processo de desapropriação de terras que tirou o sustento de sustento de centenas de famílias de agricultores, dando detalhes minuciosos sobre os preços irrisórios oferecidos pelo governo do Rio de Janeiro, e das condições pelas quais as ações de expropriação causaram enormes dificuldades aos moradores tradicionais do V Distrito.

Agricultores, advogados e pesquisadores que vivenciaram de forma próxima a história de implantação do Porto do Açu têm espaço na primeira reportagem para oferecer dados importantes sobre o que de fato ocorreu desde quando o ex-bilionário Eike Batista iniciou suas tratativas de implantar o Porto do Açu.

O interesse da mídia belga pelo Porto do Açu se deve à parceria estabelecida com o Porto de Antuérpia que, segundo a primeira matéria da série, já teria investido mais de R$ 100 milhões no empreendimento que hoje é controlado pelo fundo de “private equity”  EIG Global Partners cuja sede é localizada na cidade de Washington, capital dos EUA. 

A segunda reportagem, que deverá ser publicada amanhã, mostrará como o Porto de Antuérpia surgiu como investidor e qual o papel das empresas de dragagem belgas e holandesas no desenvolvimento do Porto do Açu.

É interessante notar que essas reportagens deverão obrigar o Porto do Antuérpia a se explicar sobre essa parceria, pois, ao contrário do Brasil, na Europa as transgressões aos direitos coletivos são menos toleradas.

Quem desejar ler em português a primeira reportagem da série sobre o Porto do Açu, que é assinada pelos jornalistas Ike Teuling e Quentin Noirfalisse, basta clicar [Aqui!]

Greve de trabalhadores a outra face do “farinha pouca, meu pirão primeiro” do Porto do Açu

IMG-20191106-WA0009-1.jpgTrabalhadores das empresas Andrade Gutierrez e Acciona no Porto do Açu estão mobilizados para lutar por seus direitos trabalhistas

A implantação e o funcionamento do Porto do Açu no litoral norte do Rio de Janeiro têm sido marcados pela eclosão de movimentos paredistas organizados por trabalhadores que denunciam de tempos em tempos a realização de demissões em massa sem que sejam pagos os direitos  trabalhistas devidos.

Após algum tempo de aparente calmaria no interior do Porto do Açu,  há desde ontem (06/11) um forte movimento que impede a chegada dos trabalhadores no interior do megaempreendimento construído pelo Grupo EBX do ex-bilionário Eike Batista e hoje controlado pelo fundo de “private equity” EIG Global Partners.

Segundo o Portal OZK, o movimento paredista iniciado ontem é realizado por trabalhadores das empresas Andrade Gutierrez e Acciona que se mobilizam por causa do descumprimento de direitos devidos em processos de demissão. 

Essa situação vai de encontro à imagem cuidadosamente pintada de que o Porto do Açu seria uma espécie de redenção para os problemas sociais existentes em São João da Barra e nos municípios que o circundam.  A verdade é que, mais uma vez, os trabalhadores do porto são obrigados a impedir o seu funcionamento para garantir o pagamento de direitos.

Essa não é a primeira vez que isto ocorre e, muito provavelmente, não será a última. É que como no caso das desapropriações, o que vale é o lema do “farinha pouca, meu pirão primeiro”.  Como no caso dos agricultores desapropriados por Sérgio Cabral, os trabalhadores do Porto do Açu são aquelas que ficam sem a farinha e o pirão.

Açu, o porto das eternas e repetidas novidades

Li na Folha da Manhã uma daquelas matérias/press release com uma grande/pequena novidade sobre o Porto do Açu. O informe diz que “a Prumo Logística, empresa que opera e desenvolve o Porto do Açu, em São João da Barra, assinou nesta segunda-feira (24) um acordo de cooperação com o Porto de Houston (EUA). A parceria visa estabelecer um parâmetro de referência para troca de conhecimentos e boas práticas. De acordo com Prumo, “novas empresas vão resultar desta sinergia a partir de 2019”. [1]

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Trocando em miúdos, dois fora, zero é nada.  O primeiro problema é que esse não é primeiro “acordo de cooperação” que diferentes gestores do Porto do Açu assinaram desde que a então governadora Rosinha Garotinho lançou a pedra fundamental do empreendimento em 2006. De lá para cá, fosse pelas figura quixotesca do ex-bilionário Eike Batista ou pelos diferentes presidentes da Prumo Logística Global, vários anúncios desse gênero já foram feitos. 

Quem não se lembra das duas siderúrgicas e do pólo metal mecânico de Eike Batista? Também não podemos esquecer das mudanças que ocorreriam para transformar o Porto do Açu no maior “hub” de óleo e gás da América Latina?

Mas voltando à mais essa “novidade”, para os que não conhecem o funcionamento do fundo de “private equity” EIG Global Partners, controlador do Porto do Açu, é bom dizer na cidade de Houston fica o seu segundo maior escritório, menor apenas que o da matriz que está localizado na cidade de Washington, DC.  Em outras palavras, ao fazer esse “acordo” com o Porto de Houston, a Prumo Logística está fazendo em tese um acordo consigo mesma.

Agora a pergunta que não quer calar: por que utilizar tal estratégia de marketing social se as coisas estão como se anunciam em termos da pujança do Porto do Açu? A minha inferência é que a necessidade de gerar este tipo de nota é diretamente proporcional à busca de investimentos para um negócio que até agora foi mais espuma do que resultados práticos. Que o diga o número de empregados gerados e perdidos pelo município de São João da Barra em 2017 e 2018.

Enquanto isso, os agricultores que tiveram suas terras expropriadas pelo (des) governo Cabral a partir de 2010 continuam esperando pelo ressarcimento a quem têm direito na justiça. E o pior é que para eles não há imprensa “muy amiga” para retratar uma situação que é desesperadora para muitos dos atingidos.

familiaEm imagem de 2013, a família de Das Dores (sentada, de laranja) denunciava que não havia recebido o dinheiro das desapropriações.  A espera continua até hoje.


[1] http://www.folha1.com.br/_conteudo/2018/09/blogs/blogdoarnaldoneto/1239123-prumo-assina-acordo-de-cooperacao-com-o-porto-de-houston.html

 

Um eulogia para Reinaldo Toledo de Almeida

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Reinaldo Toledo e sua esposa Luzia na frente da casa em que viveram toda a sua vida de casados.

Faleceu nesta 3a. feira (06/03) aos 82 anos o sr. Reinaldo Toledo de Almeida, uma das lideranças mais expressivas dos agricultores que tiveram suas terras expropriadas pelo (des) governo Sérgio Cabral para que fossem entregues ao ex-bilionário Eike Batista no V Distrito de São João da Barra.

O Sr. Reinaldo se notabilizou por sua fala mansa, mas firme na defesa dos direitos dos agricultores do V Distrito, e também por ser portador de um pedaço de papel que lhe foi entregue por um servidor da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro (Codin) no dia em que teve suas terras tomadas para serem entregues ao Grupo EBX (ver vídeo abaixo onde ele conta como se deu a tomada de suas terras (ver vídeo abaixo).

Lamentavelmente o Sr. Reinaldo Toledo é mais um agricultor familiar que morre sem que lhe tenha sido pago um centavo sequer pelas terras que lhe foram tomadas para serem entregues primeiro para Eike Batista e depois para fundo de “private equity” sediado em Washington D.C., o EIG Global Partners. Essas terras que garantiam o sustento da família do Sr. Reinaldo Toledo estão hoje cercadas e totalmente improdutivas, confirmando que o estoque de terras formado pela expropriação de centenas de propriedades pertencentes a agricultores familiares não foi mais nada do que a mais pura expressão do que o geógrafo inglês David Harvey denominou de “acumulação por espoliação“.

Mas no dia de sua morte é preciso dizer que ao longo de sua vida, o sr. Reinaldo Toledo foi o portador das qualidades mais elevadas que um ser humano pode portar. Nunca estive em sua casa sem que saísse de lá com o que ele tivesse para repartir. Ninguém chegava em sua casa e saia de lá sem um abraço, um cafezinho e um dedo prosa. O Sr. Reinaldo Toledo era essencialmente um ser humano digno e solidário. Para o Sr. Reinaldo Toledo todo o trabalho incansável que realizou era justificado pela família que formou ao lado de sua esposa Luzia. Ele sempre dizia que sua família era o que realmente importava, mesmo nos momentos mais difíceis de enfrentamento com as forças policiais e com agentes de segurança privada que invadiram e tomaram suas terras.

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Nesta imagem o Sr. Reinaldo Toledo está com seus filhos e netos na sua festa de 80 anos que ocorreu em Outubro de 2015.

Por isso é que não podemos deixar que caiam no esquecimento as injustiças cometidas pelo estado do Rio de Janeiro contra o Sr. Reinaldo Toledo e contra outros agricultores do V Distrito de São João da Barra que, como ele morreram sem que lhes fosse pago o que a Constituição Federal garante aos que têm suas terras expropriadas pelo Estado brasileiro.  É preciso que se diga claramente que nada justifica a espoliação que foi cometida pelo (des) governo de Sérgio Cabral, especialmente porque sabemos que o desenvolvimento econômico que foi usado como justificativa para o confisco de terras  de centenas de famílias nunca alcançará o município de São João da Barra,  especialmente porque os eventuais lucros gerados pelo Porto do Açu serão enviados para investidores privados que nunca colocarão os pés nos solos arenosos do V Distrito, e que nunca se importarão em saber quem foi Reinaldo Toledo e o que ele fez por sua família e por todos os que tiveram um dia comida em seus pratos graças ao que ele realizou ao longo de mais de quase 80 anos de trabalho na agricultura familiar.

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Em nosso último encontro em Dezembro de 2017, levei um panetone de Natal e ganhei do Sr. Reinaldo, um saco cheio de abacaxis que ele mesmo foi colher em uma das roças atrás de sua casa. 

Descanse em paz, Reinaldo Toledo. 

 

Bruno Dauaire e seu incontido entusiasmo com o Porto do Açu

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O jovem deputado Bruno Dauaire (PR) parece mesmo ter um incontido encantamento com o enclave geográfico multinacional também conhecido como “Porto do Açu”.   Pelo menos é o que mostra a entusiasmada declaração que ele postou em sua página oficial na rede social Facebook durante a reunião ocorrida na semana passada cujo produto final foi a assinatura de uma carta a ser enviada ao presidente “de facto” Michel Temer em favor da construção da chamada Ferrovia 118.

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Na postagem, o jovem deputado diz que “vamos trabalhar para que a ferrovia saia das intenções e se traduza em desenvolvimento, geração de renda e empregos para São João da Barra e toda a região“. 

Faltou  Bruno Dauaire  explicar quem são os atores por detrás do “vamos”, e de porquê ele foi novamente fazer figuração dentro do Porto do Açu. É  que enquanto ele compartilha de canapés dentro do Porto do Açu,  muitos dos seus eleitores, especialmente os residentes no V Distrito de São João da Barra, continuam tendo seus direitos de propriedade completamente desrespeitados pela nada santa aliança formada pelo (des) governo Pezão e pelo fundo de “private equity” EIG Global Partners (a.k.a. Prumo Logística  Global) que atualmente detém um controle quase absoluto do megaempreendimento iniciado pelo ex-bilionário Eike Batista com grande ajuda do hoje presidiário Sérgio Cabral.

Mas uma coisa o deputado Bruno Dauaire já deveria saber. Em 2018 ele não terá o mesmo número de votos que teve em 2014 entre seus concidadãos do V Distrito. É que as famílias expropriadas por Sérgio Cabral e que até hoje continuam sem qualquer tipo de ressarcimento pela tomada de suas terras irão lembrar bem dessas visitas do jovem deputado ao enclave do Porto do Açu.

Porto do Açu: eternamente entre o enclave e a miragem?

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Leio mais uma daquelas notícias que parecem saídas da Assessoria de Comunicação da EIG Global Partners do que um genuíno fato jornalístico. Falo aqui do anúncio de que no dia 08 de Novembro, a Prumo Logística estará anunciando a construção de um  um evento para a celebração de uma parceria que visa a implantação da ligação ferroviária entre os estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, ligando o porto no litoral de São João da Barra ao Rio e a Vitória. 

Eu diria que até aí morreu o Neves. Perguntas fundamentais sobre quem são os parceiros e qual é o prazo para a implantação dessa ligação ferroviária foram sonegados, esperando provavelmente o ambiental aconchegante do Porto do Açu para que o (des) governador Luiz Fernando Pezão e seu colega capixaba Paulo Hartung possa conferir (se alguma) legitimidade ao anúncio.

O problema é que esse anúncio reflete mais do que um avanço, o real atraso logístico que continua acometendo o megaempreendimento (nem tão mega assim) iniciado pelo ex-bilionário Eike Batista, com o substancia apoio do hoje aprisionado ex (des) governador Sérgio Cabral.  Até este momento, o único acesso que o Porto do Açu possui é a precária BR-356, e até a chamada “Ponte da Integração” está com conclusão marcada para um dia ainda indefinido.

Além disso, há que se lembrar que construir uma ligação ferroviária é um pouco mais complexo do que construir apresentações em Powerpoint ou preparar “press release” para a mídia corporativa amiga distribuir com pompa e circunstância apenas para legitimar negócios que claramente continuam patinando. É a aplicação daquela máxima do pensamento Goebbelsiano, “uma mentira repetida mil vezes se torna verdade”.  

O fato é que se formos examinar todo o trajeto do empreendimento, veremos que até hoje a melhor coisa que se pode dizer do Porto do Açu é que ele se tornou um enclave geográfico cujos impactos positivos não estão sendo sentidos aqui, mas sim nas contas bancárias dos sócios do fundo de “private equity” EIG Global Partners, que não possuem nem face nem pátria. Já para São João da Barra, especialmente o seu V Distrito, o que se tem é o acúmulo de impactos sociais e ambientais que se  avolumam exponencialmente sem que apareça alguém para se responsabilizar por eles. Vide os casos da salinização de águas e solos e da erosão costeira nas proximidades do Terminal 2 que permanecem sem pai nem padastro, enquanto os custos financeiros e ambientais são sentidos por agricultores e demais moradores do V Distrito.

Ah, sim, há ainda a pior hipótese que continua acompanhando o Porto do Açu: a de que seja apenas uma miragem destinada a viabilizar a drenagem de riquezas sem qualquer ligação com a economia real.

E, convenhamos, que entre o enclave a miragem, a distância não é muita, se levarmos em conta, por exemplo, as milhares de famílias de agricultores familiares que continuam tendo seus direitos pisoteados sob o mais pesado silêncio que cheira mais a cumplicidade do que a qualquer imagem de progresso e crescimento econômico que se possa tentar vender.

Porto do Açu: reintegração de posse não cessará conflito agrário

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A realização da reintegração de posse da área reocupada pelos agricultores expropriados e nunca indenizados pelo (des) governo Sérgio Cabral em benefício do ex-bilionário Eike Batista no V Distrito de São João da Barra está longe de acabar com o conflito agrário em curso no entorno do Porto do Açu.

A primeira evidência de que esta reintegração é apenas mais um episódio entre os muitos que já ocorreram ao longo dos últimos anos foi a ação dos agricultores que fechou a entrada principal do Porto do Açu durante parte desta 4a feira [Aqui!] (ver imagens abaixo).

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É que a decisão do juiz Paulo Maurício Simão Filho, da 1a. Vara Cível de São João da Barra, de reverter o seu entendimento inicial em relação ao pedido de reintegração realizado pelas empresas Porto do Açu Operações e Grussaí Siderúrgica do Açu (GSA) e pela Companhia de Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro (Codin), não foi bem digerida pelas centenas de famílias de agricultores que tiveram suas terras tomadas por Sérgio Cabral e até hoje estão literalmente de mãos abanando, enquanto alugueis milionários são cobrados da pequena faixa de terra que teve algum tipo de uso produtivo no Porto do Açu.

Contribui ainda para esta percepção de injustiça os dados divulgados pelo professor Roberto Moraes do Instituto Federal Fluminense sobre as áreas ocupadas por empreendimentos semelhantes ao Porto do Açu, os quais mostram a total desproporção do montante expropriado por Sérgio Cabral para beneficiar o megaempreendimento iniciado por Eike Batista e que hoje está sob controle do fundo de private equity EIG Global Partners cuja sede fica em Washington, DC, capital dos EUA (ver tabela abaixo).

ZIPs no Brasil

Fonte: http://www.robertomoraes.com.br

Apenas à guisa de comparação, a área tomada dos agricultores por Sérgio Cabral é 10 vezes maior do que a ocupada pelo Porto de Santos, que é o maior da América Latina! Não é à toa, portanto, que haja tanta terra tornada improdutiva pelos decretos promulgados por Sérgio Cabral em benefício de Eike Batista e, por extensão, do EIG Global Partners que “herdou” o espólio quando o império de empresas operacionais do Grupo EBX colapsou.

Como já afirmei neste blog, com esta ação de reintegração, a Prumo Logística Global pode até ter tido uma vitória circunstancial no seu enfrentamento com os agricultores. Entretanto, esta vitória tem tudo para ser pírrica, na medida em que todas ações de “greenwashing” e “corporate washing” que vêm sendo empreendidas para lavar a imagem do Porto do Açu junto aos agricultores do Açu estão indo literalmente abaixo [Aqui!].

Por outro lado, nunca é demais afirmar que as disputas judiciais são apenas uma das instâncias, principalmente aquelas que ocorrem na primeira instância de São João da Barra, onde este conflito está se dando.  Em outras palavras, a “vitória” de hoje poderá ser apenas o prenúncio de uma grande derrota amanhã. A ver!