Matéria da Folha de São Paulo mostra detalhes dos megaproblemas causados pelo incidente da Mineradora Samarco

LAMA 2

A matéria abaixo assinada pelos jornalistas Eduardo Geraque, Estévão Bertoni e José Marques para a Folha de São Paulo lança luz sobre aspectos ainda pouco tocados no rompimento da barragem de rejeitos da Mineradora Samarco (Vale + BHP Billiton). A primeira é que havia em curso uma obra para unir as barragens existentes e transformá-las numa megabarragem que seria capaz de estocar estratosféricos 255 bilhões de litros de rejeito de minério. E como em muitos casos, quem realizava a obra era uma empresa terceirizada que operava a fusão das barragens sabe-se-lá sobre quais condições contratuais.

Outro elemento interessante mostrado na matéria é que o incidente de Mariana seria simplesmente o maior causado pela mineração em todo o mundo nos últimos 100 anos! Esta informação deveria ser o bastante para que forças tarefas estivessem sendo formadas para se apurar de forma minuciosa o impacto que esta hecatombe de rejeitos está tendo sobre os ecossistemas do Rio Doce e da região costeira do Espírito Santo, bem como as comunidades humanas que vivem e trabalham ao longo do trajeto do TsuLama.  Lamentavelmente o que tem se visto até agora por parte do Estado brasileiro é algo muito próximo da completa omissão, pois nem as multas iniciais teriam sido entregues à Mineradora Samarco. Que dizer das medidas para integrar todos os grupos de pesquisa que já estão produzindo dados sobre diferentes aspectos desta tragédia socioambiental!

Felizmente, apesar da inércia oficial e das táticas de procrastinação da Samarco e de suas proprietárias, muita informação está sendo gerada e a mobilização nas comunidades mais atingidas parece continuar alta.  Acrescido a isso as contínuas manifestações que estão ocorrendo no exterior contra a Vale e a BHP Billiton, fico na expectativa de que essa lama toda não seja empurrada para debaixo de um megatapete.

Samarco construía megabarragem em reservatório palco da tragédia

EDUARDO GERAQUE e ESTÊVÃO BERTONI, DE SÃO PAULO & JOSÉ MARQUES DE BELO HORIZONTE

A informação consta do auto de fiscalização feito pela Secretaria de Meio Ambiente de Minas após a tragédia que deixou 16 mortos e três desaparecidos, além de um rastro de destruição ambiental por cerca de 600 km até o litoral do Espírito Santo.

megabarragem

Presidida por Ricardo Vescovi, a mineradora é controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton.

Nesse documento, ao qual a Folha teve acesso, funcionários do governo de MG registram que o coordenador de meio ambiente da Samarco, Euzimar Rosado, informou que, “no momento do acidente, uma equipe terceirizada estava realizando obras de unificação de duas barragens (Fundão e Germano)”.

O documento também traz detalhes da obra que estava sendo feita em Fundão –que também recebia rejeitos de uma mina da Vale. A causa de seu rompimento ainda está sendo investigada.

Ainda de acordo com o relatório, o funcionário Wanderson da Silva, da equipe de geotécnica da mineradora, afirmou que “uma manutenção estava sendo realizada no sistema de drenagem nas ombreiras direita e esquerda [da barragem de Fundão]”.

Os trabalhos em curso, de acordo com Silva, faziam “parte do projeto de alteamento [elevação] da cota da barragem de 920 m para 940 m”.

Em entrevista após a tragédia, os diretores da mineradora confirmaram a elevação da parede da barragem, para aumentar sua capacidade, mas não citaram a unificação.

Em julho deste ano, representantes da mineradora se reuniram com vereadores de Mariana para explicar as obras. Segundo o presidente da Câmara, Tenente Freitas (PHS), a Samarco também não fez referência à unificação. “Em momento algum falaram disso. Só citaram o alteamento da barragem”, diz.

A barragem de Germano, que armazena cerca de 200 bilhões de litros de rejeitos, começou a operar no fim dos anos 1970 e havia esgotado sua cota em 2009, um ano após o início da operação de Fundão, que comportava cerca de 55 bilhões de litros de lama.

Com a fusão, que demoraria dois anos para ficar pronta, a nova estrutura comportaria, ao menos, 255 bilhões de litros de rejeito de minério.

PLANO DE EMERGÊNCIA

A licença para que a mineradora Samarco pudesse começar as obras de unificação da megabarragem foi emitida em julho pelo governo de MG.

A Reta Engenharia, uma das empresas terceirizadas para o serviço, era a responsável pelas obras de terraplanagem, drenagem e montagem das tubulações. O contrato entre ela e a Samarco existe desde maio, dois meses antes da publicação da licença para início das obras.

Tanto o Ministério Público do Estado como a Procuradoria Federal apuram se as empresas já estavam fazendo as obras antes mesmo de a licença ter sido concedida à Samarco, o que é proibido.
Os conselheiros do órgão mineiro que decidem pela emissão das licenças ambientais resolveram empurrar para o DNPM (Departamento Nacional de Proteção Mineral) a responsabilidade pela cobrança, à Samarco, de um novo plano de emergência.

Segundo o promotor que assinou o parecer para as licenças prévia e de instalação da megabarragem, Mauro Ellovitch, o plano de emergência seria cobrado à Samarco antes que a nova estrutura entrasse em operação.

Ainda assim, a empresa deveria ter o documento pronto e enviado ao DNPM.

“Nós não abrimos mão do plano de emergência, até porque ele é uma obrigação da Samarco”, disse o promotor.

OUTRO LADO

A mineradora Samarco, controlada pela brasileira Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton, não quis fazer comentários sobre o projeto de unificação das barragens de Germano e de Fundão.

Por meio de nota, a empresa presidida por Ricardo Vescovi disse apenas que as obras em andamento eram as necessárias para viabilizar o alteamento (elevação) futuro das barragens de Mariana (MG).

Essa fase de preparação, de acordo com a Samarco, estava programada para durar dois anos. Só em 2018, diz a mineradora, começaria de fato o início da operação de alteamento da elevação de 920 metros para 940 metros (em relação ao nível do mar).

Até lá, a lista de ações que deveriam ser feitas inclui a construção de um novo extravasor, sistema de drenagem interna, sistema de adução de rejeitos e relocação de bueiros, por exemplo.

PLANO

A Samarco também não informou sobre o novo plano de emergência, cobrado pelo Ministério Público estadual de MG, durante o processo de pedido da licença.

Na avaliação dos promotores, como a fusão das duas barragens vai formar uma megaestrutura, as consequências socioambientais em caso de ruptura do sistema seriam gigantescas. E, portanto, precisariam ser de conhecimento de todos.

Segundo a Samarco, durante o processo de licenciamento ambiental, ela entregou aos órgãos competentes o Estudo de Impacto Ambiental, o Relatório de Impacto Ambiental, o Plano de Controle Ambiental e o Plano de Utilização Pretendida.

A Reta Engenharia, terceirizada contratada pela Samarco para as obras de preparação da fusão das duas barragens, não respondeu aos questionamentos até a conclusão desta edição.

vazamentos

FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/12/1718231-samarco-construia-megabarragem-em-reservatorio-palco-da-tragedia.shtml

 

Incidente da Samarco em Mariana: matéria da Folha de São Paulo mostra que a tragédia foi anunciada e ignorada quatro vezes

Samarco teve outros 4 vazamentos de lama antes de tragédia em MG

ESTÊVÃO BERTONI, THIAGO AMÂNCIO DE SÃO PAULO

 Antes da tragédia com uma barragem em Mariana (MG), a mineradora Samarco havia registrado, desde 2005, pelo menos outros cinco episódios de rompimento de suas estruturas –quatro dos quais tiveram vazamentos de lama que chegaram até a matar peixes e paralisar a captação de água.

Embora não sejam comparáveis ao desastre do último dia 5 que devastou a bacia do rio Doce, eles resultaram em danos sob discussão até hoje.

Um dos episódios, em 2005, envolveu um dique de contenção da Cava do Germano, próximo ao local onde em 2008 passou a funcionar a barragem do Fundão –a que provocou um “tsunami de lama” no mês passado, deixando ao menos 11 mortos (oito pessoas estão desaparecidas).

Ele foi relatado pela própria Samarco, controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton, em um de seus relatórios de sustentabilidade –que acabou retirado nos últimos dias da página da mineradora na internet.

“A causa foi excesso de chuva. A gente estava passando por um momento de chuvas intensas, mas, mesmo assim, esse dique teria que suportar”, afirma Sérgio de Moura, funcionário da empresa desde 1984 e diretor do sindicato dos trabalhadores da mineradora em Mariana.

  Montagem sobre foto de Avener Prado/Folhapress/Avener Prado/Folhapress  
Clique na imagem e veja o especial "O caminho da lama"
Clique na imagem e veja o especial “O caminho da lama”

O rompimento nesse caso só afetou equipamentos da unidade. Mas, no mesmo ano, um vazamento de um dos espessadores (tanque onde é feita a separação entre sólidos e líquidos) de Germano atingiu a vegetação de uma encosta e a estrada. A empresa foi autuada pela Fundação Estadual do Meio Ambiente.

Em 2006, novo vazamento, desta vez de polpa de minério, foi registrado em Barra Longa (MG), atingindo dois córregos. A Samarco teve que construir uma bacia de contenção e distribuir material de limpeza e água para seis famílias que utilizavam os córregos para lavar roupas.

Em 2008, 1.890 m³ de polpa de minério (equivalentes a 75% de uma piscina olímpica) vazaram do mineroduto da empresa em Anchieta (ES), atingindo uma área de pastagem e um córrego. Naquele ano, ela foi multada em R$ 1,6 milhão pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente do Espírito Santo.

Em 2010, 433 m³ de polpa de minério causaram morte de peixes no rio São João e a interrupção, por três dias, de captação de água em Espera Feliz (MG). “Dois anos depois, a Samarco reintroduziu peixes no rio. Não sei se vingou, pois não temos estudos”, diz Rodrigo Carrara, diretor de Meio Ambiente da prefeitura.

O promotor Bruno Guerra diz que a lama causou danos em áreas de preservação. “O Ministério Público busca indenização dos danos ambientais irrecuperáveis e danos morais coletivos.” Há um inquérito civil aberto.

O consultor em barragens Jehovah Nogueira Jr. afirma que quantidade vazada é grande e pode indicar que a empresa demorou para agir.

OUTRO LADO

Procurada, a Samarco não respondeu sobre os casos específicos citados pela Folha.

A mineradora afirmou, por meio de sua assessoria, que “tem respeito à vida como um de seus valores” e “segurança como prioridade em suas operações.” Disse ainda que tem índices de acidentes de trabalho abaixo da média mundial da mineração, mas não informou quais são.

Segundo a Samarco, os minerodutos são monitorados em tempo real, e o fluxo de polpa de minério é interrompido “tão logo sejam detectadas possíveis falhas”.

“A Samarco acionou planos de emergências específicos e realizou ações para mitigação dos danos, além de promover a limpeza das áreas afetadas. Cabe ressaltar que a polpa de minério de ferro é inerte”, diz.

A empresa afirma que os relatórios não estão mais no site por estar priorizando as divulgações sobre Mariana.

O diretor jurídico da Vale, Clovis Torres, disse que a mineradora não pode ser responsabilizada legalmente pelo rompimento da barragem da Samarco em Mariana (MG).

“Você pode até discutir que a Vale tem responsabilidade enquanto acionista da Samarco, mas responsabilidade legal, a resposta é não”, afirmou em evento na Bolsa de Nova York, nesta terça-feira (1º). A Samarco é controlada em conjunto pela Vale e pela BHP.

O diretor jurídico afirmou que a Vale não foi notificada formalmente da ação civil planejada pelo governo federal, que prevê a criação de um fundo de R$ 20 bilhões para recuperar a bacia do rio Doce.

A companhia reconheceu que os acionistas podem ser chamados a resolver danos ambientais caso se comprove que a Samarco não tem condições de arcar com os prejuízos.

“A Samarco não é uma empresinha qualquer, não é um botequim. É uma companhia de US$ 10 bilhões, que fatura US$ 2 bilhões por ano. Não há que se falar, neste momento, em responsabilidade dos acionistas e muito menos em provisão por parte dos acionistas”, disse Torres.

Diante do tamanho da tragédia no rio Doce, que ainda está em curso, não é possível afirmar quanto da bacia hidrográfica entupida pela lama poderá ser recuperada. O que não significa, segundo especialistas, que se deva desistir de tentar.

O plano da ONG WWF é oferecer uma ferramenta usada em outras partes do mundo, e também no Pantanal, que ajuda a criar “bombas de água limpa” para tentar desentupir os rios da região.

FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/12/1713745-samarco-teve-outros-4-vazamentos-de-lama-antes-de-trajedia-em-mg.shtml