Governos ignoram pesquisas sobre o avanço do mar na região, diz pesquisador da Uenf

Pedlowski J3

Geógrafo e professor da Uenf, Marcos Pedlowski (Arquivo)

Na reportagem especial do J3News desta semana, “Mar avança e preocupa praias da Região Norte” (leia aqui), o geógrafo e professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Marcos Pedlowski, analisa a situação da costa fluminense, alvo de um longo processo de erosão nas últimas décadas. Embora a localidade de Atafona, em São João da Barra, seja o caso mais conhecido, o problema também afeta o litoral de Campos dos Goytacazes, Macaé, Rio das Ostras e outras cidades. Apesar de vários estudos científicos realizados por universidades, o pesquisador considera que diferentes níveis de governos não contribuem suficientemente para prevenir e combater o problema.

Como analisa a situação da costa regional que tem registrado frequente avanço do mar e erosão? Quais as principais causas?

A primeira questão a se observar é que a linha da costa é naturalmente móvel, pois depende da ação temporal de forças dinâmicas que envolvem as águas oceânicas, incluindo a força e orientação das correntes marinhas, e aquelas vindas do continente.  Assim, o que devemos sempre esperar é a presença de elementos de mudança, ainda que em algumas áreas essa mudança ocorra em períodos de tempo diferenciados.  Isso explica porque em alguns pontos do litoral fluminense há mais mudanças visíveis do que em outros, mas é sempre importante notar que mudanças são parte desse jogo de forças entre o mar e o continente.

É importante notar que um estudo  realizado pelo do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP) mostrou que pelo nível do mar no estado de São Paulo subiu menos 20 centímetros nos últimos 73 anos, afirma pesquisa. Esse mesmo estudo apontou que  até 2050, a elevação pode chegar a 36 centímetros se o padrão de emissão de dióxido de carbono – CO2 – não cair.

Se extrapolarmos os dados desse estudo para o Rio de Janeiro, o que teremos é que provavelmente poderemos ter mais mudanças em um ritmo mais rápido do que o atual. No caso do Norte Fluminense, penso que os pontos de erosão costeira poderão aumentar em número e intensidade.

O fenômeno mais conhecido está em Atafona, São João da Barra, mas a reportagem tem registros da erosão crescente em Farol de São Thomé, praias de São Francisco de Itabapoana, Macaé e Rio das Ostras, entre outros, nas últimas décadas. Até que ponto as alterações climáticas e ações humanas agem nesses locais?

As primeiras análises sobre a seca extrema que ocorreu na Amazônia brasileira em 2023 mostram que ali estavam presentes elementos que misturam a presença de fenomenos regionais, como são os casos do El Niño, e também do desmatamento de grandes áreas da bacia amazônica, combinados com alterações de padrões climáticos associados às mudanças climáticas globais. Eu diria que essa combinação de fatores locais e regionais com as mudanças climáticas estarão presentes também na alteração de padrões vigentes, por exemplo, na dinâmica de modelagem da paisagem costeiras do estado do Rio de Janeiro.  O fato é que o derretimento das geleiras no Polo Sul vai causar a elevação do nível médio do oceano em nossa região, o que deverá acelerar os processos erosivos.

Diante desse cenário, o que temos é que o futuro será marcado por interações complexas entre fenomenos de caráter local e os de níveis regional e global. Essa será a grande marca das próximas décadas.

Mar avança e destrói parte da orla em Farol de São Thomé (Foto: Silvana Rust)

As cidades brasileiras concentram grande população na faixa litorânea do país. Como observa sobre esse tipo de urbanização e ameaças que as cidades correm com o avanço do mar?

Estudos realizados em nível mundial mostram que essa concentração de população em cidades costeiras será um dos principais desafios no processo de adaptação climática. No caso do Brasil, temos uma população majoritariamente urbana e com muitas cidades importantes localizadas no litoral, incluindo capitais localizadas em ilhas, como é o caso de Florianópolis e Vitória, mas posso também citar Santos e São Vicente em São Paulo. Com isto, o alarme de urgência para que sejam desenvolvidas políticas urbanas de adaptação climática já deveria ter soado há algum tempo, mas tudo continua sendo tratado dentro do “business as usual”. Essa situação é muito preocupante, na medida em que as estruturas necessárias para a adaptação são muito caros e implicam em grandes investimentos, que sejam distribuídos e executados de forma eficiente ao longo do tempo. 

A situação que descrevo é agravada pela predominância de um modelo de urbanização que é social, economicamente e racialmente segregado. Com isso, é mais do que realista esperar que as próximas décadas serão marcadas por grandes dificuldades, especialmente para os segmentos mais pobres da população, que no caso brasileiro é majoritariamente negra.

A  construção de barreiras ou quebra-mares é capaz de frear ou minimizar o problema? Que obras seriam necessárias para evitar mais danos em Atafona e cidades vizinhas, por exemplo?

A construção de barreiras físicas para fazer frente ao processo de erosão costeira já está sendo feita em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. No entanto, se não houver um processo de planejamento integrado, a construção de estruturas físicas não passará de mero paliativo, representando ainda desperdício de dinheiro público. 

A aplicação de um planejamento integrado seria um pré-requisito para a adoção de medidas que possam ser mais efetivas. Além disso, há que se levar em conta a experiência de países que já adotaram medidas para conviver com a elevação dos oceanos, o que demanda que o Brasil invista em desenvolvimento científico e tecnológico voltado para a adaptação climática.

Erosão na costa de Atafona, em São João da Barra, acontece desde 1960

Como observa as ações de governos locais, estadual e federal, além de órgãos ambientais nessa questão que envolve avanço do mar ou erosão costeira?

As ações dos diferentes níveis de governo são parte do problema, pois corriqueiramente estão na raiz de processos que alteram a dinâmica natural das regiões costeiras.

Por outro lado, quando se age para supostamente responder ao avanço do mar e da eorsão costeira, o que se vê é um alto nível de amadorismo e desprezo pelo conhecimento científico existente.  A preferência dos governantes é por executar obras meramente paliativas que não possuem sustentação lógica, e, muitas vezes, estão ligadas a interesses que não são necessariamente republicanos.

As pesquisas e relatórios provenientes das universidades têm contribuído de que forma para refletir e combater o problema no litoral fluminense?

Na maioria das vezes, os pesquisadores que trazem à tona verdades que os governantes consideram inconvenientes têm seus trabalhos ignorados, quando não acontece a perseguição pura e simples dos mensageiros das más notícias.

O que ocorre de forma mais comum é que quando os pesquisadores são chamados, isto se dá de forma pontual e sob pressão da população. Quando essa pressão para, o conhecimento científico volta a ser ignorado e as ações voltam a ser controladas por visões não científicas.

No caso do litoral fluminense, me parece que é isso exatamente o que acontece, apesar de termos pesquisadores de excelente nível que possuem um lastro significativo de conhecimento sobre o que está acontecendo, e de quais medidas seriam mais apropriadas para se promover o processo de adaptação às mudanças climáticas e seus desdobramentos nas regiões costeiras.

Gostaria de destacar medidas de prevenção e combate que podem auxiliar nessa questão?

Eu penso que a proteção das áreas de restinga e de manguezais deveria ser a primeira prioridade dos governantes. A partir daí, o que deveria estar sendo feito seria a realização de estudos para a ampliação de áreas de proteção ambiental que conservem esses ecossistemas.

Por outro lado, há que se restringir e retroagir a construção de áreas residenciais nas áreas costeiras, pois já se existem estudos que mostram que o avanço do mar vai ocorrer de forma ainda mais aguda nas próximas décadas. Se não houver o devido esforço de planejamento urbano, o que teremos de forma inexorável será o avanço das águas oceânicas sobre grandes concentrações populacionais. Para que isso não ocorra, há que se levar em consideração as previsões dos modelos climáticos e iniciar uma necessária reordenação das terras urbanas. Do contrário, viveremos situações dramáticas quando o avanço do mar se tornar mais evidente.

Como observa o futuro das populações que vivem próximas ao mar e estão envolvidas diretamente com mudanças climáticas e erosão costeira?

Em função do que já respondi, o futuro dessas populações dependerá primeiro de uma completa mudança de visão dos governantes em relação às mudanças climáticas e suas consequências.  O problema é que na maioria dos países, o Brasil especialmente, a maioria dos governantes vem optando por ignorar a nova realidade climática e continuam praticando visões ultrapassadas e ineadaquadas de governar. É uma espécie de cegueira proposital e que trará consequências dramáticas para as populações que vivem em regiões costeiras.

Trata-se de um fenômeno irreversível a questão do avanço do mar no Brasil e no mundo? O combate ao aquecimento global “resolveria” a questão?

Segundo os modelos climáticos do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) não há mais como reverter a questão da elevação do nível médio dos oceanos, mas é possível ainda ter algum controle sobre o nível de aquecimento do planeta, o que terminaria impactando o grau de elevação que ocorrerá. É em função disso, que as diferentes conferências do clima (as chamadas COPs) vêm tentando estabelecer compromissos que implicariam numa elevação menor dos oceanos.

Entretanto, o que temos tido até agora de resultados práticos é irrelevante, pois os resultados das conferências têm sido meramente protocolares e as mesmas práticas que resultaram no aquecimento da atmosfera da Terra continuam sendo realizadas, tendo como resultado reduções desprezíveis na emissão de gases causadores do efeito estufa.

Comente algo que não tenha perguntado e considere indispensável citar para refletir este tema.

Espero ter deixado claro que considero que a elevação do nível do mar causado pelo derretimento das calotas polares e geleiras continentais representará um grave desafio para a Humanidade nas próximas décadas. Mas também considero que ainda não há um compromisso efetivo de governos em diferentes escalas espaciais em agir para enfrentar esse desafio gigantesco. Considero que apesar da maioria das pessoas ter questões mais urgentes para tratar, como conseguir um prato de comida todos os dias, há que se tornar essa discussão mais corriqueira e de compreensão mais fácil.

Por outro lado, aos governantes, especialmente aos que operam na escala dos municípios, há que se dizer que a roda da História está girando e a falta de políticas públicas estruturantes terá consequências dramáticas no futuro.  Por isso é fundamental que os municípios passem a tratar a questão das mudanças climáticas de forma séria, estabelecendo planos de adaptação climática, reservando orçamento não apenas para ações emergenciais que se tornarão cada vez mais necessárias, mas também para minimizar os riscos advindos do avanço do mar e da ocorrência de eventos meteorológicos extremos.


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Este texto foi originalmente pela J3 News [Aqui!].

A mudança climática será repentina e cataclísmica. Precisamos agir rápido

geloO derretimento do gelo polar pode causar um ponto crítico. Imagem: REUTERS / Hannah McKay

Por Peter Giger, Diretor de Risco do Zurich Insurance Group

  • Os pontos de inflexão podem perturbar fundamentalmente o planeta e produzir mudanças abruptas no clima.
  • Uma liberação em massa de metano pode nos colocar em um caminho irreversível para o derretimento total do gelo terrestre, fazendo com que o nível do mar suba em até 30 metros.
  • Devemos tomar medidas imediatas para reduzir o aquecimento global e construir resiliência com esses pontos de inflexão em mente.

A velocidade e a escala da resposta ao COVID-19 por parte de governos, empresas e indivíduos parecem dar esperança de que possamos reagir à crise das mudanças climáticas de uma maneira igualmente decisiva – mas a história nos diz que os humanos não reagem a movimentos lentos e ameaças distantes. Nossa evolução selecionou o instinto de “lutar ou fugir” para lidar com as mudanças ambientais, então, como a metáfora do sapo em água fervente, tendemos a reagir muito pouco e tarde demais às mudanças graduais.

A mudança climática é freqüentemente descrita como aquecimento global, com a implicação de mudanças graduais causadas por um aumento constante nas temperaturas; de ondas de calor ao derretimento de geleiras.

Mas sabemos por evidências científicas multidisciplinares – da geologia, antropologia e arqueologia – que a mudança climática não é incremental. Mesmo em tempos pré-humanos, é episódico, quando não é forçado por uma aceleração humana das emissões de gases de efeito estufa e do aquecimento.

Existem partes do ciclo do carbono em nosso planeta, as formas como a Terra e a biosfera armazenam e liberam carbono, que podem ser acionadas repentinamente em resposta ao aquecimento gradual. Esses são pontos de inflexão que, uma vez ultrapassados, podem perturbar fundamentalmente o planeta e produzir mudanças abruptas e não lineares no clima.

Um jogo de jenga

Pense nisso como um jogo de Jenga e o sistema climático do planeta como a torre. Por gerações, removemos lentamente os bloqueios. Mas, em algum momento, removeremos um bloco fundamental, como o colapso de um dos principais sistemas de circulação do oceano global, por exemplo, a Circulação Meridional de Virada do Atlântico (AMOC), que fará com que todo ou parte do sistema climático global caia em uma emergência planetária.

Mas, pior ainda, pode causar danos descontrolados: onde os pontos de inflexão formam uma cascata semelhante a um dominó, onde a violação de um provoca violações de outros, criando uma mudança imparável para um clima em mudança radical e rápida.

Um dos pontos de inflexão mais preocupantes é a liberação em massa de metano. O metano pode ser encontrado no armazenamento de congelamento profundo no permafrost e no fundo dos oceanos mais profundos na forma de hidratos de metano. Mas o aumento das temperaturas do mar e do ar está começando a descongelar essas reservas de metano.

Isso liberaria um poderoso gás de efeito estufa na atmosfera, 30 vezes mais potente do que o dióxido de carbono como agente de aquecimento global. Isso aumentaria drasticamente as temperaturas e nos precipitaria em direção ao rompimento de outros pontos de inflexão.

Isso poderia incluir a aceleração do degelo em todos os três grandes mantos de gelo terrestres do globo – Groenlândia, Oeste da Antártica e a Bacia de Wilkes no Leste da Antártica. O colapso potencial do manto de gelo da Antártica Ocidental é visto como um ponto de inflexão importante, já que sua perda poderia eventualmente elevar os níveis globais do mar em 3,3 metros, com variações regionais importantes.

Mais do que isso, estaríamos no caminho irreversível para o derretimento total do gelo terrestre, fazendo com que o nível do mar subisse até 30 metros, aproximadamente a uma taxa de dois metros por século, ou talvez mais rápido. Basta olhar para as praias elevadas ao redor do mundo, na última elevação do nível do mar global, no final do período Pleistoceno por volta de 120.000 anos atrás, para ver a evidência de um mundo tão quente, que era de apenas 2 ° C mais quente do que hoje.

Cortando a circulação

Além de devastar áreas baixas e costeiras em todo o mundo, o derretimento do gelo polar pode desencadear outro ponto de inflexão: a desativação do AMOC.

Esse sistema de circulação impulsiona um fluxo de água quente e salgada para o norte nas camadas superiores do oceano, dos trópicos para a região nordeste do Atlântico, e um fluxo para o sul de água fria nas profundezas do oceano.

A correia transportadora oceânica tem um grande efeito no clima, nos ciclos sazonais e na temperatura no oeste e no norte da Europa. Isso significa que a região é mais quente do que outras áreas de latitude semelhante.

Mas o gelo derretido do manto de gelo da Groenlândia pode ameaçar o sistema AMOC. Isso diluiria a água salgada do mar no Atlântico Norte, tornando a água mais leve e menos capaz ou incapaz de afundar. Isso diminuiria a velocidade do motor que impulsiona a circulação do oceano.

Pesquisas recentes sugerem que a AMOC já se enfraqueceu em cerca de 15% desde meados do século XX. Se isso continuar, pode ter um grande impacto no clima do hemisfério norte, mas particularmente na Europa. Pode até levar à cessação da agricultura arável no Reino Unido, por exemplo.

Também pode reduzir as chuvas na bacia amazônica, impactar os sistemas de monções na Ásia e, ao trazer águas quentes para o Oceano Antártico, desestabilizar ainda mais o gelo na Antártica e acelerar o aumento do nível do mar global.

A Circulação de Virada Meridional Atlântica.
A Circulação de Virada Meridional do Atlântico tem um grande efeito no clima.
Imagem: Praetorius (2018)

É hora de declarar uma emergência climática?

Em que estágio, e em que aumento nas temperaturas globais, esses pontos de inflexão serão alcançados? Ninguém está totalmente certo. Pode levar séculos, milênios ou pode ser iminente.

Mas, como COVID-19 nos ensinou, precisamos nos preparar para o esperado. Estávamos cientes do risco de uma pandemia. Também sabíamos que não estávamos suficientemente preparados. Mas não agimos de maneira significativa. Felizmente, conseguimos acelerar a produção de vacinas para combater o COVID-19. Mas não há vacina para as mudanças climáticas, uma vez que ultrapassamos esses pontos de inflexão.

Precisamos agir agora em nosso clima . Aja como se esses pontos de inflexão fossem iminentes. E pare de pensar nas mudanças climáticas como uma ameaça lenta e de longo prazo que nos permite chutar o problema adiante e deixar que as gerações futuras lidem com ele. Devemos tomar medidas imediatas para reduzir o aquecimento global e cumprir nossos compromissos com o Acordo de Paris e criar resiliência com esses pontos de inflexão em mente.

Precisamos planejar agora para mitigar as emissões de gases de efeito estufa, mas também precisamos planejar os impactos, como a capacidade de alimentar todos no planeta, desenvolver planos para gerenciar o risco de inundações, bem como gerenciar os impactos sociais e geopolíticos humanos migrações que serão consequência de decisões de luta ou fuga.

Romper esses pontos de inflexão seria cataclísmico e potencialmente muito mais devastador do que COVID-19. Alguns podem não gostar de ouvir essas mensagens ou considerá-las no reino da ficção científica. Mas se isso injeta um senso de urgência para nos fazer responder à mudança climática como fizemos com a pandemia, então devemos conversar mais sobre o que aconteceu antes e acontecerá novamente.

Caso contrário, continuaremos jogando Jenga com nosso planeta. E, no final das contas, haverá apenas um perdedor – nós.

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Este artigo foi escrito originalmente em inglês e publicado pelo “World Economic Forum” [Aqui!].

Especialistas apontam causas para temporada recorde de furacões no Atlântico

Mudanças climáticas e diminuição da poluição do ar desde 1980 podem ter contribuído para elevação da temperatura dos oceanos

iota 1Moradores se movem na rua que mal foi limpa dos destroços da última tempestade, antes do furacão Iota atingir a costa de La Lima, Honduras, segunda-feira, 16 de novembro de 2020. O furacão Iota se fortaleceu rapidamente na segunda-feira, transformando-se em uma tempestade de categoria 5 que provavelmente causará danos catastróficos ao a mesma parte da América Central já atingida por um poderoso furacão Eta há menos de duas semanas. (AP Photo / Delmer Martinez)

O furacão Iota é a 30ª tempestade nomeada a se formar no Atlântico em 2020, consolidando este como um ano sem precedentes para a frequência desses fenômenos. O recorde do maior número de tempestades nomeadas em um único ano já havia sido quebrado em 10/11 pela tempestade Theta, a 29ª da atual temporada, superando o recorde anterior estabelecido em 2005.

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Tempestades no Atlântico são denominadas quando a velocidade do vento excede 34 nós (62 km/h) – momento em que passam a ser chamadas de tempestades tropicais; se a velocidade do vento excede 64 nós (119 km/h), são classificadas como furacões, embora “ciclones” também seja uma denominação genérica para esses eventos, chamados de “tufões” quando ocorrem em outros oceanos.

Apesar do número dessas poderosas tempestades ter permanecido em grande parte constante globalmente, no Atlântico houve um aumento sustentado de eventos nomeadas desde 1980. O número inédito de 2020 está associado à elevação da temperatura do oceano (ver gráfico abaixo), que está em maior ou menor medida ligado à mudança climática causada pelo homem.

Os cientistas também apontam outros fatores que podem estar aumentando o número de ciclones tropicais na região, particularmente uma redução regional na poluição do ar desde os anos 80, que permitiu mais aquecimento oceânico, e o fenômeno La Niña, que está em atividade este ano. Os estudiosos também não descartam que a melhoria da tecnologia de satélite ao longo do século XX permite aos cientistas hoje identificar tempestades de curta duração que poderiam ter sido ignoradas anteriormente.

“Nossa previsão estatística de pré-temporada previa até 24 tempestades nomeadas, a mais alta de todas as previsões de pré-temporada, mas não suficientemente alta. O total real já ultrapassou esse número”, explica Michael Mann, diretor do Centro de Ciências do Sistema Terra dos EUA e professor da Universidade Estadual da Pensilvânia. “À medida que continuamos a aquecer o planeta e o Atlântico tropical, há mais energia para alimentar uma quantidade maior de fortes tempestades e furacões tropicais. Quando acontece de termos um evento La Nina, como neste ano, isso reforça o impacto que a mudança climática está tendo e temos os tipos de tempestades devastadoras que estamos testemunhando”.

Em seu trajeto, Iota devastou a Ilha de Providencia (Colômbia), onde o hospital central perdeu parte do teto, e o arquipélago (que reúne as ilhas de San Andrés, Santa Catalina e Providencia) se encontra sem luz. Nesta terça-feira (17/11) o furacão se desloca para Honduras e Nicarágua, onde deve se enfraquecer. Os dois países ainda se recuperam dos estragos causados pelo furacão Eta há apenas duas semanas.

Combinação de fatores

Segundo Kevin Trenberth, cientista sênior do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica, com o aquecimento global causado pelas atividades humanas, há mais energia disponível, intensificando temporadas inteiras e também as tempestades individuais: maior número; maior intensidade; maior duração; e, em todos os casos, maior pluviosidade e potencial para enchentes.

“Em 2020 no Atlântico o número tem sido excepcional”, avalia Trenberth. “Todos os furacões tiram calor do oceano na forma de resfriamento evaporativo, que fornece o combustível para a tempestade via aquecimento latente, e tempestades muito grandes e intensas deixam um pronunciado rastro de frio atrás de si, em detrimento de tempestades subseqüentes. A capacidade das tempestades de encontrar o oceano virgem aumenta suas perspectivas de desenvolvimento”.

O professor Kerry Emanuel, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), afirma que o melhor candidato à causa é na verdade outro efeito antropogênico: aerossóis de sulfato, que resultam da combustão de combustíveis fósseis. Eles subiram muito rapidamente dos anos 50 até os anos 80, e depois desceram também aceleradamente como resultado de políticas para a melhoria do ar.

“Tem havido uma tendência inequívoca de aumento em todas as métricas da atividade ciclônica tropical atlântica desde o início dos anos 80. Mas está ficando cada vez mais claro que isto se deve principalmente a uma mudança climática regional e não global”, defende. “O efeito indireto da poluição no passado foi resfriar o Atlântico tropical e causar uma seca de furacões nos anos 70 e 80. O aumento desde então pensamos que é devido à redução da poluição do ar.”

Para Hiroyuki Murakami, cientista de projeto da Corporação Universitária de Pesquisa Atmosférica e do Laboratório de Dinâmica dos Fluidos Geofísicos da NOAA, há ao menos três hipóteses para explicar o maior número de ciclones. A primeira seria a diminuição da emissão de aerossóis antropogênicos durante o período 1980-2020, como apontado por Emanuel. “O declínio da poluição particulada devido às medidas de controle da poluição aumentou o aquecimento do oceano, permitindo que mais luz solar fosse absorvida pelo oceano. Este aquecimento local levou ao aumento da atividade dos ciclones tropicais nos últimos 40 anos no Atlântico Norte”, afirma Murakami.

A segunda causa estaria relacionada ao vulcanismo. Segundo o pesquisador, os furacões no Atlântico Norte ficaram relativamente inativos entre os anos 80 e 90 devido às grandes erupções vulcânicas em El Chichón no México em 1982 e Pinatubo nas Filipinas em 1991, que causaram o resfriamento da atmosfera do hemisfério norte. “O aquecimento oceânico recomeçou desde 2000, levando a uma recuperação da atividade dos furacões no Atlântico Norte.”

A terceira hipótese seria o fenômeno La Niña no Pacífico tropical, em atividade este ano. “O primeiro e segundo fatores estão relacionados à mudança climática a longo prazo, enquanto o terceiro fator está relacionado à variabilidade interna. Eu especulo que a temporada ativa de furacões de 2020 foi uma combinação da mudança climática a longo prazo e da variabilidade interna.”

Além da possível ligação entre o aquecimento do oceano a longo prazo e o número de tempestades no Atlântico este ano, há várias outras formas de aumentar a ameaça dos ciclones tropicais.

Tempestades mais fortes

As temperaturas dos oceanos têm aumentado nos últimos anos devido às emissões antropogênicas de gases de efeito estufa. Os cinco anos mais quentes no oceano desde 1955 foram os últimos cinco. Um estudo publicado em junho confirmou esta tendência, constatando que a proporção das tempestades mais fortes está aumentando cerca de 8% por década. O furacão Eta foi um dos mais intensos de 2020, tendo alcançado categoria 4 após rápida intensificação.

Intensificação rápida

Uma proporção crescente de ciclones tropicais está se desenvolvendo rapidamente, um fenômeno conhecido como intensificação rápida. Essa característica cada vez mais prevalente em ciclones tropicais é uma ameaça porque torna mais difícil prever como uma tempestade se comportará. Nove das tempestades tropicais da temporada do Atlântico 2020 (Hannah, Laura, Sally, Teddy, Gamma Delta, Epsilon, Zeta e Eta) sofreram uma rápida intensificação.

Chuva mais intensa

Uma atmosfera mais quente pode conter mais água, provocando chuvas extremas durante os ciclones, o que aumenta a ameaça de enchentes. Os cientistas relacionaram diretamente o aumento da umidade atmosférica com a mudança climática causada pelo homem, e o número de eventos pluviométricos que quebram recordes globalmente aumentou significativamente nas últimas décadas.

Mais tempestades

O aumento da onda de tempestades relacionada à mudança climática pode ser devido à elevação do nível do mar e ao aumento da velocidade dos ventos das tempestades. O nível global do mar já aumentou cerca de 23 cm como resultado das emissões de carbono de atividades humanas.